Presidente determina reexame do Orçamento
Presidente determina reexame do Orçamento
"Há mais despesas que receitas", afirmou FHC em reunião com ministros no Alvorada
BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso lamentou ontem, em reunião com ministros no Palácio da Alvorada, o desequilíbrio do Orçamento da União para este ano. "Há mais despesas que receitas", disse, referindo-se à diferença de R$ 3 bilhões no texto aprovado pelo Congresso. Após a reunião, o presidente informou que pediu ao ministro do Planejamento, Martus Tavares, um reexame da matéria. À tarde, em Goiás Velho, ele confirmou que está preocupado com o assunto.
"Espero que o Congresso tenha aprovado um Orçamento realizável", afirmou, acrescentando que ainda não recebeu a proposta e, por isso, não há como saber se vetará ou não algum trecho. Ele ressalvou que não pretende vetar nada. "Mas vamos ver; se houver recursos suficientes não será preciso vetar, mas se não houver, tem de vetar", explicou. "Quando for enviado, nós vamos ver se as despesas são compatíveis com as receitas. Sempre agimos assim, com absoluta coerência: não vamos fazer gastos de dinheiro que não existe." O presidente esteve em Goiás Velho, a 300 quilômetros de Brasília, para ver os estragos causados pela chuva.
O encontro de ontem de manhã com ministros serviu sobretudo para o presidente checar o cumprimento dos acertos políticos feitos no fim do ano, quando foram definidas as obras e ações prioritárias em cada pasta. "Daqui a uns 10 ou 15 dias, vamos nos reunir para ver o que caberá a cada um", comunicou, deixando claro que não afrouxará as rédeas da administração neste ano de eleições.
Verbas - "Costuramos um critério com muita luta e estamos checando a aplicação dos recursos", explicou o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio Neto, que participou das duas rodadas da reunião. Ele se referia aos entendimentos com governadores, deputados e senadores na definição das emendas que seriam privilegiadas e dos recursos a serem liberados. Foi acertada a liberação, até junho, de cerca de R$ 2,8 bilhões do Orçamento de 2001. Arthur Virgílio afirmou que o dinheiro se refere exclusivamente a emendas de bancada. "São recursos sobre os quais o presidente já havia determinado a liberação, mas, por problemas técnicos, os ministros não estavam conseguindo usar", informou o vice-líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PPB-PR).
Arthur Virgílio disse que o presidente promoveu o acerto com os ministros para evitar desgastes com as bancadas que aprovaram emendas ao Orçamento do ano passado. "Queremos que tudo o que foi acordado seja cumprido, para evitar frustrações e problemas na base de sustentação do governo."
Pressa - Fernando Henrique pediu a Virgílio e aos ministros Pratini de Moraes (Agricultura), Roberto Brant (Previdência), Carlos Melles (Esporte e Turismo), Alderico Lima (Transportes), Ovídio de Ângelis (Desenvolvimento Urbano) que acelerem a execução orçamentária, assim que todos estejam informados de quanto terão para 2002. No encontro foi elaborada uma lista das obras consideradas prioritárias, que servirá de base aos ministros.
O presidente vai repetir a reunião como outros ministros nos próximos dias.
Ele recomendou que todos os programas de cada área sejam encaminhados até março. Sua preocupação é com o ano eleitoral: de junho até dezembro os governos federal, estaduais e municipais não podem fazer mais qualquer despesa.
Aos ministros que planejam candidatar-se, Fernando Henrique sugeriu que fiquem nos cargos até 5 de abril, prazo para desincompatibilização. A idéia é garantir a continuidade de projetos em andamento e a instalação dos previstos para este ano.
Em Goiás Velho, Fernando Henrique também disse que vai respeitar o reajuste de 17,5% da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, que foi aprovado pelo Congresso no fim do ano e precisa ser sancionado por ele este mês para entrar em vigor. "Com relação ao IR, a única coisa que eu disse é que respeitaríamos o porcentual de 17,5%, que, aliás, tinha sido combinado comigo num certo momento."
PSDB pede que Alckmin concorra no cargo
Cúpula prepara moção recomendando que ele não tire licença para disputar reeleição
A cúpula do PSDB paulista decidiu apresentar uma moção para recomendar que o governador Geraldo Alckmin não se licencie do cargo para disputar a reeleição. O documento será apresentado no dia 14, durante reunião da executiva nacional tucana, pelo presidente estadual do partido, deputado Edson Aparecido. "O governador conduz a administração do Estado e o partido faz sua campanha", explicou Aparecido.
No mês passado, o próprio Alckmin demonstrou a intenção de não se licenciar.
"É da lógica da reeleição que as pessoas disputem no cargo", justificou.
Para ele, "o momento é de trabalhar, não de fazer campanha", mesmo que ele seja confirmado candidato pelo partido. "Quem achar que o governo está indo bem mantenha. Quem achar que não está que troque", observou Alckmin.
De acordo com Aparecido, a legenda vai iniciar a campanha do governador reforçando a base aliada com PFL, PPS e PFL, já no mês que vem. Serão realizadas 48 reuniões - em todas as regiões do Estado - para que sejam discutidas propostas regionais e um programa de governo. "O PSDB, não o governador, vai tomar a iniciativa política para disputar as eleições", ressaltou o deputado.
"A escolha (de Alckmin, sobre a sua desincompatibilização) será pessoal. Se ele se sente responsável pelos projetos do governo, terá o nosso apoio", observou o deputado federal Júlio Semeghini, um dos 23 integrantes da executiva estadual tucana.
Eventual sucessor de Alckmin, caso este deixe o cargo, o presidente da Assembléia Legislativa, Walter Feldman, acredita que o governador deve concluir a gestão que herdou de Mário Covas. "Para o governador, a questão eleitoral é desdobramento do que é feito hoje."
Feldman afirmou que continua de "stand by", se houver necessidade de substituir Alckmin fora do período eleitoral. "O grande projeto do PSDB é reeleger Alckmin, que representa a nova geração de políticos. É um projeto coletivo."
Governo muda estratégia para ganhar visibilidade
Com a intenção do governador Geraldo Alckmin de disputar a reeleição sem deixar o cargo - posição endossada por outros tucanos -, o governo paulista já começou a reformular sua estrutura de comunicação. Para dar mais visibilidade às ações e obras que Alckmin vem conduzindo, estão previstos, inicialmente, o lançamento do jornal Participação, a ser fixado em áreas de grande circulação de São Paulo, e mudanças na página do Estado na Internet, além de uma campanha publicitária de R$ 500 mil, destinada a incentivar o turismo interno.
A operação soma-se aos esforços de divulgação do PSDB, que neste mês pretende estrear um boletim semanal, o Tucano SP, e sua página na Internet.
"A comunicação é um problema histórico do partido", reflete o presidente da Assembléia Legislativa, Walter Feldman. "A relação entre as ações dos governos Covas e Alckmin e o que foi divulgado sobre elas é desproporcional."
As iniciativas são apontadas como fundamentais por vários tucanos, especialmente no contexto determinado pelo governador. Ele se diz decidido a não fazer campanha, deixando a tarefa a cargo de outros candidatos, prefeitos, vereadores e militantes.
Alckmin trabalha com algumas vantagens: até o início de julho, pode inaugurar obras, assinar convênios e autorizar programas diariamente. Na prática, o cronograma é tão intenso que ele não terá tempo hábil para participar de todas as atividades previstas até o fim do ano: são cerca de 3 mil obras. "A melhor campanha é continuar fazendo bom gover no", diz Feldman.
Suíça recebe hoje pedido sobre contas de Maluf
Carta rogatória expedida pela Justiça paulista será entregue pela embaixada em Berna
A Embaixada do Brasil em Berna entregará hoje ao Ministério da Justiça da Suíça carta rogatória expedida pela Justiça de São Paulo para obtenção de documentos bancários referentes ao ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) e seus familiares. Por meio da carta, que chegou à embaixada no dia 31 de dezembro, a juíza Silvia Maria Meirelles Novaes de Andrade, da 4.ª Vara da Fazenda Pública, solicita cópia do processo 11087/01 instaurado pela Procuradoria-Geral do Cantão de Genebra para investigar suposta movimentação financeira do pepebista.
A rogatória representa importante avanço nas apurações do Ministério Público Estadual sobre existência de contas de Maluf na Suíça e na Ilha de Jersey. A juíza abriu ação cautelar de seqüestro requerida pelo promotor de Justiça Silvio Antonio Marques por suspeita de envolvimento de Maluf em "eventual improbidade administrativa, mau uso de dinheiro público e enriquecimento ilícito". O ex-prefeito nega possuir ativos no exterior.
A rogatória é acompanhada de dados exigidos pela legislação suíça - qualificação dos investigados, informação sobre o processo, o tipo de acusação, data dos fatos e sanções que podem ser aplicadas no Brasil. A documentação foi enviada por mala diplomática ao embaixador Roberto Soares de Oliveira pela Divisão Jurídica da Diretoria-Geral de Assuntos Consulares do Itamaraty.
O Itamaraty encaminhou, também, rogatória para a Embaixada do Brasil em Londres, com pedido à Royal Court (Tribunal Real do Reino Unido) de fornecimento de cópia do procedimento 400 (46/01) e apreensão - até decisão final da Justiça brasileira e da britânica - "das contas, aplicações e bens, vinculados ou não a um trust, existentes no Citibank NA, no Deutsche Morgan Greenfeld ou em qualquer instituição financeira daquela ilha (Jersey), em nome dos demandados".
STF mantém Mão Santa afastado do governo
BRASÍLIA - O ex-governador do Piauí Francisco de Assis de Moraes Souza (PMDB), o Mão Santa, não conseguiu garantir no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de voltar a administrar o Estado. O presidente do STF, Marco Aurélio Mello, decidiu não apreciar o pedido de suspensão da decisão que cassou o mandato de Mão Santa e de seu vice, em novembro. Para o ministro, o STF não pode se manifestar sobre ação que não tenha esgotado os recursos na Justiça Eleitoral.
AGU requer processo contra procurador
BRASÍLIA - A Advocacia-Geral da União (AGU) quer que o Ministério Público Federal processe o procurador Aldenor Moreira de Sousa, que há um mês chegou a lacrar o gabinete do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, para tentar obrigá-lo a depor num inquérito contra um auditor fiscal. Integrantes da AGU pediram ontem ao procurador-geral, Geraldo Brindeiro, e à corregedoria-geral que tomem providências. Para a AGU, Sousa manifestou "abuso de poder".
Artigos
Remédios para o estresse urbano
Washington Novaes
Quando o autor destas linhas, menino, a conheceu, há exatos 60 anos, São Paulo era uma linda cidade de pouco mais de 1 milhão de almas. Ruas largas, arborizadas e mais que suficientes para o escasso trânsito de bondes e ônibus - eram muito poucos os automóveis. Redes públicas invejáveis de educação e saúde. Nenhuma favela. Garoa.
Nas últimas semanas e meses, os jornais estiveram repletos de notícias sobre iniciativas municipais para combater a poluição visual, dramática, embora esta não faça parte das "dez coisas que mais irritam o paulistano" (Estado, 22/9/2001), e que vão da insegurança coletiva ao barulho, do lixo e da sujeira à lentidão no trânsito, da ocupação indiscriminada dos espaços público à fumaça e à poeira. Passando pela indiferença pelo sofrimento alheio.
Ao mesmo tempo, informa a Fundação Seade que, de 1999 para 2000, os investimentos na região metropolitana caíram 31%, enquanto no interior do Estado cresceram 25% - o que significará, entre outras coisas, geração de renda e de postos de trabalho insuficiente na capital. Mais problemas.
"A cidade fica cada vez mais cara, pois é preciso levar toda a infra-estrutura para cada vez mais longe", lamentam-se os urbanistas (Estado, 9/5/2001), que sintetizam a tendência: o rico empurra o pobre para a periferia, que empurra o miserável para mais longe ainda.
De fato, é assim. Segundo o IBGE, de 1996 a 2000 tanto as áreas centrais como as nobres perderam população (19,7% as primeiras, até 20% as nobres), enquanto na periferia o crescimento populacional variou entre 84% e 210% (9/5/2001). Nas nobres, o drama está nos terrenos mais caros, na agitação decorrente da ampliação do comércio, no trânsito caótico; nas áreas mais pobres e isoladas, na ausência de infra-estruturas de saneamento e asfalto, na progressão da violência.
Não é "privilégio" ou sina paulistana. O quadro urbano nacional, retratado no relatório brasileiro para a conferência Istambul + 5, no começo de 2001, é todo ele altamente preocupante. As 12 regiões metropolitanas, com apenas 200 municípios, concentram 52,7 milhões de pessoas. Outros 37 aglomerados, com 180 municípios, somam mais de 20 milhões. Nesses 49 aglomerados, portanto, estão 74,3 milhões. Ou quase 44% do total.
E nessas áreas, diz ainda o relatório, avança em alta velocidade a autoconstrução em áreas de assentamento ilegais. Em certos lugares, elas chegam a ter metade da população total. Por aquele documento, há quatro anos já havia mais de 1,3 milhão de domicílios particulares em áreas ilegais de assentamentos suburbanos, dos quais 78,9% nas áreas metropolitanas.
Outro dado explicava a velocidade e intensidade dessa marcha para a periferia: o aluguel passara de 11% para 26% da renda domiciliar média, entre 1993 e 1998. E depender de aluguel em tempos de crise e desemprego se traduz em risco de, literalmente, ir para o olho da rua.
Tudo isso terá de ser discutido a fundo nos planos diretores que se formulam ou reformulam hoje, inclusive em função do recém-vigorante Estatuto das Cidades.
Vale a pena, neste momento, retornar a algumas das principais recomendações feitas pelo documento Agenda 21 Brasileira - Bases para Discussão, que foi o ponto de partida para os debates em torno do tema em todos os Estados (o documento final está começando a ser sistematizado agora e deverá estar pronto em abril).
Na parte chamada de "Cidades sustentáveis", os diagnósticos e discussões colocaram ênfase em algumas estratégias:
Reordenamento do solo urbano; descentralização administrativa; processo participativo; tributação progressiva dos espaços urbanos dotados de infra-estruturas e não utilizados.
Todos esses pontos já estão na pauta atual de discussões em São Paulo. Mas há outras ênfases da Agenda 21 sobre as quais é preciso refletir. A começar do problema da impermeabilização do solo urbano, que contribui poderosamente para as enchentes da temporada de chuvas, em São Paulo e em outras capitais.
Não se caminha - ao contrário do que recomenda a Agenda - para legislações que obriguem cada imóvel a manter área mínima de percolação - e/ou sistemas obrigatórios de retenção provisória das águas da chuva, para reduzir temporariamente o escoamento para os rios.
Da mesma forma, fazem-se ouvidos moucos à recomendação de afastar das margens dos rios, das áreas naturais de inundação, os grandes fluxos de trânsito. Ao contrário, cada vez mais se constroem, se duplicam ou se triplicam "marginais" exatamente nessas áreas. Que se espera que aconteça, com rios assoreados por esgotos, lixo e erosão, que já não suportam seu próprio fluxo, recebendo toda a carga de água que não consegue infiltrar-se?
Da mesma forma, os documentos/discussões da Agenda 21 sugerem colocar na pauta os subsídios não-declarados ao transporte individual e rodoviário, que, além de tudo, não contabilizam nem pagam seus custos ambientais, de saúde e sociais (perda de horas de trabalho e maior consumo de combustíveis nos congestionamentos que geram; a mobilidade no trânsito brasileiro está mais de 40% abaixo da média mundial).
A Associação Nacional de Transporte Público (ATNP) tem apresentado sucessivas propostas que precisam ser consideradas: reordenamento dos espaços urbanos; incentivo à ocupação de espaços vazios já urbanizados; descentralização das atividades econômicas e dos serviços; redução do tráfego de passagem; criação de espaços de convívio urbano; restrições ao uso do automóvel (como já fazem tantas grandes cidades em outros países); incentivos à adoção (via tarifas) de combustíveis alternativos, menos poluentes.
Propostas não faltam e algumas delas estão até sobre algumas mesas, em São Paulo e outras regiões metropolitanas. Mas é preciso avançar mais rápido. O estresse urbano costuma ter graves conseqüências.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Meninos de rua
Perdoem-me por insistir no assunto: mas é que nunca pensei que chegaríamos ao ano 2002 sem ter ao menos um projeto de solução para o problema. Problema crucial para um País que se diz civilizado e que nos afasta cada vez mais do Primeiro Mundo. Sei que crianças soltas nas ruas existem em todo o Brasil, mas quero falar especificamente no Rio, pois falo no que vejo com meus próprios olhos.
Nas poucas vezes em que saio de carro tenho reparado que, em quase todas as esquinas de maior fluxo de veículos, há sempre um grupo de meninos e meninas vendendo balas ou pedindo esmolas.
Dizem as estatísticas que leio que o número de crianças sem escolas vem caindo no País, mas não é o que um olhar impressionista sobre as ruas do Rio nos faz acreditar. Talvez alguns até estudem e mantenham seus vínculos com a família. Outros já devem ter na rua a sua morada definitiva e seu círculo de afinidades são os capitães de areia.
As estratégias são muitas, variadas e criativas. Há algum tempo começaram a aparecer nos sinais de trânsito jovens fantasiados, provavelmente estudantes de escola de circo, fazendo rápidas performances circenses, enquanto dura o sinal fechado. Os meninos pobres, vendo aquela concorrência, apressaram-se em aprender um malabarismo com bolas de tênis (como já contei aqui em outro artigo) e a incorporaram ao seu dia-a-dia, alguns com extrema habilidade. No bairro do Jardim Botânico há uma menina que vende chicletes no mesmo sinal, já há vários anos. Meu neto me contou que certa vez a viu chegar para trabalhar, descendo de um ônibus, muito arrumadinha, e até de relógio. Ela então troca de roupa, veste uma camiseta e um short rotos, e inicia seu dia de sinal. Muitos, mal ainda falando, são adestrados para esmolar, tendo à sua espera uma mãe miserável, a poucos metros dali, com outros ainda menores no colo. Disputam os sinais e a piedade da classe média, com desempregados, inválidos e outros desgarrados da sociedade. O seu mundo de criança dissolvido na busca da sobrevivência por vezes emerge, quando se esquecem da atribuição de pedir, para observar algum objeto interessante ou alguma situação inusitada dentro de um automóvel. Às vezes nos esquecemos de que são crianças, parecem ser apenas ameaças à nossa viagem tranqüila, coisa cada vez mais rara em cidades tão violentas.
A classe média motorizada, cansada de ter o coração partido a cada sinal, ao topar com uma criança da mesma idade do filho que vai no banco de trás, protegido, alimentado e educado, fecha o coração e olha firme pra o sinal, querendo que a luz verde apareça logo para desfazer o seu constrangimento.
As estatísticas mostradas pelos governos, que dizem estar melhorando a situação da juventude no País, não me servem de consolo, ao ver um caso real de abandono ou exploração de uma criança. A alegria que tenho ao ver o meu bisneto crescendo forte e bonito se esvai ao ver um menino, com os mesmos 3 anos que ele, se esquivando nos sinais, distraído que foi, ao calcular errado o tempo do sinal e deixar a luz verde apanhá-lo ainda por entre os carros impacientes.
Editorial
O difícil está por vir
A formação de um governo que se pretende de salvação nacional, composto por representantes das principais forças políticas da Argentina, foi a primeira tarefa de que se desincumbiu - e bem - o presidente Eduardo Duhalde para cumprir os três objetivos básicos que anunciou ao tomar posse:
"Reconstruir a autoridade política e institucional, garantir a paz social, assentar as bases para a mudança do modelo econômico e social." Para alguém que tem como principais hobbies jogar xadrez e pescar tubarões e cuja habilidade comprovada é sobreviver aos percalços da política, a montagem de tal equipe de governo não deveria constituir, como de fato não constituiu, dificuldade maior. Além disso, a crise de autoridade que marcou os últimos meses do curto governo de Fernando de la Rúa e as manifestações de rua que provocaram a renúncia de dois presidentes em menos de 15 dias, numa demonstração clara de que os argentinos haviam perdido a confiança nos políticos e nos partidos, forçaram os caudilhos de todos os matizes a se convencer de que, fora da união de todos, a Argentina estaria perdida. E até os peronistas tiveram de reconhecer - após agravar a crise e adiar a solução com as suas disputas internas - que a Argentina é maior que o Partido Justicialista e, se perdurasse a situação de anomia, a máquina eleitoral criada pelo general Perón se desfaria junto com o país.
A montagem de um ministério dito de salvação nacional foi, assim, relativamente fácil. O difícil está por vir.
Dizíamos no principal editorial de ontem que a recuperação da Argentina - política, econômica e social - dependerá da capacidade de liderança do novo presidente. Melhor diríamos, da qualidade de liderança. Caudilho ao velho estilo peronista, Duhalde maneja como poucos o varejo da política e é, antes de mais nada, um sobrevivente. Quando perdeu as eleições presidenciais para De la Rúa, pensava-se que sua carreira política estava encerrada. Mas nas eleições parlamentares do ano passado ele percebeu a mudança da opinião pública, fez o mea-culpa - "La dirigencia política es una mierda, y por supuesto que yo me incluyo" - e se lançou candidato ao Senado, ganhando por uma diferença de 700 mil votos.
O que Duhalde, aparentemente, não sabe fazer é administrar. Ele governou a província de Buenos Aires durante oito anos e, nesse período, o déficit fiscal passou de US$ 340 milhões para US$ 1,564 bilhão. A dívida pública da província dobrou, para US$ 4 bilhões. O pagamento anual do serviço da dívida se elevou de US$ 29,2 milhões para US$ 379 milhões. Os gastos com salários mais que dobraram, de US$ 2,1 bilhões para US$ 4,7 bilhões, pois houve um aumento de quadros de 282 mil funcionários para 404 mil. E o índice de desemprego na província, a mais rica do país, passou de 5,3% para 14,4%, entre 1991 e 1999.
Esse não é, exatamente, o currículo ideal de um administrador que terá de tirar a Argentina de uma profunda e longa recessão. É, antes, o prontuário de um populista peronista que usou os recursos do Estado de forma perdulária e demagógica, como se as riquezas da província fossem infinitas e inesgotáveis e estivessem à disposição para a realização de seus projetos pessoais.
Mas Eduardo Duhalde não arruinou sozinho a província de Buenos Aires. Contou com a ajuda de Jorge Remes Lenicov, seu ministro provincial das Finanças e agora ungido minist ro da Economia da Argentina.
Compreendem-se, portanto, as preocupações reveladas por alguns analistas econômicos internacionais quanto ao futuro da Argentina. Não foi à toa que o influente jornal inglês Financial Times recomendou, em editorial, que Duhalde use o tempo de que precisar para elaborar um plano econômico coerente com a realidade do país, evitando gestos populistas e decisões apressadas. O plano econômico de Duhalde será divulgado hoje. Veremos, então, se o futuro da Argentina não será a mera repetição dos erros do passado.
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01/04/2002
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