Modelo matemático combate proliferação de mosquito da dengue
Estratégia foi desenvolvida por pesquisador do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp
Como você reagiria se soltassem mosquitos Aedes aegypti no quintal da sua casa para combater a dengue? Esta idéia compõe a nova estratégia de controle da doença, combinada com o uso de inseticidas, que o matemático Roberto Carlos Antunes Thomé avaliou em tese de doutorado defendida no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp.
Na realidade, os mosquitos soltos no quintal seriam machos tornados estéreis dentro de laboratório, depois de submetidos a agentes que causam mutações, mais especificamente a radiação gama. A fêmea, acasalada em seu hábitat por um macho estéril, vai depositar ovos que não se desenvolvem. A conseqüência é a redução da população de insetos a índices aceitáveis ou mesmo o seu desaparecimento.
O controle biológico de pragas por meio desta técnica, que altera o processo de reprodução dos vetores, vem se disseminando na agricultura como alternativa ao uso de inseticidas. No caso do mosquito da dengue, entretanto, o emprego do método teria custo elevado inicialmente e menor eficácia em comparação com os produtos químicos – principal estratégia adotada no Brasil para conter a doença. Outro recurso é a remoção de criadouros (pneus, vasos, garrafas), que depende sempre do apoio maciço da população.
Custo-benefício
Avaliar os custos e os benefícios de uma combinação do uso de inseticida com a liberação de mosquitos estéreis foi o objetivo de Roberto Thomé, autor da modelagem matemática para realizar esses cálculos, sob orientação do professor Hyun Mo Yang. Thomé levou em conta os custos dos produtos químicos e dos insetos de laboratório, e ainda o custo social representado pela mortandade de fêmeas do Aedes aegypti, os verdadeiros transmissores da dengue, já que os machos não ferroam.
Na relação custo-benefício, Thomé atribui o devido peso às desvantagens da pulverização recorrente no País. “Havendo insetos que adquirem imunidade ao inseticida, a carga e o número de aplicações precisam ser maiores de um verão para outro, o que eleva a verba dispendida no controle, sem mencionar o conseqüente impacto toxicológico. Além disso, trata-se de uma técnica não-seletiva, prejudicial às outras espécies que vivem no mesmo hábitat do Aedes aegypti, o que pode causar desequilíbrio ecológico”.
O controle biológico na agricultura, segundo Thomé, tem se popularizado no mundo justamente por atingir apenas o inseto responsável pela praga. Mesmo que a técnica seja mais cara, no longo prazo ela se mostrará mais vantajosa economicamente e mais eficiente, inclusive quanto à aplicação.
“Para liberar machos estéreis sobre a lavoura, há quem utilize meros aviõezinhos de controle remoto. A dificuldade seria bem maior em áreas residenciais, até pelo estranhamento que a soltura de mais mosquitos causaria na população. Boa parte não sabe que apenas as fêmeas são hematófaga – animais que precisam do sangue para reproduzir”, observa o autor.
Modelagem
No campo da epidemiologia, este tipo de controle biológico é dificultado também pela complexidade do ciclo de vida do Aedes aegypti. Daí, o fato de a tese estar fundamentada no modelo matemático desenvolvido pelos professores Hyun Mo Yang e Lourdes Esteva (da Universidade Nacional do México), no âmbito do grupo de pesquisa em biomatemática Epifisma – Epidemiologia e Fisiologia Matemáticas, abrigado no Imecc.
O modelo oferece equações que descrevem a dinâmica da vida do mosquito em várias fases: a aquática (do ovo, larva e pupa), das fêmeas imaturas (antes de acasalar), das fêmeas fertilizadas, das fêmeas não-fertilizadas (depois de acasalar), dos machos naturais e dos machos estéreis. “É uma ferramenta que permite analisar os efeitos da introdução de insetos machos estéreis no meio ambiente, com aplicações para dengue e febre amarela”, explica Thomé.
Dentro da proposta de verificar se o controle biológico é uma técnica viável para o combate à dengue, utilizou-se ainda uma teoria da engenharia visando à minimização de custos, chamada de “controle ótimo”: O que se faz é partir de índices considerados ideais e promover simulações que apontem uma estratégia para alcançar os melhores resultados possíveis com os menores custos.
As primeiras simulações indicaram que o uso apenas de machos estéreis não daria conta de uma grande população de Aedes aegypti, como no verão, por exemplo. Os cenários seguintes abrangeram, então, a estratégia combinada. “Adotando um período de 120 dias, verificamos que o inseticida é eficiente quando jogado no início, para reduzir a população. Os machos estéreis devem ser liberados depois, para manter a população em níveis baixos”.
Resultados
Roberto Thomé ressalva, contudo, que modelos matemáticos prevêem a aplicação contínua e precisa de inseticidas na fase predeterminada, e a liberação de mosquitos estéreis em escalas que variam no tempo, o que não se consegue viabilizar na prática. “O modelo serve para direcionar a estratégia. Fica claro, por exemplo, que o uso de inseticida e de insetos de laboratório ao mesmo tempo é jogar dinheiro no ralo, pois o veneno eliminará os machos estéreis igualmente”.
Por isso, baseado no controle ótimo – com menor custo e maior eficiência possível – o pesquisador produziu modelos alternativos. Num deles, com a aplicação inicial de inseticida e entrando-se com os insetos estéreis no 11º dia, a população de Aedes aegypti reduziu, mas voltou a crescer no final do período de 120 dias.
Bioinformática
No Imecc da Unicamp, o Epifisma, grupo coordenado pelo professor Hyun Mo Yang, vem estudando a utilização da bioinformática na epidemiologia, imunologia, fisiologia, neurociência, ecologia e agricultura desde 1995. O grupo reúne professores, graduandos e pós-graduandos do Imecc e de outras universidades, ou seja, profissionais que participaram de estudos e minuciosas investigações sobre a dengue, tuberculose, HIV, rubéola e esquistossomose, além de avaliar a cobertura oferecida por campanhas de vacinação em massa.
As modelagens matemáticas sobre os efeitos da introdução de machos estéreis do Aedes aegypti no meio ambiente, visando a diminuir a sua capacidade de reprodução e, conseqüentemente, a incidência da dengue, duram anos. Começaram quando a professora Lourdes Esteva, participante do Epifisma, estudou e aplicou a técnica com sucesso no combate à mosca-varejeira – praga que atingiu o gado dos Estados Unidos e do México.
Da Unicamp
(I.P.)
02/11/2008
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