Guerra à violência soma 288 projetos









Guerra à violência soma 288 projetos
Propostas tramitam com lentidão na Câmara dos Deputados e no Senado. A mais antiga circula entre comissões há 13 anos

BRASÍLIA - Há dez anos, dorme nas gavetas do Congresso um projeto de lei que torna indisponíveis os bens de seqüestrados e suas famílias. A idéia, em 1992, era combater o ''crescimento alarmante'' desse tipo de crime. O projeto nunca foi votado, mas tem percorrido um caminho agitado. Sai dos arquivos a cada vez que o país vive uma crise de segurança. Ele e os outros 287 projetos contra violência que aguardam vez no Congresso. Depois do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, as promessas de pressa na votação se renovaram. Os presidentes da Câmara e do Senado, além dos líderes dos maiores partidos, prometem arregaçar as mangas dois dias depois do carnaval.

Em 19 de setembro, os mesmos personagens, fizeram a mesma promessa. Daquela vez, era a resposta do Congresso ao medo do terrorismo e da violência, causado pelos atentados em Nova York. Quatro meses depois, nenhum projeto passou sequer das comissões iniciais.

O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA) espera que desta vez seja diferente. Mas concorda que o histórico do Congresso não ajuda. O deputado se lembra bem de outras promessas parecidas. ''Os líderes se reuniram quando o rapaz entrou na sala de um cinema de São Paulo atirando contra os espectadores, no seqüestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro, na greve das polícias em todo o país e depois do ataque terrorista aos Estados Unidos''.

Mar de projetos -Ao todo, tramitam 254 projetos na Câmara dos Deputados e 34 no Senado. Muitos deles sobre os mesmos assuntos. A exclusividade do porte de armas de fogo para militares merece 54 projetos. O primeiro deles de 1997, do ex-deputado Eduardo Jorge (PT). Mesmo com tanta insistência dos parlamentares, ainda não foi aprovado pelo plenário.

A lentidão é a característica básica do tramitação no Congresso de projetos voltados à segurança pública. A proposta com mais tempo na fila é do ex-senador Jamil Haddad. Em 1989, ele sugeriu que o crime de terrorismo fosse incluído no Código Penal. Ontem, o presidente do Congresso tentou justificar o ritmo das votações. ''Se tudo ficar pronto amanhã, será mal feito'', disse Tebet. ''Além disso, leis são importantes, mas sozinhas não resolvem nada.''

Entre as quase 300 propostas, há de tudo. Desde a que sugere a inclusão no rol dos crimes hediondos das ações violentas contra crianças e adolescentes, até os que proíbem o porte de máquinas fotográficas nos aviões. Um outro, chega a proíbe a entrada, nos aparelhos, de quem estiver portando ''artefatos nucleares''.
Enquanto parte dos parlamentares sugere a fusão entre as polícias militar e civil, há quem queira criar novas estruturas policiais. O deputado e delegado Wanderley Martins advoga que todas as cidades com mais de 1 milhão de habitantes criem suas polícias municipais.

O secretário-geral da Mesa do Senado, Raimundo Carreiro, explica que a triagem dos 288 projetos ainda não está completa. Segundo ele, independente do feriado do carnaval, a secretaria fará um esforço concentrado para separar todos as propostas importantes para a reunião do dia 15. Em abril, os parlamentares prometem apresentar pareceres sobre os projetos. Só então poderão ser votados.


Uma aliança insólita contra Garotinho
Brizola e Bornhausen armam estratégia

Foi um encontro inusitado o de ontem, em frente à praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. De um lado, em casa, o caudilho gaúcho Leonel Brizola, líder do PDT, herdeiro do getulismo, nacionalista, crítico das privatizações, opositor ferrenho ao governo e à política econômica de Fernando Henrique Cardoso. De outro, o catarinense Jorge Bornhausen, presidente do PFL, tradicional liberal, defensor da desestatização de empresas, cacique do partido que, desde 1994, tem servido como base de sustentação política do atual presidente. Para reuni-los, só mesmo um objetivo comum: articular um modo de barrar a subida do governador fluminense Anthony Garotinho (PSB) nas pesquisas de intenção de votos para a Presidência da República. Nada como eleições.

''Este é um momento alto, significante, da política brasileira'', disse Brizola. ''É sempre importante que presidentes de partidos políticos se reúnam'', completou Bornhausen, após reunião que durou cerca de 2h30 e contou também com o prefeito do Rio, Cesar Maia e o pedetista Carlos Lupi.

Convencidos de que a disputa não será vencida no primeiro turno, a idéia é unir forças na segunda etapa do pleito. Para impedir seu maior desafeto de chegar ao Palácio do Planalto, Brizola admite até - aparentemente - apoiar a maranhense Roseana Sarney, apesar de estar inclinado a fazer aliança com o cearense Ciro Gomes, com quem almoçou ontem. ''Se há um candidato em quem não há a menor hipótese de eu votar é esse Garotinho, porque ele não presta'', afirmou. ''É um carreirista, um marqueteiro.''

Apesar de ter proposto o encontro, o líder pefelista minimizou o crescimento do socialista. ''A vantagem de Roseana sobre ele é de oito pontos percentuais'', comentou, referindo-se à enquete da Confederação Nacional do Transporte-Sensus, mais favorável à maranhense. Na pesquisa do Ibope, a diferença cai para três pontos.
A conversa pode render ainda costuras para as eleições no Rio. Cogitou-se uma chapa reunindo os pré-candidatos das duas legendas: Jorge Roberto Silveira (PDT) como governador, e o secretário municipal de Meio Ambiente, Eduardo Paes (PFL), vice. Depois de ontem, pode até ser.


PT silencia sobre Sérgio Chefe
Líderes evitam comentar ação de Sérgio Gomes da Silva na prefeitura de Santo André

Silêncio. Esta foi a recomendação da direção nacional do PT aos líderes do partido em relação à reportagem publicada ontem pelo Jornal do Brasil sobre o distanciamento entre o prefeito de Santo André, Celso Daniel- executado por bandidos no dia 20, 32 horas depois de depois de seqüestrado -,e o empresário Sérgio Gomes da Silva, que dirigia a Pajero da qual o político foi retirado sob ameaça de armas.

A ordem foi seguida em parte. O prefeito de Santo André, João Avamileno - substituto de Daniel -, optou pela cautela. ''Ainda não li, mas ouvi comentários de amigos'', afirmou Avamileno. ''Sérgio é um empresário bem sucedido e boa pessoa. Nunca vi maldade nele. Sempre foi fiel ao Celso.'' Ele não comentou, contudo, a participação do secretário de Obras e Transportes, Klinger de Oliveira Sousa, no esquema de poder de Sérgio Chefe na prefeitura. Parlamentares do partido preferiram defender a honestidade de Daniel - que não foi posta em dúvida no texto publicado.

O deputado Aloízio Mercadante (PT-SP) escapou de comentários alegando que ''Celso Daniel já foi morto uma vez, não vamos permitir que o seja uma segunda vez''. Zangado, garantiu conhecer o prefeito assassinado há 25 anos e não aceitar acusações contra ele - acusações que não foram feitas pelo JB. ''As denúncias de existência de irregularidades nos contratos da prefeitura com empresas de transportes e a eventual participação do Sérgio no esquema são apuradas pelo Ministério Público há três anos e até agora não foram concluídas'', lembrou Mercadante.

O deputado José Genoíno (PT-SP), candidato ao governo paulista, seguiu a mesma linha. ''Primeiro a polícia tem que descobrir quem seqüestrou e matou'', afirmou. ''Depois, vamos ver que tipo de vínculo existe entre os assassinos e outras pessoas.'' Outro petista, o deputado Jorge Bittar (RJ) acusou a reportagem de construir ''um castelo de cartas''. ''Desvia o foco da falência do sistema de segurança pública do Estado e não contribui para a discussão do aumento da criminalidade no país. ''

A irritação dos petistas não repercutiu entre os responsáveis pela investigação. A reportagem do JB despertou a atenção dos policiais civis e federais que apuram o caso. Klinger e Ivone Santana, a namorada do prefeito executado vão depor, amanhã, na Polícia Federal em São Paulo. Ela disse à Polícia Civil ter ido com Klinger ao apartamento de Daniel no sábado, depois do seqüestro, para conferir se havia mensagens dos criminosos na secretária eletrônica. E voltado ao local, no domingo, para escolher as roupas que cobririam o cadáver durante o velório. Apesar disso, dois jornalistas que faziam vigília em frente ao prédio do prefeito no sábado, deram outra versão à polícia. Disseram que a mulher que esteve com Klinger no apartamento não era Ivone e sim uma pessoa com cabelos curtos e pretos, bem diferente da namorada de Daniel.

Outros fatos intrigam os agentes. Ivone contou que, ao ser encontrado numa estrada de terra, o prefeito usava uma calça jeans de seu guarda-roupa. Gomes da Silva dissera, também em depoimento, que no dia do seqüestro, Daniel trajava um terno e, por isso, teria confundido os bandidos. Estes teriam levado o prefeito pensando se tratar do empresário - vestido esportivamente.

Fitas internas do restaurante Rubayat, em preto e branco, mostram que Daniel trajava uma calça clara. Funcionários da prefeitura contaram que, naquele dia, ele trabalhara de jeans. O deputado Luiz Eduardo Greenghalgh, que acompanha as investigações a pedido do PT, afirmou que Sérgio Chefe se confundiu. Daniel, afirmou o deputado, trajava mesmo jeans. Segundo policiais que acompanham o caso, se isso for confirmado, a tese do empresário - que o prefeito foi levado em seu lugar por vestir terno - cai por terra.


Hacker clona endereço virtual do PT
Direção nacional sofre ataque eletrônico

BRASÍLIA - Não bastasse a série de e-mails com ameaças enviados a petistas nos últimos dois meses, o Partido dos Trabalhadores está, e novo, às voltas com os criminosos virtuais. O endereço eletrônico da direção nacional em Brasília foi clonado.

O presidente do PT, José Dirceu, recebeu na semana passada um estranho e-mail. O texto tinha palavras desconexas. Pior: o remetente era o gabinete do partido em Brasília. À mensagem, que tratava de uma suposta reunião, nunca marcada, foram anexadas duas imagens que o chefe de gabinete de Dirceu no PT em São Paulo, Rogério Sottilli, felizmente, não conseguiu abrir. A correspondência virtual poderia não passar de uma simples brincadeira, não fossem dois detalhes. O primeiro: não saiu dos computadores de Brasília. O segundo: os arquivos anexados eram, na verdade, vírus.

Swedenberger Barbosa, assessor do diretório nacional petista em Brasília, descobriu que os endereços do partido haviam sido clonados depois de receber um e-mail de Sottilli. O colega perguntava o porquê da mensagem sem sentido para Dirceu.

Hackers - Barbosa, surpreso, explicou que não era o autor do e-mail, embora seu nome constasse como dono do endereço eletrônico, hospedado no provedor Terra. Resolveu checar a história. Pediu, então, que o chefe de gabinete o enviasse de volta. Foi quando o vírus entrou em ação. ''Por pouco não prejudicou os arquivos do escritório'', conta, aliviado.

Os petistas temem que hackers estejam invadindo o sistema interno e as correspondências do partido. Nos arquivos mantidos pela legenda estão descritos os planos da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e detalhadas estratégias de atuação eleitoral em cada Estado.

O medo dos intrusos é compreensível, mas as coisas não têm necessariamente conexão. A clonagem de um endereço de e-mail é algo relativamente simples. Não é preciso invadir uma rede para enviar uma mensagem com a terminação de determinado site ([email protected] ou [email protected], por exemplo). Já a interceptação da correspondência eletrônica ou mesmo a invasão do servidor do site é uma tarefa mais complicada. Requer tempo maior e mãos qualificadas por trás do teclado.


Serra inaugura portal na internet
Site de candidato tucano terá bate-papo e central de reclamações

BRASÍLIA - Mesmo os mais exaltados admiradores tucanos de José Serra admitem que o contato direto com o povo não é exatamente o forte do ministro da Saúde e pré-candidato à Presidência. O corpo-a-corpo de Serra com o eleitor começará, então, de forma suave. A partir de 25 de fevereiro, dá a partida na fase ''virtual''.
Com um perfil mais técnico, Serra inaugura depois do Carnaval um sofisticado site na internet que servirá de elo entre o candidato, a mídia e o eleitorado. Com direito a uma central para reclamações e sugestões, o novo portal terá um chat para bate-papo entre o tucano, jornalistas e eleitores que conseguirem se credenciar. Estrelas do PSDB também serão convidadas para participar desses bate-papos.

Prova de que pretende imprimir ares de sofisticação à campanha, Serra também prepara uma ação internacional para obter a simpatia de investidores externos. Semana que vem, o ainda ministro da Saúde deve participar do Forum Econômico Mundial, em Nova York.

O site do presidenciável Serra é apenas uma da série de providências que estão sendo tomadas para a montagem do comitê eleitoral tucano. Pretende-se que esteja funcionando até 25 de fevereiro - um dia depois da pré-convenção do PSDB para a confirmação da candidatura. Uma agência de notícias distribuirá material informativo e fotográfico para jornais, televisões e rádios de todo o País. A experiência, já executada nas campanhas de Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998, tem como alvo os meios de comunicação do interior.

O trabalho está a cargo dos jornalistas Henrique Kaban e Milton Coelho da Graça. Mais detalhes serão definidos semana que vem, quando Serra escolhe a equipe de publicitários que trabalhará na campanha. Até agora, tudo está nas mãos de Nelson Biondi. Entre os tucanos, contudo, há esperanças de contar com a colaboração de Nizan Guanaes.

O contrato de Nizan com a candidata do PFL, Roseana Sarney, vence hoje. Até então, alegando ''respeito profissional'', o PSDB evitou um convite formal. O secretário-geral do partido, deputado Márcio Fortes (RJ), aposta que essas conversas terão solução rápida. Outros líderes do PSDB dão como certa a vinda de Nizan para a terceira campanha presidencial tucana. Desse entendimento depende a definição do formato dos programas eleitorais do PSDB em março.


PMDB faz novo round
BRASÍLIA - Os defensores de uma candidatura própria do PMDB à Presidência iniciaram ontem um último esforço para garantir a realização da prévia eleitoral. Dissidentes da direção nacional vão percorrer o País em busca de 173 assinaturas para emplacar, em 3 de março, uma convenção extraordinária. Querem garantir a realização da prévia, em 17 de março, e a homologação do pré-candidato escolhido na convenção de junho.
''O PMDB tem sido o próprio obstáculo à candidatura do partido'', disse o presidente do PMDB cearense, Paes de Andrade, defensor da candidatura de Itamar Franco. Outros partidários do governador mineiro estavam confiantes no sucesso da convocação da reunião, prevista para São Paulo. O deputado Saraiva Felipe (MG) calcula que apenas as assinaturas dos integrantes dos diretórios de Minas, São Paulo, Goiás, Ceará, Santa Catarina e Paraná bastam para alcançar o quórum mínimo.

Os outros dois pré-candidatos do partido, senador Pedro Simon (RS) e ministro d Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann (PE) assinaram a lista ontem, depois de um almoço na casa de praia de Simon. ''Estão descumprindo as decisões da convenção'', criticou o senador, referindo-se ao líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima e ao presidente, deputado Michel Temer.

Simon contou que Jungmann assegurou que concor rerá à prévia. ''Ele só desiste se Jarbas Vasconcelos (governador de Pernambuco) for candidato à presidência'', disse. Jarbas é cortejado para ser o vice do tucano Jose Serra.


Artigos

Vamos às panelas!
Aquiles Rique Reis

Estamos todos enojados e com medo da brutalidade de criminosos, organizados ou não. Trancados em casa, assistimos pela televisão ao desfilar impune da mais pura violência. São bandidos que não temem puxar o gatilho das armas importadas. São marginais que gostam de ouvir o barulho da bala cuspida pelo cano de suas narinas entupidas da droga que lhes dá ''coragem''. São animais que se deliciam com a imagem das vítimas explodindo em mil pedaços.

A violência apodreceu as nossas ruas. O cheiro de morte ronda as nossas crianças. O medo dominou nossas entranhas. Hoje, apenas esperamos a hora de engrossarmos as estatísticas policiais. As polícias não se entendem. Os policiais, com honrosas exceções, são corrompidos pelo dinheiro da bandidagem. A Justiça, atrelada a um Código Penal obsoleto que pede reforma profunda e urgente, solta criminosos hediondos.
Onde está o Plano de Segurança anunciado pelo presidente Fernando Henrique quando da tragédia do seqüestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro? Será o mesmo plano anunciado agora para tentar nos enganar, mais uma vez? O que foi feito das sugestões apresentadas por especialistas nos diversos seminários sobre segurança? Saiam das gavetas, senhores governantes. Andem nas ruas. Conversem nas praças e botecos. Sintam o que a gente comum está sentindo. Não será bom senti-lo, garanto-lhes. O medo humilha. Já não há mais lágrimas a derramar por parentes, amigos e pessoas de bem que tombam.

Homens de bem que viveram e combateram a ditadura sentem-se constrangidos ao abordar o combate à violência. O discurso da repressão aos crimes comuns ou políticos sempre foi visto como ''coisa da direita'', encarado como belicoso, contrário aos Direitos Humanos. O discurso de ''mais polícia nas ruas'' é tachado de fascista, típico da ''direita mais retrógrada''. Pois bem, a polícia há de estar na rua, sim! Preparada com armamentos modernos e serviços de inteligência eficazes. Chega de conversa fiada. O mundo mudou. A conversa sobre segurança tem que mudar, também. ''Ditadores'', hoje, são os bandidos que cometem toda sorte de brutalidade contra a sociedade. Contra os ''opressores'' de hoje, a força e o repúdio veemente da ideologia mais revolucionaria.

Equipem as polícias, tornando-as mais investigativas e científicas. Unifiquem-nas. Aumentem os salários dos policiais. Mudem leis. Acabem com a impunidade. Construam colônias penais agrícolas, botem os bandidos para trabalhar, e assim pagar sua permanência enquanto estiverem sob custódia do Estado.

Quanto a nós, vamos pra rua. Vamos fazer barulho. Bater panelas. Vestir branco pela paz. Vestir vermelho pela guerra que estamos enfrentando. Vamos à luta. Vamos espernear. Vamos forçar os homens que nos governam à ação. Os argentinos, nas ruas, expulsaram presidentes, mudaram rumos.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

Ninguém ouviu o general
Há exatos quatro anos, em janeiro de 1998, o responsável pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Alberto Cardoso, alertava que o aumento da violência - cuja causa primeira, na opinião dele, é o narcotráfico como crime organizado - já havia criado vários nichos de ''Estados paralelos'' no Brasil e que, a continuar assim, o poder público no país seria totalmente dominado pelo banditismo e a soberania brasileira francamente ameaçada.

''Ainda estamos longe de Medellín que, no entanto, em algum momento já esteve no estágio em que nos encontramos agora. Por isso, a tomada de consciência não pode esperar mais.''

Como se vê, pôde. E esse homem - como ministro-chefe do Gabinete Militar - na época, dava expediente no mesmo prédio e andar do presidente da República. Defendia a implantação de ''uma ofensiva definitiva para estancar essa situação, pois nossa soberania está sendo, de fato, desafiada quando não temos controle das fronteiras. Por isso, o combate ao crime organizado é um problema de segurança nacional''.

Vale a pena reproduzir trechos das considerações que fazia o general e, sem contaminar a conversa com a busca da responsabilidade - se federal, estadual ou municipal - traçarmos um retrato perfeito do que foi - e é - a paralisia do poder público ante o tema. Se a situação, há quatro anos, era avaliada pelo general como periclitante, hoje não seria surpresa se o mesmo Alberto Cardoso reconhecesse que o Estado encontra-se sitiado.

Depois disso, ele voltou ao assunto para alertar que as autoridades eram pior aparelhadas que os criminosos que deveriam combater. Mas aquilo passou assim, como uma constatação ao léu, talvez ninguém tenha prestado muita atenção, decerto considerando que havia algo de paranóia militar e autoritarismo da mesma natureza na análise do general.

Mas, antes, quando fez o alerta a que nos referimos no início, Alberto Cardoso falava mais especificamente do Rio e de algumas regiões de Pernambuco, Bahia e Ceará onde, para ele, ''a presença do Estado foi substituída pelo domínio do tráfico e a autoridade praticamente inexiste ou foi transposta para os traficantes''. O general chamava esses locais de ''zonas liberadas''.

O então governador Marcello Alencar reagiu contra as declarações. Telefonou reclamando ao general que repassou as queixas para cá, avisando que o fazia apenas pró-forma, porque mantinha tudo o que havia dito.
Pois agora, quatro anos depois - quando quase ao mesmo tempo um prefeito é executado, um promotor fuzilado e a polícia seqüestra bandido em morro em busca de resgate, enterrando a máxima de Lúcio Flávio de que ''Polícia é polícia, bandido é bandido'' - é que a autoridade maior deste país se dá conta de que não podemos mais ''continuar assistindo'' a isso e que é preciso tratar o tema com uma estratégia de guerra?
Ora, isso o chefe da segurança presidencial já dizia em 1998, ao defender a criação de uma superestrutura com poderes de todos os níveis e encarar a questão de frente.

Fornecia até seu diagnóstico para a situação: ''A leniência das autoridades e da própria sociedade foi permitindo que o narcotráfico substituísse os governos no controle do ambiente social, até que a banalização do crime levou à banalização da autoridade e a uma sensação de que ela não vale nada.''
E acrescentava: ''Quando um governo é sustentado pelo crime organizado, forma-se um ambiente de leniência generalizada que extingue a autoridade e faz surgir o Estado paralelo.''

O general avisava que esse processo precisava ser urgentemente estancado, sob pena de tomar conta de todo o país. Como se vê, ele estava certo e, sabe-se lá por quê, não lhe deram ouvidos nem a devida atenção.

Antes assim
O ministro e pré-candidato do PSDB reclamou que a imprensa não ''deu bola'' para a informação sobre a meta de redução da mortalidade infantil. ''O que perguntam é se fui jantar com Roseana, se o Itamar será o vice, se convidei o Jarbas'', queixou-se.

Reclama de barriga cheia, porque o dia que pararem de lhe perguntar sobre a candidatura e as articulações políticas em torno dela, é que Serra deveria se preocupar.

De mais a mais, se não entender que já se despiu do figurino doutor Kildare e vestiu fatiota de candidato, José Serra terá problemas para compreender o que se passa a seu redor.

Mal comparando
Consta que para o programa partidário que o PFL leva ao ar hoje à noite, foi feita gravação comparando a governadora Roseana Sarney com o ex-presidente americano Bill Clinton que, além de ser originário de um Estado pequeno, deixou o governo com 68% de aprovação popular.
E, no minuto seguinte, seu candidato a sucessor perdeu a eleição.


Editorial

CONTATOS NECESSÁRIOS

Durante 31 anos os poderosos deste mundo, políticos, empresários e intelectuais, vêm se reunindo na cidade suíça de Davos para discutir problemas do planeta. O Foro Econômico Mundial tornou-se referência e não foi muito contestado enquanto havia bipolaridade de poder. Dois sistemas. De um lado, o capitalismo. Do outro, os modelos soviético e chinês de socialismo real.

Com o desmoronamento da URSS e a transformação da China num regime politicamente comunista mas capitalista liberal em matéria de negócios, o mundo ficou unipolar. Meca de empresários, vista como eldorado de consumidores e força de trabalho dócil e barata, a China nada preservou de sua herança maoísta. O mundo ficou unipolar.

Os setores da esquerda ficaram perdidos até que organizações não governamentais, sindicatos e partidos políticos de esquerda resolveram criar foro paralelo - o Foro Social Mundial, de Porto Alegre, que em seu segundo ano consecutivo consegue atrair tanta atenção quanto o foro de Davos, que, por sua vez, será realizado este ano em Nova York.

O foro econômico e o seu miolo, os países do G-7 mais a Rússia, caracterizam-se pela ira que atraem de grupos variados de protesto, desde ambientalistas, críticos das instituições financeiras, como o FMI e o Banco Mundial, até punks e hooligans, que aproveitam qualquer ocasião para uma boa briga.

Vistos grosseiramente, os foros seriam a disputa dos partidários da globalização, representados no foro de Davos, contra os críticos, presentes em Porto Alegre. Há de tudo nesse foro gaúcho, desde figuras respeitáveis da política, como o ex-primeiro-ministro de Portugal, Mário Soares, e o ministro da cooperação francesa, Charles Josselin, até figuras controvertidas e folclóricas como José Bové, inimigo dos McDonalds e das plantações de transgênicos.

Exageros à parte, é bom que haja dois foros. Nélson Rodrigues dizia que ''toda a unanimidade é burra''. Durante algum tempo, após a queda do Muro de Berlim, falou-se em pensamento único, consenso de Washington e houve até quem decretasse o fim da História. Todas as previsões revelaram-se apressadas. Enquanto o ser humano for capaz de pensar, novas idéias surgirão e algumas frutificarão enquanto outras fenecerão por falta de contato com a realidade.

De um lado e do outro, há os que clamam por mudanças de atitude e pensamento. Figuras importantes da finança mundial têm observado que o contexto em que o sistema de Bretton Woods foi criado já está ultrapassado. O próprio presidente Fernando Henrique andou flertando com a idéia e queixou-se várias vezes de ''assimetria'' na globalização.

Organismos como o FMI receitam a mesma terapia para países com características políticas e problemas sociais e econômicos diferentes. Num hospital, essa abordagem seria uma catástrofe. Basta olhar para a Argentina para pôr em dúvida a eficiência dessas receitas.

Do outro lado, em Porto Alegre, os que criticam a globalização ainda não foram capazes de propor saídas viáveis, conforme critica o filósofo americano Michael Hardt, um dos autores do livro Império e que participa do foro gaúcho. A esquerda ainda está de ressaca, não consegue alinhar propostas para uma nova leitura do mundo que não passe, necessariamente, pelo modelo neoliberal da economia e a predominância absoluta das leis do mercado. Por seu lado, ainda está presa ao dogmatismo marxista. Não consegue se livrar da camisa-de-força e não encontra pauta mínima comum para entender-se e propor mudanças.

Uma das soluções seria promover a discussão, o encontro, entre os dois foros, comparar pontos de vista, propostas e perspectivas. O que a existência dos dois foros demonstra é que a História continua e o diálogo e a democracia ainda são a melhor forma de melhorar a vida dos homens sobre a Terra.


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01/31/2002


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