“Mulheres precisam conhecer direitos da Lei Maria da Penha”



A Lei 11.340, conhecida com a Lei Maria da Penha, sancionada no dia 7 de maio de 2006, foi criada com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil: a violência de gênero. Quatro anos depois, o Portal Brasil entrevistou a coordenadora da ouvidoria da Secretaria Especial de Políticas da Mulher (SPM), Ana Paula Schwelm Gonçalves, para saber o que mudou para as mulheres neste período.

Para ela, apesar de a Pesquisa Ibope constatar que a Lei é conhecida por 80% das mulheres, esse conhecimento é superficial. “Elas não têm a exata noção das garantias proporcionadas pela Lei Maria da Penha, no que se refere à proteção e à assistência às vítimas. A Lei é ampla e precisa ser aprofundada”. Veja, a seguir, a entrevista completa.

 


Portal Brasil - A quantidade de telefonemas à Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, dobrou de janeiro a julho desse ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Isso quer dizer que houve um aumento do número de denúncias ou de agressões?

Ana Paula Schwelm Gonçalves - Aumentou o número de denúncias. Isso acontece porque quanto mais se divulga o serviço, mais ele é procurado. É por meio do Ligue 180 que orientamos e informamos as mulheres agredidas ou em situação de risco de como agir e de onde buscar ajuda.

Nos casos de cárcere privado (quando a mulher fica aprisionada em sua própria casa) ou tráfico de mulheres em que a denúncia é geralmente anônima e feita por uma terceira pessoa, uma vizinha uma amiga. Nesses casos nós encaminhamos para a Polícia Federal, com a qual temos parceria.

PB - Casos de grande repercussão como o caso Bruno, o de Mércia Nakashima e o da cabeleireira Maria Islaine, que foi morta com sete tiros pelo ex-marido dentro do salão de beleza onde trabalhava, em Belo Horizonte (MG), incentivam as denúncias ao serviço Ligue 180?

APSG - A gente acredita que sim. Porque eles trazem à tona e motivam o debate público dos temas relacionados à violência contra a mulher, colocando nas pautas de veículos de comunicação a Lei Maria da Penha.

Apesar de a Pesquisa Ibope constatar que a Lei é conhecida por 80% das mulheres, esse conhecimento é superficial. Elas não têm a exata noção das garantias proporcionadas pela Lei Maria da Penha, no que se refere à proteção e à assistência às vítimas. A Lei é ampla e precisa ser aprofundada.

Mas não são apenas os crimes que colocam a Lei em evidência. Existem também as campanhas públicas nacionais como o Dia Internacional das Mulheres. Antigamente a data era comemorada em apenas um dia. Hoje, o tema é discutido durante um mês, por meio de eventos, debates e das próprias campanhas de conscientização. Notamos que esses tipos de ações contribuem para um grande aumento de ligações para o Ligue 180.

PB - No caso da cabeleireira de MG, a vítima havia feito oito denúncias antes de ser assassinada. O que deu errado?

APSG - A gente acredita que foi falha nos procedimentos do Estado. Uma das medidas tomadas pela polícia nesse caso foi afastar judicialmente o ex-marido, agressor da vítima, mas o problema é que ele morava muito próximo do trabalho dela – e esse fator passou desapercebido. Os agentes têm que tomar cuidado porque cada caso é um caso diferente, com suas especificidades, com suas particularidades. No assassinato da cabeleireira, por exemplo, o ex-marido estava decidido a matá-la, independente da punição que iria receber.

PB - O que mudou com a Lei Maria da Penha e em quais aspectos ainda pode mudar?

APSG - O que mudou foi o conceito, a visão das pessoas em relação à violência doméstica. Antes as pessoas não discutiam o tema. A legislação era comum, para todos, e não específica para os problemas enfrentados particularmente pelas mulheres. Hoje todo mundo conhece a Lei, ela trouxe a visibilidade para algo que antes estava escondido, ficava restrita ao âmbito familiar.

No entanto a Lei ainda é muito jovem, ela trouxe uma problemática nova para os operadores do direito. A partir daí vão aparecendo novas interpretações, coisas que ainda não tinham ficado bem claras, vam se definindo. Pouco a pouco vai se percebendo onde há necessidade de alteração.

PB - Por que as mulheres não denunciam?

APSG - Por uma série de fatores. A violência doméstica é complexa, porque envolve situações de difícil resolução. A vítima muitas vezes tem vergonha de dizer que é agredida, outras vezes acredita que a agressão não vai se repetir, principalmente quando ele demonstra arrependimento. Ela pensa nos filhos e que, se denunciar, os problemas podem se tornar piores. Ela tem grande amor pelo agressor e o vê como companheiro para as coisas boas e ruins (as agressões). São muitos os motivos.

É muito difícil que a mulher faça a denúncia numa primeira agressão. Mas os atos de violência vão evoluindo, começam com um tapa, depois um chute e vão até a facada. Ela não conta para a família porque, muitas vezes, é repreendida. Os familiares acham que ela tem que suportar e argumentam com a idéia de que ruim com ele, pior sem ele.

Às vezes, ela chega na delegacia e não é levada a sério porque só tem arranhões no braço. Os atendentes não entendem que essa é a ‘gota d´água’ de um processo de violência que se arrasta há anos.

Outras vezes elas demoram um tempo para entender que estão em risco. A gente percebe que quando a vítima consegue romper o ciclo da violência, o agressor, tomado de sensação de posse sobre a mulher, não aceita ser deixado. É quando pode acontecer o assassinato.

PB - E por que denunciam?

APSG - Elas suportam caladas enquanto são elas as únicas vítimas das agressões.  Quando os atos de violência passam a atingir os filhos, aí elas passam a denunciar. Não é uma regra, mas é bem comum.

PB - Existe uma rede de assistência pública às mulheres que denunciam seus maridos e que são dependentes deles?

APSG - Cada estado tem seu programa específico de assistência às mulheres, que é previsto pela Lei em capítulo específico. Existem estados com mais estrutura e outros com menos. Por exemplo, nem todos os estados contam com estrutura específica para o atendimento às mulheres agredidas, como delegacia de mulheres, por exemplo. Nessas localidades, elas têm que recorrer aos  serviços para as pessoas em geral. Daí elas acabam sofrendo com a resistência cultural. Existe o pensamento do tipo: briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Os agentes que prestam atendimento têm que estar bem capacitados e com olhar diferenciado para perceber o problema.

PB - Com base em pesquisas é possível estimar quantas mulheres sofrem violência doméstica e não denunciam?

APSG - A gente não tem esse dado. Por isso que a Central de Atendo à Mulher é tão importante. Cerca de 90% das ligações para o Ligue 180 é feita pela própria vítima. Se um pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) perguntar se a mulher é agredida, ela não vai dizer porque teria vergonha ou medo. A vítima está mais inclinada a fazer a denúncia anônima, em que é acolhida por outra mulher, que vai acalmá-la, que vai fornecer orientações. Esse serviço é muito importante porque é uma fonte rica de informações, já que é a própria vítima que faz o relato.

PB - A violência doméstica está vinculada à características sócio-econômicas?

APSG - Não. Os dados da Central de Atendimento às Mulheres, com o Ligue 180, mostram que cerca de 70% das mulheres não dependem economicamente de seus agressores.

PB - Que tipo de estudo ou trabalho é desenvolvido em relação aos homens, já que são eles os agressores?

APSG - Na verdade existem poucos estudos e trabalhos sobre essa questão, apenas alguns organismos não governamentais trabalham especificamente com os agressores, como o Instituto Noos e o Instituto Papai. Alguns órgãos públicos estão sendo criados com base na previsão que a Lei tem de responsabilização do agressor, no qual ele é obrigado, se condenado, a freqüentar serviços de conscientização e recuperação.

Muitas vezes, eles dizem não ter o conhecimento de que bater na mulher é crime. Argumentam que estavam corrigindo as mulheres. É questão de honra para o homem ter que fazer valer o seu papel de macho na sociedade em que vive.

 

 

Fonte:
Portal Brasil

 



11/08/2010 21:10


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