Reforma poderá dar mais legitimidade ao parlamento
O Congresso Nacional iniciou os trabalhos legislativos assumindo o desafio de realizar as reformas política e eleitoral. Reclamadas por muitos há décadas, essas reformas teriam como objetivo conferir mais legitimidade à representação parlamentar, ao aproximar a vontade do eleitor do que é decidido no Congresso.
Ainda que o país esteja experimentando, desde 1988, quando se instalou a Constituinte, o período mais prolongado e estável de democracia, o sistema político-eleitoral é alvo de queixas de alguns e ácidas críticas de outros.
Diz-se que o eleitor tem o direito de dar seu voto, a partir das informações que recebe por meio da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Depois disso, os políticos ficariam à vontade para decidir ou não decidir sobre leis, de acordo com as conveniências partidárias e ou pessoais. Num quadro assim, problemas graves se arrastariam sem solução, diminuindo não só o grau de bem-estar da população, mas igualmente a eficiência produtiva do país.
A falta de regras sobre ações preventivas e emergenciais em caso de enchentes e a ausência de normas adequadas para o recolhimento de impostos são dois exemplos.
Tema complexo
Por tratar-se de uma reforma de grande complexidade técnica, mas sobretudo por mexer nos interesses dos próprios políticos, essa operação demandará grande esforço e desprendimento dos parlamentares, conforme observou recentemente o presidente do Senado, José Sarney:
- Temos que votar a reforma política no primeiro ano da legislatura. Caso contrário, ela será inviabilizada pelos interesses corporativos.
Mas o que poderia ser feito pela própria classe política para legitimar sua atuação? E como é que se poderiam organizar as discussões e a elaboração do projetos de mudanças nessa área?
A reforma política é abrangente e define o desenho do sistema político-eleitoral do país, previsto na Constituição federal. É o norte para a reforma eleitoral, que busca aperfeiçoar a legislação específica - Código Eleitoral, Lei das Eleições e dos Partidos Políticos.
A reforma política, portanto, deve idealmente vir antes da reforma eleitoral, na opinião dos especialistas. Uma mudança de cunho geral seria, por exemplo, a adoção de um modelo de acesso ao Parlamento, com a opção pelo voto majoritário, proporcional ou distrital. Este, aliás, é o tema mais mencionado pelos parlamentares nas últimas semanas.
O consultor do Senado Gilberto Guerzoni dá um exemplo da importância da escolha eminentemente política nessa reforma.
- Não há razão técnica para a adoção do sistema eleitoral A, B ou C, pois cada um tem vantagens e desvantagens. Assim, a decisão por um deles segue razões políticas - diz Guerzoni.
Sarney prega o fim do voto proporcional para os deputados federais, estaduais e distritais, por entender que esse mecanismo é "responsável pela desintegração dos partidos", além de impedir "a formação de homens públicos, programas e ideias". O líder do PT no Senado, Humerto Costa (PE) advoga o oposto, argumentando justamente em favor do fortalecimento dos partidos.
O voto proporcional dá acesso às câmaras com base em lista aberta por partido, mas é criticado porque nem sempre os candidatos com mais votos conseguem se eleger, enquanto outros podem não só conquistar uma vaga, mas também ajudar a eleger colegas de partido com poucos votos.
De acordo com o líder do PT, a adoção do voto majoritário na Câmara, com a eleição dos mais bem votados, independentemente das listas, representaria a negação dos partidos políticos.
Programas
A reforma política engloba a definição de normas gerais para coligações, fidelidade partidária, suplência parlamentar e número de partidos, definido por meio de um percentual mínimo de votos sobre o total.
Embora não esteja no horizonte no momento, são do âmbito da reforma política mudanças no sistema de governo. O presidencialismo foi a opção adotada pelos constituintes em 1988 e confirmada em um plebiscito em 1993.
A abrangência da reforma pretendida agora é menor. Em princípio vai se situar na esfera da representação e da atuação dos partidos no Congresso e tudo o que derivar disso, pelo que tem dito senadores e deputados.
Em discurso no Congresso durante a abertura dos trabalhos da atual legislatura, a presidente da República, Dilma Roussef, defendeu a reforma como um caminho para dar aos partidos "atuação mais programática". Ou seja, atuação com base em seus princípios e programas.
Nos últimos anos, tanto a imprensa quanto a academia, mas até mesmo alguns políticos, têm emitido severas críticas a práticas consideradas nocivas. Uma delas é a excessiva vinculação entre o apoio ao governo e as nomeações e liberação de verbas. Já o chamado troca-troca partidário, com a freqüente migração de parlamentares entre as agremiações, tem levado a disputas judiciais e é considerado anomalia tão grave quanto a existência de 'legendas de aluguel', que buscam espaço no espectro político para negociar espaço no horário eleitoral do rádio e da televisão.
Amplitude
Sobre a amplitude dos temas a serem tratados na reforma política, o quadro ainda não está claro. O senador Demostenes Torres (DEM-GO) acha que a comissão especial a ser instalada nesta terça-feira (22) deve se debruçar sobre alguns poucos grandes temas, entre eles o do número adequado de partidos, com a discussão da cláusula de barreira.
Em entrevista à Agência Senado no dia 9, Demóstenes mencionou ainda a qualidade dos políticos; a necessidade de leis que forcem os partidos a punir os integrantes que apresentam desvios de conduta; e um sistema de financiamento de campanhas.
O presidente da Câmara, Marco Maia, afirmou no dia 2 que, embora fosse prioridade de sua gestão, a reforma política poderia ser fatiada, de modo a facilitar a aprovação dos pontos consensuais. Contra isso já se manifestou o senador Aécio Neves (PSDB-MG), defensor da ideia de se colocar os pontos polêmicos em votação e evitar que o esforço por consenso acabe por postergar indefinidamente uma decisão.
Seja lá como for, a tarefa é urgente, de acordo com Sarney, uma vez que a sociedade da informação põe constantemente em cheque e ameaça a sobrevivência da democracia representativa:
- Vivemos num mundo em transformação, mas transformado. Ou nos integramos a ele ou seremos destruídos. Com a informação em tempo real, a legitimidade de representação adquirida nas eleições tende a se diluir rapidamente, e precisa ser constantemente renovada. A opinião pública, com poder político agregado, passou a ser um interlocutor direto da sociedade democrática - advertiu em seu discurso de posse para mais um mandato à frente da Presidência do Senado.
Estreante no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) quer fazer avançar o debate da reforma política.
- Não podemos cometer o erro do passado de fazer apenas pequenos remendos eleitorais na nossa legislação - declarou, reiterando que a seu ver não existirá reforma política se não for ampliada a participação da população na gestão política.
Iara Guimarães Altafin e Nelson Oliveira / Agência Senado
18/02/2011
Agência Senado
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