Orçamento de 2003 terá rombo de R$ 14 bi



 





Orçamento de 2003 terá rombo de R$ 14 bi
Proposta vai ser encaminhada ao Congresso na sexta-feira

BRASÍLIA - O rombo na arrecadação de tributos federais em 2003 será de cerca de R$ 14 bilhões, e não de R$ 10 bilhões, como estimado anteriormente pelo governo. O desafio do novo presidente será o de negociar com o Congresso, ainda neste ano, a aprovação de medidas para recompor essas receitas. Sem isso, faltará dinheiro, por exemplo, para fazer novos investimentos e reajustar o salário mínimo acima da inflação, como vêm prometendo alguns candidatos à Presidência.

O déficit em relação ao montante esperado estará demonstrado na proposta do Orçamento-Geral da União de 2003, que o presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhará aos parlamentares na sexta-feira. A tendência é o governo apresentar uma proposta austera, com despesas de investimento abaixo dos R$ 8 bilhões orçados para este ano.

Ao projetar a arrecadação do ano que vem, a Receita Federal constatou que os valores ficarão pouco acima dos R$ 218 bilhões esperados para 2002, principalmente por causa da revisão da taxa de inflação - que subiu para 7,5%, contra os 5,9% considerados nos cálculos anteriores. A alta da cotação do dólar, que também eleva o preço dos produtos sobre os quais os impostos são cobrados, deve provocar também um ligeiro aumento de arrecadação.

Mas isso não será suficiente para fechar a proposta orçamentária. Para manter o mesmo nível dos gastos programados para este ano ficarão faltando cerca de R$ 14 bilhões, segundo um integrante da equipe econômica. A proposta orçamentária, diga-se, terá de assegurar o cumprimento da meta de superávit primário fixada no novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB) para todo o setor público.

Benefícios - A União e suas estatais a terão de contribuir com a maior parte dessa meta - 2,81% do PIB, ou R$ 36,7 bilhões.

Trata-se do valor que o governo federal terá de economizar, antes do pagamento dos juros da dívida pública. Os Estados e municípios entrarão com o resto. Além disso, a proposta orçamentária terá de prever recursos para as despesas obrigatórias da União reajustadas automaticamente, como é o caso da folha de salários e dos benefícios da Previdência Social.

Inflação e dólar mais altos farão com que os serviços e produtos consumidos pelo governo custem mais caro. Diante disso, a proposta orçamentária diminuirá as despesas que não são consideradas obrigatórias - como investimentos e gastos com a manutenção da máquina administrativa.

Diante desse quadro difícil, a saída mais provável é que o governo opte em arrochar ainda mais as despesas. Já neste ano, por exemplo, R$ 16 bilhões foram cortados dos gastos aprovados pelo Congresso. O ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guilherme Dias, avisou que os recursos para investimentos em 2003 vão ser modestos, devendo no máximo manter o nível praticado neste ano, os cerca de R$ 8 bilhões.


Serra quer processar Paulinho e Jefferson
Candidato não gostou das ameaças de agressão feitas por vice de Ciro e líder do PTB

RIO – O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, disse ontem que pode entrar na Justiça contra as ameaças de agressão física que teriam sido feitas pelo vice na chapa de Ciro Gomes (PPS), Paulo Pereira da Silva, e o líder do PTB na Câmara, Roberto Jefferson. Serra explicou que ainda não teve tempo de conversar com os advogados, porque estava viajando. Ele informou que não pretende mudar seu esquema de segurança.

Paulinho e Jefferson teriam reagido com irritação às críticas feitas a Ciro no programa eleitoral do PSDB. Paulinho teria dito que “Serra está pedindo para apanhar”. Jefferson teria afirmado que bateria no presidenciável tucano “com a maior satisfação”.

Serra, que esteve em campanha no Rio, classificou as ameaças de “falta de compostura e truculência”. “Eu já enfrentei a ditadura no Brasil, por isso fiquei 14 anos no exílio, mas voltei para fazer com que ela acabasse logo”, lembrou o candidato. “Enfrentei também a ditadura do Pinochet.

Evidentemente, a palavra medo não está no meu dicionário político.”

Ontem, porém, Paulinho distribuiu uma nota negando que tenha ameaçado Serra. “Se alguém ameaça, intimida e espiona, é o próprio candidato (Serra), que agora quer se fazer de vítima”, afirma o vice. Paulinho admite que usou a expressão “ele está pedindo para apanhar”, mas afirma que, da forma como foi reproduzida pela imprensa, ficou fora de contexto.

No Rio, cercado por mais de mil cabos eleitorais e alguns eleitores, Serra inaugurou um comitê no Leblon, lançou o livro sobre sua vida, e partiu para uma caminhada de 1h20 no calçadão da praia.

No trajeto ouviu cobranças de eleitores e beijou criancinhas a pedido dos fotógrafos.

Serra foi cumprimentado por personalidades controvertidas. Entre elas, o travesti Priscila Montenegro e o empresário Arthur Falk, dono do grupo Interunion (liquidado judicialmente pelo Banco Central em 1996).

No fim da caminhada, Serra lembrou os tempos de líder estudantil e “subiu no caixote”. Improvisou um palanque, subindo num bloco de concreto que divide as pistas, e discursou a favor do aumento das exportações. “Não temos de ter apenas um futebol cinco estrelas, mas também uma laranja cinco estrelas, um automóvel cinco estrelas.”

Artistas – À noite, Serra recebeu apoio de grandes estrelas do meio artístico, em uma recepção na casa do ator Raul Cortez, em São Paulo. Tucano confesso, Cortez é amigo de Serra desde os tempos de movimento estudantil.

Contando com atores e atrizes de diferentes gerações, como Regina Duarte, Lolita Rodrigues, Beatriz Segall e Fuvio Stefanini, além de cineastas, (Suzana Amaral), arquitetos (Isay Weinfeld) e artistas plásticos (Antônio Peticov) , o evento teve o objetivo mostrar que parte da classe artística também está com Serra – e não apenas com seu adversário Ciro Gomes. O candidato do PPS participou, há um mês, de um evento com artistas, organizado por sua namorada, a atriz Patrícia Pillar.

Para Regina Duarte, que irá participar ativamente da campanha tucana, a divisão da classe artística é natural. “Democracia é isso: pessoas refletindo, tomando posição”, afirmou.

O candidato, que estava acompanhado de sua vice, Rita Camata, afirmou, em um breve discurso, que em seu governo “cultura não será apenas um apêndice, mas uma parte viva e fundamental de integração nacional, social e inclusive econômica”.

O governador e candidato à reeleição, Geraldo Alckmin, e a primeira-dama, Ruth Cardoso, também estiveram presentes.


Ciro quer 'esquecer' Serra e mirar em Lula
Comando da campanha decide não responder a ataques do tucano e polemizar com petista

BRASÍLIA - O candidato do PPS, Ciro Gomes, decidiu mudar a estratégia de campanha deixando de responder aos ataques do tucano José Serra e passando a polemizar apenas com o petista Luiz Inácio Lula da Silva.

"Devemos concentrar a discussão política com o candidato do PT e estou convencido de que, fazendo isso, poderemos chegar ao primeiro lugar nas pesquisas", disse o coordenador da campanha de Ciro, deputado Walfrido Mares Guia (PTB-MG). "As respostas ao tucano serão dadas pela Justiça Eleitoral."

O comando da Frente Trabalhista (PPS, PTB e PDT) decidiu que em hipótese alguma serão dadas respostas em entrevistas ou em programas de TV e rádio.

Este espaço será usado para mostrar as idéias do partido.

A campanha de Ciro entendeu que se o candidato continuasse aceitando as provocações de Serra, somente ele sairia ferido, deixan do Lula incólume para chegar ao segundo turno. Para Mares Guia, esta é uma estratégia dos líderes tucanos de São Paulo, que querem apoiar Lula no segundo turno.

Ciro reuniu-se com o seu candidato a vice, Paulo Pereira da Silva e com o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), para pedir-lhes que também não aceitem as provocações de Serra.

"Eles devem colocar esparadrapo na boca", brincou um assessor de Ciro, que tem repetido
aos correlegionários que os tucanos "não vão lhe arrastar para lama". O presidente do PPS, senador Roberto Freire concorda com a tática e vai ajudar a acalmar os ânimos dos aliados mais exaltados de Ciro.

Debate - "Vamos deixar Serra falando sozinho", salientou Mares Guia. Mas a mudança de atitude não significa que Ciro passará a atacar Lula, garantem auxiliares do presidenciável.

"Vamos apenas querer discutir as suas idéias, questionar as incoerências de várias propostas
do partido", salientou Mares Guia, acentuando que o debate será em alto nível. "Queremos discutir propostas, apresentar à população os programas de Ciro para trazer o desenvolvimento ao País e mostrar como pôr o capital a favor do trabalho", declarou o deputado, depois de insistir que "o candidato não vai entrar nessa baixaria, que só demonstra o desespero do Serra e sua equipe".

Os organizadores da campanha de Ciro afirmam que "não dá para ficar olhando pelo retrovisor a poeira que ficou para trás". Se Serra está atrás, conforme lembrou Mares Guia, os responsáveis pela campanha têm de se preocupar com quem está na frente, para que Ciro não chegue machucado no segundo turno, enquanto Lula pousa de diplomata, longe da troca de tiros.


Garotinho faz ironia com briga entre Ciro e Serra

RIO – O candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, ironizou ontem a briga entre os presidenciáveis Ciro Gomes (Frente Trabalhista) e José Serra (PSDB). “Infelizmente o que a gente verifica hoje é uma baixaria em que os candidatos se acusam de ladrão e mentiroso”, comentou Garotinho. “O quadro é o seguinte: um é o mentiroso, é o ladrão e o outro é o despreparado.

Então, acho que o povo vai votar no Garotinho”, acrescentou, durante carreata pela zona oeste no Rio.

O ex-governador do Rio reafirmou que está confiante em ir para o segundo turno. “Nossa campanha é propositiva e está dando certo. Vamos vencer essa eleição”, afirmou. Segundo Garotinho, a diferença entre a sua campanha e a dos outros candidatos é que ele “tem o que mostrar”. “Eles podem apresentar propostas, mas não podem apresentar realizações concretas”, disse.

As realizações, explicou ele, serão apresentadas detalhadamente nos programas de TV desta semana. “Vamos mostrar o que fizemos na agricultura do Rio e depois vamos fazer um programa sobre empregos e a reabertura dos estaleiros que fiz no meu governo”, adiantou. “No fim da semana, apresentaremos o setor de habitação e o que podemos fazer no Brasil.”

Garotinho e sua mulher, Rosinha Maheus (candidata pelo PSB ao governo do Rio), circularam por algumas favelas da zona oeste. Com mais de 15 veículos e carros de som de cabos eleitorais, distribuíram camisetas e bonés, mas não pararam em nenhum momento para conversar com moradores ou fazer comício.


Greve de caminhoneiros tem pequena adesão
Líderes dizem que a categoria fez confusão quanto ao horário da paralisação

O ministro dos Transportes, João Henrique de Almeida, deverá atender algumas das reivindicações apresentadas ao governo pelos caminhoneiros para evitar que a paralisação, iniciada ontem, vá adiante. Segundo a assessoria do ministro, nos próximos dias será dado um sinal aos caminhoneiros nesse sentido. No entanto, os assessores do ministro não quiseram adiantar o que será oferecido. Um mal entendido em relação ao horário para iniciar a greve nacional acabou exigindo um esforço dobrado da coordenação do movimento, ontem, para garantir uma adesão maior da categoria. “Muitos pensaram que o movimento se iniciaria na meia-noite de domingo para segunda-feira”, afirma o presidente da Federação Interestadual dos Caminhoneiros (Fetrabens) e coordenador nacional da greve, José Fonseca Lopes.

Lopes fez questão de destacar que a ordem da coordenação nacional do movimento é não fazer piquetes ou qualquer tipo de bloqueio nas estradas. “Não queremos piquetes. Isso é uma coisa ultrapassada hoje no País. Queremos um movimento pacífico”, afirmou. “A intenção é mostrar que o caminhoneiro está parando simplesmente porque não tem condições para trabalhar. Por isso, recomendamos que eles fiquem em casa, no pátio da transportadora ou em algum posto. Mas, por causa da confusão de horário, só teremos uma posição real sobre a paralisação na segunda-feira.”

Entre as reivindicações emergenciais da categoria estão: o aumento da segurança nas estradas, a redução de 30% no valor do óleo diesel e congelamento do preço por 6 meses, o cumprimento do decreto que obriga as empresas a fornecerem vale-pedágio aos caminhoneiros, a adoção de uma tabela de referência para fixação do valor mínimo dos fretes e o cumprimento do artigo 257 do Código Nacional de Trânsito, que transfere do caminhoneiro para o embarcador da mercadoria a multa por excesso de peso.


Artigos

Os parceiros do Brasil
Alcides Amara

Durante as negociações da dívida externa brasileira para implementação do "Plano Brady" e que foram realizadas em Nova York de 1991 a 1994, havia alguns bancos ao redor da mesa que em todas as aparições públicas se diziam parceiros do Brasil. E, na realidade, o eram. O Brasil estava em moratória, tinha uma dívida de cerca de US$ 50 bilhões para ser rolada e era do interesse de todos que tudo chegasse a bom termo. O Brasil conseguiu fechar o acordo com os bancos, rolou sua dívida por até 30 anos e o fez sem a participação do Fundo Monetário Internacional (FMI), que era condição imperativa nos acordos até ali fechados pelos bancos internacionais com os países em dificuldades semelhantes à nossa.

Na crise de 1998-99 a situação foi um pouco diferente, mas a parceria se fez valer novamente. É bem verdade que nessa ocasião o FMI e o governo norte-americano forçaram os bancos e os nossos governantes a sentar-se à mesa e estabelecer critérios pelos quais os bancos manteriam seus créditos para o País. Assim foi feito e durante cerca de 180 dias o Banco Central pôde atestar, via monitoramento quase diário, que os bancos internacionais estavam cumprindo seus compromissos, sua parceria.

Desta vez, a situação foi diferente, bem diferente. E para pior.

Pressionados pelos prejuízos em que incorreram na Argentina - calote nas dívidas interna e externa - e com medo do "risco político", produto das eleições presidenciais deste ano, os bancos internacionais esqueceram a antiga parceria e reduziram suas posições no Brasil a ponto de o presidente do PT, deputado José Dirceu, afirmar em entrevista ao Estado (19/8) considerar "uma agressão ao País esse comportamento da banca internacional de cortar linhas de crédito".

Segundo declarações a este jornal (15/8) do sr. Lauro Vallejo, vice-presidente do Standard Chartered Bank e membro da Associação Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI), desde o início do ano, cerca de US$ 8 bilhões em linhas de curto prazo foram cortados, ou cerca de 60% da exposição anterior. Essa é, segundo o sr. Vallejo, a "percepção do mercado e da ABBI", embora o Banco Central informe cortes bem menores, ao redor de 20%.

Independentemente dos valores envolvidos - eu, pessoalmente, acredito que o corte esteja mais perto dos 60% que dos 20%, em face do aumento significativo dos "spreads" cobrados pelos bancos nos financiamentos de exportação e importação -, a realidade é que chamou a a tenção de todos aqui, no Brasil, a falta de comprometimento dos bancos internacionais com o País e, principalmente, com seus clientes. Na medida em que o financiamento de comércio exterior é feito diretamente às empresas aqui sediadas, a atitude precipitada dos bancos fez com que muitas delas viessem a ter problemas para cumprir seus compromissos de exportação e importação ou, na melhor das hipóteses, fazê-lo ao um custo proibitivo. Se há seis meses se pagava de 1% a 2% ao ano acima da Taxa Libor para financiamento de exportação de 180 dias, com a crise instalada, tais comissões passaram a variar de 8% a 10% ao ano.

O que mais preocupa é que essa demonstração de rompimento de parceria vem num momento crítico para o País e demonstra até certa falta de conhecimento dos riscos envolvidos. Além do fato de o Brasil jamais ter dado calote em linhas de financiamento de comércio exterior - mesmo nos piores momentos da moratória os juros continuaram a ser remetidos normalmente -, assusta o fato de o "senior management" da banca internacional não diferenciar, como deve ser diferenciado, o risco do financiamento às exportações. O risco embutido em tais operações é muito mais de "performance" do que "risco Brasil". Na medida em que a empresa embarcar a mercadoria - e isso, creio, sabemos fazer -, a responsabilidade de gerar dólares para nos pagar é do importador, localizado além-fronteira, independentemente de quem seja nosso presidente da República. É um risco de categoria muito inferior e que mereceria ter um tratamento mais adequado, como, aliás, aconteceu ao longo das últimas duas décadas.

A viagem do ministro Pedro Malan e do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, a Nova York vem, pois, em boa hora. Frente a frente com os principais banqueiros internacionais, nossos dirigentes terão a oportunidade de lembrar-lhes a antiga parceria e, ainda, segundo declarações de Armínio Fraga, obter dos interlocutores "uma atitude mais positiva em relação a negócios em geral com o Brasil". O acordo com o FMI fará necessariamente parte da pauta das reuniões e, com sua implementação em meados de setembro, ficará implícito que os "presidenciáveis" lhe deram o seu apoio.

Como sou otimista por definição e acredito que o País vencerá mais este período de turbulência, espero que os banqueiros internacionais revejam suas posições e voltem a ser parceiros do Brasil, pois é nas crises que surgem as grandes oportunidades. E banco que assim agir, prestigiando o País no seu esforço exportador e, em especial, seus clientes, não terá do que se arrepender.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Um pouco de nostalgia
Afinal, se me dão licença, quem passa dos 90 direito a algum saudosismo. É que, olhando o mar, lembrei dos bons tempos dos navios, quando só se viajava pelas costas do Brasil nos Itas (os decantados Itas do Norte) e também os menos charmosos navios do Loide. Companhia Nacional de Navegação Costeira, chamavam-se oficialmente os Itas. E recebiam todos os barcos da frota esse nome de Ita porque o dono da Companhia se chamava Laje, e laje é pedra, e pedra em tupi é ita. Tinha esse magnata Laje outro motivo de celebridade:
capturara o amor da maior contralto vivente, Gabriela Benzansoni; casou com ela e deu-lhe por menagem a mansão dentro daquele parque próximo ao Jardim Botânico, retirando-a dos palcos do mundo. A Bezansoni ficou cantando só para ele.

Mas veio a guerra e os submarinos alemães torpedearam toda a frota Laje, junto com os navios do Loide. E o pouco que não foi para o fundo do mar sucateou por aí, acabou.

Aliás, já nos deram fim a todos os transportes que não sejam aéreos:
acabaram os navios, acabaram os trens. Ficaram os caminhões e ônibus, já todos obsoletos, expulsos pelos aviões, quer de gente, quer de carga. E naqueles brutos airbus nos sentimos mesmo como carga, como frangos num granjal.

Mas voltando aos Itas: cada viagem neles era uma glória. Navio do Norte para o Sul (ainda se falava pouco em Nordeste) era para cada família como uma estação de águas, uma semana em Caxambu ou Lambari. Preparava-se o enxoval da viagem, guardado nas grandes malas de camarote: os vestidos para o dia, de linho e com gola de marinheiro, e os de noite, de seda, com manga cavada.

O navio todo era um grande playground, onde se brincava em jogos de convés (ainda não havia piscinas), se almoçava e se jantava ao som de orquestra, em boa companhia. Grande honra era sentar à mesa do comandante. Dançava-se depois do jantar, toda noite sem falta, até mesmo quando o navio ancorava durante dias, em Areia Branca, para carregar sal.

A vida de bordo era sempre uma festa. Onde, acima de tudo, se namorava.

Havia para isso os estudantes que faziam curso na Bahia e no Rio; os antigos caixeiros-viajantes que já então se diziam "representantes de firmas"; e jovens políticos, e moços ricos nos camarotes de luxo. Contudo, os mais disputados dos galãs marítimos eram os próprios oficiais de bordo, com o seu charme de homens do mar, que a gente chamava de "cisnes brancos", seu andar macio e silencioso no solado de borracha: pilotos, imediato, até radiotelegrafistas. E as meninas ficavam injuriadas se descobriam que o médico era gordo ou notoriamente casado. O comandante era um caso especial.

Fazendo o gênero "velho lobo-do-mar", galante ou retraído mas sempre envolto, para as moças no halo que lhe dava a farda branca imaculada, o quepe agaloado de ouro, a autoridade de rei dentro do navio.

Cada porto era um evento especial: vinham os amigos, os parentes, receber os passageiros, levá-los a almoçar e passear pela cidade.

E a chegada ao Rio era a coroa da travessia. Das alturas de Cabo Frio começava a expectativa.

Quase sempre o navio entrava na barra pela manhã com a Guanabara toda envolta em brumas.

Passavam-se os fortes, passava o Mosteiro de São Bento, e então se atracava no cais, a orquestra de bordo tocando a Cidade Maravilhosa. E a gente trajando o tailleur feito especialmente para o desembarque. Os tios em grupo se agitavam lá embaixo e quase toda menina tinha um primo especial para lhe acenar.

Esquecidos ficavam os belos amores de bordo. Como vêem, era muito bom, naquele tempo, tomar um Ita no Norte.


Editorial

VIRANDO O JOGO DO COMÉRCIO EXTERNO

O Brasil deverá continuar acumulando superávits comerciais nos próximos quatro anos, segundo todas as projeções do mercado financeiro. Os cálculos variam, mas há acordo geral sobre um ponto: a balança comercial não deverá voltar, pelo menos durante o próximo governo, à situação que marcou a primeira etapa do real. A reviravolta começou em 1999, com a adoção do câmbio flutuante.

Foi um dos ajustes mais notáveis que já ocorreram no comércio exterior do Brasil - e sem a adoção de barreiras protecionistas. Sua dimensão tornou-se mais clara, nos últimos dias, graças a uma análise preparada pela Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).

Observa-se um ganho de US$ 10,9 bilhões no resultado comercial, quando se compara a média dos anos 1995-1998 com o valor acumulado nos 12 meses terminados em junho de 2002. Entre os dois períodos, o saldo passou de um déficit de US$ 5,6 bilhões para um superávit de US$ 5,3 bilhões.

A Funcex agrupa os exportadores brasileiros em 31 setores, divididos, nesse estudo, em três grupos. O primeiro inclui 12 setores que eram superavitários no período 1995-1998 e continuaram nessa posição. O saldo comercial desse grupo aumentou apenas de US$ 1,25 bilhão entre os dois períodos, de US$ 21,53 bilhões para US$ 22,78 bilhões.

O segundo, é formado por cinco setores que passaram de um déficit de US$ 2,87 bilhões para um superávit de US$ 3,42 bilhões, com um ganho, portanto, de US$ 6,29 bilhões. Este valor corresponde a 57,8% da melhora observada no estudo.

No terceiro grupo há 14 setores que continuaram no vermelho, mas com uma redução de US$ 3,09 bilhões em seu déficit conjunto, de US$ 24,92 bilhões para US$ 21,83 bilhões. Também esse grupo contribuiu, portanto, para a recuperação da balança comercial.

Há ensinamentos interessantes na experiência de cada grupo. O desempenho do primeiro - superavitário, mas com progresso muito modesto - foi prejudicado pelos negócios da siderurgia, das indústrias de óleos e de beneficiamento de outros produtos vegetais e do café. Esses quatro setores foram afetados pela redução de preços, uma conseqüência da estagnação do mercado mundial. As cotações de commodities são especialmente sensíveis a oscilações de conjuntura.

Alguns setores, como os de carnes e de móveis de madeira, apresentaram ganhos expressivos, derivados principalmente do volume exportado. O dinamismo exibido recentemente pelos exportadores de produtos animais e de produtos de madeira já era conhecido e torna-se mais visível com esse estudo.

O segundo grupo é o mais interessante por ser formado de setores fortemente afetados pela abertura comercial e pelo câmbio sobrevalorizado. A grande melhoria do resultado explica-se tanto pelo aumento das vendas como pela substituição de importações, facilitada pela mudança cambial de 1999.

Na área de veículos, a grande novidade foi o aumento das vendas de aviões, depois da privatização da Embraer. No caso dos automóveis, os resultados têm sido bem mais modestos, por causa da crise na Argentina e da relativa estagnação dos mercados latino-americanos. O recente acordo com o México deve abrir oportunidades ao setor. Quanto à indústria de autopeças, foi certamente beneficiada pelo novo regime cambial.

A indústria têxtil também é parte desse grupo. O saldo comercial do setor foi fortalecido pelo câmbio, a partir de 1999, mas a indústria, além disso, tem procurado novos canais para ampliar suas vendas. O acordo têxtil com a União Européia deve antecipar a eliminação de cotas para mais de 240 produtos e criar boas oportunidades.

Tudo isso mostra que os produtores brasileiros são capazes de virar o jogo quando certos
obstáculos, como o desajuste cambial, são removidos. Mas isso não dispensa o governo de tratar com maior atenção o comércio exterior. Ao contrário: esses dados deixam ainda mais claro que enormes oportunidades de produção e de emprego são perdidas, sempre que a política econômica negligencia as condições de competitividade.


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08/26/2002


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