Políticas públicas na fronteira precisam de mais integração, alertam debatedores
A população residente na fronteira do Brasil com dez países da América do Sul, espalhada em uma faixa de 15,7 mil quilômetros, sofre muito com a desarticulação de políticas públicas na área, conforme o diagnóstico dos participantes de audiência realizada nesta terça-feira (20) no Senado.
As 28 "cidades gêmeas", como são classificadas aquelas separadas na fronteira por apenas uma avenida ou rua, vivem situações definidas como "kafkianas" pelo diretor do Departamento de América do Sul-I do Ministério das Relações Exteriores, ministro João Luiz de Barros Pereira Pinto. Ele foi um dos participantes de audiência na Subcomissão Permanente da Amazônia e da Faixa de Fronteira, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).
O dicionário Houaiss define o termo "kafkiano" como sendo o adjetivo que se refere àquilo "que, de forma semelhante à obra de [Franz] Kafka, evoca uma atmosfera de pesadelo, de absurdo, especialmente em um contexto burocrático que escapa a qualquer lógica ou racionalidade".
João Luiz deu um exemplo: o Ministério da Integração Nacional não pôde executar com recursos próprios a implantação do sistema de saneamento de Aceguá (RS), "gêmea" de uma cidade do mesmo nome no Uruguai.
Seria inócuo fazer obras só do lado brasileiro, porque os dejetos jogados no rio pela Aceguá uruguaia continuariam a poluir as águas que servem as duas cidades. O impasse se estabeleceu quando o governo de Montevidéu alegou falta de recursos e o Brasil não poderia custear obra em outro país. A solução foi recorrer ao Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem).
Situações semelhantes, conforme o ministro, ocorrem em toda a faixa de fronteira, que abrange 588 municípios e 27% do território nacional. Nessa região moram 10 milhões de brasileiros.
Mas, segundo ele, demandas nas 28 cidades gêmeas fazem o Itamarati ser acionado com frequência para resolver pendências, como a propaganda política feita em Ciudad del Este, no Paraguai, durante as eleições municipais em Foz do Iguaçu. Como o juiz eleitoral da cidade brasileira não tem competência para determinar a retirada da propaganda irregular em outro país, que afetava a isonomia entre os candidatos no lado brasileiro, a alternativa foi recorrer ao Itamarati.
Saúde
Na presidência da audiência pública, a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) citou o caso dos moradores de Santana do Livramento (RS), que precisam se deslocar por mais de 400 quilômetros, até Santa Maria, no mesmo estado, para se submeter a uma hemodiálise. Esse serviço, segundo Ana Amélia, está disponível em Rivera, no Uruguai, que fica do outro lado da rua.
A desarticulação das políticas de saúde em municípios fronteiriços foi analisada também pelo coordenador de uma comissão permanente para o desenvolvimento da faixa de fronteira, do Ministério da Integração Nacional, Sérgio Duarte de Castro.
Ele disse que o elevado grau de interação das populações fronteiriças torna inócuas as ações de saúde não integradas. Além disso, conforme disse, há uma sobrecarga do lado brasileiro, cujo atendimento é gratuito.
A mesma sobrecarga, de acordo com Castro, ocorre no lado brasileiro da rede pública de ensino das cidades gêmeas. Além disso, ele apontou falta de formação específica para professores nesses municípios.
Infraestrutura
A desarticulação, segundo o representante do Ministério da Integração Nacional, prejudica também a infraestrutura. Em sua avaliação, há uma pulverização de recursos em investimentos desconectados e duplicados em cidades gêmeas na área de energia elétrica. O problema se reproduz ainda na telefonia, cujo serviço em cidades gêmeas ainda é tarifado como internacional, encarecendo as ligações de curta distância.
Apesar dos problemas, Sérgio de Castro apontou a existência de uma nova ótica no governo, com intervenções que permitam superar a visão da fronteira como "espaço problema". Para ele, é preciso ver a região como uma zona plena de oportunidades de desenvolvimento, de união com os vizinhos e de valorização da cidadania.
20/09/2011
Agência Senado
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