Para FHC, luta contra o crime exige união
Para FHC, luta contra o crime exige união
Presidente afirma que governos federal, estaduais e municipais têm de agir em conjunto
BRASÍLIA – O presidente Fernando Henrique Cardoso avisou ontem que a responsabilidade sobre a segurança pública é de todas as esferas de governo: federal, estadual e municipal. Para o presidente, falta articulação no combate à criminalidade e só com serviços de inteligência integrados, união das polícias e aprovação de medidas pelo Congresso, como a proibição da comercialização de armas, será possível “vencer essa guerra”. Na opinião dele, a crise hoje é “aguda” e não há como negá-la.
“Quero declarar em alto e bom som: todos somos responsáveis. Todos e quero dizer os governos federal, estaduais e municipais”, frisou o presidente, ao iniciar o capítulo sobre segurança pública, no balanço que fez de seu governo. “Uma questão desta natureza não cabe saber quem é e quem não é responsável”, disse ele, ao aproveitar para tentar desfazer mal-estar com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmim. Fernando Henrique garantiu que não vai fugir à luta. “Vamos guerrear porque o Brasil precisa de paz”, declarou. Para enfrentar esse problema, de acordo com o presidente, é preciso coragem e articulação.
O presidente aproveitou ainda para rebater as críticas de que o governo não tem feito a sua parte. Citou a criação do Fundo do Plano Nacional de Segurança Pública, cujas verbas estão dotando as polícias de equipamentos. “Nós demos R$ 1,3 milhão, entre 2001 e 2002; antes disso, quanto era? Zero”, comparou. “Nós estamos dando sustentação aos governos estaduais para que melhorem seus planos de segurança pública.” E avisou: “Nós vamos ter de nos articular melhor para que esse possa ser objeto efetivo de um controle por parte da sociedade.”
Ao afirmar que o governo tem feito a sua parte, encaminhando projetos ao Congresso e ajudando os Estados, o presidente lembrou que foi criado um setor que cuida da lavagem de dinheiro, e a Secretaria Nacional Antidrogas, de ação preventiva. “Não é uma questão que se resolva em 11 meses”, disse Fernando Henrique, prometendo os direitos humanos não será esquecido.
Por fim, o presidente fez um apelo ao Congresso, para que aprove os projetos ligados à área de segurança. “Temos de ser muito mais duros na legislação”, sentenciou.
FHC cobra trabalho da equipe até fim do mandato
Preocupado em evitar esvaziamento com a campanha, presidente faz balanço e define agenda
BRASÍLIA - Empenhado em garantir que seu último ano de mandato não seja esvaziado pela campanha eleitoral, o presidente Fernando Henrique Cardoso reuniu ontem todos os ministros num auditório do Palácio do Planalto para transmitir uma mensagem: seu governo ainda tem quase 11 meses de trabalho pela frente. "Nós vamos governar até o fim do mandato como se ele estivesse no início", disse o presidente, num discurso de duas horas no qual, com ajuda de gráficos e tabelas exibidos num telão, fez um balanço de seus sete anos de gestão.
O presidente apresentou uma lista de projetos para os quais espera tratamento prioritário do Congresso e deu ênfase especial à emenda constitucional que prorroga a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até dezembro de 2003. "Precisamos da votação disso até março. O que passar de março é perda para o Brasil de R$ 400 milhões por semana e, como vou controlar a inflação, vou cortar", afirmou.
O clima solene foi quebrado por um "penetra", Roberval Uzeda, que se diz presidente da Federação da Associação das Favelas do Rio. Após driblar a segurança e se misturar aos convidados, ele provocou constrangimento ao aplaudir forte e gritar palavras de apoio cada vez que Fernando Henrique apresentava um dado positivo.
FHC elogiou o trabalho do Ministério da Saúde, cujo titular, José Serra, é o pré-candidato do PSDB à Presidência. Também citou três ações do governo do Maranhão, cuja titular, Roseana Sarney, é pré-candidata do PFL. Até o pai da governadora, o ex-presidente José Sarney, foi mencionado, por ter sido o autor do projeto que criou o atendimento universal aos portadores de aids.
Ao comentar a evolução dos índices sociais do País, Fernando Henrique afirmou esperar que o próximo governo seja "muito melhor" que o atual, mas apelou para que seu legado seja preservado: "Vamos aplaudir entusiasticamente, mas não para destruir o que o povo fez." O presidente reconheceu que "é preciso avançar mais", porém advertiu que abandonar o que foi feito em seu governo é abrir mão de "um novo Brasil social”.
Briga no exterior faz País crescer, diz presidente
Fernando Henrique avalia que Brasil precisa estar pronto para negociar criação da Alca
BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso destacou ontem que a economia brasileira cresceu 25% durante seu governo, nos últimos sete anos, e teve condições de enfrentar crises externas graças ao controle da inflação e ao ajuste fiscal. Ele enfatizou que o País deve estar preparado cada vez mais para a "briga" comercial com outras nações, reforçando sua atuação na Organização Mundial do Comércio (OMC).
"Nunca o Brasil brigou e ganhou tanto", disse Fernando Henrique, em relação às disputas comerciais como a travada pela diplomacia brasileira com o Canadá, no caso da fabricação de aviões. O presidente reafirmou a necessidade de negociar condições favoráveis para o ingresso do País na Área de Livre Comércio das Américas (Alca). "Quando ela vier, não é gritar 'fora Alca'. É saber se vai ter capacidade para negociar", afirmou. "Alca é mercado, não é soberania."
Fernando Henrique defendeu a integração com a América do Sul e a União Européia e lembrou a necessidade de aumentar as exportações. Ele destacou o aumento de produtividade da indústria nacional. "Mais da metade da nossa exportação é de bens manufaturados", afirmou.
"E ainda há gente que diz que a indústria está sendo sucateada. A produtividade aumenta, dobra o investimento, aumenta a exportação de manufaturados, baseado em quê? Em nada, na má vontade ou no retrovisor." O presidente destacou que em nenhum dos seus sete anos de governo o País deixou de crescer, embora o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em 1998 e 1999 tenha ficado abaixo de 1%.
Crescimento - "Estabilizamos a economia, mantivemos a inflação sob controle, houve aumento da produção, houve aumento da produtividade, o salário mínimo real não caiu e o crescimento da economia foi de 25%. Ou seja, não foi estabilização com recessão", disse. "Podia ser mais, eu gostaria que fosse mais. Eu espero que venha a ser mais no futuro. Mas é que nós estamos atacando simultaneamente muitos problemas num momento em que a economia se globalizou."
Fernando Henrique referiu-se ainda ao desemprego como um dos problemas graves do País e do mundo. "O nível é alto, mas não houve a explosão", comentou, referindo-se às previsões feitas em 1998, quando o índice de desemprego chegou a 7,6%. Em 2001, ficou em 6,2%.
Para ele, os avanços na economia ficaram abaixo do desejado em grande parte por causa das crises externas, como a da Rússia, e da recessão nos Estados Unidos. Mas Fernando Henrique admitiu que em 2001 o Brasil sofreu também o efeito da crise energética. "Nem tudo foram glórias, já me referi ao setor energético onde tivemos problemas", afirmou ele.
Energia - "Controlamos a crise sem apagão. Foi uma decepção para o ministro do apagão (Pedro Parente, ministro da Casa Civil e presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica). Passou a ser da iluminação." O presidente reconheceu que o modelo energético brasileiro não estava "bem equacionado", p roblema que foi agravado pela falta de água e, no período de 1988 a 1995, pela falta de investimentos, motivada pela inexistência de legislação para regulamentar a concessão dessa área ao setor privado.
PFL garante que, se vencer, manterá política econômica
Em jantar com Armínio Fraga, Bornhausen explica posição de Roseana
BRASÍLIA - O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, jantou na noite de terça-feira com a cúpula do PFL, na casa do presidente do partido, senador Jorge Bornhausen (SC). O encontro, que tem se repetido há mais de um ano, em intervalos regulares de cerca de dois meses, teve dupla utilidade.
De um lado, ministros e líderes pefelistas levaram a Armínio informações sobre o cenário eleitoral, com pesquisas que acabam de sair do forno apontando o crescimento consistente da candidata a presidente pelo PFL, governadora Roseana Sarney (MA). De outro, ouviram a avaliação de Armínio sobre a conjuntura econômica brasileira e as situações argentina e mundial.
Na conversa, segundo um dos convidados, se explicitou que, em uma eventual vitória do PFL na disputa presidencial, a manutenção da política econômica atual estaria assegurada. Mas ninguém arriscou insinuar a permanência de Armínio no governo. "Eu o considero um craque, mas escolha de ministros é coisa de presidente da República", disse Bornhausen.
"Estes encontros são bons para ele se inteirar dos assuntos políticos e, nós, das questões econômicas", comenta Bornhausen, que fez questão de mostrar as pesquisas ao presidente do BC, para que ele tivesse conhecimento do grau de ascensão de Roseana. Além do anfitrião, o PFL foi representado no encontro pelos ministros das Minas e Energia, José Jorge, e da Previdência, Roberto Brant, além do líder do governo no Congresso, deputado Heráclito Fortes (PFL-PI), e do líder do partido no Senado, José Agripino (RN).
"Ele estava muito seguro e disse que se o próximo presidente for confiável, o Brasil dispara, porque o desafio maior é administrar o agora", diz Heráclito. Bornhausen alerta, porém, que o presidente do BC acredita que a conjuntura mundial ainda está marcada por incertezas profundas. Na avaliação do senador José Agripino, a reunião também serviu para sinalizar que qualquer opção fora da base aliada do governo, na corrida presidencial, poderia gerar riscos não desejáveis, a exemplo do que está ocorrendo em outros países, como a Argentina.
Incertezas - Segundo o ministro Brant, Armínio fez questão de ressaltar que 2002 está começando com muitas incertezas. "Com a recessão se dissipando lentamente, lá fora, os investidores tendem a adiar suas decisões", diz o ministro da Previdência. E, destaca, citando o presidente do BC, que o drama argentino parece ainda longe de terminar e pode ter desdobramentos que levem os investidores a pensar muito antes de investir no Brasil.
Uma das avaliações feitas pelo presidente do BC foi que, no médio prazo, o País está maduro para dar um grande salto. Dissipadas as incertezas, previu, poderemos ter taxas de juros bem mais baixas no ano que vem. "Mas 2002 ainda é tempo de muita cautela", completou o presidente do BC.
Serra afirma que Garotinho segurou verba da dengue
Segundo ministro, recursos para combater problema foram para o mercado financeiro
BELO HORIZONTE – O ministro da Saúde e candidato do PSDB à Presidência, José Serra, acusou ontem o governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), de ter aplicado no mercado financeiro recursos repassados pelo governo federal para combater endemias no Estado, incluindo a dengue. Foi uma reação às sucessivas críticas de Garotinho, que ontem, ao saber que o ministro estaria na capital mineira, alertou: “Por onde Serra passa, a dengue chega. Cuidado.”
O governador culpa Serra pelo problema que enfrenta: “A situação no Rio se deve ao descaso total do ministro com a dengue. Espero que agora ele tenha bom senso.” Para o tucano, o quadro é exatamente o inverso – acusa Garotinho de irresponsabilidade e alega que até dia 24 as verbas estavam no mercado financeiro. “Aumentamos a verba do Rio duas vezes”, completou.
Segundo o ministro, Garotinho prefere viajar pelo País ao invés de combater a doença no Estado. Ele acha que as críticas do pré-candidato do PSB refletem um problema de imaturidade: “Se o Garotinho deixasse de ser ‘garotinho’ e começasse a trabalhar, certamente a situação do Estado dele seria melhor.”
Serra fez questão de lembrar que 21 Estados tiveram incidência de dengue menor neste ano – em apenas seis houve aumento de casos e o Rio é campeão. “Há três alternativas para a dengue: trabalhar, trabalhar e trabalhar muito. Mas o governador escolheu soluções alternativas: falar, falar e falar.”
Em Belo Horizonte, Serra participou de formatura de 5,2 mil auxiliares de enfermagem. Como em outras passagens por Minas, não contou com uma recepção calorosa dos tucanos. À noite, ele foi a Mato Grosso do Sul e Sergipe – ao todo, o tucano já viajou para seis Estados nos últimos 15 dias. “A aliança com o PMDB é sumamente importante para a vitória”, ressaltou, em Campo Grande.
Estréia adiada – O PSDB do Paraná atrasou a entrega da fita de vídeo com o primeiro programa de Serra para o horário do partido na TV. O vídeo deveria ir ao ar ontem à noite, mas a transmissão ficou para sexta-feira.
No programa, de cinco minutos, o ministro faz sua apresentação ao eleitor. Informa que não é médico, mas engenheiro e economista. Conta que começou na política como presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), fala de seus projetos como senador e de suas ações no Ministério da Saúde.
A aparição do ministro no horário gratuito paranaense faz parte da estratégia acertada na terça-feira. Como quase todos os Estados ainda vão veicular a propaganda, isso garantirá a Serra programas em praticamente todo o País.
Pesquisas mostram queda de Lula e avanço de tucano e Roseana
BRASÍLIA – Os pré-candidatos à Presidência do PFL, governadora Roseana Sarney (Maranhão), e do PSDB, ministro José Serra (Saúde), melhoraram suas posições em duas pesquisas ainda não registradas na Justiça Eleitoral. Houve ainda um pequeno avanço do governador do Rio, Anthony Garotinho, do PSB, e a queda de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Numa pesquisa nacional por telefone feita pelo Instituto Vox Populi, Roseana subiu de 21% da anterior, feita em domicílios, para 24%. Lula caiu de 30% para 27%. Serra pulou de 7% para 11%, enquanto Garotinho passou de 15% para 16%.
Na consulta feita pelo Ibope, unicamente no Rio Grande do Sul, Roseana chega, de acordo com as informações dos partidos, a 22% contra 23% de Lula. Garotinho fica com 15% e Serra, 13%.
A comemoração entre os assessores de Serra foi grande porque, pela primeira vez, ele passou dos dois dígitos. Nos partidos governistas também é grande o entusiasmo com o desempenho dos candidatos do PFL e do PSDB. Juntos, eles já chegam a 35%, contra 43% das somas de Lula e Garotinho.
Segundo a pesquisa, há tendência de segundo turno. Mas, se o crescimento dos candidatos da base permanecer e a de queda de Lula for confirmada, o governo poderá vencer até mesmo no primeiro turno.
Artigos
A conta do iPTu
Roberto Macedo
Estão chegando aos paulistanos os carnês do Imposto Predial e Territorial Urbano na sua versão petista, o iPTu. A recepção não tem sido favorável. Quem acompanha o assunto por este jornal viu recentemente manchetes do tipo Valores do IPTU surpreendem contribuintes, Valor de IPTU causa susto na zona norte, Marta ignorou órgão do mercado na revisão de valores para o IPTU, IPTU aumenta até para quem ficou isento (em 31 de janeiro, 2, 5 e 6 de fevereiro, respectivamente), e o edi torial O impacto do novo IPTU, publicado ontem.
Há os que se surpreendem com o aumento do imposto, "limitado" a 60% (!) no caso de imóveis residenciais e a 80% (!) para os de uso comercial. Outros esperavam uma isenção que não veio, porque a Prefeitura, antes da decisão final da Câmara, se precipitou em anunciar o "benefício" para 1,6 milhão de propriedades, mas os vereadores, num espasmo de clarividência, resolveram reduzir o número para 1,1 milhão. Infelizmente, esse espasmo não diminuiu ainda mais esse número nem se estendeu a outros aspectos do projeto, como o elevado aumento do valor do imposto e sua capenga e demagógica progressividade.
Vi também reclamações de gente que esperava a isenção, mas esta acabou não vindo por conta da forte elevação das cifras da Planta Genérica de Valores (PGV), que determina o valor do imóvel para a incidência das alíquotas do imposto. A julgar pelas reclamações, essa correção foi, em geral, a maior responsável pelos porcentuais de aumento. A respeito destes, vale lembrar que a inflação em 2001 foi de 7,7%, medida pelo índice de preços ao consumidor do IBGE. Ainda recentemente, foi noticiado que o rendimento médio real da população ocupada na região metropolitana de São Paulo caiu 8,9% no ano findo, segundo cálculos do Dieese, o órgão de pesquisa dos sindicatos de trabalhadores. Tudo indica que a memória das altas taxas de inflação ainda não se apagou na cabeça de quem comanda a Prefeitura. No passado, quando confrontadas com as taxas de reajuste salarial definidas pela política do governo, chegava-se ao chamado "arrocho salarial". Na mesma linha, o iPTu se afigura como um arrocho tributário.
E a cada dia surgem mais notícias de distorções impostas aos contribuintes.
Na ponta dos imóveis de uso comercial, as entrevistas já revelam alguns dos efeitos indesejáveis do forte aumento, como a dispensa de empregados e o repasse aos preços. E com efeitos regressivos, pois afetam mais os mais pobres. A última notícia dá conta de que o Conselho Municipal de Valores Imobiliários, do qual participavam representantes de sindicatos e empresas do mercado de imóveis, não foi sistematicamente consultado na revisão da PGV. Um desses representantes disse que a atual PGV é uma incógnita, e tudo indica que só vai transparecer à medida que os contribuintes forem recebendo os carnês. Contudo, sem a colaboração de profissionais do ramo, terão enormes dificuldades de fazer avaliações capazes de sustentar suas reclamações a posteriori, o único e dispendioso recurso agora disponível.
Na realidade, a PGV deveria ter sido discutida lá atrás, quando o projeto foi examinado pela Câmara. Mas aí, com a pressa de fim de ano, para permitir o aumento a partir de 1.º de janeiro, o projeto passou rapidamente pelo Legislativo, deixando a sensação de que a PGV é como um Ovni, um desses objetos voadores não identificados.
No meio das reclamações, eis que surge um contribuinte-modelo, na figura de um jovem de 29 anos, o administrador de empresas Márcio Moraes, que reclamou da isenção, na matéria de 31 de janeiro: "Todos deveriam pagar, nem que fosse um valor simbólico." Aliás, aproveitando o embalo das reclamações, vou reclamar também de muitos contribuintes que estão a choramingar por não terem recebido as isenções prometidas. Merecem, por serem maus cidadãos e por acreditarem em políticos inacreditáveis.
E há também a turma que só reclama agora, não o tendo feito quando o projeto passava pela Câmara. Neste caso, cabe a atenuante de que o cidadão brasileiro é mal representado pelo seu Legislativo, ao contrário dos países em que, com eleições distritais, os cidadãos podem escolher melhor seus representantes, e passam a ter uma ligação mais direta com seu vereador ou deputado, pois que confinada pelo distrito. Aqui, os membros do Legislativo usualmente só ficam bem próximos dos cidadãos a cada quatro anos, como se fosse numa copa eleitoral. Nessa época, conseguem um mandato cujo poder, entretanto, freqüentemente acaba sendo negociado com o Executivo, em troca de conveniências pessoais, a principal delas ligada à reeleição dos tais "representantes do povo". Pergunto ao leitor: quem o representou nessa discussão do imposto?
Se você ainda não recebeu seu carnê, ele deve chegar na Quaresma, pois os restantes devem vir até o início de março. Prepare-se para o sacrifício. Se quer um consolo, tome o caso de uma leitora de Ribeirão Preto que enviou cópia do imposto sobre um terreno de propriedade da família. Na cidade, também sob administração petista, o aumento, no caso, foi de 379%, de 2001 para 2002.
Petistas ou não, o noticiário mostra também que várias outras administrações municipais fizeram um pré-carnaval em dezembro, quando aprovaram seus arrochos tributários, lembrando aquela marchinha carnavalesca que dizia:
"Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí..."
Ainda que tardias, as reclamações precisam continuar, esquentando desde já os motores, pois há que evitar novas festas desse tipo até dezembro, prazo também para retificar as contas das anteriores.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Morrer sonhando
Sempre me sinto entre a vida e a morte, mais para a morte do que para a vida, neste calor medonho do verão do Rio. Um calor de boca do inferno, um ar pesado que pode ser tirado às colheradas. Em plena Praia do Leblon, mesmo com o pé na água, se você riscar um fósforo, ele queima sem tremer até lhe sapecar o dedo. E nesse ambiente de forno, a gente, talvez por associação, sonha com um iglu, daqueles dos esquimós, todo armado em tijolinhos de gelo, no feitio dos fornos de barro do sertão. Dentro do iglu, em vez desse suor viscoso que nos gruda a roupa à pele, uma gotinha de água gelada de vez em quando nos pinga no rosto, ou se pousa, feito uma pérola, nos pêlos do nosso agasalho de couro. O iglu é, assim, uma visão de paraíso, miragem de viajante derrubado pela insolação na areia ardente do deserto.
O pior é que, ante nossas queixas, o pessoal carioca vem e diz: "Logo você, do Norte, reclamando contra o calor!" Triste ignorância. Primeiro, eu não sou do Norte, sou do Nordeste. E as pessoas que ainda chamam o Nordeste de Norte são tão antigas! Do tempo em que se considerava como Norte tudo o que ficasse da Bahia para cima. A distinção entre Nordeste e Norte é um conceito moderno, que entrou em voga pela década de 30. E, no Nordeste, o clima é muito diferente do clima equatorial do Pará e do Amazonas. Norte autêntico é o calor pesado e úmido que te envolve com um ar feito de lã, só ocasionalmente aliviado por pancadas bruscas de chuva - violentas e repentinas como se a água do céu fosse despejada sobre o chão. No Nordeste, o calor é limpo, claro, todo puro sol. O sol é sempre esticado e transparente como uma gaze azul, cortado aqui e além por raros flocos de nuvens brancas, postas ali só para compor a paisagem. Tão raro é um céu nosso pejado de nuvens, que a gente lá, enfadada de tanta claridade, costuma dizer ante um promissor céu enfarruscado: "Olha como o tempo está bonito pra chover!" Note-se que, para nosso alívio (o que não acontece no Sul nem no Norte), naquela teimosa limpidez de sol nordestino, sopra sempre, abençoadamente, uma brisa: a viração. Basta você se abrigar do sol debaixo de uma sombra, imediatamente a viração te afaga o rosto, suave e fresca. Por isso é que a viração que sopra na boca da noite, a mais constante e amena, é chamada "o aracati" - palavra que, na linguagem dos índios, quer dizer brisa boa, brisa bonita.
Tem horas, aqui no Rio, em que a gente sai de um ar refrigerado e recebe de chofre, na cara, o bafo incendiário do calor de fora. Mal comparando, recordo nessa hora, o que se informava sobre a explosão atômica, logo após o primeiro emprego do artefato em Hiroshima: "Quando a bomb a explode, segue-se imediatamente uma rajada de calor violentíssimo; em seguida é que sobe ao céu o cogumelo de fogo." Não é a cara do verão no Rio?
Quando penso no fim do mundo e na infinidade de previsões com que sábios e adivinhos o descrevem, só faço a Deus um pedido: "Se o mundo se acabar ainda no meu tempo, por favor, que não seja pelo fogo!"
Pode vir por contaminação atmosférica, por peste, por colisão com outro astro, por uma grande maré que afogue os continentes. Contanto que não seja pelo fogo. Parece que o fim melhor ainda seria pelo frio. Nada de explosões e chamas, só o ar gelado tomando tudo. A gente vai se encolhendo, se amontoando uns contra os outros, tiritando, batendo o queixo. E aí, sendo o frio cada vez mais forte, baixa aquela sonolência; e se adormece e se morre, sonhando. Pelo menos assim me contou um russo, que quase morreu congelado e já foi salvo dormindo.
Pelo fogo, não!
Editorial
A SIMBIOSE GUERRILHA-CRIME ORGANIZADO
Desde a década de 1980, pelo menos, vem se intensificando o fenômeno da dissipação de fronteiras entre o crime político e o crime comum. Antes pareciam nítidas as diferenças entre as organizações revolucionárias e terroristas como a Brigada Vermelha italiana, o Baader-Meinhoff alemão e os inúmeros grupos da guerrilha latino-americana - que usavam o seqüestro como meio para alcançar objetivos políticos - e o crime organizado nos padrões da Máfia ou Cosa Nostra. Seja pela identidade de interesses que passou a se estabelecer entre algumas organizações "revolucionárias" e traficantes de armas, primeiro, e, depois, de narcóticos - todos tendo em comum o fato de agirem na clandestinidade e ao arrepio da lei, seja porque o treinamento militar das guerrilhas, urbanas ou rurais, gerou uma sofisticada mão-de-obra capaz de potencializar a eficiência operacional das grandes empresas criminais, seja porque o "idealismo" de muitos revolucionários se transformou, com o correr dos anos, na ambição de enriquecer com o crime, aproveitando o know-how bélico, logistico e operacional obtido nos movimentos armados -, o fato é que se chegou, hoje em dia, a uma relação íntima - e, às vezes, indistinguível fusão - entre o crime comum e aquele praticado com soi-disant motivação política. É uma evolução que, se não for detida, pode reproduzir a situação da Colômbia, onde a simbiose entre o crime organizado e as Farc está institucionalizada.
É claro que o fato de o chefe do grupo de seqüestradores do publicitário Washington Olivetto ser o guerrilheiro e terrorista chileno Maurício Hernandez Norambuena, condenado três vezes à prisão perpétua, e os muitos indícios que ligam esse grupo de seqüestradores estrangeiros àquele que seqüestrou o empresário Abílio Diniz, em 1989, não significa que esse tipo de seqüestro, eventualmente destinado a financiar operações de grupos guerrilheiros ou terroristas, tenha peso no crescimento vertiginoso dessa modalidade criminosa em São Paulo. Pode até tratar-se de exceção. Nem por isso, no entanto, deixa de ser extremamente preocupante o fato de a sociedade brasileira estar à mercê dessas organizações internacionais, que se dispõem a bem planejar, a investir pesado e conduzir com eficiente liderança, suas operações.
Demonstram essa eficácia operativa a falsa blitz da Polícia Federal, armada pelos seqüestradores, para interceptar o carro do publicitário e capturá-lo, interrompendo o trânsito sem levantar suspeitas; a elevada soma gasta com os preparativos do crime, inclusive o pagamento antecipado do aluguel do sítio de Serra Negra - uma das razões que levaram à desconfiança do proprietário; a autoridade com que o chefe Norambuena ordenou, por telefone, a seus comparsas, que libertassem o seqüestrado. Uma organização assentada em disciplina, rígida hierarquia e em métodos de operação já testados na guerrilha urbana também exige uma estrutura especial da polícia, para seu combate. Neste ponto, cabe observar que o aparelho policial paulista talvez tenha subestimado, nos últimos anos - e apesar do precedente do seqüestro de Abílio Diniz -, a entrada em nosso meio desses grupos, ligados ou superpostos a movimentos armados latino-americanos, ou por eles inspirados.
É claro que não se haverá de responsabilizar nenhum partido político brasileiro pelo estabelecimento de conexões do crime organizado internacional em nosso país. Mas há de se estranhar, sempre, a atitude que as lideranças petistas - e outras, da Igreja Progressista - tomaram, na defesa veemente da extradição dos seqüestradores estrangeiros de Abilio Diniz, muito antes de completarem o cumprimento de suas penas no Brasil (hoje estão todos livres).
Certamente o pior efeito da confusão criminal-ideológica que levou àquela mobilização, há alguns anos, em favor da transferência dos seqüestradores de Abílio Diniz para seus respectivos países de origem, foi o retraimento das autoridades, no tocante ao aprofundamento das investigações e desenvolvimento de sistemas de informação capazes de detectar reais ou pretensos "criminosos políticos" internacionais, operando em território brasileiro - assim como o acovardamento da polícia, que passou a sofrer violentas críticas dos "defensores dos direitos humanos" sempre que teve de usar de violência na luta contra os criminosos. Quanto a isso, esperamos que a polícia paulista, agora, tenha superado quaisquer constrangimentos.
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02/07/2002
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