Laranja nega doação para clube






Laranja nega doação para clube
Um ex-funcionário do Clube de Seguros da Cidadania, ligado ao PT, revelou em depoimento à CPI da Segurança Pública da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul que o recibo de sua doação para a compra de prédio cedido ao partido, em 1998, foi forjado por dirigentes do clube. ‘‘Nenhum valor saiu do meu bolso. Concordei porque era funcionário’’, declarou Sílvio Gonçalves Dubal, sobrinho do diretor de seguros do Clube da Cidadania Daniel Verçosa Gonçalves. Na lista de doadores que o clube apresentou para provar a origem dos R$ 310 mil utilizados na compra da sede do PT, Sílvio teria contribuído com R$ 500 em 30 de outubro de 1998. No mesmo dia, outras sete contribuições, num total de R$ 15 mil teriam sido recolhidas, inclusive dos diretores da entidade e do filho do governador Olívio Dutra, Espártaco Dutra, que confirmou a doação de R$ 500. Integrantes da CPI acreditam que o dinheiro para a compra do prédio veio do jogo do bicho.


Serra abre o cofre
Ministro da Saúde privilegia aliados com a liberação de verbas de sua pasta na tentativa de seduzir o maior número de partidários à candidatura presidencial. No PSDB, seu adversário é o governador Tasso Jereissati

Em guerra aberta com o governador Tasso Jereissati pelo direito de ser o candidato do PSDB à presidência da República, o ministro da Saúde, José Serra, joga todas as fichas na liberação de verbas do Ministério para conquistar aliados no seu partido. Levando-se em conta apenas as emendas paroquiais — destinadas especificamente a atender bases eleitorais de deputados e senadores — o PSDB leva ampla vantagem sobre os demais partidos, inclusive os aliados do governo.

Um grupo de 51 parlamentares tucanos teve 160 emendas atendidas. No PFL, foram liberadas 134 emendas de 54 deputados e senadores. Em volume de recursos garantidos, porém, não há páreo para os tucanos: R$ 4,5 milhões já foram pagos e R$ 8,8 milhões estão com o pagamento autorizado de obras e serviços — um total de R$ 13,3 milhões.

O PFL garantiu outros R$ 9,9 milhões, mas apenas R$ 3,7 milhões já estão pagos. Outros R$ 6,2 milhões esperam pagamento a qualquer momento, segundo informações do Sistema de Administração Financeira (Siafi). A exemplo da posição que reclama ocupar na aliança governista, na liberação de verbas da Saúde o PMDB também está na terceira posição. O partido conseguiu R$ 7,1 milhões, distribuídos em 82 emendas para 41 deputados. Deste total, só R$ 2,7 milhões foram pagos, faltando liberar R$ 4,3 milhões.
Do PPB, o Ministério da Saúde atendeu 21 deputados com 73 emendas, num total de R$ 6,5 milhões, entre valores pagos e por liberar. O PTB teve dez deputados atendidos com um total de 48 emendas. Ao todo, R$ 3,7 milhões. A bancada tem hoje menos de 30 parlamentares e recebeu muito mais que o PT, que só teve emendas liberadas para 15 parlamentares. Conatabilidade final dos petistas: R$ 2,1 milhões.

Oposicionista, o senador Ademir Andrade (PSB-PA) apresentou 14 emendas ao Orçamento do Ministério da Saúde e até 1º de novembro nenhuma foi empenhada. Já o deputado governista Basílio Villani (PSDB-PR) conseguiu recursos para seus 15 pedidos, num total de R$ 1 milhão — R$ 576 mil já pagos. Outro tucano que tem motivos para comemorar é o deputado Dino Fernandes (RJ). Doze emendas que ele apresentou ao Ministério foram contempladas com R$ 1,3 milhão. O levantamento dos pagamentos de emendas foi executado para o Correio pelo gabinete do deputado Agnelo Queiroz (PCdoB-DF).

Reclamando com FHC
Antes de embarcar para Washington, o presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu uma ligação do governador do Ceará, Tasso Jereissati. Concorrente de Serra pela primazia de ser o candidato do PSDB a presidente, Tasso reclamou ao presidente que o ministro da Saúde estava usando as verbas do orçamento federal para minar sua posição entre os tucanos.

Aliados de Tasso não se cansam de reclamar, nos bastidores, de que Serra está seduzindo os tucanos com o Orçamento. Afirmam que toda liberação feita é comunicada ao interessado em encontro no gabinete do ministro. Por isso, Tasso disse que acabou a cordialidade. Ele já estava irritado com o fato de os serristas terem anunciado que havia desistido de participar do programa do partido. A questão do Orçamento foi a gota dágua.

O senador Gérson Camata (PMDB-ES) disse a um colega que foi chamado pessoalmente ao gabinete de Serra para ser informado que suas emendas estavam sendo pagas. Também o deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE) comentou com outros políticos que sofreu o mesmo assédio. Na terça-feira, o ministro do Planejamento, Martus Tavares, ficou sem resposta ao ser questionado por senadores e deputados cearenses a razão de suas emendas receberem menos dinheiro que o previsto. Segundo eles, somente o senador Sérgio Machado (PMDB-CE), inimigo de Tasso e candidato a governador do Ceará, recebeu o valor integral das emendas.

Serra está no Catar, para a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em seu lugar, o ministro interino Barjas Negri disse que a manipulação do orçamento em favor de Serra é ‘‘uma grande bobagem’’. Segundo ele, a liberação de dinheiro não passa pelas mãos do ministro José Serra. Logo, conclui, não há como privilegiar deputados, sejam aliados do governo ou oposicionistas. ‘‘Não dá para saber se a emenda é do deputado do Serra ou do Tasso’’, disse Negri.

Barjas Negri argumenta que os partidos aliados do governo, por serem maioria, apresentam mais emendas e, portanto, têm mais dinheiro liberado do que os outros. Segundo ele, as maiores bancadas do PSDB são as de Minas Gerais e São Paulo, nessa ordem. Ou seja, os deputados desses estados recebem mais dinheiro do que os demais simplesmente porque são mais numerosos. Não por serem politicamente ligados ao ministro Serra.


Festival de falcatruas
Investigação da contabilidade da CBF revela inúmeras irregularidades. Contador não consegue explicar déficits que apontam para a suspeita de desvio de dinheiro em favor de terceiros

A presença do contador da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Oswaldo Ferreira, na última sessão de depoimentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Futebol, ontem, no Senado Federal, liberou o presidente Ricardo Teixeira de um constrangimento espetacular.
Impedido de atender à convocação devido a problemas cardíacos, Teixeira foi poupado de acompanhar a uma didática exibição de falcatruas encontradas na contabilidade da CBF, pacientemente exibidas pelo relator da CPI, senador Geraldo Althoff (PFL-SC).

‘‘A contabilidade da CBF é uma farsa, capaz de produzir algumas mágicas, como transformar o superávit em déficit, para esconder o desaparecimento de somas significativas’’, resumiu o presidente da CPI, senador Álvaro Dias. Diante das evidências das fraudes — todas documentadas — o contador da CBF não tinha explicações. ‘‘Terei que verificar como foi isso’’, foi o recurso que mais usou. Esta ‘‘consulta’’ passará obrigatoriamente pelo diretor financeiro da entidade, Antônio Osório, e o secretário geral, Marco Antônio Teixeira, com quem o contador se relaciona nas questões receitas e despesas da CBF.

Com a quebra do sigilo bancário da CBF e do presidente Ricardo Teixeira, os assessores da CPI não tiveram dificuldades de encontrar as tais ‘‘mágicas contábeis’’, como a realizada durante o Campeonato Mundial de Clubes, em janeiro do ano passado, por exemplo, uma competição orçada em 14,7 milhões.

Auditoria
Dentre os documentos recolhidos pelos assessores da CPI na sede da CBF, no Rio de Janeiro, está uma auditoria da empresa KMPG, encomendada pela Fifa, promotora do Campeonato Mundial.
Comparando a auditoria com a contabilid ade da CBF — executora do Campeonato Mundial — constatou-se que o total das despesas oficiais da competição foi de R$ 12,6 milhões. Porém, a contabilidade da CBF registra uma despesa de R$ 17,2 milhões, ou seja, um déficit de R$ 4,6 milhões. Por que esta diferença? ‘‘Há uma lógica que explica isso’’, disse o senador Althoff.

Segundo o relator, as empresas de turismo prestadoras de serviços à CBF consumiram, durante o Campeonato Mundial, R$ 7,6 milhões. Este valor é bem acima do efetivamente gasto, segundo o orçamento oficial da Fifa, que foi de R$ 3,1 milhões. Há, portanto, um déficit de R$ 4,5 milhões, que é justamente a diferença entre o orçamento geral da Fifa (R$ 12,6 milhões), e as despesas totais do campeonato contabilizadas pela CBF (R$ 17,2 milhões).

‘‘O que se conclui é que o estouro na contabilidade da CBF, em relação ao orçamento oficial, deveu-se quase que exatamente ao excesso de despesas com as empresas de turismo SBTR, Planeta Brasil e Planeta Brasil Incoming, suspeitas de receber dinheiro indevidamente da CBF.
Conforme documentos oficiais, somente a SBTR recebeu da CBF, entre os anos de 1998 e 2000, R$31 milhões. O problema nestas despesas é que não há notas fiscais que justifiquem o pagamento deste valor. ‘‘Se estas despesas foram efetivamente realizadas em proveito do Campeonato Mundial de Clubes, por que motivo não constam da prestação de contas à Fifa?’’, indaga Althoff.

Banco
Outros indícios de irregularidades apurados pelos assessores da CPI diz respeito às aplicações financeiras da CBF e seu presidente, Ricardo Teixeira, no Banco Vega — em liquidação. Para isso, foram comparadas as movimentações bancárias, através de registros bancários e a contabilidade da CBF.
‘‘Os registros contábeis não espelham, com precisão, o total dos recursos aplicados pela entidade, revelando a possibilidade de que esses recursos tenham sido temporariamente desviados em proveito de terceiros, no curso das aplicações’’, disse Geraldo Althoff.

O relator da CPI chegou a esta conclusão porque os registros contábeis das aplicações da CBF não coincidem com os extratos de aplicações encaminhados pelo liqüidante do Banco Vega. ‘‘Constatou-se que durante o período em que os recursos permaneceram investidos, parte deles parece não ter sido feita em nome da CBF’’.
A próxima sessão da CPI está marcada para o dia 4 de dezembro, quando será lido e votado o relatório de Geraldo Althoff. No dia seguinte, o relator apresentará propostas para mudanças na legislação do futebol, particularmente no que diz respeito ao gerenciamento e administração de clubes, federações e CBF


Livro-caixa é autêntico
Em depoimento ao Ministério Público do Paraná, o economista aposentado Francisco Paladino Júnior confirmou a autenticidade do livro-caixa que mostra movimentações financeiras não-declaradas à Justiça Eleitoral na campanha à reeleição do prefeito de Curitiba, Cassio Taniguchi (PFL). Paladino foi tesoureiro da campanha do PFL. A existência do livro foi revelada por reportagem da Folha de S.Paulo, na terça-feira, segundo a qual o PFL movimentou R$ 29,8 milhões no caixa dois da campanha de Taniguchi. Paladino fazia as anotações referentes às finanças da campanha a mando de Mário Lopes Filho, coordenador financeiro da campanha.


Solução passa por deduções
A pedido do deputado Ney Lopes (PFL-RN), o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, está estudando um reajuste de 20% na tabela de deduções do Imposto de Renda. Atualmente, os contribuintes podem deduzir até R$ 1.080 por cada dependente e até R$ 1.700 em despesas com educação. Se a tabela for reajustada, esses limites sobem para R$ 1.296 e R$ 2.040, respectivamente. Se puder deduzir mais despesas, o contribuinte pagará menos imposto. A idéia do deputado Ney Lopes é tornar mais palatável ao Congresso Nacional a proposta de mudanças no IR apresentada pelo governo na terça-feira, rechaçada pelos líderes partidários. Maciel dará uma resposta a Lopes na próxima terça ou quarta-feira.


Guerra chega também ao PMDB
O clima de guerra de secessão que assola o PSDB vai se instalar também no PMDB. A ala governista do partido começará a preparar nos próximos dias o lançamento da pré-candidatura do deputado Michel Temer (SP), presidente do partido, para disputar as prévias com o senador Pedro Simon (RS) e o governador de Minas Gerais, Itamar Franco. A ordem é bombardear com todas as forças as chances de Itamar vencer as prévias. Foi para operar essa tarefa que o ex-deputado Moreira Franco deixou ontem o cargo de assessor especial da Presidência da República.

‘‘A candidatura de Itamar não interessa ao PMDB. Do ponto de vista partidário, ele não tem o menor compromisso. E, para o Brasil, a sua vitória representa um retrocesso, um mal’’, ataca Moreira. ‘‘O PMDB precisa de uma candidatura que garanta para o país desenvolvimento sustentado com inclusão social, e não algo que se resuma simplesmente ao ódio pessoal, a buscar desfazer, por rancor, tudo o que foi feito’’. No que depender de Moreira, Itamar Franco experimentará nas prévias a mesma derrota impingida pelos governistas na convenção para as eleições de 98. Só que agora será necessário apresentar um candidato. E o nome mais provável é o de Temer. ‘‘É ele quem se apresenta. E precisamos resolver isso o mais rapidamente possível para botar a campanha na rua, já que a prévia será em janeiro’’, explica.
Vencer Itamar não significará necessariamente que o PMDB terá em Michel Temer um candidato próprio. ‘‘Ninguém ganha eleição sozinho. O PMDB tem de trabalhar no seu campo político, que inclui PSDB e PFL.

Só o que não se pode aceitar é ficar subalterno nessa aliança como nos últimos anos’’, diz Moreira.
Fora também do governo nos próximos dias, o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, ajudará nessa articulação. A saída dos dois, porém, não significa, segundo Moreira, que o PMDB está deixando o governo. ‘‘Nós saímos, mas Ney Suassuna está assumindo o Ministério do Desenvolvimento’’. Ao contrário do que afirma Moreira, o senador Pedro Simon comemorou a saída de Moreira como sendo o desembarque do PMDB. ‘‘Suassuna entra como cota pessoal do presidente’’, afirmou. É um engano de Simon. Moreira e Padilha saem para garantir que o partido permaneça com o governo. E é por isso que nem se cogita no apoio a Simon contra Itamar.


Artigos

A guerra dos ‘‘outros’’
Os atentados permanentes praticados pelo racismo e a discriminação no Brasil contra metade de sua população não merecem de nossas classes dominantes nem orações, quanto mais ações

Sueli Carneiro

Um dos subprodutos da guerra em curso dos EUA contra o terror é a mudança na avaliação e expectativas dos brasileiros em relação àquele país. Na verdade, os atentados de 11 de setembro, o bioterrorismo e o medo de que a guerra contra o terror resulte em mais atentados contra os EUA são fatores que alteraram a percepção dos brasileiros sobre eles e também sobre o Brasil. É o que diz pesquisa realizada pelo Datafolha com os resultados publicados na Folha de S. Paulo de 4/11/2001 que revela que ‘‘para 45% dos paulistanos, a imagem dos EUA piorou após atentados’’, e, em contrapartida, a visão positiva do Brasil aumentou em 11%. É uma pesquisa qualitativa em que ‘‘foram ouvidas 50 pessoas, em cinco grupos, de São Paulo, das classes A e B, de 18 a 45 anos. Todas tinham curso superior, viajaram de avião nos últimos 12 meses e tiram férias todos os anos.’’

Uma das entrevistadas sintetiza o sentimento que os recentes acontecimentos provocaram: ‘‘Com os atentados, houve a perda de referencial que significava ascensão pessoal, cultural e profissional. Os EUA eram a possibilidade de ser um brasileiro melhor. Isso foi adiado.’’
Os principais motivos alegados pelos pesquisados para a piora da imagem norte-americana são: os EUA demonstraram fragilidade na segurança (26%) e eles estão atacando inocentes ou civis (13%). Na associação dos EUA a aspectos negativos, a guerra é a primeira resposta (25%).

Entre os aspectos responsáveis pela melhora na avaliação do Brasil, a paz reinante no país é mencionada como o principal fator de revalorização positiva por esses extratos sociais.
E essa nossa paz foi objeto de brilhante explanação da pesquisadora Sílvia Ramos, especialista em violência e segurança pública, em recente seminário ocorrido em Aracaju, no qual ela demonstrou que a violência urbana no Brasil apresenta padrões definidos pela ONU como indicadores de guerra civil: 350 mortos para cem mil habitantes só no Rio de Janeiro, fenômeno que se repete em níveis semelhantes em outros estados do país. As vítimas são na maioria absoluta homens, jovens, negros e pobres, vítimas de violência letal, assassinados, via de regra, por outros homens, jovens, pobres e majoritariamente negros. Segundo Sílvia Ramos, uma guerra fratricida, na qual se articula a violência de gênero, de raça e de classe consolidando um verdadeiro genocídio de homens negros.

Nesse imaginário social em que a paz existente no Brasil é recorrentemente citada, está imbuído também o orgulho em relação à inexistência de ódio racial no país, o que esconde o fato de que o ódio racial aqui foi substituído por um extraordinário desprezo e indiferença em relação ao negro e às suas adversas condições de vida. E a suposta tolerância racial se sustenta na incapacidade do negro para atritar as relações sociais. Essa impotência parece provocar no dominado uma atitude de autoflagelo expresso nesse fratricídio dantesco.

De volta de Aracaju, sento ao lado de um simpático senhor que logo entabula conversa. No eterno papo de catastrofistas, eu e ele, comentamos os desacertos do mundo e, em especial os do Brasil, e ele me retorna com a inevitável piada em que Deus explica a um invejoso porque o Brasil foi brindado com tantas benesses: terras abundantes e cultiváveis em que se plantando tudo dá; rios caudalosos, praias maravilhosas, belezas naturais invejáveis. Mas em contrapartida disse Deus: ‘‘Você verá o povinho que eu vou pôr lá.’’
E essa parece ser a visão das classes superiores sobre o país que, segundo a Folha de S. Paulo, constata que o ‘‘sentimento dominante é de orfandade’’ diante dos eventos ocorridos nos EUA, o país capaz de tornar-nos ‘‘brasileiros melhores’’.

Se o desconforto com o próprio país não é percebido como resultado da ação ou inação dessas mesmas classes dominantes, se elas não se sentem responsáveis pelo país que construíram, então a culpa de o país ser o que é deve ser provavelmente do ‘‘povinho’’ que aqui habita.
Diz o professor Renato Janine, da USP, na mesma matéria da Folha: ‘‘Os atentados nos EUA foram uma espécie de ‘my world’ que caiu para a classe média. Ela construiu sua identidade a partir da dificuldade de lidar com o Brasil’’. E o professor Antônio Pedro Tota, da PUC-SP, relembra: ‘‘Não é a primeira vez que a elite brasileira se sente órfã. Em 14 de junho de 1940, quando a Alemanha invadiu Paris, a elite carioca mandou rezar missa pela desocupação da cidade. É um sentimento que se repete agora.’’

Paris no passado ou Miami hoje, a elite brasileira continua de costas para o país, dialogando, se espelhando e se identificando com as elites brancas ocidentais do Primeiro Mundo.
O cineasta tcheco Peter Václav em recente visita ao Brasil comentou a repórteres: ‘‘São Paulo é um lugar onde você sente a vida pulsar. Só não entendo como as pessoas aceitam tanta desigualdade’’. Frase semelhante foi dita pelo sociólogo italiano Domenico Dimasi em sua primeira visita ao Brasil, referindo-se especificamente à atitude blazé dos intelectuais brasileiros frente às desigualdades.
As classes A e B objeto da pesquisa do Datafolha e os intelectuais brasileiros de Dimasio têm em comum serem majoritariamente brancos. A indiferença que compartilham diante das desigualdades tem a ver com o fato de que a guerra civil que essas desigualdades provocam é dos ‘‘outros’’, não por acaso majoritariamente não-brancos. E é sempre necessário repetir que os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) de negros e brancos no Brasil faz com que a população branca em sua maioria desfrute de condições de vida semelhantes a países como a Bélgica, enquanto a população negra apresenta índices abaixo de pelo menos 10 países africanos em termos de qualidade de vida.

A guerra civil de cá, os atentados permanentes praticados pelo racismo e a discriminação no Brasil contra metade de sua população não merecem de nossas classes dominantes nem orações, quanto mais ações.
Há anos, no Seminário para a Elaboração de Uma Agenda Nacional de Governabilidade, organizado pelo PNUD, um então ministro do primeiro governo de FHC afirmou que o governo se sentia obrigado a negociar com movimentos sociais que colocavam em risco a governabilidade, citando o MST como um exemplo. Perguntei-lhe se, em sendo essa a lógica do poder, significaria que os negros só teriam a chance de negociar uma agenda socialmente inclusiva se se tornassem capazes de colocar em risco a governabilidade do país? Ele não me respondeu e a pergunta continua me atormentando.


Editorial

Campo minado

A lista de vexames do futebol brasileiro parece não ter fim. A derrota diante da Bolívia, na quarta-feira, a sexta da Seleção nas Eliminatórias sul-americanas para a Copa do Mundo de 2002, não ganhou ares de tragédia graças à providencial ajuda do Equador, que empatou com o Uruguai e manteve o Brasil na quarta colocação. Mas o fantasma da repescagem — reservada à equipe que terminar a competição em quinto lugar — continua à espreita.

A queda nas alturas andinas teve todas as características de um fracasso anunciado. Enquanto a eliminada Bolívia treinava havia uma semana, com direito a jogo-treino disputado no domingo, o Brasil realizava um mísero coletivo, horas antes do embarque. O técnico Luiz Felipe Scolari também ‘‘colaborou’’: mesmo sem poder contar com três atletas, lesionados, vetou novas convocações.
O surrado discurso de que ‘‘o empate é um bom resultado’’ dava o tom do que seria apresentado em La Paz. A escalação do time brasileiro, com três zagueiros, três volantes e apenas um atacante nato, adequava-se perfeitamente à filosofia. O cenário, de cores sombrias que contrastam com o passado verde-amarelo, era perfeito para a derrocada.

Desastre consumado, esperava-se que o comandante reagisse com um mínimo de confiança. Afinal, o adversário brasileiro na derradeira e decisiva rodada é a inexpressiva Venezuela. Scolari, porém, saiu-se com uma pérola: ‘‘Se não vencermos, ainda temos a chance de classificação na repescagem, contra a Austrália’’.
A que ponto chegou o futebol brasileiro. As mazelas se multiplicam em velocidade espantosa, dentro e fora das quatro linhas. Ao despreparo e à falta de ética reinantes na classe dos dirigentes — que desaguaram na instalação de duas comissões parlamentares de inquérito —, juntou-se uma falta de qualidade técnica dos jogadores jamais vista. Japão, Honduras, Austrália, Bolívia, Venezuela... Qualquer adversário é páreo duro para o Brasil. E nossa auto-estima atinge níveis assustadoramente baixos.

A fórmula para reverter tal quadro nada tem de complicado ou misterioso. É do senso comum que, enquanto o calendário de competições no Brasil se chocar com o cronograma do futebol europeu, a Seleção não terá um período de treinamentos adequado. Ninguém discorda da premissa de qu e um campeonato deve ter suas regras respeitadas. Todo empresário sabe que um negócio gerido de forma amadorística — e sem fiscalização — abre as portas para a corrupção e o fracasso financeiro.

Todas essas verdades óbvias foram definidas em abril, durante encontro de ‘‘notáveis’’, como imprescindíveis para o soerguimento do futebol brasileiro. Desde então, porém, nada se produziu de concreto. Um dos presentes à reunião, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, é alvo de inúmeras denúncias na CPI do Senado. Mas ele espera que a chamada ‘‘bancada da bola’’, composta por parlamentares ávidos por deixar tudo como está, tenha uma atuação mais competente do que o escrete de Scolari.
O Brasil deve ir à Copa. De forma sofrida, no último minuto, com o coração na mão. A vitória mais importante, porém, está longe de ser conquistada.


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11/09/2001


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