Mudanças tributárias devem manter ganhos de arrecadação, defendem especialistas do governo
O sistema tributário em vigor tem de mudar, mas é preciso levar em conta que a receita garantida pela atual carga tributária precisa ser mantida, uma vez que esta sustenta gastos sociais cada vez mais progressivos e volumosos, contribuindo de forma decisiva para a redução da desigualdade no país. Essa foi a opinião de especialistas do governo que participaram nesta terça-feira (24) de audiência pública sobre equidade fiscal na Subcomissão de Avaliação do Sistema Tributário Nacional, que funciona no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
Com base em pesquisas de orçamento familiar que buscam avaliar como as políticas públicas influenciam na distribuição de renda, o técnico em Pesquisa e Planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Fernando Gaiger reconheceu que o que o sistema tributário brasileiro é "iníquo" e muito concentrado no consumo, impedindo o governo de ser mais eficiente na progressividade do gasto público.
O pesquisador, no entanto, observou que entre 2003 e 2009 o Brasil assistiu a uma mudança positiva no índice Gini de desigualdade, o que se deveu em parte ao aumento dos gastos em previdência e assistência social. Segundo ele, a progressividade maior do gasto público ocorreu graças ao Bolsa Família, à valorização do salário mínimo e às reformas previdenciárias que afetaram as normas de aposentadoria dos servidores públicos.
Ele ressaltou que no mesmo período "a tributação não se alterou, não veio para auxiliar ou atrapalhar, continuou tendo um perfil ruim", mas que a provisão pública em saúde e educação tornou-se mais progressiva e cresceu em volume. Gaiger afirmou ainda que o processo de formalização e crescimento de economia fez melhorar a participação dos tributos diretos e contribuiu para o efeito distributivo, mas defendeu alterações nas regras tributárias.
- O ganho distributivo se deve ao processo de formalização da economia, mas tem que se alterar mais para ter carga tributária mais equânime. Tivemos ganhos sobre produtividade do gasto público, mas agora é o momento de mudar [a tributação] - afirmou.
Entre os problemas do atual sistema tributário, Gaiger citou a baixa participação da renda nos tributos, além da neutralidade e falta de progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Ele também afirmou que o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) não pode ser progressivo em termos de valor do carro, lembrando que em países escandinavos até a multa é proporcional ao valor dos automóveis. Ele defendeu ainda a regulamentação dos impostos sobre propriedade e grandes fortunas, ressaltando que o desempenho atual do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) é "pífio".
Crescimento econômico
Por sua vez, o auditor fiscal da Receita Federal Marcelo Lettieri avaliou que a estrutura do sistema tributário brasileiro "responde muito bem quando temos crescimento econômico", por conta da predominância dos impostos diretos e a concentração dos indiretos em um conjunto de serviços como energia elétrica, comunicação e combustíveis, entre outros.
Lettieri explicou que mais de 50% da carga tributária brasileira é composta de impostos sobre bens e serviços, incluídas as transações financeiras. Cerca de 24% concentra-se sobre a folha de salários e apenas 3,3% é oriundo de imposto sobre propriedade. Em sua avaliação, há três opções em jogos para os países da América Latina no que diz respeito à reforma tributaria.
A primeira seria ampliar e aprofundar as reformas da década de 1990, sobretudo as normas que visam à redução de custos tributários e supressão de algumas isenções.
A segunda opção seria ajustar o modelo a essas reformas, mas sem efetivamente discutir a questão redistributiva e a equidade da tributação. Segundo ele, esse tem sido o tipo mais comum de reforma tributária, que inclui impostos sobre operações financeiras; simplificações de cunho administrativo com o uso intensivo de tecnologia de informação; e desoneração da folha de pagamento das empresas.
A última opção, defendida por Lettieri, consiste em promover novos movimentos em direção à progressividade, com a adoção de tributação seletiva, a exemplo de imposto sobre o consumo de luxo, sobre grandes propriedades e sobre grandes fortunas. Ele ressaltou, porém, que a maior progressividade sobre a tributação de renda não deve implica a criação de novos alíquotas e impostos, o que poderia prejudicar a poupança e novos investimentos.
Formalização
Após as exposições, o presidente da subcomissão, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), lamentou ter constatado, a partir da fala dos especialistas, que o aumento da progressividade na composição da receita tributária tenha se dado pela formalização do mercado de trabalho, e não por uma política deliberada do governo.
- Se discute muita coisa quando se fala de sistema tributário, mas sua natureza de classe, sobre quem paga a conta, é apenas um murmúrio, não uma discussão - afirmou.
Por sua vez, o senador Luiz Henrique (PMDB-SC) disse que uma simples oficina mecânica paga mais à Previdência Social que uma grande montadora de veículos, tendo em vista que a oficina é intensiva em mão de obra, enquanto a montadora é intensiva em automação e tecnologia. Em sua fala, o senador também defendeu a desoneração da folha de pagamento das empresas.
- Quanto menor a empresa, maior o ônus da folha de pagamento sobre ela - afirmou.
Luiz Henrique disse ainda que a realidade do Brasil é a de um país de empregos com salários fictícios ou empregado não registrado, não com o intuito de fugir da responsabilidade fiscal, mas como uma estratégia de defesa e sobrevivência adotada pelos pequenos empregadores.
24/05/2011
Agência Senado
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