Governo ignora debate sobre capitalização da Petrobras. Oposição critica possível rolo compressor
Não aconteceu o esperado debate sobre a capitalização da Petrobras, previsto para esta quarta-feira (26) em audiência pública conjunta das Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Os Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia e a Petrobras não enviaram seus representantes e apenas um senador da base do governo compareceu à audiência.
Participaram da audiência os senadores Antonio Carlos Jr. (DEM-BA),relator na CCJ do projeto (PLC 8/10) que regulamenta a capitalização; Francisco Dornelles (PR-RJ), que apesar de ser da base governista é contrário ao projeto; Tasso Jereissati (PSDB-CE); Flexa Ribeiro (PSDB-PA); e Arthur Virgílio (PSDB-AM).
Os senadores protestaram contra a ausência dos representantes convidados e dos senadores da base governista. Tasso Jereissati disse que os convidados do governo não compareceram porque talvez não pudessem "explicar o inexplicável". Ele afirmou que o projeto do governo é "uma facada que se dá na sociedade brasileira, nos estados e municípios" e disse não entender como o governo pode fazer isso "de maneira tão explícita".
Jereissati disse que também não entende por que o governo simplesmente não capitaliza a Petrobras com dinheiro, preferindo "fazer essa ginástica para dar uma facada nos estados produtores, porque o petróleo será da Petrobras e não da União, e aí estará isento das Participações Especiais".
O relator do projeto, senador Antonio Carlos Jr, disse que as ausências na audiência mostram que o governo não quer discutir o assunto e pretende "tratorar, votar na marra" o projeto. Além de afirmar que o objetivo das mudanças propostas é reestatizar o setor de petróleo, o senador acrescentou que o projeto tem sérios vícios e inconstitucionalidades.
"Paraíso fiscal"
Francisco Dornelles disse que o sistema de partilha proposto pelo governo para exploração do petróleo da camada pré-sal é na verdade a montagem de um paraíso fiscal com a criação de uma grande burocracia de insegurança jurídica. Ele explicou que no regime de concessão a empresa ganhadora da licitação paga o bônus de assinatura, que pode ser maior ou menor de acordo com o risco. No sistema de partilha, seria quase um montante formal indicado pela Petro-sal.
Dornelles observou que, no regime de concessão, aqueles que exploram pagam a Participação Especial. Na partilha não há essa fatia. Assim, a União não vai pagar Participação Especial sobre os 5 bilhões de barris de petróleo destinados à capitalização da Petrobras. O senador disse que, nos regimes de concessão e de partilha existe o royaltie, mas o que o governo arrecada de royaltie é devolvido.
- E o lucro? O lucro é feito pela União. A empresa que explora entregará barris de petróleo à União, que vai comprar ou vender, mas tem imunidade [tributária]. Então também não pagará imposto e, consequentemente, os estados e municípios deixarão de receber esse imposto. O sistema de partilha na verdade montou um paraíso fiscal e o governo ainda não explicou a razão desse esquema - afirmou.
Flexa Ribeiro disse que o debate sobre as mudanças propostas pelo governo para a exploração do petróleo da camada pré-sal não deve ser feito em Plenário, mas nas comissões. Para ele, o governo não retirou a urgência constitucional dos projetos encaminhados ao Congresso Nacional para que os relatores não tenham a oportunidade de debatê-los.
Aposta
José Agripino disse que não aposta "nenhuma ficha e muito menos títulos públicos em petróleo que se encontra a cinco mil metros de profundidade, a 300 quilômetros da costa, com preço flutuante e futuro energético imprevisível". Ele alertou para a necessidade de salvaguardar a credibilidade do mercado acionário brasileiro e afirmou que o país quer respostas concretas às dúvidas sobre o pré-sal.
Arthur Virgílio também estranhou a ausência dos senadores da base governista, especialmente do senador Edison Lobão (PMDB-MA), que foi ministro de Minas e Energia e ajudou a elaborar os projetos do pré-sal. Observou que Lobão poderia ajudar a esclarecer os "pontos obscuros" e ajudar no debate. O senador salientou que a oposição jamais foi contra a votação dos projetos, apenas queria a retirada da urgência constitucional para que as matérias pudessem ser minimamente discutidas.
- De um lado, nós temos que ter urgência. Mas, a urgência constitucional não é inteligente, ela é prepotente, é de fato burra - disse o senador, defendendo a prudência para a elaboração de um projeto que resulte em "um marco regulatório convincente e com todas as explicações que elucidem a sociedade".
Arthur Virgílio disse que estava começando a se convencer de que o governo "banaliza o pré-sal", senão a audiência pública "estaria cheio de gente do governo".
- Não me cobrem, depois, pressa para votar isso - afirmou.
Títulos públicos
Como convidados, participaram da audiência o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), Oswaldo Pedrosa; o consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcos Rechtman; o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e consultor contratado pela Petrobras, Luiz Leonardo Cantidiano; e o advogado Durval Soledad.
O advogado Durval Soledad questionou a forma como o governo quer capitalizar a Petrobras, através da emissão de títulos públicos. Segundo ele, a capitalização feita dessa maneira permite a todos os acionistas da empresa utilizar os títulos que eventualmente tenham para também participar da capitalização.
Durval também observou que título público é um bem e, de acordo com a Lei das Sociedades Anônimas, teria que obrigatoriamente ser avaliado antes. Neste caso, o advogado explicou que a União e os acionistas possuidores de títulos públicos estariam legalmente impedidos de votar na assembleia reunida para aprovar o laudo de avaliação desses títulos, feito por três peritos ou empresa especializada.
Luiz Leonardo Cantidiano observou que não poderia falar em nome do governo e da Petrobras ou justificar as propostas sobre o pré-sal. Ele reconheceu que seria um problema estabelecer um valor definitivo para os títulos públicos, cujos valores variam no mercado acionário, e compatibilizá-lo com os valores do desconhecido custo de exploração de um petr óleo cujo preço futuro é impossível estabelecer.
- Prever um valor poderia lesar os acionistas minoritários e o majoritário - afirmou.
Paralisação
Oswaldo Pedrosa disse que as propostas de mudança no marco regulatório para a exploração de petróleo e gás na camada pré-sal praticamente paralisaram todos os processos licitatórios em regime de concessão das áreas chamadas "campos marginais" e "regiões maduras" em terra. Essas áreas têm baixa produção ou produção declinante - reservas menores que 3 milhões de barris - e são exploradas por pequenas e médias empresas. Pedrosa também salientou que essas áreas não estão incluídas nas mudanças propostas pelo governo e continuarão sendo disponibilizadas através do regime de concessão.
O presidente da ABPIP assinalou que as grandes empresas e a própria Petrobras, proprietária dessas áreas terrestres, não se interessam em explorar campos de baixa produção e, por isso, 93% da produção brasileira de petróleo vêm do subsolo marinho da costa. Ele defendeu a criação de uma política de incentivo específica para ajudar a desenvolver o setor, que reúne apenas 35 empresas.
Marcos Rechtman afirmou que regras simples e transparentes são melhores, pois os investidores podem tomar decisões mais rápidas. Ele ressaltou a importância da governança administrativa, área bem desenvolvida na Petrobras, e o papel descentralizador dos investimentos desempenhado pelas pequenas empresas.
Rechtman disse que é preciso manter o foco nos fatores que levam um país ao crescimento econômico sustentável, como o desenvolvimento tecnológico e as variáveis ambientais. O consultor assinalou que o crescimento de longo prazo deve ter formação de renda e de empregos, mas também precisa resolver até que ponto respeitar o meio ambiente para obter crescimento acelerado.
Ricardo Icassatti / Agência Senado
26/05/2010
Agência Senado
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