Quando a fome supera a disciplina



ARTIGO Polícia em greve é pesadelo . O que ocorreu na Bahia, em Alagoas, Pernambuco e no Paraná segue o mesmo caminho de 1997, quando doze Estados enfrentaram movimento análogo. Naquele ano, em julho, lia-se em jornal de Porto Alegre: "Exército pode usar cinco mil homens para garantir segurança na Capital". O Governo Estadual de então enfrentou prova de fogo com a mobilização dos servidores da segurança pública. O século vinte tornou públicos serviços essenciais antes de consumo da elite. Não estamos falando de qualidade mas da distribuição em larga escala de saneamento básico, educação, saúde, segurança e transporte públicos. Serviços paralisados significam a perda de uma rotina já consumada. Claro que quanto menor o poder aquisitivo, maior o transtorno. Mas a segurança pública parada atemoriza a todos, porque retira o ser intermediário (o policial) da relação involuntária do cidadão com a criminalidade. E se o Exército ameaça intervir, remontamo-nos à época de uma guerra e sua regra maniqueísta: ou somos aliados ou inimigos, em espaço reduzido para considerações diplomáticas. O repúdio à greve não deve impedir uma análise clara das condições que provocaram esta situação. Os policiais civis e militares estão insatisfeitos com o que ganham. Queriam que a política salarial brasileira fosse a do vale quanto pesa. Ou seja, se dizem que o que mais vale é a vida, então aqueles que arriscam a sua para defender outras vidas deveriam ganhar bons salários. Talvez os policiais não entendam por que sua relação com a sociedade tenha chegado à tal dubiedade. E quando ameaçam parar, é porque ainda lutam para não perder a identidade profissional, para manter-se na zona da legalidade, utilizando-se de meios lícitos para expor sua insatisfação salarial. A segurança pública brasileira necessita de uma ampla reforma em seu sistema. Como a unificação das polícias, trazendo-as mais para perto da sociedade civil, retirando o ranço militarista que as impede de reforçar os mecanismos de investigação e repressão criminais, em parceria com o Ministério Público e o Poder Judiciário. Unificar é sistematizar a linha de inteligência policial. Ninguém nasce criminoso. Mais azar têm aqueles que convivem com a ilegalidade familiar e a rejeição da sua comunidade. Ainda há os criminosos que usam terno e gravata, transitam em palácios e parlamentos, e se julgam com sorte. Isso confunde a população, decepciona a polícia justa e fragiliza os órgãos públicos que lidam com o disparate de ver um Nicolau pego e tantos outros na surdina do caixa dois. A polícia em crise é reflexo dessa situação. Espera-se que, passada a onda do movimento paredista, não se desperdice a chance de discutir e implementar um sistema mais ágil de segurança pública, pois a fome supera a disciplina.

/18:07/


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