Para Lula, Serra é o 'mais desagregador' do País ?









Para Lula, Serra é o 'mais desagregador' do País ?
Candidato do PT acha que primeiro ano de seu eventual governo será muito difícil

O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem, em entrevista à TV Bandeirantes, que seu adversário, o tucano José Serra, "é a figura mais desagregadora que se viu na política brasileira dos últimos tempos". Lula afirmou ainda, sobre Serra, que quando Itamar Franco tomou posse como presidente (em 1992, após a renúncia de Fernando Collor), ele próprio indicou o tucano para ministro da Fazenda. "E o partido dele disse que não, pois (se isso fosse feito) ele quereria ser presidente."

Antes da crítica a Serra ele contrapôs o seu modo de agir: "Se não for eu, quem será capaz de negociar com o Congresso?"

A entrevista, ao vivo, foi dada após a exibição pela Band de outra com Serra, na qual este explicou seus planos para o governo, se vencer a eleição (ver página 6). Logo no início, Lula informou que nos próximos dias revelará um detalhado plano, coordenado pelo economista Amir Khair. "Nele temos o custo de cada coisa que vamos fazer e onde buscar o dinheiro."

Lula falou também sobre seus primeiros atos, caso eleito: "Vamos ter um primeiro ano difícil", disse, referindo-se ao fato de que o Orçamento-Geral da União para 2003 já está praticamente definido "e só haverá para investir uns R$ 7 bilhões, R$ 8 bilhões".

Ao presidente Fernando Henrique ele reservou uma crítica e um elogio. Para ele, "o presidente passará à História como o homem que perdeu a maior oportunidade, em 1996, de retomar o crescimento", porque, em disso, "preferiu tratar de sua reeleição". Pouco depois, conversando a respeito dos próximos passos, comentou: "Vamos falar com o Fernando Henrique, com o Congresso (...) Temos a palavra do presidente de que a transição será a mais democrática que já se fez, e isto é muito bom."


'É a semana mais comprida da minha vida', diz Lula
Candidato do PT vira pop star em carreata, esbanja felicidade e não esconde certeza da vitória no duelo com Serra, marcado para domingo

O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, admitiu ontem que a ansiedade tomou conta dos seus últimos dias de campanha. "Esta é a semana mais comprida da minha vida", confessou. O petista não consegue mais esconder a certeza da vitória no próximo domingo, dia marcado para o duelo eleitoral com o tucano José Serra.

Na manhã de ontem, debaixo de forte sol, Lula vestiu o figurino de pop star:
com óculos escuros e camisa pólo vermelha, que ostentava a inscrição 'oPTei', distribuiu autógrafos e posou para fotos. Depois, subiu num caminhão de som e participou de uma carreata que percorreu 40 quilômetros, do Terminal João Dias até o Jardim Miriam, na zona sul da capital. Não sabia, porém, que, ao longo do trajeto, encontraria tantos fios da rede de energia elétrica, de alta tensão.

Por causa da altura do caminhão, a toda hora Lula e sua comitiva tinham de se abaixar. No caminho havia fios, árvores e semáforos. Foram duas horas de aviso sobre o perigo à vista. "Olha o fio aí, pessoal!", gritava o deputado José Genoino (SP), candidato do PT ao governo paulista.

"Abaixem a cabeça!", pedia Marisa, mulher de Lula, que se protegia do sol com um chapéu de ráfia.

Na pista - Atrasada, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, correu no meio da pista para alcançar o caminhão, na Avenida João Dias. "Vamos lá! Falta apenas uma semana e não temos tempo a perder", dizia Lula para os companheiros, quando a prefeita chegou. Bem mais para a frente, perto da Cohab Adventista, uma paisagem desoladora: lixo acumulado na calçada e bueiros entupidos.

A Avenida Elis Maas tinha lama por todo lado por causa do temporal do dia anterior.

"Vem ver a sujeira aqui embaixo, vem!", gritou um morador para Marta, que acenava do alto do carro de som. O senador eleito, Aloizio Mercadante, fazia o "L" com a mão direita, marca registrada da campanha petista.

Lula era só felicidade. Mas ontem poupou a voz. Também nem precisava: o petista tinha um clone na oratória. Com o timbre de voz igual ao de Lula e sotaque carregado como o do presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), o "locutor" Glauco Piai empolgava os passantes.

"Estamos fazendo aqui a maior carreata da história", exagerava Piai, que é presidente zonal do PT da Capela do Socorro. Pelos seus cálculos, a manifestação reuniu mil carros nas duas horas do trajeto pela periferia. "Eu não imito o Lula: é condicionamento mesmo, para criar um clima".

Camelô - Genoino revezava com Piai ao microfone.

Era uma espécie de camelô de votos. Na Estrada de Itapecerica, ao passar por cabos eleitorais de Serra e do governador Geraldo Alckmin, que agitavam bandeiras do PSDB, o deputado não se conteve. "O 45 é a Geraldolândia, pessoal! Mudem para o 13", pediu, numa referência aos números dos dois partidos.

No Jardim Ângela, um dos bairros mais perigosos de São Paulo, um eleitor fez gesto de desaprovação para a carreata petista. "O rapaz aí é mal educado, é um cabeça de bagre", disse o candidato, em alto e bom som.

Mais adiante, avistou outro moço na sacada, com celular no ouvido. "Pode pedir voto por telefone, meu amigo!", gritou Genoino.

Cultura - O comando da campanha petista pediu a um grupo de artistas e intelectuais que não transforme o ato marcado para hoje, no Rio, em desagravo a Lula, por causa das críticas feitas a ele pelas atrizes Regina Duarte e Beatriz Segal. Às 16h30, o presidenciável lançará, no Canecão, seu programa para a área de cultura, intitulado "A Inteligência a Serviço do Brasil".

Na semana passada, Regina e Beatriz apareceram no programa de TV de Serra.

Nos depoimentos gravados, afirmaram que têm medo da instabilidade econômica, em caso de vitória de Lula. "Não dá para jogar tudo na lata do lixo", falou Regina. A categoria reagiu e o comitê de Serra acusou o PT de patrulhamento ideológico. "Os tucanos querem dividir, radicalizar e introduzir o ódio no País", rebateu José Dirceu. "Nós trabalhamos pela distensão política."


Ciro diz temer que Lula faça governo conservador
Candidato derrotado vê risco especial se PT fizer aliança com o PSDB em nome da governabilidade

FORTALEZA - O candidato derrotado à Presidência Ciro Gomes (PPS) afirmou que teme que um eventual governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva venha ser conservador. "Eu temo. Eu temo.

Porque o PT tem uma contradição. Ele é um partido ainda muito excessivamente paulista", criticou, em entrevista publicada ontem no jornal cearense O Povo. Para ele, a crise do modelo que está aí é estrutural, sendo necessária uma "audácia monstruosa" para ser desarmada.

"Isso exige uma noção de tempo e uma capacidade de correr riscos, que eu espero muito que ele (Lula) tenha - por isso estou apoiando o Lula", diz Ciro. Em seguida, ele reforça o temor de uma aliança, "em nome da governabilidade", entre PT e PSDB. "Tenho medo de que, quando ele (Lula) olhar o rosto da crise, quando ele olhar a complexidade dela, haja uma variante de conciliação com essa turma que dominou o eixo do governo Fernando Henrique."

Para mostrar os riscos que trariam essa conciliação, Ciro cita o ex-presidente argentino Fernando de la Rúa, que renunciou no ano passado, desencadeando uma crise sem precedentes na Argentina. "A conciliação seria mortal para o País. Isso é o que seria De la Rúa, entendeu?"

Pactos - Ciro também usou como exemplos pactos que teriam sido feitos por Lula e José Serra (PSDB) contra sua candidatura.

"Quando eu era uma ameaça ao PT, os pactos que eles celebraram foram praticamente à luz do dia." Ele adverte ainda para uma grande pressão feita no se ntido de haver uma aliança entre Lula e Serra, exercida por "conservadores de São Paulo". E mais uma vez, cita De la Rúa. "Se isso acontecer é De la Rúa. Porque esse modelo, com qualquer um, vai explodir.

Não demora."

Em seguida, recomenda: "E só há uma chance de não sofrer as seqüelas dessa explosão: é você, de fato, antagonizar o modelo na partida. Só tem essa chance: usar seu capital político de uma eleição poderosa como essa de dois turnos que o Brasil tem para não perder tempo e praticar outro modelo. Se tentar administrar a contradição do modelo, como De la Rúa fez, o modelo explode. Só que seu capital político vai para o espaço junto, porque a população perde a noção do passado e vai responsabilizar o presente por aquilo que vai acontecer."

Se Lula for eleito, Ciro garante que o PPS terá uma "atitude prévia de cooperação". Já num eventual governo Serra, promete "oposição rasgada".

"Serra é um projeto de ditador. Tem fragilidades éticas insuperáveis, tem concepção de economia completamente hostil à maioria do povo", acusa, acrescentando que o tucano é "um homem do mercado financeiro".


Na TV, Serra fala de família e Lula como vai governar
Enquanto o tucano José Serra usou seus dez minutos do horário eleitoral da TV, à tarde, para propor "um verdadeiro choque de valores morais à nossa sociedade", seu rival Luiz Inácio Lula da Silva fez um longo depoimento em que quis dar "uma idéia geral de como pretende governar" o Brasil, caso seja eleito.

O programa de Serra deixou de lado o detalhamento de projetos ou as críticas ao PT para exibir o apoio de várias lideranças evangélicas e o depoimento de um padre católico, fazendo em seguida uma avaliação do estado da sociedade, atacando temas como "a falta de valores" e "a sensualidade precoce" dos jovens. O candidato enfatizou os ideais de pátria, idealismo, solidariedade e afirmou: "Mais do que ser o presidente do emprego, eu quero cuidar das famílias".

Em seus 10 minutos, Lula começou dizendo que, caso eleito, fará um governo "de paz, responsabilidade e diálogo". Ressaltou a importância da negociação - "eu isso eu sei fazer, porque foi o que fiz a vida inteira" - e apresentou pequenos resumos por áreas de atividade. Anunciou um "governo de união nacional", em que vai governar "sem mágoas e sem rancores" e com "todas as forças políticas da sociedade que querem ajudar".

Na política econômica, garantiu que vai "honrar todos os compromissos assumidos", mantendo a inflação sob controle e os superávits necessários, "mas temos que mudar essa política econômica perversa, que paralisou a economia". Lula referiu-se ainda a "uma reforma tributária justa", tratou do combate ao desemprego e anunciou novas leis trabalhistas.

Ao final, o programa respondeu às críticas de Serra ao governo do PT no Rio Grande do Sul, mostrado em dias anteriores, dizendo que o Estado "cresceu 62% mais que o Brasil" e seu salário mínimo, de 260 reais, "é o maiordo País".


Analistas prevêem superávit de até US$ 18 bi em 2003
Alta do dólar e dos juros levou economistas a revisarem projeções

RIO - O cenário de dólar elevado e a perspectiva de redução da atividade econômica, com os juros mais altos, estão levando a uma revisão de projeções do saldo da balança comercial para 2003. Já há previsões de superávit na ordem de US$ 18,4 bilhões, caso da Rosenberg & Associados.

Bancos e instituições, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), calibraram para cima suas projeções, que agora variam entre US$ 12 bilhões e US$ 15 bilhões para 2003.

O Ipea ampliou a projeção de superávit para o ano que vem de US$ 8,4 bilhões, conforme a previsão de julho, para US$ 13,6 bilhões, a mais recente. "São duas coisas. Estávamos projetando um crescimento maior para 2003, de 3,2%, e agora projetamos 1,8%. E o câmbio também está bem mais alto", explicou o economista do Grupo de Acompanhamento Conjuntural (Gac), do Ipea, Hamilton Kai. Segundo o instituto, "com a demanda interna contraída, o setor externo, assim como neste ano, deverá continuar a ser um fator de impulso para a produção".

O presidente da Silex Trading e ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Roberto Giannetti da Fonseca, avalia que está em curso uma mudança de nível. "O comércio exterior brasileiro está mudando de patamar. Prova disso são as previsões entre US$ 9 bilhões e US$ 10 bilhões de saldo para este ano", diz. Para ele, não se trata de uma "bolha". "É absolutamente sólido. Uma boa estimativa para o ano que vem é chegar a algo entre US$ 12 bilhões e US$ 15 bilhões."

Giannetti argumenta que há maior dinamismo nas exportações do País e ressalta um dado que, na sua opinião, passa despercebido nas análises relativas ao comércio exterior. "A relação de causa e efeito entre a desvalorização cambial e as exportações acontece com defasagem temporal de seis meses", explica. Assim, conforme a análise do empresário, o dólar acima de R$ 3 dos últimos meses vai se refletir mais fortemente nas vendas externas do ano que vem.

O cenário do Ipea também informa que os saldos expressivos na balança comercial este ano e no ano que vem serão os principais responsáveis pela redução do déficit em transações correntes.

Para 2002, o Ipea prevê saldo da balança comercial de US$ 10,7 bilhões. Na contas do instituto, o déficit atingirá um valor próximo a US$ 12,4 bilhões, "quando as projeções no início do ano eram de cerca de US$ 21 bilhões". Para 2003, o Ipea avalia que o déficit cairia para ao redor de US$ 9,7 bilhões.

O Banco Fator foi outro que modificou a projeção de saldo para 2003: passou de US$ 10 bilhões para US$ 12 bilhões. O analista de macroeconomia do banco, Vladimir Caramaschi, analisa que a tendência de aumento do saldo este ano vai ser "carregada" para o ano que vem.


Brasil dará ultimato para liberalização agrícola
Junto com parceiros do Grupo de Cairns, País ameaça travar outras negociações da OMC

BRASÍLIA - O Brasil e seus sócios do Grupo de Cairns deverão lançar hoje um ultimato à União Européia e ao Japão, em uma tentativa de forçá-los a romper o silêncio e a se comprometerem com as negociações agrícolas da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Reforçada pelo apoio dos Estados Unidos, da China e da própria direção-geral da organização, a pressão será formalizada no documento que os parceiros de Cairns (ver quadro) assinarão hoje, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.

O recado é simples: sem a liberalização agrícola e a eliminação das distorções nesse comércio não haverá negociação de nenhum outro ponto da nova rodada da OMC.

"Ou haverá tratamento fundamentalmente prioritário às negociações agrícolas ou não se chegará a uma Rodada Doha", afirmou ao Estado o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, que representa o Brasil na reunião.

"Porque os interesses do Grupo de Cairns e de outros países em desenvolvimento na liberalização do comércio agrícola são essenciais para o desenrolar da rodada."

Criado em 1986, o Grupo de Cairns reúne 18 países exportadores agrícolas da OMC que não subsidiam seus produtores e suas vendas externas e que atuam em conjunto para liberalizar o ultraprotegido comércio do setor. Sua pressão nas negociações que antecederam o lançamento da Rodada Doha da OMC, em novembro de 2001, garantiu o compromisso de que seus objetivos serão tratados. Mas, na prática, o silêncio dos europeus e japoneses nas negociações funciona como boicote.

De acordo com Lafer, a reunião do Grupo de Cairns na Bolívia tem o objetivo de evitar o fracasso da reunião sobre agricultura na OMC, no próximo dia 18 de dezembro, na qual devem ser apresentadas as propostas sobre os métodos e as modalidades da negociação desse tema. Se esse passo não tiver êxito, falhará a definição dessas regras entre 31 de março e 31 de maio de 2003.

Será a ruína das negociações agrícolas e do resto da Rodada Doha. "Nosso objetivo será avançar com a União Européia, que reage contra a proposta apresentada sobre agricultura, que está bem aquém das nossas expectativas.

Precisamos também que o Japão acabe com esse seu silêncio oriental", resumiu Lafer.

Participação dos EUA - A reunião de Santa Cruz de la Sierra, entretanto, é movida pelo interesse também dos EUA, da própria OMC, da China e dos países menos desenvolvidos da África.

Segundo Lafer, esse é o aspecto original do encontro, do qual participam o representante americano para o Comércio, Robert Zoellick e o diretor-geral da OMC, Panitch Bakdi Supachai.

"Trata-se de uma forma de pressionar a União Européia e o Japão do ponto de vista diplomático", disse o chanceler.

A presença dos EUA em uma reunião do Grupo de Cairns não chega a ser uma novidade. Com o objetivo de garantir o lançamento da Rodada Doha, o próprio Zoellick havia participado no encontro de setembro de 2001, no Uruguai.

Desta vez, participa na tentativa de salvar a mesma rodada, que mal começou.

Em encontro reservado com Lafer, na última sexta-feira, Zoellick expressou sua intenção de deixar de lado, por enquanto, o debate das diferenças entre as propostas agrícolas dos EUA e de Cairns enquanto as demais não estiverem sobre a mesa. Ou seja, propôs uma espécie de trégua.

Lafer reconhece que a proposta americana é bem menos ambiciosa que a apresentada pelo
Brasil e seus sócios de Cairns, mas pode ser considerada abrangente. Avaliações técnicas do Itamaraty concluíram que a proposta chega a ser "marota e retórica". Se aprovada, preservaria os pesados subsídios dos Estados Unidos para setores agrícolas que competem com os produtores brasileiros no mundo todo. Ainda podem servir como instrumento para que se repita a experiência da Rodada Uruguai, em 1993, quando os EUA e a União Européia selaram um acordo que manteve todo o arcabouço de proteção à agricultura.


Artigos

Quem tem medo de Regina Duarte?
Lourdes Sola

A intervenção da atriz Regina Duarte no programa eleitoral de José Serra suscitou reações de censura em cadeia pelo fato de afirmar sua preferência eleitoral em termos de medo de uma volta descontrolada da inflação. As reações negativas variaram quanto ao tom e à origem, mas tiveram em comum o esforço de elidir uma discussão sobre o caráter específico do medo da atriz e, com isso, um debate racional. Tivemos um documento da CUT, até aqui ausente do cenário político, acusando-a de "terrorismo eleitoral", seguido de manifestações pela internet, de críticas de seus pares do meio artístico. Culminaram na declaração de Lula, que desqualificou a atriz, imputando-lhe um tipo de medo que nada tem que ver com o expresso por Regina: medo da concorrência de atrizes mais jovens. Na mesma linha, em que predomina a engenharia emocional sobre o debate de idéias, o programa do PT mobilizou a (jovem) atriz Paloma Duarte, não para desfazer os temores de Regina de forma persuasiva, como seria desejável, mas, ao contrário, para contestar, por intermédio dela, o direito moral de José Serra de obter a confiança do eleitor.

O saldo dessa ofensiva, devidamente analisado, deve ir além das emoções de revolta, de indignação - e da onda de medo - que vêm suscitando entre democratas as práticas de patrulhamento, da censura organizada, de intolerância e, em particular, da desqualificação moral de quem manifesta de outra forma seu compromisso com o futuro do País. Prefiro sair em busca de oportunidades e advertências que esse episódio contém, graças à coragem de Regina Duarte como cidadã, partindo do seguinte suposto: com engenharia emocional não se governa democraticamente, ainda que esse seja um recurso eficaz e historicamente comprovado para chegar ao poder pela via eleitoral.

Aí vão algumas reflexões, com o intuito de pôr a bola no chão.

O medo de Regina nada tem de vago, irracional ou abstrato. É um medo de perder um bem material e político que "conquistamos a duras penas". Esse bem é um bem público recém-conquistado, chama-se estabilidade, e beneficia principalmente as camadas mais pobres da sociedade, e mais vulneráveis, as quais, por não terem poupança, ficaram expostas no passado aos efeitos corrosivos da inflação. Se não fosse assim, não haveria razão para esse bem ter sido incorporado ao novo ideário das lideranças mais moderadas do PT, cuja campanha se pauta hoje por valorizar essa conquista recente com um olho nas demandas do eleitorado por mudança segura e o outro nas turbulências do mercado.

Os temores veiculados por Regina têm a virtude de expressar o ânimo de uma parcela ponderável da população. Dados cruzados de pesquisas da Vox Populi imediatamente anterior a 6 de outubro autorizam essa conclusão.

Diante das alternativas crescimento e emprego, de um lado, e, de outro, do risco de inflação e de desestabilização, 43% dos eleitores se declaram favoráveis à contenção da inflação e ao controle das turbulências, mesmo sem melhora do emprego. Embora esses objetivos não sejam tecnicamente incompatíveis no médio prazo, a questão em pauta é como os candidatos se situam em relação a esse trade-off entre essas duas aspirações legítimas da sociedade. Será esse um dos desafios do próximo presidente.

Seja quem for eleito, na hora das decisões mais duras não haverá espaço para o estilo plebiscitário de fazer política e tampouco bastarão os dotes de bom negociador. Será necessária uma equipe econômica técnica e politicamente forte para dizer um NÃO responsável a muitos dos interesses que ora se abrigam sob o ideário de que "tudo é questão de vontade política". Sem isso, com um arco de alianças tão heterogêneo como o de "Lula presidente", a variável de ajuste poderá ser mesmo a inflação. Diante de pronunciamentos de Lula que contestam a necessidade de dar força às equipes lideradas pelo ministro da Fazenda, procedem, sim, os temores de uma erosão progressiva da estabilidade.

Os governos democráticos nas economias emergentes dependem do acesso aos mercados internacionais de capital para manter a estabilidade econômica, que, por sua vez, é indispensável para responder às outras prioridades do eleitorado - tais como crescimento e eqüidade social.

Impor credibilidade aos mercados financeiros é, por isso, prioridade política e social, pois sem acesso a esses circuitos serão prejudicadas as chances de satisfazer as demandas por justiça. É aí que se desenha uma assimetria no estilo de fazer política do PT. Por um lado, mobiliza equipes para persuadir investidores de seu compromisso com a responsabilidade fiscal e monetária, em busca (indispensável) da credibilidade junto aos mercados domésticos e internacionais. Por outro, ao tratar a equipe econômica atual e o governo FHC como reféns de interesses internacionais minoritários, Lula promete confronto, desmandos, acionando uma ameaça de ruptura que seus assessores se esforçam por blindar e contornar. É essa ambigüidade o principal fator doméstico das turbulências atuais.

A boa prática democrática recomendaria que o PT mobilizasse seus recursos políticos, como faz com os mercados, para persuadir Regina Duarte e muitos outros, com argumentos racionais, de que não há razão para ter medo, em lugar de tratar de silenciá-la e/ou expor a atriz à execração de seus próprios pares que votam no PT.

Uma das virtudes desses episódios, cujo mérito cabe a Regina Duarte, foi o de ter trazido à luz, ainda que involuntariamente, a carência de debates substantivos. Parte da virulência nos ataques se deve exclusivamente aos medos fantasmas que o PT passa a ter com a perspectiva de vitória.

São de dois tipos: o medo de que o eleitorado desperte para a dúvida quanto ao caráter seguro das mudanças prometidas; agita-se o medo latente, em caso de vitória, de ser objeto de oposição tão ferrenha e implacável como essa que se manifesta na liquidação sistemática de tudo o que foi construído de bom pelo governo de FHC e pela equipe econômica. Com uma diferença: quando é parte da estratégia do PT, usa-se o eufemismo de "desconstrução". Quando o governo, seus membros ou seu candidato contestam, é baixaria.

Não conheço Regina Duarte, mas para as mulheres de nossa geração simboliza coragem em múltiplas encarnações. A da Malu, a nova mulher que emergiu dos anos de chumbo; a da viúva Porcina, paródia da arrivista que aprende rapidamente a usar os recursos das classes (e das mulheres) dominantes; a do príncipe Sigismundo, herói de Calderón de la Barca, que ela ousou encarnar pela primeira vez no Brasil. Com esse estoque cultural e com essa biografia, não há o que temer. O público e as mulheres jovens ou menos jovens agradecem pelo exemplo.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Livro, televisão, internet
É dizer como o outro: já que o homem não vai ao livro, que vá o livro ao homem. Multipliquem-se as feiras de livros pelas praças da cidade, e não só desta, como de todas as cidades do interior.

Ah, o interior! As livrarias são poucas, a distribuição das editoras não é boa. Nunca se pisa em cidade do interior sem escutar dos interessados a queixa de que livro de fulano, que está muito falado, não apareceu à venda na terra. Talvez fosse um êxito inesperado a inauguração de feiras de livros por este Brasil afora: o pessoal ver os livros assim de cara como a farinha e os legumes.

Poder mexer, palpar, olhar as figuras, se interessar. Seria talvez uma revolução.

É claro que, com a vida difícil de hoje em dia, o pessoal anda primeiramente preocupado em juntar algum no bolso para adquirir o pão, a roupa e o teto: e assim se esquece que a alma também precisa de alimento, esquece aquela velha história de que nem só de pão vive o homem, e vai deixando o livro de lado.

Mas assim mesmo, com todas as dificuldades da vida, o fato é que, para terra tão grande, vende-se muito pouco livro no Brasil. Será que o povo não tem mais tempo para ler? Nas casas mais humildes de cidades do interior aparece com notável freqüência a antena de TV. E se tem antena, tem TV lá dentro.

O homem tem posto em uso invenções estupendas para o seu divertimento, mas a verdade é que não há milagre eletrônico capaz de superar o poder de entretenimento de um bom livro. A TV é ótima mas você tem de depender dos caprichos da programação, escuta e vê o que não pediu, tem de se submeter a horários criados pelos outros de acordo com as conveniências deles, não da sua, e sabe que está sendo incluído numa categoria subjetiva a que eles chamam de público-alvo, tudo catalogado como roupa em gaveta: roupa chique (classe A e B), gavetas de cima; roupas de uso doméstico e de trabalho, gavetas do meio; e lá embaixo, a roupa descombinada e sem grife dos programas de auditório. E ainda não falei na praga maior, que é o anúncio. O eterno, inevitável, apavorante anúncio, mal necessário, sim, que chateia durante meia hora para nos deixar ver um programa de cinco minutos.

Cinema é muito bom, mas é caro, longe de casa, exige que se saia, mude de roupa, e também, só se vêem as fitas que estão em cartaz, e não aquelas que a gente desejaria.

O livro, não. Apesar de ter subido de preço, ainda custa barato, mais barato do que um ramo de rosas para a namorada ou um jantar no restaurante. Uma noitada em boate, com show e bebida, dá para comprar algumas dezenas de volumes - quer dizer, divertimento para meses e até ano, se o leitor é vagaroso. O livro não exige capital nem maquinismo, não tem anúncio - e não tem patrocinador! A sua variedade tem como limite o infinito; discute com você todos os assuntos que a mente humana já tratou, apresenta-o às personalidades mais ilustres e lhe conta os seus segredos. Você quer saber as últimas teorias científicas sobre o espaço cósmico, os ritos funerários dos egípcios, a série cronológica dos amantes de Catarina, a Grande? Há sempre um livro que lhe dará a informação. E se o que você deseja é sentir a presença inefável dos grandes poetas, a imaginação dos maiores ficcionistas - ah, eles estão todos aí, se oferecendo à sua mão, na hora em que você os convocar. Poemas, romances, contos, narrativas, memórias - o que a mente do homem criou, desde que sabe escrever - e isso já faz séculos, milênios - está tudo nos livros, guardado nos livros, como um tesouro para seu uso.

E a feira de livros, além de colocar o livro ao alcance fácil do comprador, a preços de desconto, ainda tem a parte social e simpática: as festas de autores, em que não só o livro, mas os que os escrevem, os autores, são convocados a se apresentar ao povo, num contato democrático e cordial. Aí você, leitor, terá oportunidade de conhecer em carne e osso seu romancista predileto, o seu poeta de estimação ou o seu erudito de confiança.

Eu sei, eu sei: todos vocês, jovens, vão dizer - "Mas hoje, toda informação que quisermos, vamos encontrar na internet." Mas é isso: internet é informação, é trabalho, não traz prazer ou divertimento. Pois então vá experimentar ler, na íntegra, Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, ou Guerra e Paz, de Tolstoi, pela internet. E depois me diga


Editorial

BASES PARA UMA POLÍTICA DE COMÉRCIO

O novo presidente, ao receber a faixa, deverá estar pronto para cuidar da formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), da rodada global da OMC e da elaboração de um acordo entre Mercosul e União Européia. Nessa altura, Brasil e Estados Unidos terão assumido a co-presidência das negociações da Alca. Os dois países deverão assumir essa função em 1.º de novembro, numa reunião ministerial prevista para Quito. No Brasil, o presidente eleito vai ter dois meses, portanto, para um curso intensivo sobre acordos comerciais. Para afiar seu julgamento, receberá 20 estudos sobre os efeitos daqueles acordos na economia do País e em várias cadeias produtivas.

As primeiras conclusões desses trabalhos foram divulgadas, na quarta-feira, pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral. Segundo os estudos, preparados por uma equipe da Unicamp e discutidos com técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foram identificadas três situações. Alguns setores, modernizados na última década, estão prontos para ganhar com a integração comercial. Produtores de café, tecidos, vestuário, aço, couro, calçados, papel e celulose estão nesse grupo. Outras indústrias, como a petroquímica e a de bens de capital, têm-se fortalecido, mas terão de buscar maior poder de competição. Um terceiro grupo encontrará dificuldades numa competição mais aberta, embora inclua empresas - de móveis e produtos de madeira, por exemplo - que já participam do mercado internacional.

Não há, aparentemente, grande novidade nessas classificações. A pesquisa, no entanto, poderá facilitar a formulação - ou reforço - de políticas setoriais de competitividade. A novidade mais notável, segundo o ministro Sérgio Amaral, é a conclusão a respeito das multinacionais. Poderá ser complicado, para o governo, induzi-las a um esforço maior de exportação. Muitas delas são exportadoras, mas sua estratégia, de modo geral, é definida fora do Brasil, de acordo com os planos globais das matrizes. Há, de fato, uma situação paradoxal. Segundo estudo recente da Unctad, a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento, mais de metade da exportação das economias emergentes é realizada por grupos transnacionais. Trata-se, em grande parte, de transações entre empresas controladas pelos mesmos grupos.

Mas a advertência contida no trabalho da Unicamp é realista.

No Brasil, até há pouco tempo, os investimentos estrangeiros, mesmo no setor industrial, foram dirigidos principalmente para o mercado interno. O potencial exportador dessas empresas tem sido, tradicionalmente, subexplorado. O tamanho do mercado brasileiro tem sido, há muito tempo, um atrativo para o investidor internacional. A partir dos anos 90, alguns grupos investiram no País com a intenção de atuar localmente e no Mercosul, mas sem planos de atingir outros mercados. Na Ásia, a atuação dos grandes grupos estrangeiros tem sido muito diferente. Mesmo na China, apesar da enorme dimensão, atual e potencial, do mercado interno, a maior parte dos empreendimentos tem sido voltada para negócios globais. Esse é um dos fatores que explicam a rápida conversão da China em potência exportadora.

Os estudos entregues ao Ministério do Desenvolvimento ainda serão debatidos com o setor privado e com representantes de instituições de pesquisa.

Segundo o ministro, as conclusões serão apresentadas, no fim de novembro ou no início de dezembro, num seminário em São Paulo. Nesse momento, o presidente eleito já será conhecido e sua equipe deverá estar empenhada no trabalho de transição. O presidente eleito deverá reconhecer, se tiver um mínimo de realismo, que será impossível suspender, simplesmente, as negociações comerciais em andamento. O mundo não vai deter-se para ficar à espera do Brasil, embora se trate de uma grande economia. Será bom, portanto, que o presidente eleito e sua equipe se preparem, com rapidez, para atuar com eficiência nessas discussões.


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10/21/2002


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