Nova regra deve aumentar fidelidade partidária







Nova regra deve aumentar fidelidade partidária
Proposta, que tem apoio do PT e do PFL, prevê que políticos respeitem prazo mínimo de três anos antes de mudar de legenda

BRASÍLIA - A farra do troca-troca de partidos está perto de ganhar seu primeiro limite. Atualmente não há nenhum obstáculo para a mudança de legenda, mas quem for eleito no ano que vem deverá ter de respeitar novas regras de filiação partidária, com três anos de proibição para a troca. Só na atual legislatura, 163 deputados saíram da sigla pela qual foram eleitos e se bandearam para outra.

O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), já comunicou aos líderes dos partidos que vai pôr em votação até o fim do ano o projeto de lei do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) que amplia o prazo de filiação partidária. Pela proposta, o candidato de primeira filiação teria de entrar num partido um ano antes da eleição. Para quem já tivessepartido, o prazo seria de quatro anos.

Aprovado pelo Senado, o projeto deverá ser modificado pela Câmara. Há praticamente consenso entre os partidos de que a exigência de quatro anos para a filiação é excessivamente rigorosa. Por sugestão do PT e com a concordância do PFL, o tempo deverá cair para três anos.

A alteração, de acordo com seus defensores, impedirá exageros na troca de legendas, mas dará aos políticos uma oportunidade de mudar, caso entrem em choque com a direção partidária. Nesse caso, eles terão de optar por outra sigla um ano antes da eleição.

Exigências - O prazo só não deverá ser observado no caso de o detentor de mandato sair de uma legenda para participar de fusão partidária ou ser membro fundador de outra agremiação política. As exigências valem para todos: presidente da República, vice-presidente, governadores, vice-governadores, prefeitos, vice-prefeitos, senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores.

De acordo com Aécio, o projeto da filiação partidária não fere a emenda constitucional número 4, de 1993 - segundo a qual, a lei que alterar o processo eleitoral não se aplicará à eleição que ocorrer até um ano depois da sua aprovação. Aécio avalia que o prazo de filiação partidária não diz respeito ao processo eleitoral e, portanto, pode vigorar sem problemas para quem se eleger em 2002.

O projeto que amplia o prazo de filiação é uma forma indireta de estabelecer um mínimo de fidelidade partidária. Foi a solução técnica para fugir de um problema político. A fidelidade partidária teria de ser estabelecida por uma emenda constitucional, cuja aprovação exigiria dois turnos de votação em cada Casa do Congresso, com o voto de três quintos dos parlamentares, ou 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores.

Apoio - Bornhausen e outros líderes concluíram que jamais conseguiriam apoio suficiente para tal proposta. Para ampliar o prazo da filiação, basta aprovar, em turno único, um projeto de lei ordinária, o que depende do voto de metade mais um dos congressistas presentes à sessão - desde que a Câmara esteja com o mínimo de 257 deputados e o Senado, com 41.

Quando entrar em vigor, o projeto da filiação partidária servirá de obstáculo a uma prática corriqueira no Congresso. O deputado João Caldas (PL-AL) é o recordista de migração partidária e trocou sete vezes de partido desde que assumiu o mandato, em fevereiro de 1999. Mas há outros que quase o alcançam, como Luiz Dantas (PTB), também de Alagoas, que mudou seis vezes.

Bornhausen diz que a disciplina partidária exige que haja um mínimo de identidade e de estabilidade na relação entre o político e seu partido, e essas condições só podem ser obtidas se houver limitação ao troca-troca de partido que ocorre entre os eleitos, principalmente no início das legislaturas. Bornhausen afirma que às vezes por trás de mudanças de legenda estão negociatas que depõem contra a classe política e as instituições.

Para o senador, a ampliação do prazo de filiação partidária tem o objetivo de forjar quadros que não sejam voláteis como os que integram a maioria das siglas políticas brasileiras. Bornhausen afirma ainda que a proposta pode fortalecer as legendas políticas, contribuindo para uma situação partidária mais estável


Debate da reforma política fica para depois da eleição
BRASÍLIA - A reforma política defendida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, pelo vice Marco Maciel, pelos presidentes de todos os partidos e pelos líderes partidários na Câmara e no Senado não passou de um sonho. No dia 5, terminou o prazo para que qualquer uma de suas propostas fosse aprovada. Com isso, as regras da eleição geral do ano que vem serão as mesmas da eleição municipal do ano passado.

O Senado já votou e aprovou boa parte das propostas da reforma. Entre elas, a que proíbe coligações nas eleições proporcionais, a que amplia o número de candidaturas, a que permite a criação de federações de partidos, a que cria a cláusula de barreira e dificulta a vida dos nanicos e a que amplia o prazo de filiação partidária. Na Câmara, todos os projetos a respeito da reforma política, que são mais de cem, foram entregues a uma comissão especial.

A despeito de algumas reuniões da comissão especial e da tentativa de se votar um pacote com os projetos menos polêmicos, nada avançou. A justificativa dos parlamentares para a vagareza na tramitação das propostas da reforma política é a proximidade da eleição. Nenhum parlamentar quis mudar a regra eleitoral, porque poderia estar se prejudicando.

O deputado João Almeida (PSDB-BA) chegou a preparar um pacote com sete projetos menos polêmicos, na tentativa de votá-los até o início de outubro.

Não deu. Diz que desistiu da empreitada, pelo menos por enquanto. Para evitar problemas, ele havia deixado de fora a parte polêmica da reforma, como o financiamento público de campanha, a fidelidade e as listas partidárias (pelas quais o eleitor vota no partido e não no candidato).

Para Almeida, o sistema partidário brasileiro está maduro para se desfazer de algumas normas legais que têm impedido que a composição e o funcionamento do Legislativo correspondam efetivamente à correlação de forças partidárias.

Ele lembrou que um primeiro passo já foi dado, quando se eliminou a equiparação entre votos em branco e válidos para a definição do quociente eleitoral.

Um problema, no entanto, persiste, diz Almeida: a coligação para as eleições proporcionais. Ela permite, por exemplo, que partidos sem nenhuma expressão abriguem-se na proteção de um mais robusto, acabando por eleger representantes que obtêm poucos votos. As coligações, segundo Almeida, têm demonstrado ser um fator de deturpação da vontade dos eleitores, pois alteram aleatoriamente os resultados eleitorais e a composição partidária dos Legislativos municipais, estaduais e federal.


Gregori aceita ser embaixador em Portugal
Ministro da Justiça deve ser substituído pelo secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, José Gregori, confirmou ontem que aceitou o convite do presidente Fernando Henrique Cardoso para assumir o cargo de embaixador do Brasil em Portugal. Ele deixa o ministério logo após a posse do sucessor, o que deve acontecer até o fim de novembro. O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), deve sucedê-lo no cargo.

Gregori vai assumir o comando da embaixada em Portugal no início de 2002. De acordo com assessores do ministro, o fator que mais pesou em sua decisão foi a opinião da mulher, Maria Helena. Gregori foi o sexto ministro da Justiça no governo Fernando Henrique. Amigo pessoal do presidente, ele apontou a primeira-dama, Ruth Cardoso, com o a responsável por sua indicação.

Antes de assumir o ministério, ele foi titular da Secretaria Nacional de Direitos Humanos por cinco anos. Gregori substituiu o amigo José Carlos Dias, que ficou só nove meses no cargo e saiu do governo após desentendimentos com o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Cardoso.

Responsável pela implementação do Plano de Segurança Pública, desenvolvido após o episódio do assalto a um ônibus no Rio de Janeiro, transmitido ao vivo pela TV, e que terminou com a morte de uma refém, Gregori não conseguiu apoio para votar suas propostas no Congresso em regime de urgência.

Mais recentemente, teve atritos com o general Cardoso e com o ministro da Defesa, Geraldo Quintão, por causa da medida provisória que dava poderes de polícia às Forças Armadas. Gregori se posicionou contra a MP e foi desautorizado publicamente pelo presidente Fernando Henrique.

Nas últimas semanas, o ministro da Justiça esteve às voltas com a inusitada gravidez da cantora mexicana Gloria Trevi, consumada nas dependências da Polícia Federal - departamento sob a responsabilidade do seu ministério.

Gregori cobrou uma investigação sobre as circunstâncias da gravidez. A cantora aguarda a decisão judicial sobre um processo de extradição, mas não quer sair do País.


Pré-candidatos tucanos iniciam movimentação
O governador do Ceará, Tasso Jereissati, e o ministro da Saúde, José Serra - os dois nomes mais cotados do PSDB para disputar a sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso - iniciam esta semana uma movimentação que aumentará a exposição do partido no cenário político. Tasso começa a testar hoje, na palestra que fará sobre conjuntura nacional no Instituto de Engenharia, em São Paulo, o respaldo de importantes setores do PSDB para lançar-se candidato. Na outra ponta, Serra fará amanhã um discurso sobre os desafios da integração comercial na abertura do seminário O Brasil e a Alca, na Câmara.

Tasso chegará ao Instituto de Engenharia acompanhado por Lila Covas, viúva do governador Mário Covas, que morreu em março. A família e correligionários de Covas apóiam o governador do Ceará e fizeram questão de organizar a reunião para aproximá-lo dos tucanos paulistas.

"Fiquei satisfeita com o número de pessoas interessadas em ouvir o governador", comemorou Renata Covas Lopes, a filha mais velha do governador, ao mencionar os 350 convidados. "É um indício claro de que estamos no caminho certo".

Renata explicou que a intenção não é lançar nenhuma candidatura de surpresa.

Ela não esconde, porém, que gostaria de ver Tasso admitir admiti-la. "Vou adorar se Tasso disser que é candidato", confessou.

O presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), estará presente. Ele é um dos que estão incentivando os pré-candidatos a divulgar suas idéias. "Quanto mais o Tasso e o Serra falarem, melhor para o partido, porque a sociedade entenderá que existem importantes nomes que podem substituir o presidente Fernando Henrique", afirmou Aníbal.

Fiel à estratégia de não falar sobre eleição, Serra vai expor publicamente amanhã seu pensamento sobre um tema importante - a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) -, mas que nem de longe passa perto de sua área, a saúde. A iniciativa de Serra está sendo interpretada em Brasília como reação às movimentações políticas do governador do Ceará.

Nas últimas semanas, Tasso iniciou grande articulação para recuperar o tempo perdido e cobrou uma posição de Serra sobre sua eventual candidatura. O ministro da Saúde não respondeu e, ao que tudo indica, manterá sua tática.

Nem mesmo os elogios feitos ontem a Serra pela coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, estimularam o ministro a mudar sua estratégia. Zilda aproveitou uma cerimônia na qual foi homenageada, em São Paulo, para dizer que Serra seria um bom candidato à Presidência.

"Acho ótimo que ela tenha opinião própria e, além disso, Zilda é super qualificada em termos de saúde no Brasil", comentou Serra, que também participou da cerimônia. "Mas esta não é a ocasião apropriada para falar de política", desconversou. Assessores do ministro disseram que ele não deve comparecer ao encontro de hoje com Tasso porque tem um compromisso no Paraná.


Alckmin nega acordo com Serra para 2002
Governador diz que PSDB não deve temer debate com Tasso, mas recusa-se a revelar quem apoiará

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, negou ontem que tenha feito um acordo de cavalheiros com o ministro da Saúde, José Serra, para apoiar a candidatura do colega tucano à Presidência da República, em 2002.

"Fico até surpreso quando me classificam de serrista", afirmou, demonstrando irritação. "Leio todo dia nos jornais que vou apoiar Serra e nunca declarei isso."

Apesar do desmentido, Alckmin também não deu seu aval ao governador do Ceará, Tasso Jereissati - o outro pré-candidato do PSDB ao Planalto -, que será homenageado hoje à noite, em São Paulo. Ao contrário: como bom tucano, não disse nem sim nem não.

"O PSDB não deve ter medo do debate interno", resumiu o governador, numa referência ao ato pró-Tasso. Com 350 convidados, o encontro marcará a preferência da família do governador Mário Covas, morto em março, pela entrada de Tasso no páreo presidencial. "Acho muito bom esse encontro porque se inicia aí um processo que só valoriza a vida partidária", disse Alckmin, que quer disputar a reeleição em São Paulo.

Até assessores do governador notam a maior proximidade do chefe com Serra, embora Covas, seu padrinho político, tenha deixado um testamento político em favor de Tasso. No ninho tucano, são freqüentes os comentários de que Alckmin fechou acordo de apoio recíproco com o ministro. Em outras palavras:

Serra também daria suporte à tentativa do governador de voltar ao Palácio dos Bandeirantes, em 2002.

"Não existe esse acordo", insistia Alckmin, na manhã de ontem, enquanto participava da caminhada de abertura da Semana da Solidariedade. Com um boné na cabeça e acompanhado da primeira-dama Maria Lúcia, o governador repetia que, se depender dele, o PSDB só escolherá quem vai concorrer à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso em março ou abril. "Sou coerente e digo sempre que não é hora de definir o nome", afirmou. "Para dar um salto de qualidade na política, é preciso menos personalismo e mais propostas."

O líder do governo na Câmara, deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), concorda com Alckmin. Mesmo sem conseguir esconder a simpatia por Serra, ele acha que o candidato tucano deve ser anunciado somente em abril. "Veja bem: qualquer nome que a gente lançar agora, vão dizer 'Ih, mas não está decolando!' ", admitiu.

Para Madeira, a população não está preocupada com eleições. "E não adianta ficar alimentando intriga entre Tasso e Serra, até porque o PSDB tem tradição de fazer acordos políticos e é isso o que se está buscando", disse.

"À medida que se antecipa a sucessão, encurta-se o governo", completou Alckmin.

Depois da caminhada que saiu da Praça Panamericana e terminou no Parque Villa Lobos, os dois foram juntos votar. É que o PSDB realizou ontem eleição para escolher os presidentes dos 41 diretórios zonais da capital. Para João Câmara, que comanda o PSDB paulistano, há um clima "muito favorável" ao encontro de hoje com o cearense Tasso. "É a oportunidade que temos de conhecê-lo melhor", comentou. "Bairrismo, nessas horas, não ajuda nada."


Maluf depõe hoje no inquérito do Caso Jersey
Ministério Público proibiu ex-prefeito de estacionar carro no prédio, após notas 'ofensivas'

Intimado a depor hoje, no inquérito civil que investiga o Caso Jersey - suposta existência de fundos financeiros dos qu ais seria beneficiário no paraíso fiscal do Canal da Mancha -, o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) não poderá desfrutar do privilégio concedido a seus familiares na semana passada. Por determinação da direção do Ministério Público Estadual, o pepebista está proibido de estacionar seu carro na garagem do prédio da Promotoria de Justiça da Cidadania, na Rua Minas Gerais, 316.

Maluf também terá de apresentar comportamento exemplar diante do promotor Silvio Antonio Marques, que conduz o inquérito.

"Se ele (Maluf) ofender o promotor, sairá algemado da sala de depoimentos", adverte um dos seis policiais militares escalados para cuidar do incomum esquema de segurança montado para receber o ex-prefeito. O clima tornou-se mais tenso ainda com a divugação de notas pela assessoria de Maluf, nas quais ele sustenta ser vítima de "perseguição" e compara a atuação dos promotores a "atos terroristas" e "métodos nazistas". Maluf não aceita o fato de o Ministério Público ter intimado sua mulher, Sylvia, os filhos e a nora Jacquellini, casada com Flávio Maluf, que também está intimado a depor hoje.

Para o ex-prefeito, sua família está sendo submetida a "humilhante exposição pública". Os familiares de Maluf puderam estacionar na garagem da Promotoria da Cidadania. A permissão foi concedida pelo promotor Silvio Marques, acolhendo pedido da defesa. Mas a autorização especial foi cortada para Maluf e Flávio pelo Centro de Apoio Operacional à Execução (Caex), órgão subordinado à Procuradoria Geral de Justiça. O argumento oficial é o uso da garagem, hoje, pela Escola Superior do Ministério Público, que também funciona no prédio. Mas o fator decisivo para cortar o privilégio foram as notas consideradas "ofensivas"aos promotores.

A estratégia da defesa será idêntica à dos outros depoimentos: pai e filho deverão permanecer calados, alegando direito constitucional. Depois, o ex-prefeito deverá divulgar nota atribuindo, outra vez, a investigação ao fato de estar liderando as pesquisas de intenção de voto para o governo do Estado. Maluf disse ter em mãos pesquisa em que aparece com 25% a 28% de preferência.


Garotinho lança Erundina ao governo de São Paulo
O governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), lançou ontem a deputada Luíza Erundina (PSB-SP) como candidata ao governo de São Paulo em 2002. "Só uma mulher com sua coragem para vencer o desafio e ser candidata", declarou no 5.º Congresso Estadual paulista do PSB. Erundina não descarta a candidatura, mas, pessoalmente, prefere disputar a reeleição para a Câmara.


PT vai fazer campanha para mudar a Lei Fiscal
O PT aprovou ontem, durante seu 14º encontro municipal em São Paulo, a criação de uma campanha pela alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal.

"Vamos mobilizar as forças do partido para aperfeiçoar essa lei", afirmou o líder do governo petista na Câmara dos Vereadores, José Mentor. A legenda oficializou o nome do vereador Ítalo Cardoso como presidente do diretório municipal.


Artigos

As "maravilhas" da guerra
ALCIDES AMARAL

Nas grandes crises geralmente surgem grandes oportunidades. Os ataques terroristas do dia 11 de setembro chocaram pela sua ousadia e crueldade, além de abrirem uma nova página nas relações internacionais. Se não pudermos extrair desse episódio nenhuma oportunidade, no sentido lato da palavra, seus desdobramentos certamente deixaram algumas lições para profundas reflexões. Excluindo o "bioterrorismo", pois ainda não temos a menor idéia de que dimensões pode tomar, pelo menos três constatações chamam a atenção de todos aqueles que acompanham, interessados, o desenrolar dos acontecimentos.

Inicialmente, nenhum de nós poderia imaginar a capacidade de fazer o mal constatada nos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono. Terroristas existem por toda parte do universo, mas como aqueles, preparados para serem os primeiros a morrer, na ânsia de que seus objetivos sejam alcançados, é fato novo. Quase duas dezenas de terroristas jogaram sua vida em prol de uma causa - ou uma doença - de difícil entendimento para nós, aqui, no outro lado do mundo. Não bastasse, as ameaças continuam - "há milhares de jovens ansiosos por morrer, assim como nos Estados Unidos há milhares de jovens ansiosos por viver", de acordo com Suleiman Abu Ghaith, porta-voz da organização Al Qaeda -, o que nos leva a crer que não sabemos qual o tamanho do "caminhão de maldades" que ainda possuem.

Após o grande choque inicial, quando todos ficaram estupefatos com o desmoronamento das torres irmãs, o que começou a ficar evidente foi o alto grau de antiamericanismo que existe ao redor do mundo. Por força do passado - não foram poucos os que lembraram Hiroshima e Nagasaki, só para citar dois episódios evolvendo os Estados Unidos - e também pela percepção de arrogância dos dias atuais, não foram poucas as manifestações de entendimento - e até de apoio a eles - dos atos praticados em Washington e Nova York. Inúmeros são aqueles que criticam os Estados Unidos, por acreditarem que grande parte da população daquele país ainda crê que o mundo começa e termina dentro das suas fronteiras. Certo ou errado, o fato é que as manifestações contrárias às ações bélicas norte-americanas aumentam dia a dia, e não apenas entre os palestinos. Essa é a segunda e importante lição que não pode e não deve ser ignorada.

Na medida em que os canais de televisão começaram a retratar, diariamente, o que é o Afeganistão e como vivem os afegãos, deu para começar a entender até onde o terrorismo pode chegar. É simplesmente difícil de acreditar que um povo possa ter condições tão miseráveis de vida como aquelas que a televisão nos mostra. Milhares de homens, mulheres e crianças, sem cara e sem rumo, em busca desesperada de proteção. Uma mochila nas costas é, na maioria das vezes, tudo o que possuem para tentar a vida e a paz em algum outro lugar, longe do fogo e das armas. Assim como as bombas, os alimentos chegam pelo ar, numa demonstração clara do limite a que chegou a miséria humana. Só mesmo as "maravilhas" dessa guerra para nos mostrarem quão feliz é o pobre povo brasileiro.

Diante dessa realidade, não nos resta alternativa a não ser o combate incessante ao terrorismo, esse mal de difícil cura que nos aflige em todas as partes do mundo. Embora não existam fórmula mágica e nenhuma única guerra para exterminá-lo, o que precisamos urgentemente é fazer com que as principais células desse "câncer" sejam exterminadas . Tolerância zero com o terrorismo deve ser a palavra de ordem para todas as nações que almejam a paz para seu povo.

Os Estados Unidos, por sua vez, terão de desenvolver, urgentemente, um plano para melhorar sua imagem e suas relações internacionais. Como maior economia do mundo e indiscutível influência geopolítica, deve exercê-la com toda a intensidade em prol de um mundo melhor, mais equilibrado econômica e politicamente. O ex-presidente Clinton estava buscando esse entendimento, que deve ser imediatamente retomado pelo presidente Bush. Os Estados Unidos e seus dirigentes têm responsabilidades que vão além das suas fronteiras, queiram ou não entender essa realidade.

Quanto ao Afeganistão, o povo e o país precisam ser reconstruídos. A ONU, o Banco Mundial, ONGs, enfim, todo o mundo desenvolvido sob a liderança das grandes potências precisa, urgentemente, criar melhores condições de vida para o sofrido povo daquele país. Quando se sabe que os talebans de hoje são filhos de refugiados da guerra contra os invasores soviéticos em 1979-1989 ou órfãos de afegãos que morreram nela, não podemos perpetuar esse estado de coisas. Pois, se nada for feito e o Afeganistão continuar sendo aquele acúmulo de ruínas que a televisão nos mostra, as crianças e os jovens do presente serão os Bin Ladens do futur o. Pois, simplesmente, eles não terão outra escolha a não ser jogar com a própria vida em prol de uma recompensa na etapa posterior.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Prazeres
Outro dia alguém indagava o que a gente considera os seus maiores prazeres. Para uns seria viajar, para outros vinhos finos, ou álcool propriamente dito, disfarçado em scotch; um jovem falou em dança, esporte, praia; alguns lembraram cinema, teatro, baralho, leitura, música, a grande cuisine. Engraçado, ninguém falou em amor. Creio que estava implícito, para aquela gente bem-criada, que amor não é prazer, é sentimento.

Passada a conversa, fiquei pensando. Prazer ou felicidade, um estado de prazer continuado? E o que será realmente a condição de felicidade, ou prazer continuado, para uma senhora - a velha senhora? Digamos não um mês ou um ano, mas um dia feliz?

Acordar cedo; quem passou meninice e adolescência entre uma mãe madrugadeira e o colégio interno, fica sempre condicionado e jamais acorda tarde sem sentimento de culpa. Então, digamos, acordar cedo espontaneamente. Olhar pela janela o sol já claro, mas ainda não quente; abluções, robe - e aí chega a hora verdadeiramente feliz do dia todo, que é esperada com um suspiro de antecipação. Um gole de café preto e, dobrados junto à poltrona da sala, inviolados, os jornais do dia. O que antes era o prazer requintado de ver as manchetes, a previsão do tempo, e depois começar a sério, sem interrupções a operação da leitura, agora já se começa com a alma inquieta.

Nestes tempos de uma guerra que se anuncia, o que já se constata é aquele prazer mórbido de encontrar nas manchetes novidades do front, notícias de atos heróicos, de dramas e tragédias distantes. Eu não esperava, na minha idade, ver mais uma guerra mundial. Tudo parecia estar-se encaminhando para um longo período de paz, sob a nova hegemonia americana, construída sobre as ruínas da União Soviética e com a China atraída para a rede do comércio mundial. De repente aparece o fanatismo religioso, arrastando multidões, desafiando a ordem, que, boa ou má era confortável para todos nós. A incerteza sobre o destino da raça humana sai do campo da discussão ambiental e das experiências biológicas dos cientistas do primeiro mundo e volta para o gabinete de emergências militares.

Depois dos jornais é a hora do trabalho; trabalho nunca é bom, no melhor dos casos é apenas sofrível e às vezes pode ser intolerável. Mas tudo tem um fim - é essa a nossa humana garantia - e afinal, dá-se o artigo para a secretária digitar e passar o e-mail. E aí começa a ignorância. Talvez seja preciso sair, aprontar-se, ir ao médico. Durante todo o tempo, telefone, telefone. Para dois telefonemas bons, daqueles de amigo que a gente identifica pelo gentil tocar da campainha, há cinco telefonemas chatos. E em redor da gente a vida urgindo. Nada pode esperar, as providências, a lista das compras. No meio de tudo, o almoço tarde, a comida de pouca caloria - ou de novo o sentimento de culpa estragando o sabor do feijão e da banana frita, mal compensada pelo hipócrita adoçante no café.

Renovam-se as tribulações, mas agora com outra pausa, não de recreio, mas de outros horrores: o jornal da TV nos apresenta os rounds dessa nova guerra, com surpresas de novas armas do terrorismo tecnológico do século 21, cartas contaminadas com bactérias letais, respondendo a uma estranha caçada a um homem só, como num filme de western, onde o bandido é romantizado e mitificado como um homem fantasma. Fala-se pouco, ainda, mas todos já temem o que pode ser um desfecho sinistro, a escalada nuclear desse conflito, com o surgimento de uma bomba atômica islâmica.

Mas enfim, depois das 10 ou 11, acabaram-se as responsabilidades sociais ou domésticas da velha senhora, acabaram-se os noticiários. Rede. Livro. Um novo pocketbook policial, desses bem complicados ou algum bom livro de amigo; memórias de gente interessante, algum poema. Pelas 11, os barulhos da rua se acalmaram, amém.

Há silêncio. A noite está fresca - pela janela às vezes cai chuva (e dá uma saudade danada da chuva batendo no telhado do sertão). Parece que o livro ficou melhor - a velha senhora, apesar das ameaças da guerra - sente quase que é feliz. Pela uma hora adormece - o sono que a idade cada noite torna mais leve. Dorme em paz, venceu mais um dia, pagou mais uma pequena prestação de vida.


Editorial

Só o dolo pode explicar

As revelações feitas pelo diretor de Finanças Públicas e Regimes Especiais do Banco Central (BC), Carlos Eduardo de Freitas, em duas reportagens publicadas pelo Estado na semana passada, sobre a situação que levou à intervenção no Banespa, dirimiram todas e quaisquer dúvidas que ainda pudessem existir sobre o que ocorreu com o banco, entre 1987 e 1994:

"O Banespa foi assaltado pelo Estado e por empresas privadas e seu patrimônio, destruído", e os responsáveis por isso foram os então governadores Orestes Quércia e Luiz Antonio Fleury Filho.

Com base no inquérito feito pelo Banco Central após a intervenção no Banespa, no primeiro dia de 1995, o diretor de Finanças Públicas descreveu, com detalhes, algumas das operações ruinosas que levaram o maior banco estadual do País ao estado pré-falimentar, com um rombo de R$ 29,3 bilhões, em valor de dezembro de 1997, que está sendo coberto pelos contribuintes.

Em seu último ano de governo, Quércia fez com o Banespa duas grandes operações de Antecipação de Receita Orçamentária (ARO) - adiantamento que deveria ser pago no mesmo ano fiscal, com a arrecadação do ICMS -, no valor de R$ 700 milhões, e não pagou. Fleury também não pagou. Quando Fleury assumiu o governo do Estado, o setor público devia ao Banespa R$ 5,95 bilhões, quase sete vezes o patrimônio líquido do banco. Quatro anos depois, a dívida havia saltado para R$ 11,126 bilhões. Além disso, os créditos não pagos pelas empresas privadas, e de difícil recebimento, somavam R$ 6,9 bilhões, quase três vezes o patrimônio líquido do banco. O Banespa arcava, ainda, com o pagamento de 5 mil contratados pelo Baneser e com a complementação de aposentadoria de 1,4 mil funcionários.

À semelhança do ranário da mulher de Jader Barbalho, o Banespa creditou R$ 14,3 milhões para uma instalação destinada à criação de camarões de água doce, numa fazenda no Vale do Ribeira, que nunca chegou a ser construída.

Uma empresa farmacêutica com capital de R$ 349 recebeu empréstimo de R$ 100 milhões, ou 315 mil vezes o seu capital, além de uma carta de Fleury, recomendando a compra da unidade de fabricação de penicilina de uma multinacional. Empresas que se tornavam inadimplentes crônicas recebiam novos empréstimos, em vez de serem cobradas e ter suas garantias executadas.

A Vasp, por exemplo, contraiu empréstimos no valor de R$ 222 milhões e, dez anos depois, Fleury esclarece: "O banco poderia ter executado a Vasp, mas o que faríamos com uma frota de aviões?"

No mínimo, o Banespa perderia menos dinheiro, executando as garantias. Mas, nos governos Quércia e Fleury, o Banespa foi administrado como um grande caixa de campanha, para a realização de seus projetos político-eleitorais e para o benefício dos amigos. "Não havia critérios para aprovar créditos, as garantias eram insuficientes, os pareceres técnicos contrariados, novos créditos eram concedidos para quem já estava inadimplente", observou Carlos Eduardo de Freitas. "São práticas bancárias absurdas que só o dolo pode explicar."

O escândalo do Banespa não terminou. O deputado Luiz Antonio Fleury Filho, que, como governador, completou a obra de seu antecessor, acabando de arruinar o Banespa, agora preside a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigará o que ocorreu no banco - pasmem os leitores - após a interv enção do Banco Central. Ora, graças à intervenção, o banco foi saneado e pôde ser privatizado. As irregularidades aconteceram, todas, durante a gestão Quércia-Fleury.

No entanto, há membros da CPI preocupados em saber se o Banespa tinha ou não patrimônio líquido negativo na época da intervenção, detalhe que, como lembrou o economista Roberto Macedo, em artigo no Estado de quinta-feira, é inteiramente irrelevante, pois um banco pode ter patrimônio positivo e estar insolvente "por falta de dinheiro para tocar o seu dia-a-dia".

Fleury, obviamente, está usando a CPI para obter um atestado de bom comportamento. E está recebendo a preciosa ajuda de deputados, principalmente da oposição, que estão mais interessados em questionar a intervenção do que em investigar as causas que levaram a ela.


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10/22/2001


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