Pré-candidatos são contra retaliação



Pré-candidatos são contra retaliação Lula e Garotinho criticam posição americana; Ciro atribui discurso a ''estado de ira''; Serra diz que atentado foi ''bestial'' BRASÍLIA E SÃO PAULO - Pré-candidatos à Presidência da República ouvidos pelo JB criticam a intenção do governo dos Estados Unidos de abrir guerra contra o Afeganistão como resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro,em Nova York e Washington. Dos seis pré-candidatos ouvidos, o presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, e o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, foram os mais se opuseram a um eventual bombardeio contra o Afeganistão. Dois presidenciáveis não quiseram comentar o assunto: o ministro da Educação Paulo Renato Souza, apontado como um dos prováveis candidatos à presidência pelo PSDB, e o governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB). ''Não devo falar porque não sou candidato. E, como governador, não devo falar sobre esse assunto. Quem fala sobre isso é o presidente.'' Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a comoção gerada pelos atentados contra os americanos pode desembocar no terrorismo de Estado, caso os EUA decidam ir à guerra. ''É preciso ter coragem de dizer que a guerra não vai resolver o problema do terrorismo no planeta. Se aceitarmos a idéia de que o que deve permanecer é a lógica do olho por olho, todos poderemos terminar cegos'', afirma Lula, citando o líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), que comandou a desobediência civil pregando a não-violência. O líder petista repudia os atentados - ''ninguém deve deixar de prestar solidariedade ao povo americano em busca da justiça e da reparação'' -, mas frisa que a reação deve ser pautada por um processo de investigação cauteloso e criterioso, que resulte na identificação, prisão e punição exemplar dos culpados. Lula sugere que os Estados Unidos trabalhem para criar uma espécie de ''caravana internacional'' e, tendo a ONU como referência, busquem atrair a ajuda de outros países. Mesmo reconhecendo que os americanos estão sofrendo, ele diz que não é aceitável o governo dos EUA se achar tão importante ao ponto de decidir fazer justiça com as próprias mãos. ''Se o terrorista é maluco, o Estado não pode ser. É preciso agir a partir de conclusões comprovadas sobre os fatos, dentro da lei e dos acordos internacionais. Fala-se em guerra e até em varrer países do mapa. Mas violência gerará apenas mais violência, em uma escalada incontrolável, com mais vítimas'', adverte Lula. O governador Anthony Garotinho também criticou a possibilidade de os EUA declararem guerra ao Afeganistão. ''A guerra deve ser sempre o último recurso. Compreendo e sou solidário com a dor do povo americano, mas devemos procurar uma forma de causar o menor número de vítimas possíveis, porque inocentes não podem pagar por terrorista inescrupulosos.'' Questionado sobre o que faria se fosse o presidente do Brasil, Garotinho respondeu: ''Daria todo o apoio do ponto de vista político e humanitário que estivesse ao meu alcance, mas jamais enviaria brasileiros para lutar no Afeganistão, porque isso despertaria o ódio dos terroristas contra o nosso povo.'' Sobre o discurso de George W. Bush, afirmou: ''Foi um discurso emocionado. Qualquer cidadão, independentemente de ser presidente ou não, ficou indignado com o que ocorreu. É preciso compreender que ele está falando para o público interno americano, que está com auto-estima profundamente abalada.'' O pré-candidato do PSB, Ciro Gomes, também acredita que o tom belicoso do discurso do presidente George W. Bush não deva influenciar a maneira como será feito o combate ao terrorismo. ''O discurso foi feito para o público interno norte-americano e é compreensível pelo justo estado de ira de que a sociedade dos Estados Unidos está tomada. Há, entretanto, aspectos sob o ponto de vista internacional que poderão gerar problemas na articulação da reação da comunidade internacional ao terrorismo.'' Um dia após o atentado, o ministro da Saúde José Serra, apontado como um dos mais fortes nomes do PSDB para disputa presidencial, classificou o atentado de ''ato bestial, feito por pessoas e organizações com perturbação mental''. Serra disse ainda que ''além de ser solidário, o Brasil deve apoiar a punição de todos os culpados''. Cunhada de Laden critica mídia A maranhense Isabel Cristina Bayma, cunhada do terrorista Osama Bin Laden, foi localizada ontem na Arábia Saudita pela produção do programa Domingo Legal, do SBT, que a entrevistou por telefone por quase cinco minutos. Durante a transmissão da entrevista, por volta das 20h, o programa atingiu o pico de audiência no dia, com 34 pontos em São Paulo. Cada ponto equivale a 80 mil aparelhos. Isabel nasceu em Codó, no interior do Maranhão, mas se mudou ainda criança para os Estados Unidos porque sua mãe se casou pela segunda vez, com um americano. Ela conheceu Khalil Bin Laden, irmão do terrorista, quando ambos estudavam em uma universidade americana. Isabel começou a conversa com a repórter do SBT em português, dizendo que não queria fazer comentários sobre o cunhado. ''Nós não vamos comentar nada sobre nada. A única maneira de você conseguir um comentário é com os advogados em Nova York.'' A partir daí, passou a só falar em inglês. ''Você não pode imaginar quantas ligações já recebi. Nós não vamos, sob nenhuma circunstância, fazer comentários ou qualquer coisa do gênero, sobre o assunto Osama (Bin Laden). Ninguém desta família vai dar declarações a nenhum meio de comunicação, a ninguém.'' Isabel criticou a cobertura que vem sendo feita sobre os atentados e disse que muito do que está sendo afirmado sobre Bin Laden é mentira. ''A mídia do mundo inteiro disse um milhão de coisas erradas, um milhão de mentiras e um milhão de coisas certas. Eu não vou responder nenhuma pergunta sobre o que é verdade e o que não é. Você entende? Todo mundo mentiu, todo mundo disse coisas certas e todo mundo disse a verdade. Eu não vou lhe dizer o que é mentira, o que é errado e o que é verdade. Vocês precisam entender nossa posição. Nós não vamos comentar esse assunto com ninguém'', disse. Isabel e Khalil Bin Laden moram em Jidá, na Arábia Saudita, mas passam parte do ano nos Estados Unidos. Também costumam vir com freqüência ao Brasil. Em 1988, Khalil foi nomeado cônsul honorário do Brasil em Jidá pelo então presidente José Sarney, graças a sua atuação como cicerone dos brasileiros que circulam pela cidade. Ele montou um escritório para servir como sede do consulado e paga os funcionários que trabalham lá. Em 1998, por conta dos serviços prestados, foi condecorado com a Ordem do Rio Branco. Khalil não mantém relações com o irmão terrorista, que costuma chamar de ''louco fanático terrorista''. PT adota tom moderado para 2002 Partido admite alianças até com banqueiros, chamados de parasitas até 89 BRASÍLIA - Antigos inimigos inconciliáveis, representantes tradicionais do empresariado brasileiro estão entre os potenciais aliados do PT no caso de uma vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002. Os petistas também não descartam banqueiros do país entre colaboradores de um novo governo. A mudança espelha a transformação sofrida pela maior legenda de esquerda do Brasil, que reelegeu o moderado José Dirceu (SP) como presidente, na semana passada. O resultado oficial da eleição será anunciado hoje. Há 12 anos, quando Lula disputava a presidência pela primeira vez, o programa do PT classificava os bancos nacionais como ''parasitas'' e pregava o aumento da presença do Estado no setor produtivo. Hoje, o PT aparece como alternativa para a parcela do empresariado nacional insatisfeita com a política econômica do governo federal. A aliança com o que um dia foi chamada de a ''velha burguesia'' é apenas um dos sinais que simbolizam o amadurecimento do partido 21 anos depois de sua fundação. ''Para promover a inclusão de 50 milhões de brasileiros, é preciso que o empresário e o banqueiro estejam em nossos planos. Não seremos candidato dos bancos nem do grande empresariado, mas eles estão em nossos planos'', afirma o deputado federal Aloizio Mercadante (SP). A avaliação interna é que a legenda não deve apenas representar os trabalhadores, mas as diversas forças da sociedade brasileira. ''Para o símbolo de um partido como o nosso, o teclado de um computador é mais atual do que a foice e o martelo'', afirma o senador José Eduardo Dutra (SE), uma das estrelas do PT moderado. Uma política de produção e a união com o empresariado, para os petistas, são alternativas ao velho populismo latino-americano, que propõe a distribuição de renda, mas não fala como. As mudanças são radicais, mas não tomaram corpo de uma hora para outra. A ruptura formal com o sectarismo, por exemplo, só ocorreu em um encontro de 1987, em Brasília, quando ficou permitida a política de alianças. Hoje, até o PSDB e o PMDB estão no leque de possíveis aliados em disputas eleitorais. ''Se é para colocar todas as crianças na escola, eu defendo aliança com qualquer pessoa, menos com bandidos'', provoca o ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque. A política econômica do PT ainda é vista com desconfiança pelos empresários, mas já mudou muito nos últimos 12 anos. As iniciativas para combater a dívida externa, por exemplo, sofreram alterações consideráveis. Quando Lula concorreu à presidência pela primeira vez, em 1989, o programa de ação do PT pregava a ''suspensão imediata de todos os pagamentos referentes à dívida''. Hoje, o partido defende que sejam priorizados os gastos com habitação e saneamento, antes de pagar os juros da dívida. Na prática, a idéia pode ser até um calote disfarçado, mas a cúpula do PT sabe que a proposta não poderá ser cumprida em caso de vitória em 2002. O Fundo Monetário Internacional ainda é visto como um mal, mas necessário. A defesa das estatais como motor da economia também foi abandonada. O deputado federal Milton Temer (RJ) é um exemplo das mudanças. Há 12 anos, era da direita do partido por defender socialismo com democracia. Hoje, é quase um radical. ''O PT tem de ser um contestador da ordem, senão vai desaparecer'', diz Temer. Um consenso no partido é que as mudanças internas ocorreram por causa das experiências de poder. Hoje, as prefeituras do PT administram a vida de 29 milhões de pessoas. ''Foi a evolução natural de um partido de corporações, que não tinha perspectiva de poder'', diz Buarque, que resume o que restou do PT ''antigo''. ''Os princípios estão intocados: a defesa dos trabalhadores e o compromisso com a ética.'' Justiça pode tirar o mandato deRoriz BRASÍLIA - A doação de 49 lotes de terras públicas para igrejas e entidades de caridade colocou o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, em uma situação complicada. Na sexta-feira, o juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública do DF, Carlos Frederico Maroja de Medeiros, condenou Roriz por crime de improbidade administrativa. A pena impõe a perda do cargo, a suspensão dos direitos políticos por cinco anos e o ressarcimento dos danos causados pela distribuição de lotes e pagamento de multa. A punição só será aplicada após a decisão definitiva sobre o caso. O governador pode recorrer ao Tribunal de Justiça e ao Superior Tribunal de Justiça. A assessoria jurídica do Governo do Distrito Federal informou que vai recorrer da decisão. De acordo com assessores do governador, o juiz errou ao avaliar que houve lesão ao patrimônio público, pois os lotes continuam sendo do GDF. As igrejas e associações teriam recebido apenas autorização de uso, e os lotes poderiam ser retomados a qualquer momento. A ação de improbidade foi impetrada pelo Ministério Público do Distrito Federal, em julho de 1997, contra a concessão lotes de terras públicas, com a cobrança de taxa de ocupação simbólica, entre outubro de 1993 e dezembro de 1994. Segundo a sentença, a concessão das terras públicas só poderia acontecer por licitação, o que não ocorreu. O juiz Medeiros diz em sua sentença que o próprio corpo jurídico da Terracap, estatal responsável pela comercialização de terras públicas no DF, alertou para a ilegalidade. Mesmo assim, diz, o governador cedeu os lotes, buscando meios de contornar a lei, o que também caracteriza a improbidade administrativa. Segundo o juiz, as doações de lotes ocorreram em período pré-eleitoral, com o objetivo de alimentar campanha política, o que classificou de ''conduta imoral e desleal'', não servindo aos ''anseios sociais de preservação de uma administração íntegra e justa''. Além de Roriz, foram condenados os ex-diretores da Terracap Alexandre Gonçalves, Humberto Ludovico de Almeida Filho, Cláudio Oscar de Carvalho Santanna, José Gomes Pinheiro Neto e Benjamin Roriz, irmão do governador e secretário de Governo do DF. Questão ética atrasa escolha de ministro BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso quer anunciar até amanhã o novo ministro da Integração Nacional, mas encontra dificuldades em escolher um nome dentro da bancada do PMDB no Senado. Os dois candidatos mais cotados para ocupar o cargo, os senadores José de Alencar (MG) e José Fogaça (RS), alegam problemas éticos para aceitar o convite. Segundo ambos, o PMDB, que prega a candidatura própria para as eleições de 2002, não deve indicar ministro de Estado. ''Prezo muito o presidente, mas abracei a causa da candidatura própria'', justificou José de Alencar. Fogaça diz que seria uma ''imoralidade'' um senador candidato à reeleição aceitar o cargo para permanecer até o final do ano, quando vence o prazo de desincompatibilização. Para Fogaça, o novo ministro deve ser escolhido no PMDB, mas fora do Legislativo. José de Alencar afirmou que havia sido convidado por Fernando Henrique para ocupar o cargo antes de Ramez Tebet, mas informou que, mesmo se for perdoado por ter assinado a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Corrupção, dificilmente aceitará. ''Um ministério que faz parte de um governo que pedi para investigar? Minha assinatura eu não retiro do requerimento mesmo que a CPI esteja sepultada''. Alencar também vem sendo sondado para ser candidato à vice-presidência na chapa do PT à sucessão presidencial. Mas acha a aliança praticamente inviável. ''Acho difícil o PMDB aceitar o vice-presidente na chapa de Lula.'' Artigos Mutações Frei Beto Desde Kant é novo o nosso horizonte. A torre das igrejas deslocou-se para os edifícios dos bancos e as catedrais cederam lugar aos shopping-centers com linhas arquitetônicas de templos futuristas.Já não se trata de acumular graças no Céu e sim juros bancários; a remissão transfere-se do confessionário para o divã do psicanalista; os índices do mercado ressoam mais alto do que os oráculos divinos. A natureza, enfim, foi dessacralizada e, com ela, todas as obras culturais. O que a lenta e implacável erosão do tempo não logra desfazer, num piscar de olhos tratores e dinamites derrubam, implodem e pulverizam. Gaia é estuprada na mesma proporção em que o nosso olhar consome a exuberância de nádegas protuberantes, nesse desaprender incessante de discernir o belo e pensar com a cabeça. Nada parece resistir ao império da razão, despida de mitos e utopias. O único eixo é a economia, e a pessoa só importa enquanto ser produtivo ou revestida dos adornos de fama e fortuna. O resto - ilusões, fantasias, valores, espiritualidade - fica relegado à esfera privada. Lá no recôndito do lar ou do coração podemos nos imaginar super-homens ou encarar a própria mesquinhez. A cada dia, multiplicamos os pequenos assassinatos. A síndrome penitencial acaba vencida por seu único antídoto: a liberdade de consciência. Já não devemos nos sentir culpados de nossas culpas nem arcar sobre os ombros a redenção universal. Arcaísmos contemporâneos. Se somos livres e a consciência é a nova rainha que nos liberta dos castigos celestiais e dos temores infernais, por que esperar além do que nossas mãos podem fazer? Um moinho vale mais que mil palavras. E de que vale regar os campos com água-benta se o adubo químico produz cem por um? Adeus a Deus. Não nos basta sentir o perfume das mangas. Estendemos as mãos, rasgamos a casca com os dentes e desfrutamos da polpa dourada, cremosa, cujo sumo pinga entre dedos, palmas, pulsos e braços, açucarando o paladar. Mas, se temos pressa, a voracidade amarga o prazer. Nisto se resume nossa atitude mais frontal: a árvore esquartejada nos dá bancos e mesas; o curso do rio desviado propicia irrigação; o ventre aberto da terra aborta minérios preciosos. No entanto, como é difícil ser próximo do próximo! Misteriosos os subterrâneos de nosso próprio ser... Tanta cultura, tantos propósitos e, súbito, a emoção liberta a fera, lima as unhas, afia a língua e ficamos reduzidos a um saco de carnes, ossos e músculos que vomitam impropérios. Somos como o barco que, ao sabor das ondas, ignora a riqueza que se esconde sob as águas. Outrora tudo parecia mais sedutor à nostalgia que perfura o peito qual saudade atávica: os cultos primitivos que, a cada manhã, reinventavam o Sol e, à noite, distribuíam as estrelas pelos céus; os livros sagrados que nos apontavam as veredas da transcendência e da profundência, e nos familiarizavam com as vozes inaudíveis dos deuses; a filosofia que tudo organizava em seus conceitos, como se o sentido fosse apenas uma questão de mecânica; os símbolos que nos remetiam a premonições e revelações, maldições e profecias, no espaço imponderável de nossas crenças; o vasto reservatório de evidências que oferecia uma explicação para cada indagação (ainda que a pergunta fosse tão absurda quanto a possibilidade de resposta). Enquanto Descartes não nos ensinou a pensar, quando crer era tão cômodo, a vida não carecia de sentido: o badalar dos sinos, o cheiro de incenso, os lábios ascendentes das curvas góticas, o promíscuo bailado dos anjos. O rio corria preso a seu leito, os galos cantavam o alvorecer, o trigo jamais se confundia na procedência da flor, da espiga e do grão. O vinho trazia o gosto de pés cobiçados, o pão era abraçado por seios fartos, a carne assada na lareira aquecia o sangue e o sexo. Agora, tudo gira em torno dessa premência de colher o trigo, preparar a massa, assar o pão, afiar a faca, deixar o leite gordo adensar-se em manteiga e comer. Abrir sulcos na terra salpicando-a de óleo, o galpão entulhado de máquinas, no lucrativo movimento de transformar o algodão em tecidos. Na antiga aldeia cruza a rota do mercado e, nela, as carroças dão passagem aos caminhões. A paisagem quebra-se encoberta por edifícios que arranham os céus, o frescor da manhã volatiliza-se na fumaça espessa, os telefones frenéticos encurtam distâncias e tornam agora o que seria depois. Premissas pós-modernas. Não seria hora de condicionar o progresso das coisas à felicidade da gente e, ao menos, admitir que o Criador crê em sua criatura? Terrorismo barato e sem volta Candido Neves O presidente Bush declara-nos que os Estados Unidos estão em guerra. Mas, contra quem? Que país já não se solidarizou com Washington? Da Europa inteira, um por um dos países árabes, na mesma condenação da hecatombe. Nunca a Rússia juntou-se tanto ao antigo rival. E aí está a negativa da nação arqui-suspeita, de princípio, o Afeganistão, deixando Bin Laden ainda vivo, já que os americanos só dispararão os seus gatilhos com as provas, fundadas, de quem provocou a tragédia inédita. Os 94% do país que querem a retaliação contêm-se no fazê-lo, sem que se tenha alguma evidência de onde partiu o ataque apocalíptico. Mas a necessidade de dar vazão a uma forra nacional consegue ainda evitar os bodes expiatórios mais fáceis. E a tentação horrenda de valer-se deles para desvencilhar-se dos focos que Washington vê como potencialmente agressores, na saga de sempre de Saddam Hussein. De toda forma, Bush já chegou ao fundamentalismo ocidental, como que tateando, às escuras, o que é, de fato, o seu inimigo invisível. Convoca-nos à luta - e o faz com as lágrimas nos olhos - do bem contra o mal. Os melhores profetas do mundo, de após a Guerra Fria e a convivência com uma só nação hegemônica, previram essa visão absoluta, e radical também, dos valores que encampou o Ocidente, rematado na potência americana. Vêem-se os Estados Unidos como a própria civilização, a súmula dos direitos do homem, o progressismo, a conquista última da ciência, e o reino final e olímpico da razão. O de que não se pode fugir, entretanto, é das guerras das culturas, arrematadas nas das religiões, em que a banda periférica da globalização faz valer a sua aspiração irredutível à diferença: ao que é o direito à identidade, para além da miséria e da marginalização radical aos benefícios do bem-estar mínimo da humanidade. As fotografias da BBC de há uma semana mostravam o alinhamento tenebroso das filas, em nações árabes, dos candidatos a se transformarem em homens-bomba e em militantes da morte, por Alá. Movimento tão contagiante quanto anônimo, para além das conscrições fáceis de Estados ou organizações à la Bin Laden. Uma como que explosão interior de um silêncio, sofrido pela terraplenagem histórica do Ocidente, conquistando todos os povos ao seu estilo de vida e às suas verdades. O maometismo deu-nos a crença no Jihad, tão próxima do martírio cristão, a não admitir o suicídio, mas a se expor ao martírio-limite pela sua fé. O que vemos é o deflagrar de uma gigantesca guerra santa larvar, em meio à cultura islâmica, ditado por um sentimento de auto-estima, e de desesperança final de mantê-la nesta vida, preferindo a passagem, logo, ao prêmio eterno da morte pela causa do Profeta. Os fundamentalismos corâmicos cresceram na proporção direta, nestes últimos anos, da afirmação da hegemonia ocidental, que chegou às stars wars da zero-baixa - como se viu no Kosovo -, diante das nações como a Sérvia de Milosevic, acusadas de repetir o genocídio nazista. Estourou, praticamente, dia a dia, no último mês, um homem-bomba, nas cidades e bazares da franja israelo-palestina. O mesmo gatilho armou a obstinação dos homicidas do World Trade Center, numa ação conjugada tão letal quanto feita dos expedientes horrendamente simples para uma ação de extermínio, a enterrar contra o Ocidente o punhal da própria opulência. Não há escape contra um seqüestro de avião, que se transforme num projétil de aço e carne, na ogiva a tripulação que morre para matar. Não precisou de mais do que as lâminas pobres de canivetes e abridores do kit de sanduíche de passageiros, para subjugar a tripulação e destruir os marcos e ícones do poder americano. O que se viu na terça feira de horror antecipou-se pela sabotagem do Boeing da TWA, saído de Nova York em 1997, mergulhando no oceano pela baixa do mancho do piloto árabe, no seu Jihad, deixando na caixa preta a invocação final da entrega a Alá. A guerra santa parece inscrita, hoje, no inconsciente coletivo machucado, em que se rebela uma religião altaneira, ciosa de sua ortodoxia radical, e de uma visão tranqüila da transcendência da vida à vontade do Profeta. Inútil o escudo atômico de Bush, os gastos estéreis para cercar o império de todo o arco protetor de mísseis, sismógrafos a distância e varreduras galácticas. A declaração de beligerância, tão abstrata quanto decidida, acelera a guerra dos mundos tão para além do que previram Welles e Wells. E repta tenebrosamente o esplendor de uma civilização que tinha a sua proa de maravilha nas torres do World Trade Center. Existe precedente histórico de redução de um fundamentalismo? E como começar agora a superá-lo, no nervo mesmo do país-chave do Ocidente, dono de uma racionalidade capaz, ainda, de domesticar a história, na undécima hora de um estado de conflito? O que significa, nas ruas americanas, o espancamento de passantes que se divisam como árabes, tal como o judeu se viu, no outro milênio, o objeto da execração da cristantade? O Senado americano, plenário e em uníssono - 98 a 0 -, reúne republicanos e democratas para a votação dos dinheiros da resposta do pundonor e da honra agravada americana. Tal como em Pearl Harbor - e como fica o eco da voz de Roosevelt -, mas sem que Bush disponha de horizonte para recortar o inimigo ou mover exércitos para vaporizá-lo. A nação da hiperprosperidade enfrenta a infestação, tão corpuscular como letal, de todos os autoproclamados guerreiros de Alá. Impossível coibir universalmente o seqüestro de aeronaves, nesses céus do enxame de vôos, até o atarantamento das torres de comando. Impossível esconder a última faca, ou canivete, ou pedaço de lata, encostado, a seguir, na carótida de uma tripulação. Não é a star wars que imobiliza os inimigos do Ocidente no prodígio de sua glória, e agora de seu temor sem volta. Nem há trabalho missionário para desarmar os fundamentalismos. Mas, talvez, invertendo a sanha dos homens-bomba, possam os fóruns da racionalidade ocidental trilhar o outro caminho de sua grandeza: a dos Pilgrims, a da ''ação afirmativa'', a da América de John Adams, Wilson, Martin Luther King, de retomar, a que tempo e a que preço, desses extraordinários bombeiros de Nova York em nova respiração boca a boca, para restabelecer a confiança do homem em seu próximo reptado ao opróbrio máximo, neste 11 de setembro. Candido Mendes é presidente do Senior Board do Conselho Internacional de Ciências Sociais, da Unesco, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz. Colunistas COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER A esquerda faz escola Trata-se de um equívoco acreditar que só a oposição enfrenta problemas de unidade para disputar a eleição presidencial do ano que vem. Ali, no que se refere ao primeiro turno, a toalha já está no chão. Mas quando a gente revê as cenas de desacerto total entre os partidos em tese alinhados ao governo federal, na disputa pela presidência do Senado e na condução do caso Jader Barbalho, fica evidente que os conservadores já foram mais eficientes no quesito unidos venceremos. Se não houve acordo para fazer uma substituição cuja necessidade era unânime, a importância do cargo muito mais reduzida e o poder em jogo infinitamente menor, lícito supor que serão amazônicas as dimensões do descompasso em que se envolverão esses senhores na busca de um acerto para disputar a Presidência da República. No discurso, as coisas até caminham razoavelmente. São todos de uma fidalguia exemplar. O presidente da República diz que o candidato não precisa ser do PSDB, o governador de Pernambuco - hoje o predileto do PMDB -, propõe armistício geral, o ministro Pratini de Morais - a hipótese do PPB -, assegura que não quer ver seu nome nessa roda agora, e o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, considera que os partidos ''têm, nesse momento mais do que nunca, obrigação de se entender''. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas não se viu ainda ninguém disposto a depositar as armas. Nem ao menos manifestando genuína vontade de aceitar a sugestão do outro. Ao contrário, as cenas da semana passada só reforçam o quanto será acirrada a disputa interna do campo governista pela sucessão de Fernando Henrique Cardoso. Nesse grupo faz muito sucesso a tese segundo a qual política não se faz pela via do veto. Mas, pelo jeito, o lema não se aplica quando em jogo estão os interesses de seus autores. Basta ver que o exercício da exclusão marcou fortemente os (des)entendimentos na escolha do novo presidente do Senado. Episódio que culminou com uma opção mediana, de caráter improvisado e com a nítida interferência do Poder Executivo. O Parlamento que tanto se sente subtraído pelo uso de medidas provisórias, aceita docemente constrangido a subtração da prerrogativa de resolver uma sucessão interna. Seria apenas lamentável para o Congresso, caso esse colegiado não fosse composto pelos personagens que conduzirão - ou pelo menos pretenderão conduzir - a eleição presidencial. Não bastasse o fato de o PFL e o PMDB continuarem a se portar pelos ditames da briga-mãe entre Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães, o PSDB incorpora-se ao cenário pela ótica da aliança mais conveniente, e a oposição faz papel de rebelde sem causa. Não votou em Ramez, entrou no jogo do PFL e ainda contribui para a eleição de um presidente do Senado com maioria questionável. O que é péssimo para a instituição. Os oposicionistas, que tinham concordado em referendar o nome do PMDB, até para não quebrar o princípio da proporcionalidade na composição da Mesa-diretora - porque estava em disputa apenas a presidência - reagiram com o fígado às manobras do PMDB, horas antes, no Conselho de Ética. Ou seja, com raiva entraram de gaiatos num navio cujo comando não lhes pertencia. No que tange ao acerto governista com vistas a 2002, a única chance de acontecer com razoável eficácia é, daqui em diante, o perigo da derrota funcionar como freio de arrumação. De qualquer forma, terá sido um acerto artificial meramente produzido pelas circunstâncias. Que, aliás, se não se presentarem gravemente adversas logo, poderá ser tarde para servir de diques às vaidades. O eleitor, à falta de propostas nítidas, dará seu próprio jeito. Jorge Bornhausen identifica o perigo, acha que é urgente uma rodada de conversas sem ''pratos feitos''. Mas ele mesmo apresenta seus pratos, que recebem os nomes de Roseana Sarney e Geraldo Alckmin. Já o PSDB fala na possibilidade de outros cabeças de chapa, mas da boca para dentro nem sonha com a possibilidade de que não venham a ser José Serra ou Tasso Jereissati. O PMDB, da mesma forma, quer sentar na tal mesa de negociações com um nome forte, o de Jarbas Vasconcellos. Bornhausen reafirma que rejeita vetos, mas aponta que o candidato terá de ser não apenas preparado pessoalmente, mas viável eleitoralmente. E aí, já exclui José Serra que, para ele, só atende ao primeiro requisito, e ''eleição não é vestibular''. A tese do presidente do PFL é a de que a existência de pessoas em boas condições pessoais de concorrer, em vez de complicar, facilita, porque confere estatura e seriedade ao debate. A questão é saber se há espíritos dispostos mesmo a uma discussão não contaminada pelos interesses específicos daqueles que, nessa altura, discursam pela unidade, mas agem como se o objetivo real fosse apenas reunir um bom cacife, acumular forças para enfrentar o pretendido parceiro como se adversário fosse. Há quem acredite que a necessidade cuidará sozinha de convergir posições, aplacar divergências e imbuir os espíritos do PFL, PMDB, PSDB e PPB do lema da família que reza unida permanece unida. Como no horizonte ainda não se vislumbram a oração nem o sacerdote, mais prudente é esperar para conferir a consecução do milagre. Editorial Talibã do Prata Está chegando ao limite a paciência do governo brasileiro com o governo da Argentina. Sempre solidário e disposto a dar apoio de primeira hora aos atos do país vizinho, o Brasil não tem conseguido receber na mesma moeda. Sem qualquer justificativa, o governo Fernando de la Rúa se esmera em tratar o Brasil na base de ameaças e desaforos. Não é nenhum exagero. Não se sabe bem porque motivo, o ministro da Economia, Domingo Cavallo, quando fala em público, não perde oportunidade de criticar o Brasil e os fundamentos de sua economia. Além da idéia estapafúrdia de que o Brasil não deveria desvalorizar sua moeda, Cavallo agora exige que todos os países que integram o Mercosul adotem câmbio fixo. Se não o fizerem, sofrerão represálias comerciais. É uma coisa de doido. Cavallo age como um talibã do comércio internacional. Recusa-se a rever as restrições alfandegárias impostas a produtos brasileiros. A disputa não é nova. Vem de julho do ano passado, quando o governo argentino acusou de dumping (preços artificialmente baixos) os exportadores brasileiros de frangos. Se seguisse as recomendações da Organização Mundial do Comércio (OMC), a Argentina poderia sobretaxar o frango made in Brazil. Mas, à margem das normas internacionais, foi imposto um preço mínimo. O Brasil levou a questão ao tribunal arbitral do Mercosul, mas o caso sequer foi julgado, abrindo precedente para a aplicação de preços mínimos a outros produto. Esgotados os trâmites no âmbito do Mercosul, só restou ao Brasil recorrer à OMC contra seu principal parceiro comercial na América do Sul. O governo brasileiro já havia feito o mesmo, na quarta-feira, contra a sobretaxa, de até 98%, que o Chile impôs ao açúcar importado. Parece que o presidente Fernando Henrique decidiu acabar com a fase de ''tolerância''em relação às represálias gratuitas do ministro Cavallo. A nova estratégia também se aplica ao Chile, que vem fazendo jogo duplo nas relações comerciais com o Mercosul. O Mercosul mostrou-se mecanismo de extrema importância para o comércio regional. E a Argentina desponta como a principal beneficiária da Tarifa Alfandegária Comum (TEC), graças ao crescimento geométrico de suas exportações. Domingo Cavallo, porém, sustenta que a indústria argentina sofre prejuízos desde que o Brasil adotou o câmbio flutuante. Por isso, anulou a alíquota favorecida para uma série de produtos importados do Brasil, como bens de capital e equipamentos de telecomunicações e informática. A continuar assim, o Mercosul perde a razão de ser. Na contramão do consenso entre empresários e economistas, o ministro Cavallo acredita que a paridade do peso ao dólar é o regime de câmbio ideal. Nega-se a ver na conversibilidade o principal obstáculo à recuperação da economia da Argentina. A conversibilidade funciona como camisa-de-força que rouba a flexibilidade do comércio exterior. Até quando os argentinos vão viver a ilusão de que sua moeda vale tanto quanto o dólar? Como dizia Mário Henrique Simonsen, a dolarização é uma solução maravilhosa para o país que emite dólares. Obviamente, não este é o caso da Argentina. Topo da página

09/24/2001


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CPTM: Incidente na Estação Brás pode ser retaliação contra combate ao comércio ilegal