Hospitais ajudam a Justiça a aplicar penas alternativas



Prestação de serviços à comunidade ajuda a diminuir a reincidência de menor potencial ofensivo

Uma vez por semana, o médico Gilberto* ia a um happy hour com os amigos. Tomava alguns drinques e saía dirigindo velozmente pelas ruas da zona norte da capital. Infelizmente, numa de suas saídas, bateu em outro carro. Gilberto foi encaminhado a um Distrito Policial e teve seu Termo Circunstanciado (TC) encaminhado ao Fórum Regional Criminal de Santana. Durante a audiência, foi elaborado um acordo no qual Gilberto passaria a prestar serviços comunitários no Hospital do Mandaqui. “Aqui na zona norte, temos vários parceiros, como os hospitais do Mandaqui, São Luiz Gonzaga do Jaçanã e Hospital da Cachoeirinha”, explicou Camilo Pillegi, promotor de Justiça do Fórum Regional Criminal de Santana, localizado na zona norte de São Paulo.

A forma da modalidade de punição aplicada ao médico é conhecida como pena alternativa. É um marco na solução de conflitos decorrentes de infração criminal tida por menor potencial ofensivo (delitos como brigas de condôminos e vizinhos, acidentes de trânsito, ameaças, dirigir veículo sem habilitação ou em estados de embriaguez). A modalidade é fruto da parceria entre o Ministério Público, o Judiciário e a comunidade. Vista como meio de punir, educar, humanizar e ressocializar quem comete crime de menor potencial ofensivo, a pena alternativa é um benefício concedido pela Justiça que permite à pessoa em conflito com a lei trabalhar gratuitamente para a comunidade em vez de responder a processo judicial e até cumprir pena na prisão. Para a Justiça, a pena alternativa desafoga o sistema penitenciário. Hoje, o Estado tem 145 mil pessoas encarceradas. Em 1994, havia 50 mil presidiários. Esse número cresce constantemente porque a inclusão no sistema prisional é maior que a exclusão. Cada nova penitenciária custa R$ 14,8 milhões e abriga 768 detentos. Para acomodar todos seria necessário construir 174 penitenciárias por ano.

A pena alternativa é aplicada há mais de 13 anos no Fórum Regional Criminal de Santana. “Entendemos que, muitas vezes, a pessoa em conflito com a lei precisa de novas soluções para o seu problema e o encarceramento não é a melhor medida. O trabalho comunitário é uma boa saída para a sociedade e para o indivíduo”, acredita Pileggi.

Mudança de mentalidade – O promotor informou que desde que a Lei 9.099/95 entrou em vigor no Fórum de Santana, como regra geral, sempre é proposta a realização de uma doação a um orfanato (prestação pecuniária), que foi previamente selecionado pela Promotoria de Justiça Criminal de Santana e abriga crianças em completo desamparo de família. Os promotores de Justiça criminais têm uma lista de todas as entidades que cuidam de menores, as quais são também cadastradas na Vara da Infância e Juventude. A cada seis meses realizam visitas a essas entidades e selecionam as “mais necessitadas”. Na zona norte de São Paulo existem aproximadamente 80 orfanatos. Desses, 15 foram escolhidas e recebem as doações.

Nada impede, também, que seja proposta a prestação de serviços à comunidade por certo período (de seis meses a um ano). Se o autor aceitar a proposta e cumpri-la, o processo vai automaticamente para o arquivo, não ficando qnenhum antecedente. Pileggi explica que o autor só poderá exercer este direito uma vez a cada cinco anos.

“É aí que entra a parceria com o Hospital do Mandaqui. A direção da instituição de saúde aderiu ao projeto e desde 1996 recebe os autores de pequenos delitos. Mais de 5 mil pessoas prestaram serviços comunitários naquela instituição. Houve época em que chegamos a encaminhar 120 pessoas por mês”, lembra Pillegi. Os promotores precisaram, também, mudar a mentalidade dos que recebiam as penas e dos profissionais das instituições que receberiam os “apenados”. Perguntas como “eu vou lavar cadáver?” ou “o condenado pertence a alguma facção criminosa?” eram muito comuns. Com o passar do tempo e com as explicações, os dois lados descobriram as vantagens dessa nova maneira de fazer cumprir a lei. “Explicamos às instituições que essas pessoas não têm antecedentes criminais. Para o apenado, explicamos que ele irá trabalhar em serviços administrativos dentro do hospital e esclarecemos que poderá exercer sua cidadania ao conhecer melhor o serviço público”.

Com o passar do tempo, outros parceiros aderiram ao projeto. Instituições como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Amor Exigente também participam do processo de Justiça Terapêutica. Eles ajudam algumas pessoas usuárias de drogas ou de álcool e entraram em conflito com a lei num primeiro momento. A família também participa do processo. Muitas mães e esposas aprovam o encaminhamento da pessoa que cometeu o delito para tratamento.

Equipe unida – Para o desenvolvimento do projeto, Camilo Pillegi conta com os promotores Airton Brezo Alves, Mário Sérgio Sobrinho, Hélio Loma Garcia, Francisco Aparecido, Rodrigo Canelas e Cíntia Maria Gruber. Além dos operadores de Direito, psicólogos e assistentes sociais prestam atendimento às pessoas que precisam de tratamento. Pileggi informa que os psicólogos sinalizam como deve ser encaminhado o processo. “Eles nos ajudam a encaminhar as pessoas para tratamento e, com isso, diminuem a reicidência do autor”. Segundo dados do Instituto Latino-Americano para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud), a reicindência no sistema de prisão é de 70% a 85%; em medida alternativa, de 2% a 12%.

Medidas propostas em 2006 

Prestação pecuniária 1.112 casos

Prestação de serviços 412 casos

Justiça Terapêutica 187 casos

(Dados: Fórum Regional Criminal de Santana)  

Maria Lúcia Zanelli

Da Agência Imprensa Oficial



01/17/2008


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