José Agripino: "Constituição não é a principal amarra do país"
Defensor de um Estado enxuto, com liberdade de iniciativa e livre concorrência, o líder do Democratas, senador José Agripino (RN), assinou, um ano antes da queda do Muro de Berlim, uma das Constituições mais extensas do mundo, com regras que, em sua opinião, poderiam perfeitamente estar em leis ordinárias. Apesar disso, ele não critica esse texto, pois entende que as dificuldades do desenvolvimento brasileiro remontam a um passado mais distante.
Em entrevista à Agência Senado, José Agripino afirma que o Estado gigante, a burocracia e a corrupção são elementos que, há séculos, travam o Brasil, mas se disse convencido de que a Constituição pode perfeitamente ir se adequando à realidade do mundo globalizado pelo esforço parlamentar contínuo. Em sua opinião, o texto promulgado não é motivo de orgulho. José Agripino o respeita, apenas. Mas acredita que, na construção deste país, os caminhos continuam abertos para que a Nação avance.
Agência Senado- Passados 20 anos do pacto republicano que devolveu o Brasil à normalidade democrática, como o senhor vê a Constituição que ajudou a escrever?
José Agripino- Eu participei e vi como foi penoso, durante mais de dezoito meses, nas Comissões Temáticas, na Comissão de Sistematização, no Plenário, elaborar um texto. É claro que esse texto deve muito à liderança de Ulysses Guimarães (presidente da Assembléia Nacional Constituinte e um dos principais líderes da redemocratização do país), mas o texto refletiu o viés político do momento, que era o viés do Estado gigante, socializante, que procurou, acertando de certa forma, valorizar o Ministério Público, a justiça, os órgãos de justiça que defendem os direitos sociais. Dessa forma, muitas vezes, foram garantidos direitos que o Orçamento não conseguia resguardar. A Constituinte cometeu excessos, alguns exageros, mas tudo no melhor propósito de fazer o país avançar.
Agência Senado- Mas o senhor aponta equívocos nesse texto...
José Agripino- Aponto. Houve um equívoco grave. O andamento do texto constitucional apontava para o Parlamentarismo e, ao final, por um ou dois votos, ganhou o sistema presidencialista. Então, o instituto da Medidas Provisórias , assim como muitos instrumentos legislativos que diziam respeito a um sistema parlamentarista de governo, que dificilmente cumpririam seu papel num regime presidencialista, foram preservados no texto. Isso produziu, ao longo do tempo, desprestígio do Poder Legislativo. Tudo por culpa de uma visão equivocada, cuja gravidade não foi percebida naquela época.
Agência Senado- Que méritos o senhor aponta no texto promulgado?
José Agripino- A Constituinte produziu acertos e equívocos, mas serviu, sobretudo, para promover o debate, oxigenar as idéias, fazer-nos refletir sobre o país que queríamos. Agindo certo ou erradamente, as pessoas defenderam princípios, construíram convicções, chocaram-se com idéias opostas e, ao final, votaram democraticamente. O voto foi acertado em alguns temas, foi equivocado noutros, mas a Constituinte de 20 anos atrás cumpriu seu papel. Foi o mais acertado? Não foi, com certeza. Cometeu equívocos? Com certeza, os cometeu, mas promoveu acertos, apontou para avanços sociais, garantiu os princípios democráticos com o fortalecimento das instituições, trabalhou pelo Brasil. Teve excessos em alguns momentos? Sim, mas fez o país avançar.
Agência Senado- No momento em que os senhores faziam a Constituição, a então primeira-ministra Margareth Thatcher reduzia a presença do Estado na economia do Reino Unido e o mundo se abria para o liberalismo econômico. A Constituição brasileira ficou em descompasso com a globalização?
José Agripino- Ficou, sem dúvida. Tanto, que o Estado que deu certo e que o futuro logo evidenciou foi o mundo da economia aberta e globalizada, foi a prevalência da eficiência, da competência, foi a liberdade de iniciativa, foi o Estado menor e enxuto. Agora, foi preciso coragem para alguns países do mundo e alguns estadistas mostrarem, contrariando a doutrina do Estado paternalista, que a perspectiva de futuro ocorreria por aquele viés, como Margareth Thatcher apontou na Inglaterra.
Agência Senado- O senhor acha que faltou coragem aos constituintes para prosseguir num desenho mais avançado para o Estado brasileiro?
José Agripino- Não, a democracia brasileira atravessa etapas. Eu não diria que faltou coragem. Se você comparar a Inglaterra ou a França com o Brasil, alguns séculos nos separam. A revolução industrial, que nasceu na Inglaterra, ocorreu no Brasil séculos depois. Nós estamos cumprindo etapas de um processo de amadurecimento da democracia brasileira. E estamos cumprindo bem.
Agência Senado- Então, um dia chegaremos lá, como um Estado menos regulador?
José Agripino- Mais rápido do que outras Nações conseguiram chegar.
Agência Senado- O senhor acha que as regras que dificultam a criação de empresas no Brasil são culpa dessa Constituição?
José Agripino- O Estado gigante, a burocracia, a corrupção, são elementos que puxam para baixo o crescimento do país. Algumas dessas amarras têm origem lá atrás. Eu não diria que foi a Constituição que nos amarrou. Não acho que a Constituição é a principal amarra do país. O que é preciso, nas mudanças constitucionais, é adequar o texto constitucional à realidade do mundo hoje.
Agência Senado- A Constituição hoje é motivo de orgulho para o senhor?
José Agripino- É motivo de respeito. A Constituição cumpriu seu papel, numa fase de transição da história brasileira. Ela seria motivo de orgulho se fosse uma peça acabada para os dia de hoje, uma peça que não precisasse mais sofrer modificações. Isso ela não é.
Agência Senado- O senador José Sarney a chama de Frankenstein...
José Agripino- O presidente Sarney sofreu - e explicitou isso com muita coragem - as conseqüências mediatas do que a Constituição determinou. Ele condenava o texto pela quantidade de gastos a que ela obrigou o Poder Público, impondo restrições orçamentárias insuportáveis para o governante. E é por isso que Sarney verbaliza essa crítica contra a Constituição Frankenstein. Ele sofreu diretamente os efeitos das restrições orçamentárias determinadas pelo que a Constituição obrigou a ser gasto.
Agência Senado- Mas o senhor a respeita?
José Agripino- Eu a respeito. Democracia é isso. Democracia é você viver momentos difíceis e, no debate das idéias, conseguir encontrar os caminhos de saída para as dificuldades. E, na construção do futuro deste país, esses caminhos continuam aí.
26/09/2008
Agência Senado
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