País entra na corrida pelo 'mineral do tablet'



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Os subsolos do Brasil guardam alguns dos recursos naturais mais cobiçados do século 21: os elementos químicos conhecidos como terras-raras. Embora o nome não soe familiar, eles são o ingrediente essencial das maravilhas da alta tecnologia.

As terras-raras fazem funcionar tablets, telefones celulares, lasers, turbinas de energia eólica, catalisadores para refino de petróleo, aparelhos de ressonância magnética, mísseis teleguiados, carros híbridos (movidos a gasolina e eletricidade) e outras invenções sem as quais não se imagina a vida moderna.

Apesar de terem elevado valor estratégico, o Brasil não tira proveito desses elementos. Praticamente não existem empresas dedicadas à extração de terras-raras. O país também não tem noção de seu potencial. Apenas algumas jazidas estão mapeadas.

O governo corre para mudar esse quadro. Dois ministérios, o de Minas e Energia e o da Ciência e Tecnologia, tentam convencer as mineradoras a explorar as jazidas já localizadas e incentivar os institutos de pesquisa a prospectar minas ainda desconhecidas.

O Senado também se envolveu nesse processo. Acaba de criar, dentro da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT), uma subcomissão dedicada às terras-raras. A missão dos senadores é propor e aprovar uma lei que garanta a chamada segurança jurídica aos investidores que decidirem apostar na pesquisa, na extração e na industrialização das terras-raras, estabelecendo quais são seus direitos e deveres.

O presidente da subcomissão é Anibal Diniz (PT-AC). O vice-presidente é Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). A relatoria cabe a Luiz Henrique (PMDB-SC).

O Brasil não está sozinho no atraso. O mundo inteiro depende da China, que reina absoluta no mercado das terras-raras. De todo o volume comercializado internacionalmente, algo em torno de 90% sai das minas chinesas.

Nem sempre foi assim. Países como os Estados Unidos, a Austrália, a África do Sul e o próprio Brasil extraíam quantidades significativas de terras-raras até algumas décadas atrás.

Submarino nuclear

No Brasil, a história remonta ao final do século 19, quando foram descobertos depósitos de areias ricas em terras-raras entre o norte do Rio de Janeiro e o sul da Bahia. Primeiro, saíam do país como lastro de navio (material pesado acomodado no porão das embarcações para dar-lhes estabilidade). Depois, passaram a ser vendidas para a Europa como matéria-prima das mantas incandescentes dos lampiões a gás. Eram as terras-raras que conferiam às mantas a valiosa capacidade de não se queimarem em contato com o fogo.

Nos anos 50, as terras-raras extraídas daquelas mesmas jazidas  foram exportadas para os EUA e empregadas no USS Nautilus, o primeiro submarino de propulsão nuclear da história. Em barras, as terras-raras brasileiras controlavam a absorção de nêutrons do reator atômico do Nautilus.

O nome terra-rara é enganoso. Esses elementos não têm terra na composição nem são raros. Quando foram identificados, no século 18, os cientistas chamavam os óxidos de terras. E os consideravam raros porque eram (e ainda são) encontrados em baixas concentrações, agregados a minérios e minerais. Hoje se sabe que, ainda que “diluídos”, estão em vários pontos da crosta terrestre. Alguns são mais abundantes do que o cobre e o ouro.

No total, 17 elementos químicos fazem parte da família das terras-raras, como o európio, o túlio, o lantânio e o ítrio. Eles são vizinhos na tabela periódica. Assemelham-se em razão de suas propriedades químicas, magnéticas e de fluorescência, que os tornam insumos insubstituíveis na tecnologia de ponta. São as terras-raras que possibilitam a existência dos ímãs mais potentes que há e permitem a criação de aparelhos eletrônicos cada vez menores. Em um celular, elas se contam em gramas. Em uma turbina eólica, em centenas de quilos.

A China conseguiu antever que os usos das terras-raras se multiplicariam e entrou com força total nesse filão. Em meados dos anos 80, adotou uma estratégia agressiva de negócio, incluindo polpudos subsídios estatais à pesquisa tecnológica e à extração.

Como os chineses conseguem vender terras-raras a preços irrisórios, é muito mais conveniente e barato para qualquer país importar as terras-raras da Ásia do que extraí-las em seu próprio território. É um clássico exemplo de dumping. Fora da China, como consequência, praticamente mina nenhuma sobreviveu.

Preços em alta

Em 2010, o governo chinês deu um susto no mundo. Sem aviso, restringiu as exportações de terras-raras, impondo cotas e elevando impostos. O país argumentou que queria proteger o meio ambiente e poupar um recurso natural finito. Na realidade, a ideia era favorecer sua própria indústria de tecnologia. É  mais lucrativo vender aparelhos de alta tecnologia (que contêm terras-raras processadas) do que exportar a matéria-prima bruta.

Com a procura em alta e a oferta em baixa, o preço disparou. Entre 2010 e 2011, o quilo do térbio pulou de US$ 605 para US$ 2.973. O do európio passou de US$ 625 para US$ 3.800.

Foi então que o mundo acordou para o perigo de ser refém dos humores do monopólio chinês. A situação fica ainda mais preocupante quando se leva em conta a certeza de que o consumo de terras-raras sofrerá um aumento exponencial nos próximos anos — o comércio de laptops, ­smartphones e tablets não para de crescer, os carros híbridos estão prestes a ganhar o mundo e os investimentos em energia eólica tendem a se intensificar, como fonte de energia limpa.

Com a crise iniciada em 2010, diversos países se mobilizaram para ressuscitar a exploração local de terras-raras. Entre outras medidas, ofereceram incentivos financeiros às mineradoras e relaxaram as exigências para a concessão das licenças ambientais. Os americanos e os australianos foram os mais ágeis.

Os EUA reativaram uma gigantesca mina na Califórnia, depois de uma década abandonada. A produção americana, nula em 2011, chegou a 7 mil toneladas em 2012. Na Austrália, entre um ano e outro, a extração pulou de 2.200 para 4 mil toneladas. Como comparação, a China chegou a 100 mil toneladas no ano passado.

Em outra frente, o governo do Japão deu estímulos para que sua indústria automobilística criasse formas de reciclar terras-raras.

A preocupação desses países vai muito além do aspecto econômico. Explica Ronaldo Santos, coordenador de Processos Metalúrgicos e Ambientais do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem):

— As terras-raras estão presentes em todos os aparatos eletrônicos de vigilância, segurança e defesa. Os países estão preocupados com sua soberania. Ficarão vulneráveis se houver desabastecimento de terras-raras.

O Brasil também sentiu os efeitos da política restritiva da China. As dificuldades para obter a matéria-prima chegaram a ameaçar a fabricação nacional de catalisadores para refino de petróleo — o petróleo é um dos grandes motores da economia brasileira. Foi então que o ­governo se mobilizou.

Ao elaborar o Plano Nacional de Mineração 2030, o Ministério de Minas e Energia incluiu as terras-raras entre as prioridades do país para as próximas duas décadas. O Serviço Geológico do Brasil, que é ligado ao ministério, recebeu a ordem de localizar novas jazidas.

Em outra frente, o Ministério da Ciência e Tecnologia busca estimular a pesquisa e o ­desenvolvimento tecnológico em terras-raras. Promete destinar nos próximos anos R$ 11 milhões a institutos de pesquisa públicos e privados. Um dos desafios é criar tecnologias que permitam separar as terras-raras de minérios e minerais. As técnicas que se conhecem hoje são complexas, caras e extremamente poluentes.

Como parte da estratégia do governo, discute-se a possibilidade de o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) criar linhas especiais de financiamento para as empresas que se dedicarem à prospecção, à extração e ao processamento das terras-raras.

Recomeçar do zero

Em meados do século passado, quando as terras-raras ainda não tinham tantas aplicações, o Brasil era líder mundial no setor. No início dos anos 60, as minas foram estatizadas. A Orquima, a empresa que forneceu as terras-raras que alimentaram o submarino Nautilus, também passou para as mãos do governo. Assim começava o lento desmonte da cadeia produtiva.

— O Brasil perdeu todo o investimento que havia feito em tecnologia e recursos humanos. Recomeçar do zero agora não será fácil. Temos um grande desafio — diz o químico da ­Universidade de São Paulo (USP) Osvaldo Antonio Serra, que foi estagiário na Orquima antes da estatização.

Hoje, a extração de terras-raras no país é feita de forma experimental. A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) retira nióbio (metal que eleva a qualidade do aço) de minas localizadas em Araxá (MG). No ano passado, passou a fazer a separação das quatro terras-raras (cério, lantânio, neodímio e praseodímio) que estão misturadas ao nióbio dessas minas.

Dado o alto potencial geológico de Araxá, a multinacional MbAC Fertilizantes anunciou que construirá na cidade uma fábrica de processamento de terras-raras. A empresa que o governo mais deseja ver nesse mercado é a Vale, a maior mineradora do país.

As mineradoras se dizem interessadas, mas cobram uma atuação mais decisiva do governo. Para o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa o setor, o que há são projetos esparsos, sem comunicação entre si, de institutos de pesquisa e empresas. O Ibram defende que o Cetem, que é ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, assuma a tarefa de coordenar as iniciativas e apontar-lhes um rumo.

— O Cetem atuaria como os grupos executivos criados por Juscelino Kubitschek para alavancar a economia do país na virada dos anos 50 para os 60. O mais famoso foi o grupo executivo da indústria automobilística, que articulou o setor e obteve resultados fantásticos — explica Marcelo Ribeiro Tunes, um dos diretores do Ibram.



15/04/2013

Agência Senado


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