FH repete a Bush recado francês
FH repete a Bush recado francês
Presidente vai cobrar excesso protecionista dos EUA e fará apelo para reduzir desigualdades entre pobres e ricos
PARIS - O presidente Fernando Henrique Cardoso encerrou ontem o tour europeu consagrado pelos países ricos como o líder e porta-voz dos países emergentes. Nos Estados Unidos, onde encontrará o colega americano George Bush, no dia 8, pretende fortalecer tal imagem. Na passagem pela Espanha, Inglaterra e França, o presidente brasileiro imprimiu a mensagem das nações que apelam por uma nova ordem mundial na qual a globalização seja instrumento de redução das desigualdades sem o predomínio de alguns mercados sobre outros. O recado foi endereçado especialmente a Washington. A expectativa no Itamaraty é que o presidente o repita diretamente a Bush.
O brasileiro considera os Estados Unidos um dos principais responsáveis pelos protecionismo agrícola dos países do Primeiro Mundo que prejudica as exportações dos pobres.
Os diplomatas brasileiros nos Estados Unidos passaram o dia, ontem, atentos a algum sinal do governo americano. Ao fim do dia, a Casa Branca continuava em silêncio. Afinal, não é de hoje que Fernando Henrique brada contra as barreiras alfandegárias dos países desenvolvidos e apela por uma nova ordem mundial nas viagens ao Exterior.
Desta vez, exatamente uma semana antes do encontro com Bush, subiu o tom. Na terça-feira, ao falar na Assembléia Nacional da França, foi enfático ao comparar a atos de barbárie, a intolerância e a imposição de políticas unilaterais para o planeta. O pronunciamento ecoou entre os parlamentares franceses. O presidente foi aplaudido de pé pela esquerda do primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, e pela direita do presidente Jacques Chirac.
O tratamento especial dispensado por Chirac ao brasileiro ficou claro desde o momento em que os dois se encontraram para um almoço no Palácio do Eliseu, sede do governo francês. Fernando Henrique foi recebido com um acolhedor abraço e não apenas com o formal aperto de mão, comum entre os chefes de Estado.
Chirac não poupou elogios a FH. Afirmou que os dois tem uma ''visão idêntica'' sobre as questões mundiais, referindo-se ao discurso feito pelo brasileiro na véspera. Salientou que concordam também sobre as dificuldades nas relações bilaterais França-Brasil. O governo francês também adota políticas protecionistas criticadas pelo Brasil e os parceiros do Mercosul - Argentina, Uruguai e Paraguai. O presidente francês evitou responder ao ser indagado como os dois países pretendem resolver os entraves comerciais nas relações com o Mercosul. Saiu-se com uma inodora promessa: ''A França estará sempre ao lado do Brasil para fazer o máximo nesse sentido''.
FH não ficou atrás. Assegurou que as conversas com Chirac e Jospin comprovaram a existência de ''enormes convergências no plano internacional, entre a América do Sul, o Mercosul e a União Européia''. Não falou das divergências. Preferiu lembrar que a maior fronteira da França é com o Brasil, situa-se entre a Guiana Francesa e o Amapá. A brincadeira mereceu um sorriso e um acenar de cabeça de Chirac.
Aparentando modéstia, Fernando Henrique se disse surpreso com os aplausos que interromperam, em nova ocasiões, seu discurso no Parlamento: ''Atribuo isso ao espírito francês e à amizade que a França tem pelo Brasil.'' O sucesso contudo não repercutiu na imprensa de Paris. Com exceção do Le Monde - que publicou uma entrevista do presidente no alto de página, com direito a retrato de bico de pena e um perfil elogioso - os outros jornais foram econômicos. O Libération referiu-se ao pronunciamento de FH na Assembléia num pequeno texto na coluna ''Pessoas''. da editoria Mundo. O Figaro abriu mais espaço, mas errou no essencial. O jornal conservador publicou ontem, último dia da viagem oficial, reportagem noticiando o ''início'' da visita.
Elogio ao presidente custa caro
BRASÍLIA - O esforço para agradar o chefe custou caro para um grupo de sete diretores da antiga estatal Telebrás. Cada um deles foi multado em R$ 5 mil pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O motivo foi o livro ''Fernando Henrique Cardoso - História da Política Moderna do País'', editado pela Telebrás em 1998, quando a empresa ainda pertencia ao governo. Fartamente ilustrado com fotos do presidente, o livro custou R$ 250 mil aos cofres públicos.
O processo tramitou em sigilo. A sentença final foi publicada no Diário Oficial de terça-feira. O TCU concluiu que o livro contraria o artigo 37 da Constituição, que proíbe o uso de verbas públicas para promoção pessoal de governantes. ''O que se contesta aqui é a promoção de uma autoridade à custa de recursos públicos, evidenciada pelo patrocínio, por uma empresa estatal, de um projeto que, da sua concepção à execução, envolve justamente o nome, imagens, e símbolos alusivos à autoridade máxima do Executivo, procedimento, além de moralmente censurável, vedado pela Constituição Federal'', diz o relatório da auditoria.
Para o TCU, ainda mais grave que o livro foi a organização de exposições com fotos e documentos da Fernando Henrique, que fazem parte da obra. A exposição foi montada em assembléias legislativas estaduais, bem no período da campanha eleitoral de 1998, quando FH disputava a reeleição.
Quando o processo foi aberto, a Eletrobrás anunciou a suspensão do patrocínio. Não convenceu o TCU. ''O distrato não afasta a mencionada promoção pessoal, ao contrário, até robustece o fato de ter havido apenas tal promoção, ocorrido em momento adequado ao homenageado''. Este momento foi a campanha eleitoral, quando ocorreram as exposições.
A direção da empresa se defendeu, alegando que o livro sobre o presidente tinha caráter ''cultural''. Para reforçar a tese, lembrou que o projeto fora aprovado por outro órgão do governo, o Ministério da Cultura. Mais uma vez, o argumento não convenceu os auditores nem os ministros do TCU. Para o tribunal, cultura e propaganda política conviveram perigosamente no mesmo projeto.
A multa vai atingir Fernando Xavier Ferreira, ex-presidente da Telebrás e os ex-diretores Haroldo Wangler Cruzeiro, Daltron Magalhães, Eduardo Levy Cardoso Moreira, Epfrain Neitzke, Hélio Machado Graciosa e Sérgio Gonçalves Pereira.
Tasso elogia avanços sociais
Em palestra para empresários na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o governador do Ceará, Tasso Jereissati, que disputa a indicação de candidato do PSDB ao Palácio do Planalto, elogiou ''os avanços nas políticas sociais'' do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na semana passada, Tasso criou mal-estar na cúpula dos tucanos, ao criticar a política econômica em encontro com empresários de São Paulo.
Entre os pontos positivos do governo Fernando Henrique, mereceram destaque de Tasso a consolidação do ajuste fiscal, o controle da inflação e as políticas adotadas nas áreas de saúde e educação. ''Hoje, 97% das crianças estão nas salas de aula. Na próxima geração, este país não terá mais analfabetos. Os índices de mortalidade infantil são comparáveis a países como Suíça e Estados Unidos. O Brasil de hoje é muito melhor preparado para o futuro do que o Brasil de quando eu comecei na vida pública'', discursou.
Desigualdade - O governador do Ceará disputa com o ministro da Saúde, José Serra, e o ministro da Educação, Paulo Renato, a indicação de candidato tucano às eleições presidenciais de 2002. Até quando voltou a levantar a bandeira da redução da desigualdade social, Tasso defendeu o governo federal.
''Temos que repensar o nosso modelo. Mas em cima do que o Fernando Henrique nos deixa, preservando todas as suas conquistas que tem programas sociais que nunca existiram parecidos neste país, o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação'', af irmou o governador.
Em uma das perguntas da platéia após a palestra, foi abordada a necessidade de mais apoio governamental às pequenas e médias empresas. Tasso respondeu que isso só será conseguido com a reestruturação da política de planejamento do país. Em seguida, ressalvou ser compreensível o ''peso do Mistério da Fazenda'' no governo do presidente Fernando Henrique.
Objetivos - ''É compreensível porque este governo começou depois de uma hiperinflação, com ameaças de descontrole total. Mas é necessário que tenhamos de volta um planejamento em que sejam decididos e definidos quais são os grandes critérios e os grandes objetivos nacionais'', defendeu Tasso.
Deputados votarão imunidade
BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves (PSDB-MG), marcou para semana que vem a votação da proposta de emenda constitucional que limita a imunidade parlamentar. Se a emenda for aprovada, o Supremo Tribunal Federal (STF) não precisará mais de licença da Câmara para processar congressista. Os crimes de opinião, entretanto, continuarão imunes a processos. ''É o projeto mais audacioso da Câmara'', anunciou Aécio, que aposta seu futuro político na aprovação do texto. De acordo com a proposta, um deputado poderá ser cassado até por crimes cometidos antes de seu mandato.
A decisão de votar o projeto foi tomada após reunião dos líderes partidários na casa do presidente da Câmara. Aécio ainda tentou costurar um acordo para não incluir na emenda uma sugestão do relator Ibrahim Abi-Ackel (PPB-MG), prevendo a possibilidade de votação secreta no plenário para que o processo do STF contra os parlamentares seja suspenso. ''Tal votação deve ser aberta e com maioria absoluta'', disse o presidente da Câmara.
O fim da imunidade é o item mais importante das medidas éticas da Câmara. O pacote inclui a criação do Conselho de Ética para julgar deputados e a regulamentação do Código de Ética, aprovada ontem. O relator da regulamentação, deputado Moroni Torgan (PFL-CE), conseguiu acrescentar no texto a possibilidade de o Conselho quebrar o sigilo bancário de pessoas envolvidas com o parlamentar investigado.
Lobby - Aécio pretende submeter ao plenário outro projeto polêmico, o que cria regras de conduta para lobistas que transitarem pelos salões e gabinetes do Congresso, entre elas o uso de crachá.
Os líderes partidários concordaram em dar caráter de urgência ao projeto que regulamenta o lobby no Congresso. De autoria do vice-presidente Marco Maciel e tramitando desde 1992, obriga lobistas a se credenciar e utilizar crachás no Congresso. Eles também deverão fornecer anualmente declaração de gastos referentes a sua atuação.
O projeto foi considerado inconstitucional pela Comissão de Constituição e Justiça. O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), apresentará substitutivo transformando o projeto de lei em projeto de resolução. A mudança enquadraria o texto na Constituição.
Quebra de sigilo de dois bancos
BRASÍLIA - Os extintos Bamerindus e Econômico, liquidados na crise que abalou o sistema financeiro em 1995, tiveram seus sigilos quebrados pela CPI da Câmara dos Deputados que investiga o Proer - programa de socorro aos bancos. De acordo com um dos requerimentos aprovados, a quebra do sigilo do Econômico e Bamerindus é necessária para identificação dos empréstimos, pagamentos e transferências feitas por esses bancos com valor igual ou superior a R$ 1 milhão, nos seis meses que antecederam as intervenções.
Outro requerimento solicita a quebra do sigilo fiscal do Bamerindus para verificar a se o banco tinha créditos a receber do ao governo federal na época em que teve sua liquidação decreta. à época da intervenção. A CPI aprovou, também, a convocação do ex-chefe do Departamento de Câmbio do Banco Central Gilberto Nobre, para prestar esclarecimentos numa audiência pública. Ele foi vice-presidente do Banco Excel na época da negociação da compra do Banco Econômico com a diretoria do Banco Central.
A CPI do Proer aprovou requerimento que convida os executivos Arnolde de Oliveira e Clarimundo Santana, ex-vice-presidentes do Banco Nacional no período que antecedeu ao Proer, a participar de audiência na comissão.
Em minoria na CPI do Proer, os deputados da oposição aceitaram o acordo proposto pelo relator Alberto Goldman (PSDB-SP), que possibilitará a reconvocação do ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola. O ex-controlador do Bamerindus, José Eduardo Andrade Vieira, acusou o Banco Central, na época presidido por Loyola, de responsável pela liquidação do seu banco. Pelo acordo, a acareação entre Loyola e Andrade Vieira fica mantida na pauta, para ser decidida posteriormente.
Os deputados aprovaram ainda requerimento para que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal encaminhem à CPI do Proer demonstrativo de aplicações em depósitos interbancários feitos em favor dos bancos Nacional e Econômico. Suspeita-se que os dois bancos estatais sustentaram a inadimplência de instituições privadas por orientação do Banco Central.
CPI deixa deputados insatisfeitos
BRASÍLIA - Depois de meses de investigações e viagens pelo país, a CPI das Obras Inacabadas só conseguiu apontar irregularidades em três empreendimentos públicos. Das 122 obras auditadas , só as BRs 121 e 135, em Minas Gerais, e o aeroporto de Salvador serão investigados pelo Ministério Público. A tímida relação surpreendeu os congressistas. As rodovias estão há um mês na lista de obras irregulares divulgadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Não podem receber verbas do Orçamento.
''Não conseguimos selecionar os casos mais importantes'', admitiu o relator, deputado Anivaldo Valle (PSDB-PA). Desde a instalação da CPI, Anivaldo se desentende com o presidente da comissão, Damião Feliciano (PMDB-PA). Em setembro, os líderes da Câmara tentaram interromper os trabalhos da CPI porque um empreiteiro, anonimamente, acusou Damião de extorquir empresários para não citá-los.
Irritada com as conclusões, a oposição pediu vistas. O deputado Avenzoar Arruda (PT-PA) vai apresentar relatório em separado.
Nicolau troca cela por sala especial
Acusado de desviar quase R$ 200 milhões, juiz obteve na Justiça o direito de ocupar espaço privado na carceragem
SÃO PAULO - O juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto deixará a cela comum onde estava desde anteontem à noite, no porão da Casa de Custódia da Polícia Federal, e será transferido para a sala do primeiro andar, prisão especial que ocupou de 8 de dezembro do ano passado até 29 de junho. A decisão é da desembargadora Suzana Camargo, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região. Ela determinou que Nicolau retorne à carceragem nas condições em que esteve detido até obter prisão domiciliar, cassada anteontem pelo TRF.
Processado pelo desvio de R$ 196,7 milhões, em valores atuais, da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo, Nicolau cumpria prisão provisória em sua mansão, no Morumbi, área nobre da capital paulista. O advogado Alberto Toroni obteve o benefício alegando que o juiz apresentava um quadro de depressão e hipertensão.
Com a cassação da prisão domiciliar, Nicolau foi levado na terça-feira para uma cela no porão da Casa de Custódia. Embora a condição de magistrado lhe dê direito a prisão especial, ficou em em companhia de cinco presos. Um deles é o americano Peter Paul, acusado de um golpe de US$ 25 milhões na Nasdaq - bolsa de ações das empresas de alta tecnologia. Os outros eram um judeu americano acusado de sonegação fiscal, um cubano preso anteontem no Aeroporto Internacional de São Paulo com documentos falsos, um funcionário da Secretaria da Receita Federal acusado de fraudar pensões e um médico da Legião Brasileira de Assistência (LBA).
Quando se apresentou à Justiça, em 8 de dezembro do ano passado, depois de quase seis meses foragido, Nicolau ficou sozinho na sala à qual voltará, com cama, televisão e banho quente. Diariamente, a mulher e as duas filhas levavam as refeições.
Laudo - Em julho, voltou à prisão, mas saiu no dia seguinte, beneficiado por liminar obtida no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. Um mês depois, o laudo da junta médica que fez avaliação clínica e psicológica concluiu que ele poderia receber tratamento de saúde em regime carcerário.
Nicolau voltou à Casa de Custódia sem as regalias da primeira passagem. Os privilégios de que desfrutava levaram o Ministério da Justiça a obter do Congresso a reforma o artigo do Código de Processo Penal que trata da prisão especial. A nova redação estabeleceu que prisão especial é apenas local distinto da carceragem comum. Agora, Nicolau só poderá receber visitas às quintas-feiras, terá direito a banho de sol duas vezes por semana e deverá comer a comida da cadeia.
Habeas corpus - Para tentar tirar seu cliente da dura realidade da cadeia, o advogado Alberto Toron entrou no STJ com habeas corpus, alegando ''estado de saúde precário''. O relator, ministro Fernando Gonçalves, decidiu estudar o processo em casa. Nada impede, entretanto, que dê o despacho antes do feriado do Dia de Finados.
Artigos
Por que contra os EUA
Leonardo Boff
Mais importante do que saber quem praticou os perversos atos de terror nos Estados Unidos é identificar as causas que levaram a tais expressões de demência. As causas seguramente não se restringem aos EUA mas, de certa forma, alcançam toda a cultura ocidental, com sua história de colonialismo, de imperialismo e de terror levados a todos os quadrantes da Terra. As conseqüências traumatizam as vítimas até os dias de hoje.
Queremos transcrever as palavras de um bispo norte-americano que expressa o que muitos seguramente sentem. Seu nome é Robert Bowman, bispo de Melbourne Beach, Florida. Antes, fora piloto de caças militares e realizara 101 missões de combate durante a guerra do Vietnam. Fez-se depois padre católico e finalmente bispo.
Há pouco tempo, escreveu uma carta aberta ao presidente Clinton, por ocasião dos bombardeios de Nairóbi e Dar es Salaam, onde as embaixadas norte-americanas haviam sido atacadas pelo terrorismo. Seus termos podem ser aplicados com mais razão a George W. Bush e à guerra que coordena contra os talibãs no Afeganistão.
''O senhor disse que somos alvos de ataques porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Que piada!
Somos alvos de terroristas porque, em boa parte do mundo, nosso governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos de terroristas porque nos odeiam. E nos odeiam porque nosso governo faz coisas odiosas.
Em quantos países agentes de nosso governo destituíram líderes escolhidos pelo povo, trocando-os por ditaduras militares fantoches, que queriam vender seu povo para sociedades multinacionais norte-americanas!
Fizemos isso no Irã, quando os fuzileiros navais norte-americanos e a CIA destituíram Mossadegh porque ele queria nacionalizar a indústria do petróleo. Nós o trocamos pelo Xá e armamos, formamos e pagamos sua odiada guarda nacional Savak, que arrasou e cometeu brutalidades contra o povo do Irã. E tudo isso para proteger os interesses financeiros de nossas companhias petrolíferas. Podemos achar estranho que haja no Irã que nos odeie?
O mesmo fizemos no Chile e no Vietnam. Mais recentemente, tentamos fazer no Iraque. Quantas vezes não o fizemos na Nicarágua e no resto das repúblicas ''das bananas'' da América Latina? Muitas vezes expulsamos líderes populares que queriam a divisão das riquezas da terra entre as pessoas que nela trabalham. Nós os substituímos por tiramos criminosos para que vendessem seu povo e para que a riqueza da terra fosse levada pela Domino Sugar, United Fruit Company, Folgers e Chiquita Banana.
País após país, nosso governo se opôs à democracia, sufocou a liberdade e violou os direitos do ser humano. Essa é a causa pela qual nos odeiam em todo o mundo. Essa é a razão de sermos alvos dos terroristas.
Em vez de enviar nossos filhos e filhas pelo mundo inteiro para matar árabes e, assim, termos o petróleo que há sob sua terra, deveríamos enviá-los para reconstruir sua infra-estrutura, beneficiá-los com água potável e alimentar as crianças em perigo de morrer de fome.
Em vez de treinar terroristas e esquadrões da morte, deveríamos fechar a Escuela de las Americas. Em vez de patrocinarmos a rebelião, a desestabilização, o assassinato e o terror no mundo inteiro, deveríamos abolir o atual formato da CIA e dar dinheiro para as agências de ajuda.
Essa é a verdade, senhor presidente. Isso é o que o povo norte-americano deve compreender.''
O texto, publicado no National Catholic Reporter, está em português na Agenda Latino-Americana 2001, página 181).
Não é com mais terrorismo que se combate o terrorismo. Mas com a coragem de colocar o dedo na ferida e de introduzir formas cooperativas de relações internacionais, ao invés opressoras. Então o terrorismo perderá sua motivação e sua equivocada razão de ser.
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER
Deram régua e compasso ao MST
O professores de universidades e escolas de ensino médio federais deram mostras de que nutrem mais gosto pela greve, que mantêm há 70 dias, do que ao atendimento de suas reivindicações, quando suspenderam as negociações, ante a notícia de que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, mandou o governo federal liberar o pagamento de setembro.
Bem comparando, os professores começam a adotar a tática do MST que é a do conflito pelo conflito. Aquela, segundo a qual, a cada reivindicação aceita corresponde uma nova, dando a impressão de que a idéia é dificultar e não chegar a entendimento. O presidente do STF, entre cujas decisões estão as que permitiram as fugas de um coronel traficante e do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, sob o argumento de que professores têm direito a fazer greve, esqueceu-se de que para receber salários os cidadãos têm o dever de trabalhar.
Firmada a jurisprudência, está liberado o direito remunerado à greve, seja ela justa ou injusta, prejudique milhares de jovens ou não, solidifique o corporativismo que assola o setor de Educação ou dê razões de sobra a certos núcleos do ensino superior que consideram uma injustiça que se lhes cobre o devido desempenho.
Vive-se hoje, nesse patamar, o mesmo drama relatado pela prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (que não deve ser a única a vivê-lo), segundo o qual o foco exclusivo nos salários faz com que os sindicalistas de resultados na Educação preocupem-se apenas com seus respectivos resultados pecuniários no fim do mês. Legítimos, assim como é legítimo também o direito do estudante, em particular, e da sociedade, de modo geral, à Educação de qualidade com todas as suas circunstâncias.
O tumulto promovido neste domingo na UFRJ, que conseguiu impedir que 14 mil candidatos de 12 cursos na universidade fizessem a primeira etapa do vestibular, por causa de piquetes organizados no Colégio de Aplicação, onde fariam as provas 570 estudantes, é fato inédito na democracia. Quando vivemos a ditadura, era a polícia que invadia sob quaisquer pretextos. Agora, são os professores e os aparelhos (UNE e UEE) estudantis que cumprem a tarefa antidemocrática de forçar a submissão da coletividade aos seus interesses.
Uma dúvida: o que tem a ver o vestibular com o movimento dos professores universitários, dado que, no terceiro ano do ensino médio, o primeiro semestre é apenas repetição, e o segundo, reforço do conteúdo dado nos dois primeiros anos?
A única conclusão possível é a de que os professores em greve, à falta de competência - certamente compartilhada com o governo federal - para encaminhar democraticamente um movimento por salários, usaram o vestibular para dar fôlego ao movimento. Da mesma forma como agora usam a decisão do STF.
A briga com o reitor da UFRJ, José Henrique Vilhena, não é nova. Data de sua eleição, sempre contestada. Essa é uma disputa que, aqui, faltam elementos para analisar. Mas, convenhamos, ao bancar a realização do exame, Vilhena assenhoreou-se do cargo para o qual foi escolhido. Já os reitores que aceitaram adiar para fevereiro o vestibular, com todo o respeito, entregaram as instituições que dirigem ao corporativismo.
A isso, à atitude de conflito pelo conflito que têm adotado os professores, dá-se o nome de descompromisso total com a missão a que se propuseram: a formação educacional do jovem brasileiro. Que, talvez, hoje, possa até ser simpático à causa dos professores pelo que de arremedo de democracia ela encerra. Mas, em breve, notarão quem paga a conta da irresponsabilidade e do radicalismo à deriva.
Favre responde
A propósito do texto publicado aqui, no domingo, atribuindo a Luis Favre, que viajou com Luiz Inácio Lula da Silva à Europa, a inspiração da defesa da política protecionista francesa, Favre envia, de Paris, o seguinte e-mail:
''Contrariamente ao escrito na nota, não sou assessor da Prefeitura de São Paulo e, sim, da Secretaria de Relações Internacionais do PT. Não sou ligado ao Partido Socialista francês e, sim, ao Partido dos Trabalhadores do Brasil.
''Não sou especialista em questões agrícolas e, portanto, não há porque pressupor que, sobre esse tema, minhas posições possam ter qualquer influência sobre o presidente do PT. Ao contrário, reconheço a influência de Lula na minha reflexão sobre o tema e me parecem válidos os argumentos defendidos por ele sobre essa questão. É uma postura em defesa do caráter multinacional da agricultura e, não, a favor do protecionismo agrícola europeu.
''Caso as posições dos partidos franceses sobre o tema lhe interessem, os exportadores agrícolas franceses são uma das principais bases de sustentação de Chirac e a maior força sindical do setor é a principal defensora das subvenções agrícolas e os que mais reduziram esses subsídios foram os partidos de esquerda no governo.''
Esses conhecimentos todos, pelo que diz Favre, lhe foram transmitidos por Lula, seu inspirador na ''reflexão sobre o tema''. Donde a conclusão de que o candidato do PT está em dissonância com a esquerda francesa que, entusiasmada, saudou o discurso antiprotecionista de Fernando Henrique no Parlamento francês.
Editorial
Luzes do Mundo
O presidente Fernando Henrique fez história na viagem à Europa encerrada ontem. Começou por Madri, onde, com emoção e ousadia, defendeu uma nova ordem econômica mundial e novos figurinos para o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização das Nações Unidas. Questionou o peso excessivo que se dá ao G-7 (a reunião dos sete grandes) e pediu que seja ampliada a representação no Conselho de Segurança da ONU. O discurso repercutiu de tal maneira que o primeiro-ministro britânico Tony Blair o convidou para passar o fim de semana em sua casa de campo, em companhia de ilustre convidado, o ex-presidente dos EUA, Bill Clinton. Prova ainda maior de prestígio viria na última escala, em Paris. Primeiro chefe de estado da América Latina a discursar na Assembléia Nacional da França, Fernando Henrique foi aplaudido de pé pelos parlamentares e ministros franceses, pela viva impressão que o discurso deixou à esquerda e à direita.
Comenta-se com freqüência que Fernando Henrique tem gosto pela diplomacia presidencial. O presidente sente-se bem nos contatos internacionais, desbravando temas inóspitos e abrindo portas ou aparando arestas para a ação posterior do Itamarati. É verdade, mas é pouco. O Brasil nunca viu nada parecido com o sucesso internacional do seu mais alto mandatário. A ação diplomática de Fernando Henrique é inigualável. O jeito de ser cordial e educado faz dele homem de muitos amigos e facilita certamente o convívio com dirigentes de outros países. Goste-se ou não do presidente, não há como negar o fascínio que exerce nos interlocutores sua formação intelectual e acadêmica. Além do domínio do inglês, do francês e do espanhol, possui cultura de primeiríssimo nível, com nítida influência humanista. Um homem do mundo.
Para quem tem dúvida, basta ler o discurso de Fernando Henrique perante a Assembléia Nacional da França. A abertura, noblesse oblige, traz a marca da gratidão. Fernando Henrique cita o legado que pensadores franceses, como Roger Bastide, Claude Lévi-Strauss e Fernand Braudel, deixaram na Universidade de São Paulo e revela que aprendeu sociologia com George Friedman e Alain Touraine. Lembra que o exílio o levou a Paris nos anos 60 e que viveu os dias libertários de 1968. Refere-se a outros autores, Claude Lefort, Castoriadis, Raymond Aron, e revela que lecionou da École des Hautes Études e, depois, no Collège de France, ''por generosidade de Michel Foucault''. Para os parlamentares e ministros franceses, a longa reminiscência soou como música dos deuses. A nota mais forte veio com a conclusão sobre a lição recebida nos anos de exílio: ''A França, sempre identificada com os valores universais, para mim se tornou sinônimo de pluralismo, ideal que é muito caro, como a todos os brasileiros, produto que somos da integração contínua e duradoura de diferentes culturas''.
Uma constante nos discursos de Fernando Henrique, a introdução pessoal e emotiva costuma abrir espaço para ferir o ponto que interessa. Em Paris, não foi diferente. Depois das referências obrigatórias à autodeterminação dos povos e ao combate às desigualdades, abriu-se a ocasião para mandar aos países desenvolvidos uma mensagem de extrema importância, em meio a citações de Camus e Montesquieu. Para o governo brasileiro, tornou-se cansativo ouvir falar de livre mercado ou das benesses da globalização sem que se estabeleçam condições mínimas de eqüidade comercial. Após ressaltar que a associação entre o Mercosul e a União Européia pode vir a ser um padrão de convivência, Fernando Henrique pôs o dedo na ferida: ''Cumpre estar atento ao princípio de eqüidade. Aos ganhos de um lado deve corresponder o atendimento às expectativas do outro''.
A mensagem não é cifrada, é cristalina. ''Se acreditamos de fato no livre comércio, cabe ao Mercosul e à União Européia a adoção de medidas efetivas contra o protecionismo'', disse o presidente. Mas fez questão de, polidamente, não concentrar a bateria nos subsídios e nas barreiras alfandegárias francesas: ''O preço desta mudança não deveria ser pago apenas pela França, uma vez que outros países mais poderosos continuam a subsidiar fortemente seus produtos agrícolas''. Onde está dito outros países, leia-se Estados Unidos da América. A menção ao protecionismo americano não poderia ser mais oportuna, pois o mundo desenvolvido não reza pela mesma cartilha. A União Européia tem demonstrado maior flexibilidade em relação às demandas dos países emergentes. E também olha com estranheza o ilimitado apoio financeiro que o governo americano vem dando aos setores da economia que entraram em crise depois dos atentados de 11 de setembro. Pergunta-se na Europa: os EUA não criticavam o intervencionismo dos países europeus na vida empresarial? E agora? Como explicam o renascimento de lord Keynes?
Cabe aos países em desenvolvimento aproveitar as visões distintas que reinam no mundo desenvolvido. E Fernando Henrique se mostra sensível ao momento. É hora de cobrar simetria de oportunidades. Sem relações comerciais justas e equilibradas, a globalização servirá a muitos fins e senhores, mas não contribuirá para reduzir as desigualdades r egionais. Na França, Fernando Henrique deu o brado de alerta: ''Se é certo que a globalização aproxima mercados e sistemas produtivos, não é menos certo que a paz no mundo depende da difusão de uma ética da solidariedade''.
O que se viu em Paris foi Fernando Henrique Cardoso utilizar com enorme habilidade os recursos da diplomacia presidencial. A partir do êxito da viagem à Europa, cresce a expectativa sobre o discurso que o presidente da República fará na abertura da 56ª Assembléia-Geral das Nações Unidas, no dia 10 de novembro. Queira ou não a oposição, as atenções do mundo se voltaram para o Brasil graças ao talento de Fernando Henrique para a diplomacia. Um fato histórico.
Topo da página
11/01/2001
Artigos Relacionados
Manifestações dão recado a governantes, diz Valadares
ACM RECOMENDA A FHC OUVIR O RECADO DAS URNAS COM HUMILDADE
Vídeo | Manifestações são um recado geral, avaliam senadores
ACM DIZ QUE PARTIDOS E GOVERNO DEVEM OUVIR "RECADO DAS URNAS"
Recado das manifestações pode mudar prioridades do governo, diz Gilberto Carvalho
José Agripino: "Eleitor deu seu recado: quer promessas cumpridas e não aceita radicalização"