Governo envia projeto que completa Lei Antidrogas









Governo envia projeto que completa Lei Antidrogas
Proposta, apresentada pelo general Cardoso, veta liberdade provisória para traficante

BRASÍLIA – O governo enviou ontem ao Congresso projeto de lei que define punições alternativas para usuários de drogas e complementa trechos vetados da Lei Antidrogas. Em janeiro, ao ser sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, 85 dos 210 dispositivos da nova lei foram vetados, a maior parte por motivos de redação jurídica.

O projeto passa a chamar de “medidas de caráter educativo” as punições alternativas para usuários. Essas medidas são: prestação de serviços comunitários e comparecimento a programa ou curso educativo e a atendimento psicológico. A prestação de serviços comunitários deverá ser cumprida em estabelecimentos ligados à prevenção de consumo ou tratamento de usuários.

A punição aos usuários fica limitada à duração de um ano. Em caso de reincidência, o consumidor de drogas não terá a pena agravada. A proposta enviada ao Congresso foi apresentada pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Alberto Cardoso. Ele enfatizou que a idéia do governo é dar tratamento diferenciado a usuários e traficantes.

Preocupado em impedir que traficantes tentem passar-se por usuários, o governo estipulou que caberá ao juiz determinar se a pessoa detida é usuária ou traficante de drogas, podendo para isso solicitar até exame toxicológico.

O projeto deixa claro que traficantes deverão cumprir toda a pena em regime fechado, acabando com a possibilidade de progressão para regime semi-aberto prevista em trecho vetado da Lei Antidrogas. A proposta proíbe até a concessão de liberdade provisória para traficantes detidos. O governo tem pressa em aprovar o projeto e solicitou que sua tramitação ocorra em regime de urgência.

Comissão – A comissão encarregada de preparar o pacote antiviolência do Congresso dividiu os trabalhos em sete grupos. Cada um cuidará de propostas relacionadas a tipos diferente de crimes. Foram definidos, entre outros, os grupos que tratarão de medidas contra seqüestros, o crime organizado e o narcotráfico e os que tratarão da legislação penal e ações preventivas a ser adotadas no País para reduzir os índices de criminalidade.

Em reunião hoje pela manhã, os parlamentares vão definir em que data terão de indicar as propostas com prioridade de votação.


Deputado tentará mudar a medida provisória sobre IR
BRASÍLIA - O deputado Germano Rigotto (PMDB-RS) deu início ontem a uma mobilização para retirar o aumento da alíquota de 1,08% para 2,88% da contribuição social sobre lucro líquido, da medida provisória que corrige a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Rigotto reuniu-se com entidades prestadoras de serviço e ligadas à área de contabilidade para traçar uma estratégia que pressione o Palácio do Planalto a voltar atrás e impeça o aumento da contribuição. "Temos de garantir a aprovação da medida provisória com a correção de 17,5% da tabela de Imposto de Renda, mas sem o aumento do imposto para os prestadores de serviço", afirmou. "Não existe nenhuma renúncia fiscal do governo com a correção da tabela. O que estão querendo fazer é confisco no bolso do contribuinte."

Ao editar a medida provisória, o governo federal alegou que perderia R$ 1,8 bilhão ao ano com a correção da tabela de Imposto de Renda. Por isso, resolveu compensar parte da perda com o aumento da alíquota da contribuição social. O Palácio do Planalto já avisou que até concorda em retirar o aumento para o setor, desde que os parlamentares encontrem outra forma de compensar a redução de arrecadação com o Imposto de Renda.

"O governo tem outras formas de compensar essa perda sem aumentar a carga tributária do cidadão", disse Rigotto. Ele sugeriu que o governo combata fortemente a evasão fiscal e corte despesas para suprir a perda de arrecadação. A medida provisória que corrige a tabela de Imposto de Renda, congelada há sete anos, precisa ser votada até o dia 30 de março, quando passará a trancar a pauta de votações da Câmara.

A mobilização para a retirada do aumento da contribuição social da medida provisória está sendo encabeçada pelo Núcleo Parlamentar de Estudos Tributários, que é coordenado por Rigotto. Os parlamentares do núcleo pretendem pressionar o governo e fazer com que o Planalto desista do aumento da contribuição. "Também vamos contar com o apoio das entidades prestadoras de serviço", observou o deputado.


Câmara aprova prorrogação da CPMF até 2004
Atual alíquota de 0,38% valerá até dezembro de 2003; no ano seguinte cairá para 0,08%

BRASÍLIA – A Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 334 votos a favor, 75 contrários e 1 abstenção, a emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) de 18 de junho deste ano para 31 de dezembro de 2004. A nova CPMF terá alíquota máxima de 0,38%, como é hoje, até 31 de dezembro de 2003, e de 0,08% de 1.º de janeiro a 31 de dezembro de 2004.

A receita da CPMF para este ano foi estimada em R$ 19,9 bilhões. Em 2001, foi de R$ 17,2 bilhões. São recursos anuais correspondentes a cerca de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O esforço fiscal de todo o setor público, recém-acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), equivale a 3,35% e a 3,5% do PIB em relação a 2001 e 2002, conforme dados levantados pelo relator da proposta, deputado Delfim Netto (PPB-SP).

No acordo dos líderes dos partidos que permitiu a aprovação do substitutivo ontem foi decidido ainda que seria apresentado um destaque para votação em separado (DVS) para retirar do texto a parte que isenta as operações na Bolsas de Valores da cobrança da CPMF.

O governo, que defende a isenção, teve receio de perder a votação, porque teria de assegurar 308 votos (três quintos dos deputados, número mínimo para a votação de uma emenda constitucional) e retirou seus deputados do plenário. Com isso, a votação desse destaque ficou para a semana que vem.

O grande problema para o governo é o tempo curto para aprovar a prorrogação do tributo. Por ser uma contribuição, terá de ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado até o dia 18 de março. Só assim poderá entrar em vigor em 18 de junho (90 dias depois de aprovada). O governo calcula que perderá R$ 50 milhões diários se não conseguir aprovar a CPMF até 18 de março.

A novidade do projeto que aprovado ontem, em relação ao texto original do relator, o deputado Delfim Netto (PPB-SP), foi a prorrogação da alíquota de 0,08%, correspondente ao que é repassado ao Fundo de Combate à Pobreza, até o fim de 2004. A divisão do dinheiro é a mesma existente hoje: 0,20% para o Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde; 0,10% para o custeio da Previdência Social e 0,08% para o fundo da pobreza.

Precatórios – Sem nenhuma relação com a CPMF, o relator da proposta buscou resolver o problema dos precatórios, existente hoje nos Estados, principalmente em São Paulo. Alguns têm valores tão elevados que podem paralisar o funcionamento das máquinas administrativas estaduais. Os precatórios de pequeno valor terão precedência sobre os demais. No caso dos Estados, pequeno será o precatório de até 40 salários mínimos (hoje R$ 7,2 mil), e para as prefeituras, o de até 30 mínimos (R$ 5,4 mil).

Também sem nenhuma relação com a CPMF, a emenda constitucional incluiu um item para atender a um pedido da Prefeitura de São Paulo. Enquanto não houver uma lei complementar para fixar as alíquotas mínimas e máximas para o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISQN), a alíquota mínima será de 2%. Não poderão ser concedidas isenções, incentivos e benefícios fiscais com esse tributo.

Para Delfim, a importância da CPMF aumenta se for comparada sua receita com a meta fiscal primária da União (excluídas as estatais). O superávit exigido nos orçamentos fiscal e da seguridade social é de 1,75% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2001, segundo o acordo que foi prorrogado com o FMI, e de 2,24% do PIB em 2002 e 2003, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em reais, a meta primária é de R$ 29,2 bilhões. A receita da CPMF, com a aprovação da emenda constitucional ontem, equivale a 65% desse resultado.

O deputado do PPB lembrou, em seu relatório, que por seu impacto sobre o custo do crédito a CPMF teria efeitos muito mais negativos se fosse adotada em países onde empresas e consumidores dependessem mais intensamente dele. No Brasil, argumentou, o volume de crédito ainda é muito baixo, o que torna o ambiente econômico propício para a adoção deste tipo de tributo.


Discurso petista agrada à Universal e aproxima o PL
Apesar da preferência por Garotinho, Bispo Rodrigues sai satisfeito de reunião com Lula

BRASÍLIA – O discurso da cúpula petista agradou à Igreja Universal do Reino de Deus e fez avançar a negociação com o PL. Para o deputado liberal Bispo Rodrigues (RJ), coordenador político da Universal, o PT “está se fazendo entender melhor pela sociedade” e é o partido que tem “a melhor opção para combater a miséria no Brasil”. Os comentários foram seguidos de elogios ao programa petista, debatido anteontem na reunião das cúpulas do PL e do PT. O deputado prevê ainda que o senador José Alencar (PL-MG) pode ser vice de Luiz Inácio Lula da Silva – mas deixa claro que é preciso comprovar, antes, que o presidenciável do PSB, Anthony Garotinho, não vai bem na disputa.

O encontro aconteceu na própria casa de Rodrigues, que se disse satisfeito com o que ouviu de Lula e do presidente nacional do PT, José Dirceu (SP). Ele aproveitou para criticar a ala radical petista, que se opõe a qualquer aliança com Alencar e os liberais para a corrida à Presidência. “É um absurdo que um deputado como Milton Temer (PT-RJ) não entenda que o PT, para chegar ao poder, tenha de fazer alianças com partidos fora do campo das esquerdas.”

Ao comentar a reunião, Dirceu fez questão de ressaltar que os pontos básicos do programa de governo do PT não serão modificados por causa de nenhuma aliança. “O caráter do programa não pode ser alterado, pois deixaria de ser o nosso programa.” Durante as comemorações dos 22 anos do PT, ontem no Rio, ele ressaltou que o partido não está negociando uma aliança com a Universal, mas apenas com o PL: “Não vamos fazer aliança em torno de questões religiosas, mas de questões programáticas.”

Menos incisivo, Lula prometeu aos liberais, anteontem, que as propostas de seu partido serão “ajustadas” às idéias de eventuais aliados – cuja lista inclui o PC do B, setores do PMDB e o PL.

A disposição de negociar foi bem recebida por Rodrigues e o PT já conseguiu apoio dos liberais para algumas propostas, como a renegociação da dívida externa. No seu programa de governo foi incluída uma auditoria e renegociação da dívida externa pública, previstas na Constituição, mas nunca levadas a sério.

Ao final do encontro, os dirigentes petistas e liberais saíram com o seguinte discurso: foi aberta uma “porta” para a formalização da aliança PT-PL e é possível levar adiante a negociação sobre programa de governo, mas não há, por enquanto, nenhuma garantia de que essa união será consumada.

“O PL está tão próximo de Garotinho quanto do Lula”, ponderava Rodrigues. Os comandos dos dois partidos terão novo encontro após a prévia do PT, em 7 de março, quando será escolhido o seu candidato ao Planalto.

Alheio às eventuais diferenças de ênfase dentro do PT, o PL se mostra, na verdade, mais próximo de Garotinho – que é evangélico e apresenta resistência às idéias mais radicais dos petistas. Foram esses pontos de resistência que Dirceu começou a combater ontem mesmo: “Pelo que li no programa do PSB, e acredito que esse é o programa do Garotinho, ele também defende propostas antineoliberais”, comentou.

Dirceu elogiou ainda o “caráter oposicionista” dos liberais: “O PL, nestes três anos, fez oposição ao governo. Estava na Marcha dos 100 mil e na Marcha Contra o Apagão e a Corrupção. Votou com a oposição nas principais questões no Congresso.” Ele disse que o PT quer “dialogar com um eleitorado além do eleitorado do PT” e discute com PMDB e PL.

Dirceu comentou também declaração a ele atribuída e publicada ontem pelo Estado e pelo jornal O Globo, de o PT é um partido de centro. Em nota oficial, ele se explicou: “Não afirmei em nenhum momento que o PT já não era um partido de esquerda. O que reafirmo e reitero é que o PT quer uma aliança com o centro, com base num programa aprovado no Recife e que permite essa aliança.


Aécio convence Planalto a moderar uso de MPs
Ante as queixas do deputado, FHC promete ouvir líderes antes de editar novas medidas

BRASÍLIA – O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), conseguiu ontem do presidente Fernando Henrique Cardoso a promessa de que a partir de agora nenhuma medida provisória será editada sem que antes sejam ouvidos os líderes governistas. Foi a resposta do presidente a um desabafo de Aécio, que no encontro chegou a insinuar a possibilidade de o Congresso aprovar uma cláusula de admissibilidade para MPs, caso o governo não adote critérios rigorosos para sua edição.

O próprio Aécio ajudou a derrotar uma das MPs que trancavam a pauta. Ele considerou descabida e sem nenhuma relevância ou urgência a medida que permitia ao governo contratar servidores temporários para substituir grevistas. Além disso, argumentou que há um projeto de lei que trata do direito de greve e isso poderia muito bem ter sido incluído nele. “Eu não compreendo por que essa MP foi editada”, disse ao deputado Walter Pinheiro (BA), que ontem deixou o cargo de líder do PT – ele será substituído por João Paulo Cunha (SP).

Os deputados acabaram considerando a MP inadmissível. Foi uma derrota para o governo e o pacote antigreve, baixado no ano passado, após a greve de quase cem dias dos professores universitários. “Ganha-se ou perde-se na votação das MPs e o governo tem de compreender isso”, declarou Aécio.

Ele disse que seria até bom que houvesse algumas derrotas, porque assim o governo entenderia que as regras das MPs mudaram e passaria a ser parcimonioso na sua edição. “Não vou permitir que as MPs tranquem a pauta da Câmara.” Aécio observou que assim o governo não pode cobrar rapidez do Congresso, como na votação urgente das medidas de segurança, porque ele próprio é responsável por atrapalhar os trabalhos da Câmara e do Senado.

Filtro – Logo depois, o deputado ligou para Fernando Henrique. Repetiu o que lhe dissera terça-feira e afirmou que não ficará refém das MPs. O presidente respondeu, segundo Aécio, que a partir de agora haverá um filtro e encarregou o ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, de cuidar disso: antes da edição de uma medida, ele terá de consultar os líderes governistas, para saber se a consideram urgente e relevante.

Na avaliação do presidente da Câmara, há setores do governo que ainda não assimilaram a mudança nas regras das medidas provisórias, feitas no segundo semestre do ano passado. “São burocratas que defendem interesses menores e acabam prejudicando o País, porque trancam a pauta”, criticou. Aécio disse que esses setores e o governo como um todo têm de entender que a medida provisória é um instrumento de exceção e só deve ser usada em casos muito especiais, quando não é p ossível esperar pelo prazo de tramitação, por exemplo, de um projeto de lei.

Protesto – No clima de protesto, a Câmara acabou aprovando, por votação simbólica (quando não é registrado o voto nominal), a medida provisória que autoriza a renegociação das dívidas dos grandes agricultores. Por pressão da bancada ruralista, do PT e do PFL, foi autorizado também o alongamento das dívidas dos agricultores originárias de dinheiro dos fundos constitucionais, calculadas em cerca de R$ 1,3 bilhão.

O governo, no entanto, não aceitou rolar as dívidas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). No total, esse valor é de R$ 34,3 bilhões. Outra MP, que deve ser votada nos próximos dias, autoriza a renegociação das dívidas dos pequenos agricultores, que somam R$ 4 bilhões.

De acordo com a medida provisória aprovada ontem, não haverá indexador para as dívidas roladas e os juros para as cooperativas serão de 9,75% ao ano. Os agricultores poderão optar pela renegociação dos débitos até dia 29 de junho. Ainda conforme o texto da MP, as dívidas poderão ser pagas até outubro de 2025.


Alckmin pede nova regra para endividamento
BRASÍLIA - O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pediu ontem ao presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), pressa na votação do projeto de resolução que permitirá ao Estado contrair empréstimos externos destinados à recuperação de rodovias, ampliação da linha do metrô e à erradicação de cortiços. Alckmin disse que a Resolução 43, em vigor, proíbe Estados e municípios devedores de precatórios - caso de São Paulo - de tomarem novos financiamentos.

Alckmin insistiu na necessidade de se aprovar outra resolução que acabe com essa e outras restrições, como a data limite para a assinatura de contratos no último ano de governo. Ele quer estender o prazo de 30 de abril para 30 de junho. "Caso contrário não haverá tempo para fechar os acordos com o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)", disse.

Tebet e o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Lúcio Alcântara (PSDB-CE), relator do projeto de resolução, concordaram com o pedido. Serão beneficiados, além de São Paulo, oito Estados que não pagam em dia seus precatórios.

No caso de São Paulo, segundo Alcântara, é preciso ainda solucionar no Ministério da Fazenda o impasse provocado pela superação do limite de endividamento do Estado. Isso teria ocorrido em decorrência das garantias que concedeu a empresas já privatizadas, explicou o senador. "Contornado esse problema, podemos votar o projeto de resolução na quarta-feira que vem", informou.

Alckmin também pediu aos senadores rapidez na votação do projeto de lei, aprovado na Câmara, que permite aos Estados utilizarem 80% dos recursos de depósitos judiciais no pagamento de precatórios alimentares.

Segundo ele, medida provisória editada no ano passado permitiu à União se valer desse mecanismo, mas não foi extensivo aos Estados. A proposta será relatada pelo senador Romeu Tuma (PFL-SP) na CAE e não deverá enfrentar dificuldades no plenário.


Artigos

A revitalização do Ministério Público
Gilberto de Mello Kujawski

Quando da justa comoção nacional provocada pelo atroz assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, a imprensa correu para ouvir pessoas dos mais diversos níveis e posições. Políticos de todos os partidos, autoridades várias, juristas, especialistas em segurança, empresários, sindicalistas, professores, intelectuais, líderes religiosos, esportistas, atores, estudantes, homens e mulheres do povo, donas de casa, jornalistas, todos tiveram a oportunidade de externar sua dor, sua indignação, sua revolta e também seu alarme por esse crime que envergonhou o País.

A imprensa só se esqueceu de ouvir um personagem, dos mais importantes, o procurador-geral do Ministério Público de São Paulo, quem de direito para falar com máxima legitimidade sobre crimes de todo tipo. Omissão imperdoável, mas, mesmo assim, compreensível. Em primeiro lugar o que se percebe é que a sociedade não tem a devida percepção do papel do Ministério Público na ordem das coisas, e de sua função essencial no combate às infrações penais, na persecução e punição dos infratores, e na consolidação da paz e da segurança social.

Pois o Ministério Público, do qual o procurador-geral é o chefe, constitui-se no órgão estatal encarregado de promover a ação penal pública, mediante a iniciativa dos promotores de justiça. O MP é o titular da função de acusar, e também, o fiscal da lei e de seu rigoroso cumprimento por todos os órgãos oficiais, e pelas pessoas físicas e jurídicas em geral. Ao ocorrer um crime, cabe à Polícia a apuração da materialidade e autoria, documentada no inquérito. Este é enviado à Justiça, que o passa às mãos do Ministério Público para o oferecimento (ou não) da denúncia, que desencadeia a ação penal destinada a julgar e punir os culpados, dentro da lei.

O procurador-geral representa a cabeça do Ministério Público, e a sociedade, mediante os órgãos da imprensa, deveria ter o máximo interesse em ouvi-lo sobre as providências requeridas para a punição exemplar dos autores de um crime que constitui a provocação mais ostensiva, cínica e ultrajante ao aparelhamento de segurança pública paulista. Não se admite a omissão da imprensa neste episódio, o que revela a pouca informação do setor encarregado de difundir informações, a assim chamada mídia. Sem dúvida, mas forçoso é reconhecer que a culpa não foi somente da imprensa. Pois fica difícil aos jornalistas localizar e abordar quem não quer e não gosta de aparecer. Não basta ao procurador-geral ser pessoa digna e correta, de ilibada reputação, mas que tem horror de chamar a atenção sobre si, e que detesta ocupar espaço por ações nítidas e ousadas, conforme exige a responsabilidade funcional e política do seu cargo, deixando de prestar contas de seu ofício. Do procurador-geral exige-se maior presença e visibilidade no exercício de suas tarefa, que é pública e, portanto, requer publicidade. Nada a estranhar que os jornais, o rádio e a televisão ignorem a existência de um agente do poder público tão discreto na sua maneira de ser, tão cioso do estilo baixo-perfil (low profile).

O Ministério Público paulista pede a oxigenação de seus quadros dirigentes.

A eleição do novo procurador-geral aproxima-se. Em votação da qual participam todos os membros ativos do MP, será formada a lista com os três procuradores mais votados. A lista tríplice será encaminhada ao governador Alckmin, do qual se espera que respeite a vontade da maioria nomeando o candidato mais votado.

O próximo chefe do Ministério Público terá de sair do casulo burocrático para enfrentar as intempéries da vida pública, para ir à luta com máxima disposição. Há muito não surge um procurador político, que tanto falta à instituição. Não "politiqueiro", mas político no bom sentido, isto é, dotado da capacidade de ação e de negociação na defesa das atribuições e prerrogativas constitucionais do Ministério Público, bem como dedicado ao seu aperfeiçoamento material, moral e funcional. O novo procurador-geral tem de ter "garra", tem de ser dinâmico, articulado, afeito à luta, fértil em iniciativas e em idéias novas, com ampla capacidade de diálogo com o governo, o Judiciário, o Legislativo, a sociedade, a OAB. Seu perfil deve inseri-lo na liderança desassombrada das novas frentes de ação social abertas pela instituição, no campo da ecologia e defesa do meio ambiente, na defesa do consumidor e das minorias discriminadas. Soou a hora em que o promotor, mais do que nunca, será o advogado da sociedade contra os interesses egoístas e particularistas que a espreitam e retardam na difusão da justiça so cial. O novo procurador-geral estará à altura do imperativo de contribuir decisivamente para o melhor relacionamento entre as classes sociais, as diversas categorias e os tantos grupos de que se constitui a coletividade. Será indispensável que trabalhe entrosado com o Poder Executivo, sempre lembrando que sua autonomia é sagrada. "Ligado, mas independente do Poder Executivo" (Pontes de Miranda). Sua independência funcional será intangível, e não só em relação ao governo, como às pressões externas, venham de onde vierem, e até às pressões internas que não faltam em toda e qualquer organização pública ou privada.

O Ministério Público está em crise. Crise política (isolamento), crise institucional (falta de um projeto global de ação e sustentação a longo prazo) e crise administrativa (falta de entrosamento entre seus órgãos e excesso de gastos). Sem dúvida, mas a maior crise que atormenta e dilacera o Ministério Público é sua falta de identidade, sua dificuldade de auto-afirmação, sua incapacidade de dizer clara e vigorosamente à sociedade a que ele veio, o que se propõe a fazer para garantir a estabilidade das instituições em meio aos tempos de transição que vivemos, e buscar o máximo de visibilidade para ser responsabilizado, cobrado, lembrado e chamado à cena dos acontecimentos sempre que estes assumem contornos inquietantes.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Quem com o ferro fere...
Quando o pitecantropo virou homem, a coisa que mais o deveria impressionar seria a vastidão do mundo ao seu redor. A terra descambando para todos os horizontes, os morros, as savanas, as florestas. Principalmente as florestas, espessas, quase negras de tão verdes... E o céu! O céu sem fundo, sem limite. E ele ainda não descobrira o mar. Mas quando o encontrou, afinal, numa das suas andanças de primavera, recuou, apavorado, ante aquela outra imensidão, espécie de céu líquido, também sem fim; o furioso, o rugidor como uma horda de leões, se erguendo nas altas vagas coroadas de espuma branca. Dava mais medo que o céu de tempestade, com seus trovões e coriscos.

Milênios mais tarde, o homem medievo já se convencera de que a terra firme era uma imensa plataforma que se estendia por léguas infinitas; já tinha noção e até conhecimento de África, Ásia; o mais, seria tudo cercado de mar, que não se sabia como acabava. E, por cima de tudo, o céu, iluminado pelo Sol, a Lua, as estrelas.

Veio depois Copérnico, declarando que a Terra era uma esfera, a girar como um pião em torno do Sol. E começaram as grandes navegações, saindo das águas fechadas do Mediterrâneo. Soltaram-se nos oceanos as caravelas portuguesas, deram a volta à África para sair na Índia; em seguida os espanhóis descobriram as Américas. Depois, Magalhães deu sua volta ao mundo. Mas como tudo parecia grande, como tudo era longe! E, acima disso, perigoso. Meses e meses a velejar em frágeis barcos de madeira, ao sabor dos ventos, das calmarias, das tempestades. É de crer que nenhuma das caravelas que saísse dos portos de Espanha e Portugal fosse acabar velha, ancorada no seu cais, sua nobre madeira corroída, lascada dos embates com as ondas de tempestade, comida pelos insetos roedores das terras quentes de mar além.

Para se chegar, da Europa, quer às Américas, quer à Índia, gastavam-se meses e meses; e cada dia era um risco, cada noite uma aventura; sem falar no tempo das calmarias, quando a falta dos ventos como que ancorava as naus; e grandes e pesadas como eram, não se poderia sequer ajudar com os remos.

Afinal um inglês descobriu a locomoção a vapor: os primeiros navios cruzavam o mar entre Europa e América, em lugar de em meses, apenas em poucos dias; e os trens já cortavam a Europa por terra; a Rainha Vitória utilizava o seu trem de luxo para ir passar as férias na Escócia. E até no Brasil o nosso d. Pedro II inaugurava as primeiras vias férreas, também tinha o seu trem que o levava a Petrópolis.

E, então, fomos descobrindo como na verdade a nossa Terra era pequena e não a vastidão sem fim suposta pelos antigos. E quando afinal, em 1927, Lindbergh transpôs o Atlântico num curto vôo sem paradas e aterrou em Paris, foi o golpe final.

E agora vivemos todos num mundo minúsculo, ameaçado de morrer por excesso de gente e por excesso de uso. Há população demais em todos os continentes, em todas as ilhas. A Inglaterra pulula de habitantes que já não são mais os louros e orgulhosos "filhos de Albion", mas mestiços de todas as Jamaicas, Tanzânias, Índias que ela outrora dominava. E como diz o Pequeno Príncipe: "A gente acaba escravo daqueles que cativa..."

Sim, somos demais no mundo. As linhas aéreas cruzam os céus do planeta com a intensidade, que já é necessário organizar o tráfego dos aviões com o mesmo rigor que regula o trânsito nas cidades, infestadas de automóveis. Abateram-se as grandes florestas; na Europa, existem apenas os bosques de plantio, enfileirados como soldados em formatura, sem a desordenada espontaneidade da selva natural.

E nem podemos falar mal dos outros. Aqui no Brasil, a devastação criminosa vai abatendo tudo; no Sul, no Nordeste, não existe mais a mata nativa e as queimadas acabam de destruir o pouco que milagrosamente ainda restava. E já vai adiantada a devastação da mata amazônica. Todo dia a mídia denuncia mais um contrabando do precioso mogno e outras essências. E o pior é o que se derruba por simples selvageria - abatendo-se uma floresta a machado, serra e a fogo -, para ali se plantar uma mesquinha roça de mandioca, ou se abrir um pasto para o gado.

No Nordeste do Brasil é preciso defender da pesca predatória as lagostas em extinção, os pássaros exportados clandestinamente - canários, papagaios, araras, etc., o que dizer então dos bichos sem serventia, ou considerados nocivos - as raposas, as onças, os gaviões, até urubus? Lá na fazenda, já faz anos que não vejo uma raposa; e dantes, nas estradas, à noite, elas corriam à nossa frente, encandeadas pelos faróis do carro.

Nisso tudo há um consolo: "Quem com ferro fere..." E o perigoso bicho homem também já vai virando animal em extinção; é o que acontece com todos os grandes carniceiros: já quase não existem leões no deserto, nem tigres em Bengala; e o mesmo sucederá conosco, que somos os mais ferozes de todos os predadores.


Editorial

O FIM DO RACIONAMENTO

O governo está "absolutamente seguro de que está fazendo a coisa certa", como garantiu em nota oficial o ministro Pedro Parente, coordenador da Câmara de Gestão da Crise de Energia - o "Ministério do Apagão" -, para rebater as críticas de que o Planalto estaria se precipitando ao acabar em 1.º de março com o racionamento de eletricidade.

Desde que se soube do fim iminente das restrições, anunciado terça-feira à noite pelo presidente da República, os especialistas vinham manifestando dúvidas sobre a oportunidade da decisão. O número dos que a criticam aumentou depois do anúncio presidencial. Muitos consideram-na um equívoco.

Há quem suspeite de motivações eleitorais ou de pressões das concessionárias para abreviar as limitações ao consumo de energia - algo que o ministro Parente atribui à "má informação ou má- fé". E predomina a convicção de que ainda está por ser debelada a causa última da crise - a fragilidade estrutural do setor elétrico, por ter ficado a meio caminho a mudança do modelo de base estatal.

A volta das chuvas abundantes estimulou o governo a dar por encerrado o racionamento, tão logo as projeções indicaram a recuperação a muito curto prazo da capacidade dos reservatórios. Mas os analistas independentes consideram insuficiente a "folga" nos volumes de água acumulada, da ordem de 4 pontos porcentuais acima dos níveis de segurança nas usinas do Sudeste e Centro-Oeste e meno s do que isso nas hidrelétricas do Nordeste, que até domingo estavam 0,41% aquém do limite satisfatório - a "curva-guia superior, acima da qual nenhuma restrição ao consumo será justificada, mesmo sem a geração das usinas térmicas", conforme a nota assinada pelo ministro Pedro Parente.

A nota também informa que, em cada região, as curvas foram estabelecidas com base na mais pessimista projeção da disponibilidade de água - com vazões limitadas a 61% da média histórica, equivalentes às do ano mais seco de que se tem registro em sete décadas. Para se ter uma idéia, o índice atual está 116% acima dessa média. Mesmo assim, vozes respeitadas no setor julgam a decisão do governo "prematura", como diz o professor da USP José Goldemberg, secretário de Meio Ambiente do governo paulista. Outro acadêmico, James Correia, da Universidade Federal da Bahia, um dos mentores do plano de racionamento, sustenta que o Executivo deveria esperar o término do período chuvoso, em abril.

"Qualquer especialista sabe que não é recomendado acabar um racionamento antes do período seco", argumentou Correia, em entrevista publicada terça-feira no Estado. "Hoje está chovendo bastante, mas e se o regime se inverter amanhã?" Caso isso aconteça, ele prevê que o governo será obrigado a ativar as usinas térmicas do Programa Emergencial para garantir o suprimento, onerando os consumidores, porque a energia térmica é mais cara do que a de origem hídrica. Por isso, raciocina, "o ideal é trabalhar com os reservatórios cheios até a capacidade máxima, capazes de agüentar o abastecimento por mais de um ano".

O Ministério de Minas e Energia descarta taxativamente a hipótese de outro surto de escassez nos próximos quatro anos. Até 2006, pelas estimativas oficiais, o parque elétrico nacional estará em condições de gerar mais 30 mil MW, graças às novas hidrelétricas e termoelétricas a cargo do setor privado, dando segurança ao sistema. A disposição dos empreendedores, no entanto, ainda é incerta, e não há garantia de que novos investimentos cheguem a tempo e em quantidade suficiente. "Dado o risco regulatório ainda presente", diz o ex-secretário federal de Energia Afonso Henriques Moreira Santos, "melhor teria sido manter o racionamento em alguns segmentos do mercado."

Autoridades e especialistas concordam, porém, que os nove meses de racionamento mais o método do "chicote e afago" (pagamento de sobretaxa e ameaça de corte para os não poupadores, e bônus para os poupadores além da meta inicial de 20%) geraram o tipo de comportamento racional de consumo que só costuma ser obtido via preço, ou seja, pela imposição de tarifas punitivas para inibir o desperdício de energia. A crise foi uma dessas situações clássicas em que as ações individuais, motivadas pela defesa do interesse próprio, acabam contribuindo para o bem comum. E não se espera que o fim do racionamento venha a ser também o fim do consumo inteligente de eletricidade, por parte de pessoas, empresas e governos.


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02/21/2002


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