PSDB e PMDB fazem avaliação conjunta
PSDB e PMDB fazem avaliação conjunta
Antes mesmo do rompimento formal, aliados fazem reunião sem presença do PFL
BRASÍLIA – Em clima de perplexidade, integrantes do PSDB e do PMDB fizeram na noite de ontem no Palácio do Planalto a primeira reunião sem a presença do PFL. O encontro tinha o objetivo de avaliar o estrago que o rompimento poderá causar à pauta de votações do Senado, mas os líderes acabaram fazendo uma análise ampla da nova conjuntura.
A conclusão geral foi que o rompimento é irremediável e seus reflexos irão muito além da agenda do Senado. O líder do PSDB na Casa, Geraldo Melo (RN), insistiu na necessidade de “desarmar a bomba” que traria prejuízos não só ao PFL da governadora do Maranhão e candidata a presidente, Roseana Sarney, como ao candidato do PSDB, senador José Serra (SP). Mas o líder do governo, Artur da Távola (PSDB-RJ), retrucou descrente: “Agora, toda a sua excelente capacidade de análise precisa ser colocada a serviço da nova realidade.”
Também participaram do encontro ontem o vice-líder do governo, senador Romero Jucá (PSDB-RR) e três senadores do PMDB – Sérgio Machado (CE), Carlos Bezerra (MT) e o líder Renan Calheiros (AL). O anfitrião foi o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio Neto, um dos que mais se empenharam na tentativa de demover o PFL da idéia de sair do governo.
É neste clima que o presidente Fernando Henrique Cardoso desembarcaria esta madrugada em Brasília, de volta do Panamá, para administrar pessoalmente os efeitos provocados pelo rompimento do PFL. Ele reunirá os líderes governistas na Câmara e no Senado para examinar o cenário político e definir as estratégias de votação da emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 31 de dezembro de 2004. “Temos de acalmar os ânimos e esperamos que o PFL tenha compromisso com a governabilidade”, afirmou Jucá.
A decisão do PFL preocupa tucanos como o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga. “O presidente vai chegar e ver o que fazer”, disse ele. “O PFL sempre manifestou responsabilidade para as questões do governo e espero que mantenha o mesmo senso.”
Os efeitos da separação na disputa presidencial preocupam setores do PSDB. “Não podemos queimar as pontes com o PFL para o segundo turno”, argumenta um tucano, convencido de que o rompimento acabará prejudicando a candidatura Serra.
“Tragédia” – A operação de busca e apreensão da Polícia Federal na empresa Lunus, de Roseana, foi considerada a “mais genial manobra” contra o PSDB e o PFL. “Uma briga entre aliados que não admite recuos acaba beneficiando a oposição”, avalia Geraldo Melo. “Esta tragédia só vai servir para ressuscitar a candidatura do Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT), que estava quase morta”, concorda um ministro do PFL.
Na avaliação do PSDB, a estratégia do PFL é transformar Roseana em vítima. Tanto é assim que a cúpula tucana está empenhada em afastar as suspeitas de que integrantes do governo interferiram na ação da PF na empresa dela.
Até os mais otimistas – certos de que a opinião pública tem a noção clara de que o Planalto agiu corretamente ao negar um tratamento privilegiado à família Sarney – admitem um certo desgaste. Para eles, é sempre ruim para o governo ter de dar explicações.
PFL anuncia que sai e FHC interrompe viagem
Se confirmada a decisão, os ocupantes de cargos no governo serão orientados a sair
Após sete anos de fiel apoio ao governo Fernando Henrique Cardoso, o PFL toma hoje, em Brasília, uma das decisões mais importantes de sua história: sua executiva nacional foi autorizada por deputados, senadores e líderes regionais a romper essa aliança. Se confirmada a decisão, os ocupantes de cargos no governo serão orientados a sair – condição pedida pela governadora Roseana Sarney para manter sua candidatura presidencial. No Panamá, o presidente Fernando Henrique decidiu antecipar seu retorno: sua chegada a Brasília estava prevista para esta madrugada. De lá mesmo ele começou os contatos, por telefone, para conter os efeitos da crise, desencadeada pela ação da Polícia Federal nos escritórios da empresa Lunus, de Roseana e seu marido, Jorge Murad. O presidente já falou com seu vice Marco Maciel (PFL-PE), com o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, e com o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Arthur Virgílio. Nesta manhã, ele pretende conversar com a candidata Roseana e com seu pai, o senador José Sarney.
Parlamentares e dirigentes autorizam o rompimento
Exigência de Roseana é atendida, mas saída não será simples: o PFL tem 2 mil cargos em todo País
BRASÍLIA – Com o apoio de deputados, senadores e dirigentes regionais, a executiva nacional do PFL vai anunciar hoje, oficialmente, o rompimento com o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. O presidente do partido, Jorge Bornhausen (SC), afirmou que, a partir de agora, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, deixa a condição de pré-candidata para se tornar candidata oficial do partido ao Palácio do Planalto. “Ao mesmo tempo, os integrantes do partido que ocupam qualquer cargo deverão devolvê-los ao governo”, afirmou Bornhausen. “O partido formalizará a atitude de independência em relação ao governo, mas jamais votará no Congresso contra o País.”
Roseana exigiu o rompimento com o governo para manter sua pré-candidatura. Aos deputados com os quais se reuniu ela disse que está tão ferida que não aceitará alianças com o PSDB no segundo turno. Afirmou que foi vítima de uma “armação” do candidato tucano, o senador José Serra, (SP), e que o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, está por trás da ação de busca e apreensão da Polícia Federal em sua empresa, a Lunus Participações.
Roseana prometu abrir seu sigilo bancário, fiscal e telefônico, mas tornou a afirmar que só vai responder perguntas a respeito do material que foi apreendido na Lunus depois que souber do que é acusada. “Por enquanto não sei do que se trata e os jornalistas estão muito mais bem informados do que eu.”
Nos encontros com os deputados e senadores, Roseana fez duas perguntas. Primeiro, se a candidatura dela à Presidência fortalece o partido. Segundo, se diante das “agressões” que sofreu por parte do PSDB, os parlamentares concordavam em sair do governo e entregar os cargos. Para o deputado Paulo Octávio (DF), o governo atual não é do PFL, mas do PSDB. “Então, que o PSDB fique com o governo”, afirmou.
O deputado Ronaldo Caiado, presidente do PFL de Goiás, disse que o PSDB vai saber agora o que é ficar longe de seu partido. “Nós tivemos a maior dificuldade para aprovar a nossa proposta do Fundo da Pobreza porque o PSDB a boicotou”, disse. “Agora, o PSDB se apossou desse fundo e faz propaganda pelo País todo.”
Com relação à entrega dos cargos, havia a intenção no PFL de fazer um “rompimento branco”, mas Bornhausen foi avisado por emissários de Fernando Henrique que, se o partido optar pela saída, terá de ser total. O deputado Pauderney Avelino (AM), vice-líder do partido, diz que os cargos de primeiro e segundo escalão serão entregues. Mas os de terceiro poderão ficar por conta do governo. “Desde os tempos de Eduardo Jorge (ex-secretário-geral da Presidência) o Planalto tem a lista de todo mundo”, disse. “O governo terá de encontrá-los e demiti-los.”
Isso dificultaria o trabalho do governo, porque se presume que o PFL tenha pelo menos 2 mil postos de confiança em todo o País. O vice-presidente Marco Maciel, que é do PFL, não sairá, porque foi eleito. Mas, se todas as exigências forem cumpridas, o presidente da Caixa Econômica Federal, Emílio Carazzai, apadrinhado de Maciel, será convidado a deixar o cargo. Carazzai, porém, pode abrir a primeira dissidência no PFL: mandou dizer ao seu partido que não sai.
Governo teme mais atraso na aprovação da CPMF
BRASÍLIA - Se a Câmara aprovar a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para 2004 na terça-feira, o governo ainda terá de esperar de três a quatro semanas para implementar a medida. Com isso, amargará um prejuízo considerável de cerca de R$ 800 milhões. Depois de ser votado, em segundo turno, na Câmara, o projeto ainda terá de ser votado em dois turnos no Senado.
O Palácio do Planalto teme novos atrasos na votação da emenda da CPMF, por conta da crise com o PFL. Está ciente de que é impossível aprovar a medida até 18 de março, prazo fatal para que a contribuição não ficasse um dia sequer sem ser cobrada. Pelo cronograma dos líderes aliados, a CPMF ficará sem ser cobrada, no mínimo, dez dias, com prejuízos pesados para os cofres públicos.
"É impossível votar a CPMF até o dia 18 e vamos ficar sem ter contribuição cerca de duas semanas", reconheceu ontem o líder do governo no Senado, Artur da Távola (PSDB-RJ). A votação da emenda deveria ter ocorrido ontem, na Câmara, mas foi adiada para próxima semana depois que o PFL decidiu não apreciar a proposta em solidariedade à governadora do Maranhão e pré-candidata do partido à Presidência da República, Roseana Sarney. "O PFL tem maioria e sem seus votos não temos condições de votar a CPMF", afirmou o presidente da Câmara, deputado Aécio Neves (PSDB-MG).
O governo está trabalhando com a aprovação da CPMF, na Câmara e no Senado, antes da Semana Santa, caso o clima de tensão na base aliada não aumente. O cronograma prevê a votação da proposta, em segundo turno, na semana que vem pelos deputados. A emenda seguirá, então, para o Senado onde será votada em dois turnos. "E precisamos de, pelo menos duas semanas para apreciar a CPMF", afirmou o líder Artur da Távola.
A emenda precisava ser aprovada na Câmara e no Senado até o dia 18 de março porque, pela legislação, as contribuições precisam estar aprovadas 90 dias antes do início de sua cobrança. E atual CPMF termina dia 17 de junho.
Quebrado sigilo de firmas para verificar elo com Murad
Abertura de contas de Nova Holanda e Agrima faz parte da investigação sobre fraudes na Sudam
PALMAS – A juíza substituta da 2.ª Vara Federal do Tocantins, Ednamar Silva Ramos, decretou a quebra de sigilo bancário das empresas Nova Holanda Agropecuária e Agrima. A medida é um dos passos da investigação que vem sendo conduzida em Palmas para apurar denúncias de envolvimento de Jorge Murad, gerente de Planejamento do governo do Maranhão e marido da governadora Roseana Sarney, com as fraudes na extinta Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
A juíza quer saber se há relação entre Murad e as duas empresas. A quebra de sigilo foi determinada na semana passada ao Banco Central, mas apenas ontem foi confirmada por fontes do Ministério Público Federal. A Nova Holanda é uma das 36 empresas que receberam recursos do Fundo de Investimento da Amazônia (Finam) e estão sendo investigadas pela Polícia Federal. Pesa contra ela a suspeita de não ter aplicado integralmente os R$ 11,8 milhões recebidos, em abril de 1997.
No ano passado, numa busca feita no escritório de assessoria A. C. Rebouças, a PF encontrou documentos da Nova Holanda e da Agrima e uma suposta lista de funcionários da Sudam, com pagamentos de propinas. No caso da Agrima, a investigação quer levantar se a empresa, que foi de Murad, ainda tem relação com ele.
Papéis – Ontem os procuradores insistiram na necessidade de liberar documentos apreendidos semana passada na empresa Lunus Serviços e Participações, de Roseana e Murad. “Só com os papéis poderemos dizer que Murad tem ou não relação com as empresas”, afirmou o procurador da República no Tocantins Mário Lúcio de Avelar. Além disso, segundo ele, a investigação pode identificar se há ligação entre Murad e a Usimar Equipamentos Automotivos, um dos projetos que mais recebeu recursos da Sudam – R$ 44 milhões – e não foi executado. “Dentre os documentos pode ter algo sobre a Usimar. Se isso se comprovar, os documentos serão anexados ao processo sobre a empresa, que tramita na Justiça Federal do Maranhão”, contou Avelar.
Até agora, as únicas sugestões de ligação da Usimar com Murad são relatos de pessoas que participaram de reunião do Conselho Deliberativo da Sudam em São Luís, no fim de 1999, quando o projeto foi aprovado de forma rápida. Da entrada da carta-consulta na Sudam à análise do empreendimento, que normalmente leva em torno de seis meses, foram apenas dois dias.
Anteontem, os investigadores receberam do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Maranhão a confirmação de que a Nova Holanda fez duas contribuições de campanha para Roseana, em 1994 e 1998. Aparentemente, este é o único vínculo até agora entre ela e o empreendimento. “Há vários indícios importantes que podem levar a esta conexão, mas sem analisarmos os documentos apreendidos, fica difícil fazer a relação”, afirmou um investigador.
Ontem, pelo menos três procuradores – Nicolau Dino, do Maranhão, Ubiratan Cazzetta, do Pará e Avelar – voltaram a se reunir para discutir as novas linhas de investigação no Maranhão e fazer a conexão entre os projetos da Sudam aprovados no Estado com outras regiões do País.
Sarney elogia Lula no discurso em defesa da filha
BRASÍLIA – O senador José Sarney (PMDB-AP) leu na terça-feira à noite, para um público reservado, as 16 páginas do discurso que preparou para manifestar a indignação com a ação da Polícia Federal na empresa de sua filha, a governadora do Maranhão Roseana Sarney, e seu genro, Jorge Murad.
Emocionado, Sarney parou algumas vezes de ler, com voz embargada, e fez chorar a filha. O discurso seria feito no plenário ontem, mas, a pedido do presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), e de Roseana, Sarney adiou a leitura para terça-feira. Em sua casa, em Brasília, estavam ainda o cientista político Antonio Lavareda, responsável pelas pesquisas do PFL, o senador Edison Lobão (PFL-MA), o ministro da Previdência, Roberto Brant, e alguns assessores.
O tom do discurso impressionou. Sarney usa termos duros ao se referir ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Atribui ao governo, sem meias palavras, a ação da PF. E lembra, com detalhes, o dia em que Fernando Henrique lhe pediu carta de aval para dizer que nada tinha a ver com investigações ocorridas em São Paulo, durante seu governo. “Eu dei a carta”, contou ele, que estava deixando a Presidência e assumindo sua cadeira no Senado.
Sarney insiste no tema troca de favores e diz que todos os políticos, exceto Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pediram muitos favores a ele quando foi presidente. O senador fez rasgados elogios à coerência de Lula.
Ao fim da leitura, Bornhausen e Roseana se convenceram de que o discurso aprofundaria a crise entre PFL e governo. E pediram que fosse adiado.
Bornhausen disse que o timing político é do PFL. Se Sarney discursasse, roubaria a cena. Ele concordou, mas avisou: “Não mudarei uma vírgula. Vocês vão me matar se me impedirem de dizer o que sinto em relação à minha filha.”
Ontem à tarde, no Congresso, Sarney voltou ao assunto, em uma conversa com políticos de sua confiança. Para ele, a operação da PF foi “uma violência”. E estranhou: “Se era segredo de Justiça, como a imprensa publicou?”
TSE abre contas de campanha para coibir caixa 2
Partidos terão acesso a dados das campanhas de adversários, permitindo mais controle dos gastos
BRASÍLIA – Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram permitir aos partidos políticos que acompanhem o exame das prestações de contas de seus concorrentes. Incluída nas instruções para a eleição deste ano, divulgadas na noite de terça-feira, a medida tem o objetivo de tentar coibir a prática de caixa 2 nas campanhas. O presidente do TSE, Nelson Jobim, ressaltou que apuração dessa prática depende de denúncia.
A novidade está sendo considerada revolucionária por especialistas em direito eleitoral, juntamente com a decisão de restringir as possibilidades de coligação. Na semana passada, os ministros do TSE decidiram que os partidos não têm mais liberdade total para se coligar. Se participarem da eleição presidencial, nos Estados só poderão aliar-se com os companheiros na disputa pelo Planalto. A novidade virou norma terça-feira, quando foi incluída em instrução do tribunal.
Consultor eleitoral do PFL, o ex-ministro do TSE Torquato Jardim considera que o tribunal abriu um caminho oficial para que os partidos formem especialistas em auditorias eleitorais. “A Justiça Eleitoral passa a compartilhar o ônus da prestação de contas com os partidos”, opinou.
Ele explicou que as auditorias têm de ser feitas com base em um cadastro regionalizado. “Quem vai auditar as contas tem de saber quanto custa a confecção de uma camiseta no Piauí e no Rio Grande do Sul”, explicou o advogado. “Isso exige a formação de um cadastro que a Justiça Eleitoral não tem condições de ter. Para os partidos é mais fácil”, afirmou o consultor, acrescentando que a novidade deverá inibir o caixa 2 das campanhas.
Contradição – Já o pré-candidato do PT ao governo paulista, deputado José Genoíno, considera positivo que a prestação de contas se torne cada vez mais pública. Mas ele pondera que a decisão de permitir aos partidos que examinem as contas é uma contradição porque, ao mesmo tempo em que o TSE possibilitou uma participação maior na fiscalização, retirou das siglas a liberdade de fazer coligação com quem quiserem.
Genoíno prevê que a participação dos partidos no exame das contas poderá provocar dois fenômenos. “Ou vai haver um grande acordão de todos os partidos para não fiscalizar, o que é ruim, ou vai virar uma guerra”, acredita.
Ontem, Jobim admitiu, num congresso de prefeitos e vereadores em Brasília que a decisão sobre as coligações causou insatisfações e controvérsias. Mas alegou que o TSE cumpriu seu papel, pois a Constituição prevê que os partidos são nacionais. “Os partidos servem à Nação, à governabilidade e ao futuro”, ressaltou. “As circunstâncias eleitoreiras de momento não podem ser consideradas”, acrescentou. “Sabemos perfeitamente da necessidade da consistência do processo político para que os senhores sejam respeitados pela nação.”
Os ministros do TSE decidiram também que todas as pesquisas eleitorais têm de ser registradas na Justiça até cinco dias antes de sua divulgação. Quem não concordar com o teor do levantamento poderá encaminhar representações aos tribunais eleitorais.
O TSE resolveu, ainda, modificar alguns pontos da instrução sobre propagandas eleitorais. Na publicidade, os nomes dos candidatos a vice e a suplente terão de ser divulgados e o político que ofender um adversário por mais de uma vez pode ser punido com suspensão do programa.
Artigos
Aço, cravo, ferradura e coice
Roberto Macedo
O presidente dos EUA acaba de anunciar um pacote de medidas protecionistas em benefício da indústria siderúrgica americana, que vigorarão por um período de três anos. É uma indústria decadente, com sérias dificuldades de competir com o aço importado de países que, como o Brasil, têm custos menores e preços atrativos, mesmo entregando o produto lá.
Vieram tarifas de importação para vários tipos de aço. Conforme o noticiário, o pacote definiu alíquotas de 8, 13, 15 e 30% dependendo do tipo. Contempla, também, várias isenções, como as que beneficiam o México e o Canadá, parceiros dos EUA na área do Nafta, o tratado de livre comércio da América do Norte, e outras que dizem respeito a produtos em que a participação de importações no mercado americano não ultrapassa 3% dos produtos acabados.
No caso que mais interessa ao Brasil, o de placas semi-acabadas, foi estabelecido um limite anual de 4,9 milhões de toneladas métricas, até o qual as compras dos importadores americanos continuarão isentas de tarifa.
Esse limite ou quota será distribuído aos países exportadores com base no que venderam aos EUA em 2001. Sendo o maior fornecedor, o Brasil deve ficar com 51,8% do total, o que significaria 2,54 milhões de toneladas. No passado, contudo, a indústria brasileira já chegou a exportar mais do que isso. E mais: se a economia americana voltar a crescer, como se espera, sem a tarifa esse limite seria superado, mas acima dele vigorará uma alíquota de 30%, proibitiva de um maior volume de exportações brasileiras.
Mais uma vez, um pacote como esse tira dos EUA a sua máscara de grande defensor do livre comércio. Sob pressão das indústrias locais e de olho nas eleições parlamentares de novembro, nas quais estará em jogo o controle da Câmara dos Deputados, o presidente Bush procurou agradar particularmente aos eleitores de três Estados onde se concentra a produção de aço (Ohio, Virgínia Ocidental e Pensilvânia). Em que pese a decadência, a indústria americana ainda mantém cerca de 190 mil trabalhadores e deixou no seu rastro cerca de 600 mil aposentados, segundo matéria publicada pelo Financial Times e reproduzida ontem pela Folha de S. Paulo. Indústrias que consomem o aço importado eram contra o pacote, mas venceu a corrente protecionista.
Para manter um mínimo de coerência, o governo americano deveria ter anunciado medidas para facilitar um contínuo enxugamento do setor, inclusive com realocação de sua mão-de-obra para outros, visando diminuir as reações políticas em contrário. Depois dos três anos em que as medidas protecionistas vigorarão, haverá a pressão para mantê-las, pois o problema da falta de competitividade da siderurgia americana é estrutural, ligado a custos onerosos, sem perspectivas de correção no futuro.
Quando estudei nos EUA, inclusive a disciplina Comércio Internacional, passei por uma carga enorme de teorias, fórmulas e blablablá sobre os benefícios econômicos do livre comércio, mas felizmente já vacinado pelo que sabia e continuava aprendendo de Economia Política, onde são realçadas as dificuldades de levar idéias econômicas à sanção política. No que diz respeito à dinâmica das vantagens competitivas das nações, entretanto, continuo apreciando muito as lições de um americano, Michael Porter, professor da Escola de Negócios da Universidade de Harvard. Ele enfatiza que, nos primeiros estágios de desenvolvimento, um país exporta produtos primários, como minério, couro e madeira, sem maior valor adicionado na fase de manufatura. No estágio seguinte, em que o Brasil se encontra, há um avanço e o país, utilizando tecnologias universalmente conhecidas, passa a produzir e exportar manufaturados, como o aço, calçados e móveis. No terceiro estágio, que significaria a consolidação do desenvolvimento, passaríamos a produtos de alta tecnologia, como computadores e aviões, em cuja produção, aliás, já fazemos algumas pequenas incursões. Porter fala também da passagem de um para outro estágio. Se não consolidarmos esse segundo estágio, apoiando e expandindo setores como o siderúrgico, onde estão hoje nossas vantagens competitivas, vai ser mais difícil ainda chegar ao terceiro.
O que fazer? O Brasil não pode, evidentemente, ficar calado. Dentro das opções mais imediatas, além dos protestos diplomáticos de praxe, a linha mais atraente é a que surge da perspectiva de que a União Européia, fortemente afet ada com o pacote, irá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), conforme anunciado pelo comissário europeu a quem está afeto o assunto, Pascal Lamy. Com um grandalhão como esse à frente, o Brasil poderá aderir à ação na condição de terceiro interessado, fortalecendo a iniciativa, mas sem os riscos de ficar isolado à frente dela. Quanto a esses riscos, quem mais os conhece são os empresários brasileiros do setor que, assim, precisam ser consultados, ainda que, como governo, este deva excluir das hipóteses a simples acomodação.
Em que pese o estilo do pacote, com medidas mais duras combinadas com outras abrandadas, e ligadas a um produto que lembra a história das batidas ora no cravo, ora na ferradura, o relevante é que o resultado final ferrou bem a pata para um coice nas aspirações brasileiras de ampliar suas exportações de aço. Cabe reagir, e com firmeza.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Soberania
Sim, a gente vai aprendendo. Aos trancos e barrancos, às vezes até lutando contra si mesmo: pois não há propriamente limites traçados, e ao mesmo tempo há uma profusão de limites, cuja legitimidade é difícil de discernir. A própria palavra democracia, como traduza-la literalmente? Vai-se ao dicionário: o velho Cândido de Figueiredo assim reza: "Soberania popular; governo do povo; influência do povo na governarão pública; classe social compreendendo o operariado e a população ínfima."
(Grego: demokrateia. Já Laudelino Freire diz: DEMOCRACIA (do grego demokratia) 1) governo em que o povo exerce a soberania; 2) A influência do povo no governo de um Estado. 3) Sociedade livre em que prepondera a influência popular. 4) O povo, as classes populares. 5) O partido democrático; a política ou a doutrina democrática.
O nosso inesquecível Aurélio repete a raiz grega, as definições dos livros mais velhos, e diz mais: "Doutrina política baseada nos princípios da soberania popular, e a distribuição eqüitativa de poder, ou seja: regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade, i.e., dos poderes de decisão e execução." E, ainda o Aurélio: "Democratismo, ditadura. 3) País cujo regime é democrático. As classes populares, povo proletariado. Democracia autoritária (Ciência política) Sistema de governo surgido após a Primeira Grande Guerra, em geral anticomunista, firmado na supremacia do poder executivo em relação aos demais poderes. Democracia popular. Designação comum aos regimes políticos monopartidários, dominantes nos paises da área socialista."
São definições de gramáticos, claro. Mas mestre Aurélio, mais politizado, já fala de deformações de conceito de democracia, tais como a autoritária e a popular. Assim, como se vê, as definições não correspondem bem à realidade, a realidade é que tenta se adaptar às definições. D. Pedro II, o imperador democrático, convivia legalmente com a escravidão e, quando a aboliu, foi derrubado. E Getúlio, com a sua constituição "polaca", também se dizia democrata. Stalin, o mais sinistro tirano do século, se pretendia chefe de uma democracia popular.
Assim mesmo a gente insiste. Tergiversa num ponto, avança demais em outro, mas há sempre a intenção de acertar.
É, de vez em quando há um escorrego; esse assunto de censura, por exemplo, é justamente um dos mais delicados na convivência com a democracia. Até onde vai o seu direito de falar e a sua obrigação de calar a boca? Há aquela definição excelente que diz: "O direito do cidadão acaba onde começa o direito dos outros." Contudo, essa fronteira é vasta, porque, muitas vezes são fluidas, ou colidem. Como no caso de se recolher, ou não, em abrigos, durante a noite, os chamados meninos de rua. Eles têm o direito à liberdade de ir e vir; mas, sendo menores, não estarão sob a tutela dos pais ou do Estado? E o cinto de segurança? O cidadão não tem o direito de correr riscos, se assim quer? Mas a obrigação da lei é impedir o suicídio. E então? E o voto obrigatório? Será democrático obrigar o cidadão a votar? E o voto do analfabeto? Sendo o voto secreto e o eleitor analfabeto, como obrigá-lo a escolher numa lista impressa, o nome e o número do seu candidato - se é que ele tem candidato.
Na verdade, a conquista da democracia é quase tão árdua e inacessível quanto a conquista do Reino dos Céus. O mérito único do cristão e pecador é esforçar-se por alcançá-lo; mas chega a ser até presunção pecaminosa petender tê-lo obtido. Assim, no plano social, será democracia. A virtude está no esforço, na luta constante contra os abusos, as violências, no respeito ao ideal social. Como dizia o nosso hoje tão esquecido brigadeiro Eduardo Gomes: "O preço da democracia é a eterna vigilância..."
Editorial
“ESCOLHA DE SOFIA” DO PFL
A presidenciável Roseana Sarney colocou o PFL contra a parede, ao condicionar a sua candidatura ao rompimento do partido com o governo, porque, como não se cansou de repetir aos seus correligionários, a permanência dos pefelistas no Ministério equivaleria a abonar a violência que ela diz ter sofrido com a devassa da Polícia Federal no escritório da empresa Lunus, de serviços e participações. Mais de 80% do capital da firma está em nome de Roseana. O sócio minoritário é o seu marido Jorge Murad. A ação policial, como se sabe, deu cumprimento a um mandado de busca e apreensão expedido por um juiz federal de São Luís, atendendo ao pedido de uma juíza de Palmas, no Tocantins, onde se concentram as investigações sobre as fraudes na Sudam.
No ano passado, o Ministério Público Federal entrou com uma ação contra Roseana e Murad, por ter a Sudam aprovado - em reunião presidida pela governadora - um financiamento de R$ 690 milhões para o projeto de uma fábrica de peças automotivas, a Usimar. A autarquia chegou a desembolsar R$ 44 milhões, sem contrapartida alguma, ao contrário do estipulado. A Sudam registrou um aporte, em equipamentos, no valor de R$ 102 milhões. Mas o maquinário nunca foi encontrado. Suspeita-se também de desvio dos recursos do projeto Nova Holanda Agropecuária, a que Murad estaria vinculado por intermédio da associada Angrima, e ainda de ligações entre ele e o empresário Aldenor Rebouças, que registrou, em nome de um "laranja", duas empresas de fachada no Caribe.
Esse é o pano de fundo da "escolha de Sofia" - o dilema entre dois cursos de ação igualmente indesejáveis - que Roseana impôs ao PFL. Movida, ao que tudo indica, por uma combinação de personalismo, obsessão persecutória e desconforto diante do ditado "quem não deve não teme", a temperamental governadora, escudada no seu surpreendente "cacife eleitoral", resolveu transformar em crise de governo o que o presidente Fernando Henrique pretendia que fosse apenas uma "tempestade em copo de água". E, ao que tudo indica, conseguiu. Hoje, o partido deverá tomar a decisão que os mais moderados entre os seus dirigentes gostariam de evitar.
O PFL está ciente de que, do lado do governo, não haverá meio-termo: se a agremiação retirar os seus três ministros, terá de devolver também os cerca de 2 mil cargos que ocupa na administração federal, notadamente no INSS, Eletrobrás, Caixa Econômica e órgãos regionais, no Nordeste. Relatos do encontro do presidente com os ministros pefelistas Roberto Brandt (Previdência), José Jorge (Minas e Energia) e Carlos Meles (Esportes e Turismo), na segunda-feira, véspera do ultimato de Roseana, revelam o sentido do comentário de Brandt, à saída da reunião, de que Fernando Henrique "abriu a alma": segundo se noticiou, o presidente advertiu que considerará o eventual rompimento uma "afronta" pessoal.
Levada a esse ponto, a "disputa autofágica" na base majoritária, como Fernando Henrique teria quali ficado a hostilidade dos pefelistas ao tucano José Serra e vice-versa, será interpretada no exterior como sintoma de instabilidade política e sinônimo de incerteza quanto aos rumos do governo, com graves reflexos para a economia. No plano nacional, a crise repercute há dois dias na Bolsa de Valores e no mercado de câmbio. É difícil, porém, que a questão se estenda ao Congresso. A recusa do PFL de votar o segundo turno da prorrogação da CPMF provavelmente não é "para valer". Custa a crer que o PFL enverede por um caminho não só alheio ao seu modo de ser, como também situado na contramão de suas convicções. É impensável que o partido, mesmo fora do governo, deixe de aprovar projetos do Planalto com os quais esteja de acordo.
Na área administrativa, portanto, o governo não terá maiores problemas com o "fechamento" do PFL com sua candidata. Mas, na questão da sucessão presidencial, por enquanto não se vêem "atenuantes" para os problemas criados por esse caso para o governo. O estrago feito parece sem conserto.
Ainda na hipótese de uma brusca queda da candidata do PFL nas pesquisas de intenções de voto, o partido terá que ir com ela até o primeiro turno. E, mesmo que Serra vá para o segundo turno, será difícil o PFL encontrar uma justificativa para apoiá-lo oficialmente, depois de tudo o que foi dito no calor da crise - embora ninguém acredite que possa vir a apoiar seu adversário.
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03/07/2002
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