Guerra contra a violência








Guerra contra a violência
Para uma platéia de empresários na Associação Comercial do Rio, José Serra elege o tema da segurança como um dos principais no debate eleitoral deste ano. O candidato tucano foi uma das vítimas do apagão que atingiu o sudeste do país

Rio de Janeiro — Quando foi marcada, a palestra do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, na Associação Comercial do Rio de Janeiro deveria versar principalmente sobre economia. O assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), porém, mudou a tônica do discurso. No almoço para uma platéia de empresários e potenciais vítimas de seqüestro, Serra declarou ‘‘guerra’’ contra a violência pública. ‘‘A questão da violência exige uma abordagem de guerra, porque é disso que se trata. Não se pode imaginar que só com a resolução das questões sociais vá se resolver o problema. Tem que haver um enfrentamento de guerra’’, disse Serra, muito aplaudido pela platéia.

Na semana passada, em conversa com o Correio, Serra disse que ainda não tinha propostas para segurança pública, mas apenas algumas idéias que vinha discutindo com especialistas. Ontem, de fato, Serra continuava sem propostas concretas, mas não deixou passar assim mesmo a oportunidade de tratar do tema. O candidato tucano não entrou em detalhes sobre o que seria essa abordagem de guerra, mas referiu-se à integração entre as diversas polícias — civil, militar e federal — e ainda a mudanças na legislação, como a fixação de penas diferenciadas e mais rigorosas para crimes como o seqüestro. ‘‘No ritmo que vai, a questão da violência acabará se sobrepondo a todos os outros problemas que afligem o brasileiro’’, disse o ministro. Serra citou uma recente pesquisa, que mostrou que, hoje, o maior temor do brasileiro é chegar na velhice sem condições de receber uma aposentadoria que faça frente às despesas comuns. Para o ministro, em uma próxima pesquisa desse tipo, a questão da segurança já ganhará maior relevância. ‘‘Podem ter certeza de que será um aspecto, eu não diria novo, mas que ganhará peso maior no futuro _ ao longo deste ano e no próximo governo. A desfaçatez e a ousadia que o crime está assumindo tem que ser enfrentada de forma enérgica‘‘, afirmou.

Vítima do apagão
Serra foi ouvido atentamente pelas 140 pessoas que lotavam o salão da Associação Comercial, durante 30 minutos. Não que ele tenha encerrado o seu discurso ao final desse período. O problema foi o blecaute que apagou os microfones e o ar condicionado. ‘‘Não foi nenhum atentado, houve uma pane elétrica na cidade inteira. Nada contra mim’’, comentou ele, num momento de descontração, logo que houve a queda de energia. Mesmo sem microfones, Serra continuou falando por mais meia hora. Foi um empenho quase inócuo. Apenas as pessoas mais próximas à mesa conseguiram ouvir o seu discurso, por causa do burburinho de pratos e talheres. Os garçons se apressaram em abrir as janelas para evitar que o almoço dos empresários, todos de terno, terminasse em sauna.

Serra iniciou seu discurso com uma longa defesa da estabilidade econômica, citando como contraponto todos os momentos do passado em que a moeda brasileira era desvalorizada e a inflação ia a picos de 50%, chegando a 200% ao ano. Falou ainda dos ganhos na área em que ele é ministro, a saúde, e ainda de educação, de reforma agrária, de contas públicas, da imagem do Brasil no exterior, do incremento das exportações. Comentou todos os pontos-chaves a serem detalhados no programa de governo que apresentará em maio.
Quando ele terminou, a maioria dos empresários já tinha acabado de almoçar, inclusive os que compunham a mesa, como os diretores da Associação Comercial, o senador Athur da Távola, o ex-governador Marcello Alencar, o deputado Márcio Fortes (PSDB-RJ) e o secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho, do PSDB. Ele mal teve tempo de cumprimentar as pessoas. Àquela altura, já eram quase duas e meia da tarde. O candidato, que agora assumiria o papel de ministro, teve que correr para o outro lado da imensa cidade do Rio de Janeiro, para o bairro de Jacarepaguá, onde inaugurou um hospital da rede Sarah Kubitschek.
Por causa do apagão, Serra desceu 14 andares de escada. O tempo da descida foi compensado com o helicóptero que o conduziu até Jacarepaguá, de forma a evitar o caos no centro da cidade, com semáforos apagados e engarrafamentos.

O discurso que ninguém ouviu e os 14 andares de escada não foram os únicos contratempos que o apagão provocou. Os outros compromissos do ministro no Rio tiveram que ficar para uma próxima vez. Ele iria à Prefeitura visitar o prefeito César Maia (PFL) e assinar protocolo para liberação de R$ 22 milhões, destinados ao atendimento materno-infantil na zona norte da cidade — Bangu, Realengo, Barra da Tijuca. Mas a perspectiva de subir 13 andares de escada levaram Serra a mudar de idéia. O jantar na casa do deputado Márcio Fortes também foi cancelado. O ministro, que era amigo do prefeito Celso Daniel, não quis ficar num convescote com essa tragédia lhe martelando a cabeça. ‘‘Não há clima para comemorações e reuniões sociais. Temos que vencer a guerra contra a violência’’, comentou ele com um amigo.


Segurança domina debate político
Não foi apenas José Serra quem aproveitou o mote do assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel para discutir propostas de combate à violência. O tema virou o principal assunto do debate político ontem. O candidato à Presidência da República do PPS, Ciro Gomes, que está em viagem a Boston, nos Estados Unidos, apresentou, em uma nota, seu plano contra a criminalidade.

‘‘Quando a ação do crime organizado invade também o estamento político, vitimando seus próprios líderes, é porque a marginalidade já se imagina mais forte do que a autoridade, e isto deixa a sociedade ainda mais intranqüila’’, diz a nota.

Ciro propõe federalizar um amplo elenco de crimes: contrabando de armas, narcotráfico, crime financeiro, crimes cometidos por policiais, crime organizado. Sugere triplicar, num prazo de quatro anos, o quadro da polícia federal e aparelhá-la com as melhores tecnologias disponíveis no mundo. Imagina ainda construir uma rede de penitenciárias federais em regiões inóspitas. Ciro apóia também a unificação nos estados das polícias civil e militar. Como adiantou ao Correio no domingo, diz que pretende proibir o uso de armas e estatizar a indústria de armamentos de todos os tipos.

O governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, candidato do PSB à Presidência da República preferiu criticar a política de segurança do governo federal. ‘‘O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso não tem plano nacional nenhum, ele fez apenas um plano de distribuição de verbas. Combate à violência se faz com planejamento, não só com dinheiro’’, afirmou o governador, que é pré-candidato à Presidência da República. ‘‘Não se pode investir de forma emocionada’’, acrescentou.

O deputado José Genoino, que pretende disputar o governo de São Paulo pelo PT, buscou atingir o PSDB do governador Geraldo Alckmin e do presidente Fernando Henrique Cardoso. ‘‘O PSDB está governando São Paulo e o Brasil há oito anos, e não é a primeira tragédia em São Paulo. As medidas são anunciadas somente após tragédias. Dois prefeitos do PT foram assassinados, um sequestrador matou a vítima na porta de casa, um helicóptero desce no presídio e resgata presos sem levar um tiro. Há um descontrole na polícia em São Paulo’’, disse.


O que se disse

‘‘A questão da violência exige uma abordagem de guerra, porque é disso que se trata. Não se pode imaginar que só com a resolução das questões sociais vá se resolver o problema’’
‘‘No ritmo que vai, a questão da violência acabará se sobrepondo a todos os outros problemas que afligem o brasileiro’’

José Serra
Ministro da Saúde e candidato do PSDB à Presidência da República

‘‘Quando a ação do crime organizado invade também o estamento político, vitimando seus próprios líderes, é porque a marginalidade já se imagina mais forte do que a autoridade, e isso deixa a sociedade ainda mais intranqüila’’

Ciro Gomes
Candidato do PPS à Presidência da República

‘‘O PSDB está governando São Paulo e o Brasil há oito anos, e não é a primeira tragédia em São Paulo. Há um desgoverno na segurança pública em São Paulo’’

José Genoíno
Deputado federal e candidato do PT ao governo de São Paulo

‘‘O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso não tem plano nacional nenhum. Ele faz apenas um plano de distribuição de verbas. Combate à violência se faz com planejamento, não só com dinheiro’’

Anthony Garotinho
Governador do Rio e candidato do PSB à Presidência da República


Sem luz
Falta de energia provocada por problemas em uma linha de transmissão espalha caos no país e traz de volta o fantasma do apagão

Os níveis de água dos reservatórios das hidrelétricas estão acima do esperado pelo governo, a população continua economizando energia e, mesmo assim, o país não está livre do fantasma do apagão. Em meio aos caos provocado pelo blecaute que atingiu dez estados e o Distrito Federal, o governo garantiu que a suspensão no fornecimento de energia não teve relação com o racionamento. ‘‘O racionamento não tem nada a ver com essa questão’’, disse o ministro de Minas e Energia, José Jorge. Mais tarde, o presidente da Câmara de gestão da Crise de Energia Elétrica (CCGE), ministro Pedro Parente, repetiu a mesma frase. Por via das dúvidas, no entanto, a Câmara decidiu cancelar a reunião marcada para hoje em que o governo decidiria as regras para o alívio do racionamento durante o carnaval e detalharia as 18 medidas de revitalização do setor elétrico.
Conforme explicações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o blecaute de ontem foi provocado pelo rompimento de um cabo da linha de transmissão de energia entre a hidrelétrica Ilha Solteira e a subestação em Araraquara, no estado de São Paulo. O rompimento do cabo atingiu a produção da hidrelétrica de Itaipu. Com a falha no sistema de transmissão, 13 tubinas de Itaipu que abastecem o Brasil pararam de funcionar automaticamente. No momento da queda, 17 das 18 turbinas se encontravam em funcionamento. Os quatro geradores que respondem pelo abastecimento do Paraguai continuaram com produção normal, explicou o presidente da empresa bi-bacional, Euclides Scalco.

A falta de luz atingiu 67 milhões de brasileiros. O início e o tempo de duração do apagão foram diferentes nos diversos estados, mas os transtornos foram iguais em todas as cidades: trânsito caótico, pessoas presas em elevadores, metrôs e trens parados, milhões de consumidores sem luz. O blecaute apagou municípios das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Os estados mais atingidos foram São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde faltou energia por quatro horas (veja quadro na página 14).

Pego de surpresa, o governo não sabe até que ponto o sistema energético é vulnerável a panes. Em entrevista no final da tarde, José Jorge, não soube dizer por que o cabo de transmissão se rompeu. Especialistas do setor elétrico dizem que a fragilidade das linhas de transmissão expõe o país ao risco de apagão. Isso porque as principais obras de transmissão só serão concluídas a partir de 2003, como é o caso da interligação Curitiba-São Paulo. Com 328 quilômetros, a linha vai permitir o intercâmbio de aproximadamente 2 mil megawatt (MW) do Sul para o Sudeste.

Falta intercâmbio
No caso do blecaute de ontem, se o sistema tivesse mais alternativas de linhas de transmissão, a geração poderia ter sido desviada para atender as regiões afetadas. Segundo Cesar de Barros Pinto, da Associação Brasileira de Empresas de Transmissão de Energia (Abrate), a solução é diversificar a transmissão do setor elétrico brasileiro, dando maior possibilidade de interligação das regiões.

Atualmente, as restrições no sistema de transmissão impedem tanto o intercâmbio de energia entre os subsistemas nacionais como a importação de eletricidade de países vizinhos. Se na época do racionamento houvesse uma capacidade maior de transporte, a redução de consumo teria sido menor para a população, pois o Sudeste e o Centro-Oeste, por exemplo, poderia usar a energia produzida no Sul, onde os reservatórios estavam vertendo água.

O Brasil importa cerca de 1 mil MW da Argentina. Mas essa eletricidade precisa disputar espaço nas linhas de transmissão com a geração do Sul e de Itaipu. Até pouco tempo, apenas metade dessa quantidade estava sendo transportada. Mas o problema não é tão simples de ser solucionado, explica Barros Pinto. De acordo com estudo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para eliminar o problema de transmissão, seria necessário interligar 95% do mercado nacional, o que exigiria investimento da ordem de US$ 2 bilhões. Por outro lado, seria necessário criar um fundo de proteção para momentos em que não for possível transferir toda energia gerada pelo setor.

Como em determinadas ocasiões não haverá a necessidade de intercâmbio, as linhas ficarão ociosas. ‘‘Na verdade, é mais um seguro para evitar apagões, pois na maior parte do tempo essas linhas ficarão inutilizadas’’, afirma Barros Pinto. Mas ele alerta que não é somente com novas linhas de transmissão que se resolve o problema. ‘‘É preciso novas obras de geração para garantir a competitividade no setor’’, diz (leia mais sobre a necessidade de geração na página 15).

Dados apresentados pelo diretor-geral da Aneel, José Mario Abdo, apontam que 74% do sistema elétrico do Sudeste e Centro-Oeste foi desligado. Em São Paulo, ocorreu a maior queda, que chegou a 84% do total.

Repercussão internacional
O blecaute virou notícia on-line nos sites de alguns jornais estrangeiros ontem à tarde. O da BBC, de Londres, destacou os efeitos do apagão nos serviços públicos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia e Vitória. Com destaque para o congestionamento no trânsito e a paralisação do metrô na capital paulista. O site do The New York Times, jornal dos Estados Unidos, informou que a interrupção do fornecimento de energia prejudicou o comércio em seis grandes cidades e registrou casos de tumulto nos metrôs de São Paulo e do Rio de Janeiro. O Clarín, da Argentina, citou que problemas na usina de geração de energia de Itaipu provocaram apagões em vários estados brasileiros.


O que aconteceu
As explicações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da direção de Itaipu sobre o blecaute de ontem

Um cabo da linha de Tijuco Preto que transmite energia da usina de Ilha Solteira para Araraquara, em São Paulo, rompeu-se. Ilha Solteira tem 20 turbinas, com potência instalada de 3.444 MW.

A falha na linha de transmissão acionou o sistema de segurança da usina de Itaipu. Sem uma linha para dar vazão à energia produzida, o funcionamento das 13 turbinas da hidrelétrica que abastecem o Brasil foi interrompido automaticamente. Com isso, o fornecimento de energia para as regiões Sudeste e Centro-Oeste foi reduzido em 75% durante as quatro horas do blecaute que atingiu dez estados e o Distrito Federal.
No momento da queda do cabo da linha de transmissão, 17 das 18 turbinas de Itaipu estavam em funcionamento. Os quatro geradores que respondem pelo abastecimento do Paraguai continuaram com produção normal.


População sofre muito
As duas maiores c idades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, tiveram um dia caótico. O desligamento dos mais de 4 mil semáforos de São Paulo, agravado pela falta de transporte público como metrô, trem e ônibus elétricos, piorou o trânsito da cidade. As 46 estações de metrô foram evacuadas e, por volta das 14 horas estavam fechadas para o público. Cerca de 100 mil pessoas usam esse transporte diariamente no horário em que houve o blecaute. Os trens ficaram parados entre 13h34 e 15h22.

A funcionária pública Stela Tolentino, de 46 anos, estava dentro do metrô quando faltou energia. ‘‘Ficamos 15 minutos dentro do trem até nos informarem que era um blecaute.’’ Os passageiros que estavam nos vagões na hora do apagão receberam seus bilhetes de volta. Quando as portas foram reabertas, houve correria, mas sem nenhum incidente.

Cerca de 5,1 milhões de clientes da Light e da Cerj no Rio ficaram sem luz. O metrô, os trens, os semáforos de trânsito e os postos de combustíveis deixaram de funcionar. Na Barra da Tijuca, na zona oeste, uma pessoa morreu num acidente de carro provocado pelos sinais apagados na avenida das Américas. O Corpo de Bombeiros recebeu mais de 60 chamadas para retirar pessoas presas em elevadores e, no final da tarde, havia suspeita de que um homem tivesse sofrido um infarto ao ficar preso em um elevador num prédio da rua do Ouvidor, no centro da cidade.


Artigos

O buraco negro
Vestiu-se de Otelo e fez a Argentina de Desdêmona, mas, subjacente à aparência de ciúme, a razão do agastamento chama-se Mercosul, um obstáculo para a adesão imediata à Alca

Jarbas Passarinho

Na política externa norte-americana, sempre foi inexpressivo o espaço dedicado à América do Sul, vulgarmente denominado de o quintal dos Estados Unidos. No período da Guerra Fria, a URSS aceitou convenientemente o ‘‘determinismo geográfico’’ inventado pelo assessor de segurança Zibigniew Brzezinsk, do governo Carter. Enquanto a Ásia seria o domínio privado da União Soviética, a América Latina o seria dos americanos. China e Cuba eram moedas de troca geopolítica, para evitar uma área de atrito no mundo bipolarizado das duas superpotências militares.

O secretário de Estado que mais freqüentou o Brasil foi Henry Kissinger. No seu livro Diplomacy, publicado em 1994, o Brasil só merece duas brevíssimas citações. Poucas linhas nas oitocentas e trinta e seis páginas de um fascinante relato da história da política externa americana no hemisfério ocidental desde o colapso do sistema internacional de equilíbrio do poder centrado na Europa no Congresso de Viena de 1815. Uma, para salientar que até 1880 sua marinha de guerra era inferior à do Brasil. Outra, citando o Tratado do Rio, em 1947, a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA) no campo da segurança e a Aliança para o Progresso, no governo Kennedy, para cooperação econômica, cujos recursos — afirma — foram ‘‘postos a perder em face da política estatizante dos países assistidos’’. É tudo.

Permitindo-se um exercício de futurologia, prevê que a nova ordem mundial será ordenada nas relações entre Estados Unidos, Europa, China, Japão e provavelmente a Índia. Os demais ficam na vala comum da ‘‘multiplicidade dos países menores’’. A comparação com a Índia não nos seria um despropósito. Cultivamos o sonho de ombrear com os menores do primeiro mundo no período do ‘‘milagre’’, como ironizam os que se deslembram de que crescíamos seguidamente a 10% ao ano e chegamos a ser a oitava economia do mundo.
Os choques do petróleo (resgate que pagamos aos árabes, no dizer de mestre Gudin) acabaram com o sonho. Roberto Campos, no seu antológico discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, tratou dessa frustração: ‘‘Para a minha geração, confiante em que o Brasil chegaria ao ano 2000 não como país emergente e sim como grande potência, forte e justa, este fim de século é melancólico. Estamos ainda longe demais da riqueza atingível e perto demais da pobreza corrigível. Minha geração falhou’’.

Dois fatos recentes alinham-se à visão americana de desimportância do Brasil. Um trai a arrogância do diplomata que, ao receber o emissário do presidente Duhalde, provocou-o: ‘‘Vocês querem mimetizar o Brasil? Quem negociará com o FMI por vocês? O Brasil? Quem vai dar o dinheiro à Argentina? O Brasil?’’ Vestiu-se de Otelo e fez a Argentina de Desdêmona, mas, subjacente à aparência de ciúme, a razão do agastamento chama-se Mercosul, um obstáculo para a adesão imediata à Alca. O outro indício está na falta de qualquer menção ao Brasil no discurso do presidente Bush sobre sua política para a América Latina. Definiu-a um embaixador americano: ‘‘O Brasil é um buraco negro na política dos Estados Unidos para a região’’. Soma-se a isso haver sido o Brasil o terceiro país ao qual se dirigiu o presidente americano, para conversar sobre a Argentina, depois do Chile e do Uruguai. E só no dia seguinte.

O buraco negro sugere uma reserva com que o governo americano nos vê, como uma espécie de filho rebelde, ao revés da Argentina de Menem, cujo ministro do exterior disse que seu país mantinha uma relação carnal com os Estados Unidos. Para o Brasil, vale lembrar o presidente argentino general Augustin Justo que, homenageado por Getúlio Vargas, disse: ‘‘Tudo nos une; nada nos separa’’. É o bastante, sem intimidade carnal.


Editorial

ESTRADAS PEDEM SOCORRO

As fortes chuvas de verão agravaram o estado já precário de boa parte das estradas brasileiras. Segundo levantamento do Ministério dos Transportes, rodovias de nove estados encontram-se em situação crítica. Há trechos destruídos, outros interditados, queda de barreiras, buracos sem fim. Resultado: atrasos, acidentes, congestionamentos, danos nos veículos, desvios de muitos quilômetros, perda de cargas perecíveis.
Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) realizada em outubro fez uma radiografia das estradas nacionais. O diagnóstico traz apreensão. Menos de um terço da malha rodoviária foi considerada boa. Nada menos que 68,8% do total receberam conceito péssimo, ruim ou deficiente.

O quadro calamitoso resulta da soma de vários fatores. Um deles está na origem. Muitos projetos têm especificação inadequada. Em região com muita chuva, por exemplo, a via exige proteção dos cortes e drenagem adequada. Governos fecham os olhos às obras complementares. E, não raras vezes, à qualidade do material utilizado.

Outro fator é a utilização das estradas. Caminhões trafegam com excesso de carga. Faltam balanças. Falta fiscalização. São comuns as notas frias, que especificam peso inferior ao efetivamente transportado. Além disso, é freqüente a corrupção de fiscais.

A combinação da má qualidade com a má utilização ganha outro aliado. É a má manutenção. Para prevenir estragos, há necessidade de efetivo investimento em conservação. Não é, porém, o que se observa. De acordo com dados da CNT, o governo federal aplicou no setor R$ 1,5 bilhão nos últimos cinco anos. Seriam necessários, segundo o órgão, R$ 1 bilhão por ano.

É paradoxal. O Brasil se movimenta sobre rodas. O transporte rodoviário responde pelo vai-e-vem de 92% dos passageiros e 62% das cargas de mercadorias. Nada mais lógico que haja maior cuidado com a malha rodoviária. Impõe-se, portanto, a observação rigorosa dos preceitos de projeto e a conservação permanente.
São elevados os prejuízos econômicos decorrentes da situação das estradas. As perdas oneram o preço das mercadorias e reduzem a competitividade das exportações, constituindo parcela significativa do chamado custo Brasil. O país, que luta por abrir mercados, tem de investir na recuperação da malha rodoviária.


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01/22/2002


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