Mais poder à Polícia Federal









Mais poder à Polícia Federal
Um dia depois de encontrado o corpo do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), seqüestrado e assassinado em São Paulo, o governo federal anunciou ontem mais um pacote de medidas para a segurança pública. O pacote inclui uma medida provisória para ampliar os poderes da Polícia Federal, que poderá atuar em casos de seqüestro e outros crimes interestaduais como tortura, violação de direitos humanos, trabalho escravo, lavagem de dinheiro, tráfico de mulheres e crianças e roubos e furtos a bancos. A PF hoje atua na prevenção e repressão do tráfico de drogas e do contrabando e exerce funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras.

O pacote prevê ainda seis projetos de lei a serem enviados ao Congresso e sete medidas de caráter administrativo e operacional. As propostas vão desde a criação de forças-tarefas para combater crimes de seqüestro e tráfico de armas e drogas até a criação de quatro novas penitenciárias federais, a indisponibilidade dos bens de seqüestradores e mais agilidade para a compra de equipamentos pesados para as polícias estaduais. Uma proposta polêmica a ser estudada é a proibição de celulares pré-pagos, que costumam ser usados por bandidos porque não permitem a identificação do dono.

Fora a medida provisória, as demais propostas do pacote foram apresentadas ao presidente Fernando Henrique Cardoso pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Apenas uma das idéias do governador foi totalmente descartada pelo governo: a que previa prisão perpétua. O Ministério da Justiça disse que a proposta é inconstitucional.

— O presidente autorizou todas as outras medidas — disse o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira.

A minuta da medida provisória fora enviada pelo ministro da Justiça à Presidência antes da viagem de Fernando Henrique à Rússia. Já passou pela análise do Gabinete Civil e está agora com o presidente. É possível que seja editada esta semana. Ela ampliará as atribuições da Polícia Federal, previstas no parágrafo 1 do artigo 144 da Constituição, que trata de segurança pública.

Força-tarefa nas investigações
Segundo Aloysio, as seis medidas legislativas apresentadas por Alckmin irão ao Congresso por meio de projetos de lei, em caráter de urgência, já em fevereiro. Por ser uma medida administrativa, a organização das forças-tarefas independe dessa formalidade e será adotada imediatamente na investigação do seqüestro e assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel.

As forças-tarefas vão unir a Polícia Federal e as estaduais, a Receita Federal, o Ministério Público, os órgãos de inteligência e as Forças Armadas, quando houver necessidade. Alckmin disse que essa ação conjunta é necessária para combater a entrada ilegal de armas nos estados, para ele, um dos crimes mais difíceis de serem combatidos.

Fernando Henrique convocou reunião para as 18h30m de hoje com o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Renato Guerreiro, para ver como podem ser extintos a venda e o uso dos pré-pagos. Será cobrada da Anatel rapidez na adoção de bloqueadores de celulares em presídios. Alckmin considera o fim dos celulares pré-pagos indispensável para o combate ao crime organizado, já que o aparelho não permite rastreamento:

— O pré-pago é usado de maneira indiscriminada pelos criminosos. É um sacrifício para a sociedade, mas é importante num momento de emergência como este — disse.


Presidente do PSDB admite que morte de prefeito desgasta partido
SÃO PAULO e BRASÍLIA. O presidente nacional do PSDB, deputado José Aníbal (SP), admitiu ontem que o assassinato do prefeito de São André, Celso Daniel (PT), e o não esclarecimento da morte do prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos (PT), há quatro meses, causam desgaste político para o partido e para a candidatura à sucessão estadual do governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB). Segundo ele, o governo estadual precisa dar uma resposta fulminante para os casos e, além disso, rever seus planos para a segurança que serão apresentados na campanha eleitoral.

— É claro que haverá um desgaste, pois o povo cobra. Fomos desafiados por esse crime organizado e precisaremos fazer o resultado aparecer. O governador está se mobilizando nesse sentido — afirmou Aníbal.

Segundo o presidente do PSDB, possivelmente o programa de governo de Alckmin terá que ser alterado na área de segurança, pois ele previa a continuidade das atuais políticas para o setor.

O PT deve atacar Alckmin na campanha. Já o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB), promete não explorar o episódio. O próprio Alckmin evita discutir o assunto do ponto de vista eleitoral, alegando que exige um esforço suprapartidário.

— Meu empenho não é eleitoral. Tenho minha responsabilidade de governante, de melhorar a segurança. Sei que meu maior desafio será a segurança pública — disse.

Temer : Alckmin precisa apresentar resultados
O presidente do PMDB, Michel Temer, também acredita que Alckmin precisa apresentar resultados na área de segurança rapidamente.

— Pelo menos em São Paulo, a segurança será o carro-chefe da disputa. E Alckmin não está muito bem nesse quesito. Se não apresentar respostas rápidas, é claro que seu palanque sofre desgastes — disse Temer.

Maluf afirmou que não pretende fazer uso eleitoral dos episódios, mas apenas mostrar que em seus governos não ocorriam tantas falhas.

— Foi um dos atos mais brutais que eu vi, esse assassinato do Celso Daniel. Eu garanto que não vou fazer qualquer menção a esse fato na minha campanha — afirmou.


Empresário foi chefe da segurança de Daniel
SÃO PAULO. Recluso desde o seqüestro do prefeito Celso Daniel, o empresário Sergio Gomes da Silva promete reaparecer hoje, numa entrevista em seu escritório em São Paulo. Silva, ex-chefe de segurança do prefeito, é peça-chave nas investigações. Ele jantou com Daniel na sexta-feira à noite e dirigia a Pajero blindada que foi abordada pelos seqüestradores do prefeito. No depoimento prestado aos policiais ainda no dia do seqüestro, Silva afirmou que tentou reagir, mas não conseguiu alcançar a arma guardada numa sacola no banco traseiro do carro.

— Ele vai sanar as dúvidas relativas ao seqüestro — afirmou o secretário de Serviços Municipais de Santo André, Klinger de Oliveira Souza, amigo do empresário.

Empresário teve alta ontem, mas não foi ao enterro
Silva deixou ontem à tarde o Hospital Vila Assunção, em Santo André, onde estava internado desde domingo, mas não foi ao enterro do prefeito. Ele teve uma crise nervosa quando soube do assassinato de Daniel. Silva é tido como um empresário de prestígio entre políticos do PT de Santo André. Ele é sócio de duas empresas de transporte público, uma em Fortaleza (CE) e outra em Goiânia (GO). Também pesam contra ele denúncias de enriquecimento ilícito.

O empresário foi chefe da assessoria particular do prefeito durante seu primeiro mandato, entre 1989 e 1992. Os dois voltaram a trabalhar juntos nos dois anos em que Daniel exerceu o cargo de deputado federal (de 1995 a 1996). Sua aproximação com o prefeito lhe rendeu o apelido de Sergio Sombra.

Foi neste período que Silva teria se envolvido com empresas fornecedoras da prefeitura, supostamente beneficiadas em concorrências públicas. Há uma denúncia de que ele teria recebido em 2000 um cheque de R$ 272 mil da Rotedalli Serviços e Limpeza Pública, de propriedade de Ronam Maria Pinto. Consta ainda que os dois são sócios em imóveis em Santo André.

— Daniel e Silva sempre foram muito ligados. Quando as denúncias de tráfico de influência começaram a aparecer, a cúpula do PT tratou de afastar o prefeito do empr esário. Temia que isso contaminasse a imagem de um líder emergente do partido — conta um ex-assessor do prefeito.

Klinger rebate as acusações e diz que nada ficou provado contra Silva ou Daniel.

— Eles sempre foram grandes amigos. Nada mais.


Mais uma testemunha de CPI é morta
BELO HORIZONTE. O presidente da CPI do Narcotráfico da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, deputado Marcelo Gonçalves (PDT), disse ontem que pode ter sido queima de arquivo o assassinato, em cinco dias, de duas testemunhas importantes da Comissão Parlamentar de Inquérito. José Carlos Belilo morreu em Belo Horizonte no fim da semana passada com quatro tiros. Na madrugada de ontem, Frederico Alves Simplício, de 26 anos, conhecido como Fred Coca, foi assassinado também com quatro tiros em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais.

— Começou a queima de arquivo em Minas Gerais — afirmou Gonçalves ao saber da morte de Simplício.

O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito e o relator da CPI, deputado Rogério Correa (PT), estão recebendo ameaças de morte. Os dois andam com coletes a prova de bala e recebem proteção integral da Polícia Militar. Além de escolta, a PM botou dois guardas de plantão 24 horas por dia na casa dos deputados.

CPI do Narcotráfico atuou durante 14 meses
A CPI investigou o tráfico de drogas durante 14 meses entre 2000 e 2001. Os deputados ouviram o depoimento de 53 pessoas. Quatro policiais civis foram presos e 15 agentes penitenciários, afastados. O secretário de Segurança da época, Mauro Lopes, foi demitido depois da divulgação do relatório da comissão.

Os deputados que participaram das investigações temem agora que as testemunhas sejam assassinadas. O temor foi reforçado com a morte de Simplício, atacado quando chegava em casa com a namorada. O criminoso aproveitou o fato de o casal ter aberto o portão para botar o carro na garagem e atirou em Simplício. O assassino estava encapuzado e fugiu ao perceber que sua vítima caíra no chão.

Relator da CPI já recebeu ameaças por telefone
Correia disse que está preocupado porque recebeu telefonemas ameaçadores.

— Eles dizem que eu vou ser o próximo e que vou morrer por ter me metido onde não devia.

Já o presidente da CPI contou ontem que, além de telefonemas, recebeu recentemente uma carta com letras recortadas de jornal formando a frase: “A sua vez está chegando”.

Diante das ameaças, os deputados que participaram das investigações estão discutindo uma forma de proteger todos os que participaram da CPI, que confirmou o tráfico de drogas nas penitenciárias e o envolvimento de policiais e agentes penitenciários.


Lula acredita que crime foi planejado e que há “gente grossa por trás disso”
SANTO ANDRÉ. Alguns dos principais líderes petistas presentes ao velório do prefeito Celso Daniel, enterrado ontem, disseram que o assassinato foi um crime político incitado pela direita. O presidente de honra do PT e virtual candidato do partido à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que não se trata de um crime comum.

— Estou convencido, mas não tenho provas, de que o Celso Daniel não foi uma vítima do acaso e não foi um incidente. Possivelmente sua morte foi planejada e possivelmente há gente grossa por trás disso — disse Lula.

O presidente nacional do PT, deputado José Dirceu (SP), chamou de “mercadores da morte” os publicitários de partidos rivais que, segundo ele, estariam usando o horário eleitoral gratuito para insuflar o “ódio ao PT”.

— Tem gente fazendo programa de TV no horário partidário instigando o ódio e a violência ao PT. São mercadores da morte e da violência. Publicitários que querem alimentar o ódio ao PT — disse Dirceu.

Programa do PFL vinculou oposição à crise argentina
Dirceu não quis dizer se sua acusação tinha como alvo o PFL e sua pré-candidata à Presidência, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney. A propaganda do PFL, exibida na semana passada, vinculou a oposição aos distúrbios sociais na Argentina.

— O que o PT fez, nesses 21 anos, que não fosse pela paz, justiça social e democracia? A existência do PT tem sido a garantia de que os problemas são resolvidos do ponto de vista institucional e democrático e não evoluem para uma situação como a da Argentina. Aqueles que querem insuflar o ódio e a violência estão equivocados porque o PT é o partido da paz — disse Dirceu.

Os pefelistas atribuíram a um destempero emocional a acusação de Dirceu de que os partidos políticos estão pregando o ódio aos petistas em seus programas eleitorais.

— Acho que o José Dirceu está perdendo a sensatez que tanto admiro. A emoção, justificada pela perda de dois prefeitos, fez com que ele falasse sandices: querer tirar dividendos eleitorais indevidos de uma situação trágica — reagiu o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN).

Já a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), associou a violência que vitimou dois prefeitos petistas nos últimos quatro meses à atuação da extrema direita.

— Os crimes acontecem porque o PT não tem corrupção, é o partido do enfrentamento. Isso é coisa do narcotráfico, da extrema direita, de paramilitares — disse.

Em anúncio regional, exibido no ano passado em São Paulo, o PFL chamava os petistas de “petelhos” e dizia que a prefeita Marta Suplicy só queria namorar. Depois da divulgação do programa, Roseana até telefonou para Marta pedindo-lhe desculpas.

Conivência de políticos com o crime organizado
Dirceu também vinculou o assassinato de Daniel ao crime organizado e afirmou que muitas vezes os criminosos contam com o apoio de políticos.

— É o narcotráfico, a corrupção. São muitos políticos também — disse, citando casos de parlamentares envolvidos com o crime organizado denunciados pela CPI do Narcotráfico, há três anos.

Os líderes petistas criticaram ainda o tratamento dado ao seqüestro de Daniel pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Segundo o deputado Aloizio Mercadante (SP), Alckmin foi avisado no início da madrugada de sábado.

— Pedimos imediatamente uma audiência, mas só fomos atendidos 24 horas depois — protestou Mercadante.


Anistia protesta contra assassinatos de petistas
SÃO PAULO. A Anistia Internacional divulgou ontem em Londres um relatório sobre os assassinatos de políticos do PT nos últimos cinco anos e cobrou a punição dos culpados. O documento foi enviado para o governo federal, a imprensa internacional e todos os escritórios internacionais da entidade. Com a morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, são 16 execuções e 70 tentativas de assassinato ou ameaças contra líderes petistas, desde 1997. A Anistia se baseou em um relatório elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos do PT, encaminhado em dezembro do ano passado ao ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira.

— Pedimos a todos que passem a mandar cartas ao governo brasileiro, pois essa série de ataques é muito grave e precisa ser profundamente investigada — disse o pesquisador da Anistia Tim Cahill.

Segundo Cahill, a Anistia pede que o governo tome medidas para que o policiamento ostensivo não desrespeite as regras internacionais de segurança pública. A Anistia, que tem registrado os apelos de políticos brasileiros pelo aumento da repressão policial, sugere que o governo invista no aprimoramento técnico e ético dos policiais.

Nilmário: crimes contra PT aumentaram em 2001
O relatório do PT analisado pela Anistia foi encaminhado à entidade pelo secretário de Direitos Humanos do partido, deputado Nilmário Miranda (PT-MG). Segundo o deputado, o levantamento só levou em conta crimes e ameaças com motivações claramente políticas. Em uma carta enviada em dezembro ao secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, o deputado ressalta que houve um aumento desses crimes em 2001.

Celso Daniel não é citado como um dos ameaçados, mas há uma referência sobre a autodenominada Forças Armadas Revolucionárias Brasileiras (Farb).


Artigos

Os intocáveis
Denise Frossard

“É preciso mover uma guerra contra o crime organizado, a arrogância do crime está passando de todos os limites”, disse o presidente Fernando Henrique Cardoso a propósito do seqüestro, seguido de morte, de que foi vítima o prefeito de Santo André, Celso Daniel.

Ao mesmo tempo, Fernando Henrique corretamente chamava a atenção para o fato de que ele, enquanto presidente da República e de acordo com a Constituição federal, não pode interferir na segurança pública dos estados.

Estes, contudo, sempre se mostraram ineficazes na razão de suas existências: a de propiciar a segurança pública aos seus cidadãos.

O economista Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, calcula que anualmente são gastos 24 bilhões de reais em segurança privada, e seu crescimento é de 5% ao ano. Existem três guardas de segurança privada para cada guarda de segurança pública. A falta de recursos e de treinamento das polícias, além da corrupção ostensiva deste corpo, é somente um aspecto do problema. É que as organizações criminosas têm contornos próprios, e o mais relevante deles é a proximidade com o poder político, que possibilita a essas organizações constituírem-se em verdadeiro estado paralelo, com vistas a substituir o estado constitucional.

Quem não se lembra do Rio de Janeiro em 1994, quando foi conhecido o teor de listas e livros de contabilidade utilizados pelo já falecido chefe do crime organizado brasileiro, o “bicheiro” Castor de Andrade? O escândalo comprometeu quase todo o Estado do Rio, relativamente aos seus líderes políticos em todos os níveis da administração, além de integrantes dos segmentos sociais mais cultos e favorecidos, e bem assim policiais, promotores de justiça e até juízes. Um dos livros registrava a “contribuição” mensal de 250.000 dólares, não para a Delegacia de Contravenções, como seria previsível (já que ostentava ele, com orgulho, a condição de contraventor, “banqueiro” do “jogo do bicho”), mas sim para a Delegacia de Entorpecentes... Constatou-se, também, sinais de conexão com líderes políticos de São Paulo, além de outras unidades da Federação.

Por tudo isso, não é mera coincidência que, por um lado, não se tenha desenvolvido a repressão administrativo-policial a todo esse universo de ilicitudes, e que, por outro, não tenha havido consistência e seriedade em qualquer alardeada vontade política de atuar nestes moldes.

E a razão disso é simples: o quase completo comprometimento e contaminação do aparelhamento da administração pública, notadamente no seu braço repressivo policial, como também nos quadros políticos que abastecem os corredores do poder do nosso país.

O resultado aí está: o alarmante crescimento do crime organizado, verdadeira epidemia onde os remédios aplicados não surtem mais efeito. O publicitário Washington Olivetto, seqüestrado há mais de 40 dias, é ainda mantido em cativeiro; Eduardo Capobianco, presidente da Organização Transparência Brasil e do Instituto São Paulo contra o Crime, foi crivado de balas, há um mês, na garagem de sua empresa, e salvo milagrosamente por uma pasta que usou como escudo.

Além deles, a cada dia, sem poupar feriados ou dias santos, milhares de pessoas anônimas sofrem os efeitos do crime. A indignação nossa diante de cada crime se transforma, em pouco tempo, em resignação.

Atacar os níveis da criminalidade é mais fácil do que propor como reduzi-los. Uma química nova se faz necessária, onde os elementos são: uma nova forma de se fazer polícia; uma nova forma de se fazer justiça; e uma nova forma de se acabar com a miséria.

A polícia, chamada judiciária (mas subordinada ao Poder Executivo), com sua estrutura arcaica e viciada, faz dela refém não só o Ministério Público, que recebe o inquérito se e como a autoridade policial quiser, obrigando-o, muitas vezes, a pedir o arquivamento, por falta de elementos suficientes para o oferecimento de denúncia, mas também o Poder Judiciário, que somente pode se manifestar se e quando o Ministério Público o provocar.

Não seria a hora de se formar uma comissão de notáveis, moral e tecnicamente intocáveis, para apresentar, com urgência, propostas que conduzam à redução da criminalidade e da impunidade, que tenha a ousadia de inovar, levando juízes para a ponta da investigação, com a criação dos Juizados de Instrução?

A sociedade precisa estender um pouco mais os prazos de sua indignação, e levá-los ao limite das soluções.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO – Diana Fernandes

Em duas frentes
A morte do prefeito Celso Daniel vai impor à agenda da sucessão presidencial a discussão ampla de políticas de segurança pública. Desse debate nenhum presidenciável escapará. Mas o combate à violência e à criminalidade impõe também uma outra discussão: a de políticas urbanas, com programas de intervenção do poder público nas periferias e favelas das regiões metropolitanas.

Tanto quanto lançar novos planos de segurança pública e tornar penas mais rigorosas, o Estado precisa retomar as políticas públicas de atendimento às populações periféricas dos grandes centros. É o que diziam ontem dois políticos interessados no estudo da questão urbana, o senador Paulo Hartung (PSB-ES) e o ex-assessor especial da Presidência Moreira Franco.

Na campanha eleitoral, acredita Hartung, os candidatos à Presidência e também aos governos estaduais serão obrigados a dispensar um tratamento mais adequado aos problemas dos grandes centros.

— A partir do momento que houver presença forte do Estado nas favelas e nas periferias dos grandes centros o espaço para o crime organizado e o narcotráfico ficará menor. A violência está concentrada nas periferias das grandes cidades, áreas abandonadas pelo poder público — diz Hartung, lembrando que 81% dos brasileiros vivem nas cidades.

Enquanto esteve na Assessoria Especial da Presidência, o ex-governador Moreira Franco trabalhou na elaboração de um programa de reordenamento e revitalização das favelas e das periferias das regiões metropolitanas do país. A idéia, segundo ele, era começar o programa com a legalização domiciliar das famílias (regularização dos imóveis); ampliação dos programas compensatórios do governo (Bolsa-Escola, por exemplo); financiamento de pequenos empreendimentos; e criação de áreas de lazer, cultura e esporte para crianças e adolescentes. Seria um programa de presença forte dos governos federal, estaduais e municipais nessas áreas, em que a União entraria com R$ 1 bilhão este ano.

— Lamentavelmente, esse programa não andou. Ficaram com medo de gastar dinheiro. Como a prioridade era a estabilidade e o ajuste fiscal, a questão urbana foi ficando em segundo plano — disse ontem Moreira Franco.

O ministro Aloysio Nunes (Justiça) informa que a redução no orçamento da Segurança Pública deste ano será resolvida com remanejamentos, para garantir os mesmo valores de 2001.Contra o tempo

Para a reunião de hoje com o diretor-geral da Anatel, o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, levará uma lista de pedidos (na verdade, exigências) que o governo quer que seja levada às operadoras de telefonia. Medidas que possam, de alguma forma, ajudar na localização de criminosos e na elucidação de crimes.

Além do fim do celular pré-pago — muito usado pelos bandidos —, pretende-se que a Anatel o brigue as telefônicas a usarem equipamentos de rastreamento de ligações; a fazerem a intercepção de celulares em presídios; e a suspensão imediata de aparelhos roubados.

Essas são algumas das sugestões apresentadas ao ministro Aloysio Nunes Ferreira pelo Núcleo de Estudo da Violência, da USP, e pelo fórum de secretários estaduais de Segurança. Esse grupo passou os últimos 30 dias empenhado na discussão de soluções para os seqüestros-relâmpagos. É preciso colocar em prática.Na frente

Foi resgatado ontem dos registros do Ministério da Justiça: Santo André, cidade do prefeito Celso Daniel, foi o único município de São Paulo a assinar com o governo federal o convênio de criação da Guarda Municipal e do Centro Integrado de Cidadania.

Considerada cidade-modelo para as administrações petistas, Santo André inauguraria também essa nova ação da polícia.

Para todos

A Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, apresentará à cúpula partidária, dia 29, no Rio de Janeiro, o texto-base para a discussão do programa de governo do partido. Como trata-se de uma proposta que, muito provavelmente, será apresentada como sugestão ao presidenciável que vier a ter o apoio do PMDB, o programa não terá exatamente a cara do partido.O MINISTRO da Saúde, José Serra, em nota, pede que se esclareça: não fez qualquer reparo ao desempenho do ministro Sarney Filho (Meio Ambiente), “que, aliás, eu tenho avaliado sempre de forma muito favorável”. Sarney Filho entendeu como crítica a declaração do ministro Serra, publicada no jornal “Correio Braziliense”, domingo, de que “a fiscalização feita hoje é insignificante perto do que vou fazer. Sou um defensor radical do meio ambiente”. Na nota, o presidenciável tucano explica: “Considero a fiscalização do meio ambiente no Brasil, especialmente a de florestas, insignificante face às necessidades. Há apenas 1.700 fiscais do Ibama, creio. Além disso, ganhando pouco”.

A ÁREA ECONÔMICA do governo já admite aos políticos o recuo: será anulada a prorrogação da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda, prevista na polêmica medida provisória que corrigiu as tabelas. Essa alíquota, por lei, é provisória e só deve ser cobrada até janeiro de 2003. Hoje o presidente Fernando Henrique recebe dirigentes e líderes dos partidos aliados para discutir a tal medida provisória. Os aliados vão dizer que tudo que não é correção da tabela do IR será expurgado da MP.


Editorial

URGÊNCIA NACIONAL

O seqüestro e o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, são mais um símbolo trágico da onda de violência em curso no país, com destaque para São Paulo. Político importante do Partido dos Trabalhadores, assessor próximo de Luiz Inácio Lula da Silva, o prefeito foi levado na noite de sexta-feira de um utilitário blindado dirigido por um amigo, numa operação com a marca registrada dos profissionais do crime. No início da madrugada de domingo, supõe-se, Celso Daniel foi massacrado numa estrada secundária, não muito distante da capital paulista.

A morte, ainda não esclarecida em definitivo, de outro prefeito do partido (Antônio da Costa Santos, de Campinas), atentados a bomba contra as casas do prefeito e do secretário de governo do Embu (Grande São Paulo), Geraldo Cruz e Paulo Gianinni, e uma série de ameaças anônimas a parlamentares petistas estimulam a direção partidária a tachar o assassinato de Celso Daniel de crime político.

O termo não é adequado, por pressupor a inverossímil idéia de conivência do poder público com esses atos. É descabida, também, qualquer comparação com o final da década de 60 e boa parte dos anos 70, quando, de fato, crimes políticos contra militantes de esquerda eram cometidos pelo regime militar. Naquela época, havia a violência de estado. O que temos hoje é um estado de violência — grave, desumano, a ameaçar todos os homens de bem, a grande maioria da população.

A segurança, ou a insegurança, será tema inevitável na campanha eleitoral. E é bom que se debatam propostas efetivas de combate ao crime. Mas o PT errará se partidarizar um tema em que todos estamos envolvidos — o que não significa deixar de investigar com seriedade qualquer hipótese de fundo ideológico por trás desses crimes. Mesmo confirmada essa possibilidade, os casos continuariam enquadrados na moldura de violência que sufoca o país.

As estatísticas e a crueldade demonstrada por bandos de criminosos, notadamente em Campinas, atraem as atenções para São Paulo. Apenas de seqüestros, foram 307 os casos registrados no ano passado — quase um por dia. Em 2000 haviam sido 63. Em um ano, portanto, houve um aumento de 387%. A escalada da violência é nacional. No Rio de Janeiro, as quadrilhas de seqüestradores e seus cúmplices dentro da própria polícia foram combatidos com êxito. As autoridades locais apresentaram índices percentuais em queda ao dar o balanço da área de segurança em 2001. Mas quando se examinam alguns números isoladamente, em valores absolutos, surgem dados de estarrecer. Por exemplo, segundo o governo fluminense, ocorreram no ano passado 5.877 homicídios dolosos — em outras palavras, assassinatos premeditados. A matança foi um pouco menor que em 2000. Aos mais otimistas, aconselha-se refletir sobre um dado: em média, no ano passado, a cada 24 horas aproximadamente 17 pessoas foram mortas a sangue frio no estado. Aqui não estão consideradas as 1.422 assassinadas, no período, por resistir a assaltos (quase quatro por dia). O presidente Fernando Henrique Cardoso acerta ao propor uma guerra ao crime organizado. Afinal, os brasileiros vivem uma situação semelhante àquela que fez os italianos irem às ruas contra a máfia; os espanhóis se mobilizarem para dar um basta ao terrorismo separatista; os americanos, depois do assassinato de Martin Luther King, em 1968, se unirem contra a violência racial.

Que o assassinato de Celso Daniel sirva para mobilizar todos contra a violência. Que o governo federal reveja orçamentos para reforçar os gastos com segurança, mas dentro de um plano coerente, com metas de curto, médio e longo prazos, e o envolvimento de todas as esferas do poder público. Que ele, governo federal, assuma de uma vez o papel de participante ativo na formulação e na implementação desse programa de emergência nacional contra a violência e o crime organizado. Que se concluam os estudos e propostas sobre a reorganização e a moralização das polícias. Que se reforme o sistema penitenciário. Que o congresso dê prioridade ao tema, e tire das gavetas as centenas de propostas de leis e de mudanças no Código Penal para aumentar a eficácia do poder público na repressão ao crime. Uma delas é a redução de penas para criminosos que ajudem nas investigações, mecanismo de eficácia comprovada em outros países. A medida provisória proposta ontem para estender a ação da Polícia Federal a casos de seqüestro e roubo a bancos, entre outros delitos, é importante. Mas não basta.

Espera-se que o resultado da luta cotidiana pela sobrevivência deixe de ser, como tem sido com freqüência, a morte.


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01/22/2002


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