Inclusão do direito à busca da felicidade na Constituição recebe apoio de juristas



O Senado reservou tempo na manhã desta quarta-feira (26) para um debate inusitado: estabelecer na Constituição federal que os direitos sociais expressos no artigo 6º da Carta "são essenciais à busca da felicidade". O assunto foi debatido por iniciativa do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

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O parlamentar explicou que a atendeu a um pedido do "Movimento + Feliz", entidade que pretende apresentar ao Legislativo sugestão de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a finalidade de alterar o artigo 6º- justamente para fazer constar ali o direito à busca da felicidade. O movimento é uma iniciativa da agência de publicidade internacional 141 Soho Square.

No entender do presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, Luciano Borges, o estabelecimento desse direito contribuiria para a criação de um novo paradigma a ser observado pelo Estado na elaboração e na execução de políticas públicas. A ideia, porém, não teve apoio unânime dos debatedores. Daniel Seidel, secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), qualificou a proposta de "vazia".

Luciano Borges enfatizou que a preocupação dos magistrados é dar conotação objetiva ao direito à busca da felicidade. Reconheceu, no entanto, que a felicidade pode incluir aspectos subjetivos, que não devem ser contemplados na Constituição e nem merecem tutela do Estado.

- Quando explícito [o direito à busca da felicidade] na Constituição, damos conteúdo objetivo e resgatamos a garantia dos direitos sociais. A sociedade brasileira tem o direito de ser feliz atrelado aos direitos sociais e não ao subjetivismo de cada qual - disse o jurista, ao avaliar que a proposta vai gerar amplo debate na sociedade, bem como atrair o interesse dos movimentos sociais.

Apesar de direitos sociais considerados básicos já estarem assegurados na Constituição, não está explícita a qualidade por meio da qual esses direitos são garantidos, segundo teorizou o presidente da Associação dos Procuradores da República, Mauro Motoryn, fundador do "Movimento + Feliz" e principal executivo da 141 Soho Square Brasil. A proposta de PEC elaborada pelo movimento sugere o acréscimo da frase "são direitos sociais, essenciais à busca da felicidade," antes da enumeração do rol dos direitos definidos no artigo 6º: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Bem comum

Na avaliação do jurista Ives Gandra Filho, a sugestão de PEC é importante, uma vez que coloca a garantia dos direitos sociais pelo Estado como essencial à felicidade das pessoas. Para ele, o Estado deve promover o bem comum, por meio de um conjunto de ações, de modo que seja possível aos indivíduos buscarem o seu bem-estar particular.

- Se o Estado promover educação, saúde, e os outros direitos sociais, cada um vai poder buscar a felicidade - disse o jurista.

O advogado Marco Sabino, especialista em Direito Constitucional, afirmou que é possível normatizar o direito à busca à felicidade, uma vez que há aspectos objetivos que levam a essa condição. Ele explicou que muitas pesquisas científicas, como na área econômica, apontam para critérios objetivos que caracterizam uma população como feliz. Esses estudos, disse Sabino, concluem que a observação de determinados serviços e direitos, como os citados na Constituição - saúde, educação, emprego, entre outros - tornam as pessoas mais felizes.

O representante do Ministério Público, o procurador Alexandre Camanho de Assis, defendeu ideia de o Estado desempenhar o papel de "aglutinador" dos sonhos individuais e servir de "indutor da felicidade".

- A felicidade é uma meta social e coletiva. Perdemos a idéia de que socialmente e individualmente os homens se organizam num Estado para buscar a felicidade. A felicidade agrega uma Nação com um sonho comum - observou Alexandre Assis.

Já Ulisses Riedel, advogado e fundador da instituição União Planetária, enfatizou que o debate do tema abre uma discussão com a sociedade sobre valores sociais. Ele considerou que para uma pessoa buscar a felicidade, precisa ter as condições materiais supridas. No entanto, ressaltou haver outros valores importantes para oferecer felicidade ao ser humano, como a solidariedade, que, em sua opinião, pode contribuir para a construção de uma sociedade livre e igualitária.

Críticas

Para o representante da CNBB, os direitos sociais devem ser reforçados e o governo, ao implantar os programas sociais, deve trabalhar com o conceito de bem-estar. Para ele, a noção de felicidade é algo subjetivo, que pode levar a uma ampliação desnecessária do assunto e comprometer as conquistas sociais.

Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília, Seidel também criticou o "Movimento + Feliz" por, segundo ele, não ter contado com a participação dos movimentos sociais. A sugestão de PEC, afirmou, parece ser "uma grande campanha de marketing". Ele cobrou propostas de políticas públicas concretas para sustentar a idéia de garantir a busca da felicidade pelas pessoas. Em sua opinião, o que impede a felicidade dos brasileiros é "a corrupção e os corruptos que roubam dinheiro público".

- Não nos sentimos convencidos com a proposta. Foi apresentada muito recentemente. Costumamos [a CNBB] discutir antes de apresentar uma proposta. Até o momento se apresenta de forma muito vazia de significado - disse Daniel Seidel.

A audiência, acompanhada por estudantes da escola Nossa Senhora das Graças, de São Paulo, que visitavam o Congresso, teve seu encerramento com apresentação do maestro João Carlos Martins ao piano, acompanhado pelo violinista Sergei Carvalho.

Iara Farias Borges/ Agência Senado

26/05/2010

Agência Senado


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