Participantes de audiência pública defendem mais debate sobre depoimento de crianças vítimas de crimes sexuais
A polêmica em torno do projeto (PLS 35/07) que institui o Depoimento Sem Dano (DSD) para crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, prática adotada pela justiça no Rio Grande do Sul e que foi debatida em audiência pública nesta terça-feira (1º), levou a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) a adiar a apresentação de seu relatório. Ela relata a proposição na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e sua intenção era votá-la a tempo de comemorar os 18 anos de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ocorrida em 13 de julho de 1990.
Em princípio, a senadora se diz favorável à instituição do DSD, mas confessou ter ressalvas, como o uso desse instrumento numa situação de falta de profissionais treinados, o temor de um possível aumento no número de depoimentos de crianças, mesmo quando não são necessários, ou sua requisição como testemunha de outros crimes que não os de abuso sexual. Ela mencionou o caso Isabella Nardoni e a intenção de se ouvir o irmão de 3 anos da menina, na tentativa de elucidar se foram seus pais que jogaram a menina pela janela do apartamento.
- Acredito que precisamos ouvir mais, debater mais. O projeto é importante, inovador, complexo, por isso precisamos de algumas salvaguardas que têm que ser colocadas para termos tranqüilidade em relação ao assunto - disse a senadora.
O projeto é fruto do trabalho da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Exploração Sexual, que atuou em 2003 e 2004, e baseia-se em experiência do juiz da 2ª Vara de Infância e Juventude de Porto Alegre, José Antônio Daltoé Cesar, que participou da audiência pública. Nos processos de sua comarca, ele instituiu o DSD, com a inquirição da criança ou adolescente vítima de abuso sexual ocorrendo em sala distinta de onde se ouve o acusado, intermediado por profissional treinado, e com transmissão ao vivo do depoimento. A vítima é ouvida após avaliação, para saber se pode e se deseja prestar esse testemunho.
- A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente assegura à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos que lhe diz respeito. Ela tem a oportunidade, e falará se quiser, mas temos que garantir esse direito - explicou Daltoé.
Também defendeu a aprovação do projeto a representante da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, promotora de justiça Veleda Dooke, que ressaltou a proteção psicológica à vítima na experiência de DSD no Rio Grande do Sul, para garantir à criança ou adolescente o entendimento de que ela não será a responsável pela condenação de pais e parentes, mas, sim, de que alguém ofendeu seus direitos e merece ser punido. Ela frisou o trabalho de acolhimento e consulta feito às crianças para saber se podem e devem falar a respeito da experiência traumática.
- As crianças precisam ter voz, ser ouvidas e protegidas por profissionais e pela sociedade. Aos que querem calá-las, resta a pergunta: a quem isso interessa? - indagou Veleda.
Já o representante da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), Fernando Carvalho, anunciou o apoio da secretaria às experiências em vigor em outros estados, como Rio Grande do Norte e Acre. Segundo informou, a secretaria abriu edital para o financiamento de propostas nesse sentido. A SEDH também realizará pesquisa de avaliação das experiências, tanto nacionais quanto internacionais, cursos de capacitação de técnicos e discussões aprofundadas do tema no 3º Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a ser realizado em novembro, no Rio de Janeiro.
- O debate tem que ser ampliado, mas estamos a favor da proposta. Ela tem muito a contribuir, mas também não pode esperar muito - afirmou.
Psicologia
A integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, Esther Arantes, mencionou a preocupação ética dos profissionais de psicologia em relação à técnica de "extração da verdade" aplicada às vítimas no DSD.
- Não se pode usar técnicas de psicologia para obter provas. É uma função desvirtuada do psicólogo na inquirição - declarou.
Ela também manifestou preocupação com o estabelecimento de uma idade mínima para a inquirição de crianças e compartilhou a preocupação da senadora Lucia Vânia de amplitude exagerada da proposição, que permite a inquirição para crimes além dos sexuais.
A presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Luiza Moura, anunciou que o conselho discutirá o projeto em sua próxima plenária, mas lembrou que o órgão já se posicionou, anteriormente, contrário à participação de crianças em processos judiciais.
- Não podemos correr riscos. Não podemos aceitar a exposição da criança perante a Justiça e a sociedade - argumentou.
Os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Marina Silva (PT-AC) apoiaram o debate a respeito do tema. Marina pediu que se encontre uma solução rápida para evitar a exposição de crianças e adolescentes em audiências, tratados como adultos e constrangidos pela presença do agressor. Os senadores Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Magno Malta (PR-ES) também estiveram na reunião, coordenada pelo presidente da CCJ, Marco Maciel (DEM-PE).
01/07/2008
Agência Senado
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