Lula de volta às origens










Lula de volta às origens
São Bernardo do Campo (SP) — Orlando Targino, potiguar de 51 anos, fresador, Renato ‘‘Minhoca’’, paulista de 50 anos, mandrilador, e José da Silva Lemos, cearense de 46 anos, torneiro mecânico, saíram ontem direto do trabalho para a praça da matriz de São Bernardo, cidade industrial da Grande São Paulo. Ainda vestindo os macacões azuis com a logomarca da TM Bevo, fábrica de máquinas operatrizes, postaram-se na escadaria da igreja, ao pé do palanque, ao lado de outros metalúrgicos do ABC, como se fizessem uma guarda de honra para o último comício da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.

‘‘Me deu vontade de chorar’’, confessou ‘‘Minhoca’’, um senhor de cabelos grisalhos rareando e olhos azuis brilhantes. ‘‘A gente fica até arrepiado de ver isso’’. O cearense José, moreno e atarracado, engasgou-se um pouco ao tentar relatar o que sentira ao ver o antigo colega metalúrgico discursar como candidato favorito à Presidência da República na praça onde participaram juntos de tantas manifestações e assembléias. ‘‘Isso é fora de série’’, foi só o que conseguiu dizer.

‘‘A gente tomava cerveja com ele depois das reuniões no sindicato...’’, admira-se Orlando Targino, o potiguar magro de ar sisudo e óculos. ‘‘Cerveja e pinga mesmo’’, esclarece José, a bem da precisão. Outro companheiro de fábrica, Osvaldo Marques, 44 anos, aproxima-se e define o que representa para estes veteranos operários a perspectiva de ver Lula na presidência: ‘‘É alguém que sabe o que é um fim do mês de trabalhador’’.

O último grande ato da campanha do PT foi assim: repleto de evocações simbólicas da história operária do partido. O partido, que nesta disputa aliou-se pragmaticamente a empresários de peso e políticos conservadores, buscou ontem reavivar suas cores de origem com um retorno ao lugar onde sua história começou.

A festa atrasou uma hora e meia. A multidão portando bandeiras vermelhas se aglomerou na porta do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que Lula presidiu de 1975 a 1980. Saiu em caminhada às 17h30, tendo à frente Lula, a mulher Marisa, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, e os candidatos do partido ao Senado e ao governo estadual, Aloisio Mercadante e José Genoino. Como convidado especial, também caminhando, o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, que foi declarar apoio ao candidato petista.

A presença do governador mineiro causou alguma estranheza entre os militantes. ‘‘Aquele não é o Itamar, de Minas?’’, perguntou o ex-metalúrgico José Lourival dos Santos, um operador de guilhotina demitido da fábrica em que trabalhava há três anos. ‘‘É, mas ele não estava outro dia mesmo num encontro com o Fernando Henrique Cardoso?’’, respondeu perguntando o amigo Fábio Pereira de Souza, de 22 anos e também desempregado. ‘‘Estava, mas vale o apoio, né?’’, conformou-se o primeiro.

A multidão de cerca de dez mil pessoas, segundo a organização, subiu a rua Marechal Deodoro até a igreja matriz, a um quilômetro dali. Era na catedral que os militantes se escondiam para fugir dos cassetetes da polícia no final dos anos 1970 e começo da década seguinte, anos de repressão dura ao nascente movimento sindical que projetaria nacionalmente Lula. Na frente da igreja, aconteceu o comício que emocionou os metalúrgicos Orlando, José, Renato e Osvaldo.

Emocionou também o candidato, que prometeu, no início do discurso, não chorar, lembrando que tinha ‘‘aberto o bico’’ numa visita à fábrica da Volkswagen — onde trabalhara como torneiro —, no começo da campanha. Em vão. Minutos depois, Lula caiu no choro no meio da frase em que advertia para que ‘‘ninguém, nunca mais, ouse duvidar da classe trabalhadora brasileira’’. O discurso de petistas e metalúrgicos que tentava justificar o novo PT, menos radical e mais pragmático, estava na boca do povo. ‘‘É justo. Ele não vai governar sozinho’’, explicava a comerciante Luiza Maria de Farias, de 64 anos. Conhecida no ABC como ‘‘Tia’’, ela se confunde com a história do sindicalismo. ‘‘Tia’’ comanda a lanchonete do sindicato há 30 anos.

‘‘Falei com Lula há 15 dias. Ele disse que vai me levar para Brasília. E eu vou’’, disse. Amiga do líder sindical há três décadas, ela sabe que Lula é fã dos quibes que faz. ‘‘Ver Lula presidente é o sonho da minha vida’’, diz.

‘‘Tia’’ confessa que foi uma mulher briguenta. Chegou a ser presa, nos anos 70, por bater num policial durante um piquete na empresa Brastemp. O marido dela José Lopes, morto há oito anos, era metalúrgico e queria furar uma greve. ‘‘Atirei uma pedra no pé dele, só para ele não ir trabalhar’’, lembra.

Hoje os tempos são outros. Empresários que apóiam Lula foram tratados como companheiros na caminhada e no comício. Estavam lá Oded Grajew, da Fundação Ethos; Lawrence Pih, do Moinho Pacífico; José Pessoa de Queiroz, usineiro de açúcar; e Antoninho Marmo Trevisan, da empresa de auditoria Trevisan & Associados. ‘‘Este é o momento mais feliz da minha vida’’, comentou Trevisan, ao lado de João Felício, presidente da Central Única dos Trabalhadores. ‘‘Veja, capital e trabalho unidos por uma causa que vai unir o Brasil, na busca de uma economia mais justa’’.


PT ganha tempo no último dia
Com punições aplicadas pelo TSE, José Serra perderá tempo na TV e terá programa menor do que o de Lula no horário eleitoral gratuito de amanhã. Ciro ficará sem comerciais na programação

Bateu, levou. A tática definida há duas semanas pelos marqueteiros do candidato do PSDB à Presidência, José Serra, de partir para cima de Luiz Inácio Lula da Silva vai custar muito caro. E justamente no último dia de propaganda gratuita. Amanhã, Serra terá menos tempo na TV que Lula. Na madrugada de terça-feira, o Tribunal Superior Eleitoral resolveu conceder ao PT oito minutos e seis segundos de direito de resposta nos programas de Serra. Serão cinco minutos e 33 segundos no programa da tarde e dois minutos e 33 segundos à noite. Serra dispõe de 10 minutos e 23 segundos em cada bloco. Lula terá um tempo menor para responder à acusação de que não está preparado para governar porque não tem experiência administrativa nem diploma. O tempo restante será para o presidente do PT, José Dirceu, reagir à denúncia de que incitou professores em greve a agredirem, em 2000, o então governador de São Paulo, Mario Covas.

A decisão do TSE reacendeu nas cúpulas dos partidos que compõem a aliança de Serra a crítica à opção do marqueteiro da campanha, Nizan Guanaes. Desde o início, alguns dos aliados do candidato tucano, como o prefeito do Rio, César Maia, alertavam que a tática era arriscada. De lá para cá, de fato, acabou crescendo a rejeição a Serra. O candidato continua no páreo, mas não conseguiu crescer, ficando sempre nas pesquisas abaixo dos 20%. Agora, graças aos ataques, Serra, que desde o início apostou no horário eleitoral como seu principal trunfo, fica com menos da metade do seu tempo justamente na reta final da campanha.

A decisão ocorreu em dois julgamentos do TSE. No primeiro, os ministros analisaram os programas do PSDB exibidos nos dias 17 e 20 que responsabilizaram o presidente nacional do PT, José Dirceu, pelas agressões sofridas pelo então governador de São Paulo, Mário Covas, em conflito com grevistas em 2000. Um discurso feito pelo deputado uma semana antes do incidente, no qual diz que o ‘‘PSDB deve apanhar nas ruas e nas urnas’’, foi mostrado para comprovar a versão tucana. Pela acusação, o TSE deu resposta de quatro minutos e 33 segundos no programa da tarde e dois minutos e 33 segundos no programa da noite.

Diploma
A segunda decisão dos juízes trato u do programa do PSDB onde se questiona a capacidade de Lula governar o país, já que o candidato não tem curso superior. No horário gratuito do dia 17 de setembro, o locutor disse: ‘‘A prefeitura do PT de São Paulo exige diploma universitário de seus fiscais de rua. Já para presidente da República, o candidato do PT diz que não precisa de diploma’’.

O argumento do advogado do partido, José Antonio Toffoli, é o de que a Constituição Federal não exige diploma para assumir a Presidência. Lula ganhou um minuto de direito de resposta. ‘‘Um vitória dessas no último programa antes das eleições é excelente e mostra ao eleitorado que Serra atacou Lula e Dirceu de forma ilegal. É um direito de resposta justo’’, afirma o senador José Eduardo Dutra (PT-SE). O porta-voz da campanha de Lula, André Singer, se pronunciou em nome do candidato e de Dirceu. ‘‘A Justiça fez justiça’’, disse.

Duda Mendonça procura guardar a sete chaves o que usará no direito de resposta e no programa final de Lula na TV. É possível, porém, que Lula use como exemplo na sua resposta a trajetória do ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela. Lula mostrará que Mandela também não tinha qualquer experiência administrativa — até porque passara cerca de vinte anos preso —, mas hoje é um mito na África do Sul, respeitado por negros e brancos.

No tempo normal do PT, a aposta será na emoção absoluta. Duda gravou as imagens da caminhada de Lula em São Bernardo, berço do início da vida política do ex-metalúrgico. Lembranças que mostram Lula como um igual ao povo brasileiro, que passou pelos mesmos sofrimentos. Mostrará as últimas adesões, principalmente de empresários. Ontem à tarde, depois da caminhada em São Bernardo, Duda saiu com Lula para fazer uma gravação externa secreta.


Aguiar sabia da ação do tráfico
Secretário de Segurança do Rio alega que não pôde impedir o toque de recolher. Revelação pode abalar candidatura de Benedita à reeleição

Faz quinze dias, o secretário de Segurança Pública do estado do Rio, Roberto Aguiar, tomou conhecimento de que traficantes do Comando Vermelho (CV) preparavam ações de toque de recolher, como a de segunda-feira. Ele recebeu das mãos do procurador-geral de Justiça, José Muiños Piñeiro Filho, gravações de conversas de presos da penitenciária Bangu 1. Nas conversas, os traficantes falavam sobre fechar o comércio na região metropolitana do Rio.

As escutas feitas pelo Ministério Público Estadual mostram Marco Antônio Tavares, o Marquinho Niterói, dizendo que o CV iria aterrorizar a população fluminense. ‘‘Nas gravações, o traficante [Marquinho Niterói] afirmou que quem não participasse da ação seria alemão [inimigo]’’, revelou Aguiar. O secretário, entretanto, ainda tem dúvidas de que o fechamento do comércio em 36 bairros da região metropolitana, ocorrido na segunda-feira, foi feito por ordem do tráfico. Niterói é um criminoso ligado a Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.

O secretário disse que, ao tomar conhecimento do grampo, colocou a polícia em alerta. Mesmo assim, não conseguiu evitar o fechamento do comércio porque as gravações não mencionavam dia, hora ou local do toque de recolher. Em nota oficial, o Ministério Público informou que não divulgou o conteúdo da escuta para evitar ‘‘um pânico social e dar tempo à cúpula da segurança para se preparar’’.

Pesquisas
O sucesso da governadora Benedita da Silva (PT) nas eleições para o governo do estado, dia 6, depende do combate ao crime organizado. O desempenho de Benedita nas pesquisas eleitorais melhorou depois da prisão do acusado pela morte do jornalista Tim Lopes, Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, e com a transferência de Beira-Mar para um batalhão da Polícia Militar.

Hoje, redações de jornais e emissoras de televisão cariocas receberam um documento, supostamente assinado pelo CV, assumindo a autoria dos boatos de segunda-feira. Segundo a nota, o fechamento do comércio é uma retaliação à falta de regalias de traficantes presos no Batalhão de Choque, vindos de Bangu 1. ‘‘O documento pode ter sido escrito por um maluco qualquer’’, minimizou Aguiar.

O secretário investiga também a possibilidade do texto ter sido mandado por funcionários públicos. Em um fax encaminhado a um jornal, apareceu um número de aparelho do Instituto de Previdência do Estado do Rio de Janeiro (Iperj).

Os telefones do órgão estão sendo rastreados, pois a polícia quer saber se a chamada partiu de lá ou se o telefone foi clonado. O homem que fez a entrega da nota na emissora de TV contou que foi abordado por dois motoqueiros armados, mandando que ele levasse o documento. Os autores avisam ainda no texto que se os líderes do motim no presídio Bangu 1, levados para o Batalhão de Choque não tiverem tratamento diferenciado, o comércio terá de fechar novamente. Fernandinho Beira-Mar e Elias Maluco estão presos no Batalhão.

O governo anunciou o reforço do policiamento, com 43.500 homens na rua. O comércio voltou ao normal pela manhã, com as lojas abrindo entre 30 minutos e uma hora mais tarde. Durante a madrugada, bares e restaurantes ficaram fechados.

Duas pessoas, das 22 presas entre a manhã de segunda-feira e a madrugada de ontem, contaram ter recebido ordens diretas de traficantes para mandar fechar o comércio. Segundo a polícia, eles afirmaram que as instruções partiram traficantes do Comando Vermelho.

O candidato à Presidência pelo PSB, Anthony Garotinho, também se sentiu atingido politicamente pelo toque de recolher da segunda-feira. De acordo com ele, setores conservadores estão apavorados com a ‘‘iminente derrota do candidato do PSDB, José Serra’’, e querem aproveitar qualquer brecha para levar pânico e indecisão ao eleitorado. Ele culpou Roberto Aguiar pela crise na segurança pública.


Só Ciro cai em pesquisa do Ibope
Para se eleger no primeiro turno, Luiz Inácio Lula da Silva precisa atingir 50% mais um dos votos válidos. Com 48% na última sondagem, petista está a dois pontos de vencer no domingo

Todos os candidatos à Presidência da República, com exceção de Ciro Gomes (PPS), apresentaram pequeno crescimento nas intenções de votos, segundo a mais recente pesquisa nacional do Ibope, divulgada ontem no Jornal Nacional, da Rede Globo. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou 2 pontos e chegou a 43%. José Serra (PSDB) oscilou 1 ponto para cima e tem 19%. Anthony Garotinho (PSB) passou de 15% para 16%, enquanto Ciro foi de 12% para 11%.

Houve uma queda de votos em branco, nulos e de eleitores indecisos. Os votos em branco e nulos somam 3% (eram 4% na semana passada) e 7% dos eleitores ainda não sabem em quem vão votar ou não responderam à pesquisa, comparados a 10% da rodada anterior.

Apesar de ter subido dois pontos percentuais, Lula permanece com 48% dos votos válidos (soma de todos os votos menos os em branco e nulos). Para se eleger no primeiro turno, o candidato precisa atingir 50% dos votos válidos mais um voto. O índice de votos válidos de Lula ficou inalterado porque seus concorrentes também subiram na pesquisa, aumentando a base para o cálculo de votos válidos (na semana passada, a proporção de Lula era calculada sobre 86 pontos, enquanto, nesta rodada, a base é de 90 pontos). Serra tem 21% dos votos válidos; Garotinho, 16%; e Ciro, 12%.

Como a margem de erro é de 1,8 ponto percentual, para mais ou para menos, Anthony Garotinho está empatado tecnicamente com José Serra em segundo lugar. Por outro lado, o ex-governador do Rio conseguiu desfazer a situação de empate técnico com Ciro Gomes no terceiro lugar, que se configurava no levantamento anterior.

José Maria de Almeida (PSTU), que não havia pontuado na pesquisa anterior, voltou a ter 1% dos votos. O resultado de Rui Costa Pimenta (PCO) foi i nsignificante.

Nas simulações para o segundo turno, Lula venceria todos os seus adversários. Se a disputa fosse com Serra, ele ganharia por 55% a 35%, mantendo o índice da semana passada. Com Garotinho, o candidato petista seria eleito por 54% a 35% (na semana passada a taxa era de 55% a 34%). Caso concorresse com Ciro, teria 57% a 31% (era 56% a 32%).

A pesquisa, encomendada pela Rede Globo, foi feita entre os dias 28 e 30 de setembro. Foram entrevistados três mil eleitores em 203 municípios de todo o país.

O resultado confirma a tendência de crescimento de Lula indicado pela última pesquisa Datafolha, divulgada no sábado. Segundo o Datafolha, Lula oscilou um ponto para cima e chegou a 41% das intenções de votos (49% dos votos válidos). Serra e Garotinho se mantiveram estáveis: o tucano tem 19% e o ex-governador do Rio, 15%. Ciro caiu de 13% para 11%. Os votos em branco e nulos são 3% e os eleitores indecisos somam 5%.

Nas simulações para o segundo turno, Lula venceria Serra e Garotinho por 57% a 35%. Se disputasse com Ciro, o petista obteria 58% a 32%. A margem de erro do Datafolha é de dois pontos percentuais.

Para a analista de pesquisas eleitorais Fátima Pacheco Jordão, o quadro ainda pode ser modificado, principalmente por dois episódios que acontecem hoje: o debate entre os presidenciáveis na Rede Globo e o direito de resposta que o PT obteve ontem no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no programa de Serra. ‘‘O debate pode apresentar opções para uma grande parcela de eleitores que ainda busca uma alternativa ou para aqueles que já escolheram uma, mas ainda se mostram dispostos a mudar de opinião’’, diz ela.

Para a analista, a derrota do tucano no TSE pode representar uma neutralização no seu último programa no horário eleitoral gratuito. ‘‘É um impacto muito grande perder oito minutos no último dia de propaganda gratuita’’, diz Fátima.

A analista para o mercado brasileiro Brasil do Banco Bear Stearns, Emy Shayo, acredita que os eleitores indecisos vão migrar em bloco para certas candidaturas e esse movimento definirá se haverá segundo turno. Ela trabalha com a previsão de 25% a 30% de indecisos, número das pesquisas de voto espontâneo, e vê a tendência a um ‘‘movimento de rebanho’’ no dia 6. ‘‘Deveremos observar o eleitor indeciso ter um comportamento de rebanho, de manada, na definição do voto nos últimos dias’’, disse.


Refém dos conservadores
Sem fazer alianças com senadores do PFL e do PMDB, o PT não conseguirá aprovar projetos de interesse de Lula, caso esse seja eleito presidente. Tradicionais adversários dos petistas terão o maior número de representantes na Casa

Se for mesmo eleito presidente como apontam as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá que se preparar para negociar com um Senado conservador. Segundo as mais recentes sondagens realizadas nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, PFL e PMDB terão as maiores bancadas na Casa.

O PMDB, por exemplo, já tem dez senadores eleitos em 1998, que têm ainda mais quatro anos de mandato. Somados aos dez considerados praticamente eleitos pelas pesquisas, o partido deverá ter 20 senadores. E esse número pode aumentar, uma vez que há outros sete peemedebistas empatados tecnicamente com candidatos de outros partidos, com chances reais de vitória (leia quadro com os favoritos em cada estado).

O PFL já tem praticamente certa uma bancada de 13 senadores e pode chegar a 19, se conseguir eleger aqueles que estão em empate técnico com candidatos de outros partidos. O PSDB deve eleger nove senadores e pode chegar a 15, se conseguir cabalar votos na reta final em estados como o Piauí, onde as pesquisas apontam Heráclito Fortes (PFL) e Freitas Neto (PSDB) com 33% das intenções de voto cada um.

Entre aqueles que estão apenas aguardando o dia 6 para recepcionar os colegas está um peemedebista que promete ser o trunfo de Lula no Congresso: o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), cotado inclusive para presidir a Casa a partir de 2003. É na família Sarney que Lula, se eleito, terá passe para conversas com os peemedebistas e até com o PFL, via a futura senadora Roseana Sarney (PFL-MA), que tem 65% das intenções de voto no Maranhão. Em Brasília, o PFL também deverá eleger um senador, Paulo Octávio, primeiro colocado na pesquisa Vox Populi/Correio Braziliense.

Além do clã Sarney, o PMDB que chegará ao Senado trará alguns nomes que têm um bom relacionamento com o PT, caso do ex-governador do Rio Grande do Norte, Garibaldi Alves Filho. Durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o desvio de recursos do Orçamento da União, em 1993, Garibaldi trabalhou lado a lado com o então deputado Sigmaringa Seixas — hoje candidato a deputado pelo PT.

Outro líder nas pesquisas para o Senado é o deputado Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ), cujo grupo político no Rio já declarou apoio a Lula. Há peemedebistas que avaliam que tanto Garibaldi quanto Sérgio Cabral poderão servir de apoio a Lula dentro da ala governista do PMDB, que terá novamente a presença de Renan Calheiros (AL), Ramez Tebet (MS) e José Maranhão (PB), considerados nomes certos para voltar ao Senado.

Aprovação difícil
Da ala governista do PMDB, o mesmo Senado que levou Jader Barbalho (PA) a renunciar ao mandato por causa das denúncias envolvendo a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) pode receber a ex-mulher dele, a deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA). A última pesquisa Ibope divulgada no estado mostra Elcione com 39% das intenções de voto, mesmo percentual do candidato do PSD, Duciomar Costa.

Do Pará, virá um dos cinco senadores que o PT pode eleger. A ex-deputada Ana Júlia Carepa encabeça a lista de candidatos preferidos pelos eleitores do seu estado, com 42%. O PT deve reeleger a senadora Marina Silva, do Acre. A legenda deve receber, ainda, o reforço de Aloizio Mercadante, favorito em São Paulo, Cristovam Buarque e Emília Fernandes, ambos em segunda lugar entre os candidatos que disputam uma vaga para o Senado no Distrito Federal e no Rio Grande do Sul. Somados aos quatro que o partido já tem na Casa, serão nove petistas no Senado.

A pequena bancada do PT mostra que, sem o PMDB, partido que integra a Grande Aliança de José Serra, Lula dificilmente terá maioria para aprovar projetos. Os partidos ditos de oposição hoje — PSB, PT, PL e PPS — têm hoje apenas dez senadores eleitos em 1998 e esse número chegará, no máximo, a 25 parlamentares. Isso na hipótese mais otimista de conseguir eleger todos os que estão no páreo com chances.

Com 25 dos 81 senadores, não é possível aprovar projetos e empreender reformas profundas em nenhuma legislação. Por isso, o PT, se eleito, terá que contar com o PMDB. Uma emenda constitucional, por exemplo, só passa no Senado com o aoio de 61 senadores. Uma lei complementar à constituição, precisa de 41 votos para ser aprovada.


Luiz Inácio Lula da Silva
"O nosso governo não vai compactuar com o crime"

O candidato do PT à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, não tem dúvidas: ‘‘A grilagem de terras em Brasília é feita por quadrilhas que contam com a conivência de pessoas do próprio governo’’. Em entrevista ao Correio, Lula afirma que, eleito presidente, vai adotar ações — em conjunto com o Poder Judiciário — para impedir a prática do parcelamento ilegal de terras. E critica o comportamento do presidente Fernando Henrique Cardoso em relação ao caso: ‘‘É lamentável que ele não tenha uma posição firme para combater esse crime’’


Roriz não diz se vai a debate
Estratégias dos candidatos para o confronto de hoje na TV Globo dependem de Joaquim Roriz. Se ele comparecer, o tema vai girar em torno das denúncias de envolvimento com a grilagem de terras no Distrito Federal < /i>

A expectativa em torno da presença, ou não, do governador Joaquim Roriz no debate televisivo de logo mais à noite vai durar até 15 minutos antes de o jornalista Carlos Monfort saudar os telespectadores da Rede Globo com seu boa-noite. Esse é o prazo que Roriz, candidato à reeleição pelo PMDB, tem para aceitar debater com os outros quatro candidatos ao Palácio do Buriti que já confirmaram presença: Rodrigo Rollemberg (PSB), Carlos Alberto Torres (PPS), Geraldo Magela (PT) e Benedito Domingos (PPB).

A presença do governador é determinante para os rumos do debate, que deve começar por volta das 22h20. Com Roriz, o foco das perguntas livres serão os recentes escândalos envolvendo pessoas do alto escalão do governo com grilagem de terras. Sem o governador, o centro do debate serão as propostas dos candidatos.

Admitindo a ausência do governador, é provável que os outros candidatos fujam das intrigas. Um desgaste ao vivo e diante de milhares de telespectadores poderia levar a uma definição ainda na primeira rodada de votação.

‘‘Estamos aguardando o governador’’, disse Ibsen Costa, chefe de produção da Rede Globo, em meio aos preparativos para o debate. Mas assessores de Roriz preferem manter o suspense. Nem sim, nem não. Segunda-feira, o governador, em almoço com líderes evangélicos numa churrascaria, chegou a tocar no assunto, esquivando-se da idéia de debater com outros candidatos.

Numa possível referência às recentes acusações contra ele, Roriz afirmou que o povo de Brasília sabia de seu comportamento e de suas realizações. ‘‘Não preciso fazer debates. Aquele que devo dar resposta é ao meu sentimento cristão. Os meus compromissos com Deus eu vou cumprir todos’’, discursou, para uma platéia de 600 pessoas.

Diante da indefinição da presença do governador, o petista Geraldo Magela garante que, se ele comparecer, a grilagem será uma das questões tratadas. ‘‘Quero que ele aceite o desafio de se mostrar sem a trucagem política do seu programa de televisão’’, fala Magela.

O vice-governador Benedito Domingos diz que o debate será uma oportunidade para desfazer, de uma vez por todas, os boatos de que irá desistir da candidatura em benefício do antigo parceiro político. ‘‘Tenho certeza de que esses boatos são uma campanha do governador para desestabilizar minha campanha.’’


Artigos

O centro e a margem
Mauro Santayana

Se tudo ocorrer como se espera, Lula será eleito presidente da República domingo próximo. Cento e oitenta anos depois da fundação do Estado Nacional e 113 anos depois da instituição da República, o Brasil começa a se consolidar como uma democracia, ou seja, um regime em que a maioria pobre exerce realmente o seu governo. O que definia, na visão de Aristóteles, o regime democrático era o poder dos pobres. Segundo o criador da ciência política, se houvesse uma maioria de ricos que excluísse das decisões os pobres, o regime, mesmo sendo da maioria, não seria democrático. Os pobres sempre foram a maioria dos eleitores brasileiros, pelo menos depois da reforma eleitoral que extinguiu o voto censitário, mas os eleitos sempre foram ricos, ou cooptados pelos ricos mediante a demagogia, a corrupção e o engodo. Desta vez, não: o provável chefe de Estado é um homem pobre, filho de pobres, educado para ser operário, que conseguiu liderar grande parte do povo brasileiro e poderá tornar-se, depois de três tentativas frustradas, o novo chefe de Estado. Se as urnas irão confirmar esse favoritismo, veremos. De qualquer forma, o Brasil, depois destas eleições, será bem outro.

A primeira conseqüência será a desarticulação dos setores oligárquicos conservadores. Eles não conseguiram do candidato José Serra todos os compromissos que haviam obtido do candidato Fernando Henrique Cardoso em 1994. É importante registrar, antes das eleições que já parecem perdidas para o ex-ministro da Saúde, que José Serra se recusou a aceitar determinadas condições impostas por alguns dos remanescentes da Arena a fim de reconstituir a antiga aliança formada há mais de oito anos. Serra foi um mau candidato, talvez porque pretendesse ser um bom presidente. Além de não resistir a tais setores, Serra cometeu erros fatais na condução de sua campanha, o que evidencia incompetência tática, mas não coloca em dúvida as suas idéias. E será uma aposta arriscada admitir que ele venha se tornar o chefe da oposição a Lula, se Lula for, como tudo indica, o próximo presidente. Tanto ele como Lula sabem que, entre os dois, há menos divergências ideológicas do que entre eles e o antigo companheiro de oposição Fernando Henrique Cardoso.

Lula entende, hoje mais do que nunca, que ninguém consegue governar senão pelo centro. Ele deve assumir a Presidência com essa consciência. Os sonhos de igualdade e de fraternidade sempre esbarram na ação ensandecida dos extremos. O jornalista, ensaísta e diplomata Salvador de Madariaga, que tentou, em vão, ficar eqüidistante do conflito político espanhol antes de se tornar um decidido opositor do franquismo, resumiu, com uma frase, a tragédia de 1939: o malogro da República Espanhola foi o malogro do centro político. O centro republicano, representado por Azaña e outros, foi sendo lanhado, à esquerda e à direita, nos escassos meses que vão da vitória da coligação dos liberais com os partidos de esquerda — a Frente Popular — de 1935, à eclosão da Guerra Civil, no ano seguinte. Se a maioria dos socialistas e comunistas tinha — como teve — a consciência de que era necessária a moderação, grupos extremados a tornaram impossível, com os resultados sangrentos que conhecemos.

A busca do centro possível — que sempre oscila com o espectro ideológico de cada tempo — não pode representar complacência com os criminosos, sejam eles traficantes de drogas ou traficantes de influência; com os lavadores de dinheiro e com os ladrões da coisa pública. A reconstrução do Estado deverá iniciar-se em seus pilares éticos, que se encontram apodrecidos pela impunidade secular, agravada nestes últimos tempos.

O caso do Distrito Federal é nisso exemplar. As denúncias dos últimos dias, irretorquíveis, demonstram que a capital da República se transformou em terra de ninguém, com a ocupação de glebas públicas por aventureiros, que as retalham e as vendem, com a complacência e a cumplicidade de autoridades do governo. Mais grave do que tais crimes, que os tribunais irão examinar, é a censura prévia exercida contra este jornal. A Constituição deixa claro, em seu artigo 5º, incisos IV, V, LX e em seu artigo 220, parágrafos 1º e 2º, que não pode haver censura prévia. O inciso LX do artigo 5º diz claramente que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. De que intimidade se trata, ou qual o ‘‘interesse social’’ em impedir que o povo conheça as denúncias gravadas, e gravadas a pedido do Ministério Público?

Enganam-se os que pensam que uma eventual vitória eleitoral em Brasília impedirá a ação da Justiça. O interesse público — este, sim — irá prevalecer. A honra do povo brasileiro exige que a capital da República seja um modelo ético de administração para o país. Com autonomia, se for possível. Sem ela, se for necessário.


Editorial

ESTADO DE MEDO

O Brasil assistiu anteontem a demonstração de insegurança sem precedentes na história do Rio de Janeiro. Não se sabe de onde saíram os boatos de que o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, determinara o fechamento do comércio na cidade. Mais de 40 bairros obedeceram, muitas escolas tiveram as aulas suspensas e 800 mil passageiros ficaram sem ônibus. O temor de represálias por parte do crime organizado fez os cariocas acatarem as ameaças anônimas.

Preso no Batalhão de Choque da Polícia Militar, Beira-Mar negou responsabilidade no episódio. Outros culpados também não apareceram. A governadora do estado, Benedita da Silva, apressou-se em levantar suspeita de ação política de adversários. Qualquer que seja a verdade, o que mais chama a atenção é o fato de que uma onda de boatos sem autoria consegue paralisar a segunda maior cidade de país. Só uma comunidade acossada pelo medo se sujeita a obedecer a ordens emitidas não se sabe por quem.

Cabe às autoridades federais, estaduais e municipais zelar pela tranqüilidade da população. Enquanto as organizações criminosas exercerem poder nas ruas e nos presídios, a sociedade estará sujeita a humilhações como as de anteontem. Líder do Comando Vermelho, maior organização criminosa do estado, Fernandinho Beira-Mar há menos de um mês comandou o assassinato de bandidos rivais dentro do presídio de Bangu I, onde estava detido e desfrutava de regalias como telefone celular e visitas íntimas. Transferido para o quartel da PM, o traficante manteve a aura de chefe de um estado paralelo.

Como aconteceu em crises semelhantes, a governadora anunciou um conjunto de medidas para tentar descobrir os culpados pela boataria e coibir ações que possam levar pânico à população. Só o tempo dirá se será bem-sucedida. Depois de décadas de fracassos no combate à violência, os habitantes do Rio perderam a confiança na capacidade de a polícia vencer as quadrilhas organizadas.

O sentimento de insegurança está tão arraigado na sociedade carioca que só um trabalho eficiente e continuado poderá devolver aos cidadãos o direito de ir e vir. Por enquanto, a única certeza que se tem é que os moradores do Rio acreditam mais em rumores sem autor do que nas explicações de seus representantes constituídos.


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10/02/2002


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