Relator quer cortar 30% das emendas de parlamentares








Relator quer cortar 30% das emendas de parlamentares
Segundo Dória, novo mínimo dependerá de parlamentares abrirem mão de suas propostas

BRASÍLIA – O relator-geral do Orçamento da União de 2002, deputado Sampaio Dória (PSDB-SP), vai propor hoje o corte de até 30% nas emendas dos parlamentares e de 3% nos gastos de custeio do Executivo, Legislativo e Judiciário no próximo ano para obter cerca de R$ 1,6 bilhão para custear o reajuste do salário mínimo para cerca de R$ 200.

Para fechar o Orçamento do próximo ano, será feita a reestimativa da arrecadação tributária e desvinculados temporariamente os recursos que serão arrecadados com a Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide). “Da disposição dos parlamentares em cortar as emendas dependerá o novo valor do salário mínimo”, disse Dória. Ele apresentará hoje à reunião do colégio de líderes da Câmara e do Senado as projeções de ampliação de despesas da Previdência decorrente do mínimo de R$ 200 no lugar dos R$ 189 já previstos na proposta orçamentária.

O aumento de R$ 6 – para R$ 195 – custaria R$ 900 milhões, enquanto a elevação para R$ 200 exigiria mais R$ 1,650 bilhão. O impacto maior, de R$ 3,150 bilhões, é calculado para o mínimo de R$ 210. Hoje o piso salarial nacional é de R$ 180.

Dória também vai apresentar uma reestimativa da arrecadação de tributos no ano que vem, que elevará a receita do governo federal em torno de R$ 1 bilhão. As novas estimativas se basearam na diferença entre a inflação projetada para o segundo semestre deste ano e a efetivamente ocorrida. No acumulado de 2001, o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), utilizado para estimar as receitas tributárias, deverá ficar em 7,1% e não em 6% médios projetados anteriormente. A inflação maior eleva a base de preços sobre a qual é estimada a arrecadação, que, em conseqüência, também será superior.

“Mesmo com essa reestimativa não haverá espaço para o aumento do salário mínimo acima dos R$ 189 já acomodados na proposta orçamentária, por isso terá de haver corte nas emendas coletivas de bancadas estaduais, regionais e de comissões temáticas da Câmara e Senado”, explicou o relator-geral do Orçamento. Ele ressaltou que existem vários outros gastos a serem acomodados na proposta orçamentária, como é o caso da redução de R$ 1,4 bilhão de receitas que o Executivo contava com a cobrança da contribuição previdenciária dos inativos da União. A proposta nem chegou a ser examinada pelo Congresso. Dória não contabilizou nas pendências a queda de R$ 2,6 bilhões com a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) em 17,5%.


O total das emendas coletivas a serem acatadas no Orçamento deverá ficar em cerca de R$ 5 bilhões – além dessas, há R$ 1,2 bilhão em emendas individuais dos parlamentares, que serão preservadas dos cortes. Como os parlamentares não deverão concordar com um corte acima de 10%, é provável que a medida faça surgir R$ 500 milhões para financiar o novo mínimo.

O corte de 3% nos gastos de custeio dos três Poderes vai render R$ 350 milhões para compor as fontes para o reajuste do mínimo. Segundo Dória, a idéia é preservar as áreas sociais dessa redução, como saúde e educação.


Procurador vai convocar Olívio a depor sobre denúncias de CPI
PORTO ALEGRE - O procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul Cláudio Barros Silva convocará o governador Olívio Dutra para depor sobre as denúncias da CPI da Segurança Pública. Durante os trabalhos da comissão, o petista chegou a ser convidado a comparecer à Assembléia, mas tinha prerrogativa de não falar aos parlamentares. Agora Olívio pode escolher o local e a data para ser ouvido pelo procurador. "Vamos chamar o governador e o vice a depor. Eles devem ter interesse em esclarecer o Ministério Público", afirmou Barros Silva.

Olívio foi acusado de improbidade administrativa pelos deputados da CPI, que ontem entregaram ao Ministério Público uma cópia do relatório e todos os documentos de prova recolhidos nos seis meses de investigação. "O processo político encerrou, nós vamos trabalhar com provas. Minha preocupação é tentar salvar as provas para não ter problemas depois na Justiça", disse o procurador.

TCU dá parecer favorável à retomada de obra do TRT
O ministro-presidente do Tribunal de Contas da União, Humberto Souto, emitiu ontem certidão a pedido do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo atestando que “não há qualquer impedimento com relação a uma nova licitação que vise a retomada da conclusão” das obras do Fórum Trabalhista. Com o documento, o TRT espera que os R$ 15 milhões reservados pelo governo para a obra sejam incluídos de novo no Orçamento 2002.


Desembargador gaúcho assume AMB amanhã
O desembargador do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul, Cláudio Baldino Maciel, assume amanhã a presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Atual vice-presidente da entidade, Maciel sucede Antônio Carlos Viana Santos, do TJ de São Paulo, após vencer Jorge Uchôa de Mendonça, do TJ do Rio, no pleito realizado em novembro. A AMB tem pouco mais de 14,5 mil associados.


Prefeitos vão pressionar contra mínimo maior
Avaliação é que se não houver fonte para atender também aos municípios, eles terão de demitir

BRASÍLIA - A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) reunirá esta semana em Brasília cerca de 500 prefeitos para discutir a estratégia de pressão sobre o Congresso de modo a evitar que propostas de mudanças legislativas em tramitação venham a provocar prejuízos às finanças municipais. Entre as propostas estão os reajustes do salário mínimo e da tabela de alíquotas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, a confederação decidiu deslocar o eixo dos trabalhos de pressão do Poder Executivo para o Legislativo. A mudança na estratégia deve-se principalmente à proximidade da campanha eleitoral para reeleição dos congressistas, que disputam o apoio dos prefeitos em suas bases eleitorais. A CNM costuma organizar marchas até Brasília. A de maior repercussão ocorreu no ano passado, quando os prefeitos pediram o adiamento das punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal e saíram com a definição da data de vigência da lei.

Ziulkoski disse ontem que os parlamentares estão preocupados em encontrar fontes de recursos para custear os reajustes no âmbito federal, mas esqueceram dos municípios. Ele avalia que um reajuste do salário mínimo para R$ 200 levaria a um aumento de 7,8% na folha de pagamento da maioria dos pequenos e médios municípios do Nordeste - onde de 60% a 70% dos servidores recebem salário mínimo, segundo Ziulkoski. "Se não encontrarem fontes de recursos para atender também às dificuldades que serão causadas aos municípios, as prefeituras terão de demitir servidores, tal como ocorreu este ano", afirmou, referindo-se à obrigatoriedade de os municípios se adequarem à Lei Fiscal, que estabelece um limite de 54% das receitas para os gastos com pessoal.

Ele observa ainda que a correção da tabela do IRPF em 20% levaria a uma perda de arrecadação de R$ 787 milhões por ano, obrigando a maioria dos municípios a revisar os orçamentos com cortes em gastos incomprimíveis.

CPMF - A proposta de emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) também está na mira dos prefeitos. Eles pretendem fazer pressão para a aprovação de uma emenda que institui a repartição da arrecadação da CPMF com Estados e municípios, na mesma proporção da divisão da receita com o Imposto de Renda e o IPI - 54% para a Uni ão, 23,5% para os Estados e 22,5% para os municípios.

A confederação também pretende forçar o Congresso a aprovar uma alteração no sistema de cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISQN) . A entidade defende que a receita desse tributo fique no município onde o serviço é prestado e não onde a empresa é sediada - fórmula atual. Segundo Ziulkoski, a proposta de se estabelecer um piso de 2% para a tributação do ISQN, aceita pelo relator do projeto da CPMF, Delfim Netto (PPB-SP), não resolve o problema da guerra fiscal, pois só atende aos interesses das sedes de regiões metropolitanas.

No encontro que começa amanhã, também serão discutidos temas como a dificuldade para o fechamento das contas do exercício de 2000, por conta da Lei Fiscal, e a tributação dos fundos de pensão, que poderá resultar num aumento de R$ 1,5 bilhão em recursos para os municípios.


Em aula, Suplicy treina discurso que fará no Recife
Senador dirá a Lula, no encontro do PT, que aprendeu com ele a não desistir nas adversidades

Animado com o apoio recebido nas ruas, o senador Eduardo Suplicy – saudado agora como “o pai do Supla” – tomou duas decisões. A primeira: no 12.º Encontro Nacional do PT, que começa sexta-feira, no Recife, vai dizer publicamente a Luiz Inácio Lula da Silva, o provável candidato à Presidência, que admite ter criado “desconforto” no partido por insistir em disputar uma prévia com ele. Mas esta será apenas a introdução. Depois de prender a atenção da platéia, virá o prato principal: Suplicy anunciará que vai continuar no páreo para seguir o exemplo do próprio Lula, “que nunca desistiu diante das adversidades”.

O tom do discurso passou pelo crivo do professor de oratória Reinaldo Polito. No sábado à noite, num elegante sobrado do Ipiranga, o senador treinou duas vezes a seqüência de argumentos, entonação e postura em tempo cronometrado: 10 minutos. Logo no início da aula, acompanhada pelo Estado, ele descreveu o ambiente que espera encontrar no Recife como de “aclamação” à candidatura de Lula. Parecia preocupado.

– Se você tem consciência de que será assim, deve começar falando sobre isso – aconselhou Polito.

Bom aluno, Suplicy seguiu à risca a recomendação até chegar ao seu verdadeiro objetivo: propor que o encontro referende as inscrições dele, de Lula e do prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, à prévia marcada para 3 de março de 2002.

Ação – Único inscrito até hoje, o senador sabe que Lula não quer isso. Mas, no treinamento do sábado, usou todas as técnicas de comunicação para convencer o interlocutor que, àquela altura, estava a uns 13 quilômetros dali, em São Bernardo do Campo, recém-chegado da viagem à Venezuela.

Eram 18h45 quando as luzes da sala de aula se acenderam e começou a filmagem. Como se estivesse diante dos 900 petistas esperados na capital pernambucana, Suplicy começou o discurso cumprimentando os integrantes da mesa e todos os demais “companheiros”. Disse que estava ali para ter mais uma conversa com seu “querido amigo Lula” e, olhando para um ponto imaginário, fez um apelo contundente para sua inscrição na prévia.

“Aprendi com você mesmo, Lula, que não devemos desistir diante das situações mais adversas”, afirmou. “Você ousou criar o Partido dos Trabalhadores e, no movimento sindical, deu exemplos notáveis para que os sindicatos não tenham apenas uma visão corporativista.”

Suplicy citou várias passagens que marcaram a trajetória de ambos, como a luta por eleições diretas e o movimento pela ética na política, que culminou com o processo de impeachment de Fernando Collor. “Pois bem, Lula, quero seguir seu exemplo de não desistir, mesmo em momentos tão dramáticos, que possam parecer de desconforto”, argumentou.

A esta altura, Polito fazia sinal de que faltavam apenas dois minutos para o término da exposição. Suplicy ainda teve tempo para falar da importância dos debates entre ele, Lula e Edmilson. Com nove minutos, encerrou o discurso e foi aplaudido. Treinou mais uma vez e ficou satisfeito com o que viu no vídeo. Foi aprovado “com nota dez”, na avaliação de Polito. “Houve perfeita harmonia entre gestos, inflexão de voz e mensagem”, observou o professor. “Ele deu um puxão de orelha, mas é como se fosse um pai conversando com o filho.”

Aquele foi um dia de artista para o senador.


Artigos

Nós e o Afeganistão
GAUDÊNCIO TORQUATO

Não há termo de comparação: o Brasil é um dos mais belos países tropicais, possui um dos maiores litorais do mundo e abriga um povo ordeiro e acolhedor. Tem carnaval, futebol e samba para alegrar o povo. O Afeganistão, pelo que se vê na televisão, é um dos mais feios países do mundo, com uma das maiores cadeias de montanhas inóspitas do planeta, cheio de tribos guerreiras e, há 23 anos, vive da guerra e na guerra. Tem burkas que cegam e ofendem as mulheres e Osama bin Laden, que ofende a Humanidade.

Aqui, os olhos contemplam a modernidade; lá, a barbárie dos tempos de Átila, o huno. Será que é isso mesmo?

Apuremos a visão. As estatísticas estão mostrando que 40 mil brasileiros perdem a vida, por ano, vitimados pela violência. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas revela que, no passado, o Brasil gastou R$ 37 bilhões, metade do produto interno do Chile, para se proteger da violência. Deixa de arrecadar, em função da insegurança, cerca de U$ 10 bilhões anuais, por não receber os 10 milhões de turistas que têm manifesto interesse em escolher o País como rota. Soma-se a isso o rombo da Previdência, assolada pelos tiros assassinos que aleijam milhares de brasileiros, devastando os recursos dos hospitais, multiplicando pensões de viúvas, jogando no poço profundo do custo Brasil mais de R$ 80 bilhões, dinheiro que poderia ser investido em escolas, maternidades, saneamento básico (apenas cerca de 10% dos esgotos das cidades brasileiras recebem tratamento sanitário), transportes e energia.

Quase todos os dias, casos de seqüestros infestam o noticiário. Na região de Campinas, a média é de 50 pessoas seqüestradas por mês. Os relatos tratam de amigos e familiares assaltados como se fosse algo corriqueiro. São tão banais que já não comovem nem os mais sensíveis. A morte e o choro de familiares estampados nos funerais provocam nas pessoas apenas um ligeiro balbuciar, depois das três batidinhas na madeira e o cruz-credo: "Ainda bem que não foi comigo." Mas nem o cruz-credo vale mais como passaporte para a imunidade. O presídio do Carandiru, em São Paulo, com escapadas semanais de presos, é o maior queijo-suíço dos trópicos. É óbvio que segurança, no Afeganistão, é coisa igual a zero. Mas o que dizer da segurança dentro da sede da Polícia Federal em Brasília, que deveria encarnar o conceito de proteção máxima? Não foi lá que a cantora mexicana Gloria Trevi engravidou?

A situação é tão invertida e absurda que até o filho do seqüestrador do "japonezinho" assassinado Ives Ota foi seqüestrado.

Os brasileiros, é verdade, não sofrem a censura dos afegãos. Não apenas têm direito a enxergar o rosto das mulheres como conseguem vê-las nuas, ou quase, até em programas considerados "nobres" da televisão. Um farto banquete diário de intimidades expostas, tramas e artimanhas, enganos e traições, linguagens abertas e chulas movimentam o sossego dos lares, onde avós, pais, mães e filhos se deleitam(?) com "um certo clima de liberdade" (ou libertinagem), movido a marketing e que funciona como válvula de escape das angústias das metrópoles e do ócio preguiçoso da imensidão do interior.

Não há limites para a cultura de devassidão que se propaga no País pela esteira de programas escatológicos, dramalhões canhestros, novelas melosas, enredos estapafúrdi os e efeitos apelativos, e, mais recentemente, histórias caricatas da vida privada. E nem se pode culpar o povo por querer mirar seu estilo de vida no espelho brilhoso dos olimpianos da cultura de massa, ídolos populares de uma Pátria que, há muito, perdeu seus heróis e, a cada dia, esgarça os ideais de grandeza. A expansão dos espaços da licenciosidade é nada mais, nada menos que o fruto de uma cultura política e institucional que se degrada com os escândalos e calamidades envolvendo os representantes do povo, a corrupção nas administrações, a incúria dos homens públicos, a carência de propostas sólidas e de efeito duradouro, o patrimonialismo que rege as relações políticas e a própria tensão entre os Poderes do Estado.

A degradação da vida não é, como se pode concluir, exclusividade do Afeganistão. Lá, a mais avançada maquinaria de guerra derruba talebans bárbaros e destrói o vírus da intolerância e da ignorância, fonte de brutalidade. Aqui, estamos amparados por ferramentas tecnológicas de última geração. Navegamos pelo mundo, embriagamo-nos com os arsenais da Internet, festejamos o fato de pertencermos à comunidade mundial, enfim, estamos em dia com as invenções. Mas essa liberdade dá, às vezes, a sensação de falta de ar. Não somos presas da insegurança e reféns de instrumentos (incluindo a TV) que nos condicionam a uma liturgia de vida artificial? Os cidadãos estão perdendo o prazer do convívio. A polarização social entre os mais e os menos favorecidos tem-se agravado. A dimensão pessoal e comunitária perde força diante das tensões e da competividade cotidiana. A sociedade vai dando adeus à solidariedade. É cada um por si e Deus por todos.

O pior de tudo é a sensação de torpor que amortece os sentidos. Poucos se dão conta do que ocorre ao redor. Por isso, há quem veja entre o Brasil e o Afeganistão a mesma diferença contida nessa historinha narrada por Montesquieu, o famoso autor de O Espírito das Leis: "Um turco se encontra com um canibal. 'Sois muito cruéis', disse o maometano. 'Comeis os cativos que fazeis na guerra.' O canibal replicou: 'E o que fazeis dos vossos?' 'Ah, nós os matamos, mas, depois que estão mortos, não os comemos'." E arremata o filósofo, do alto de sua moderação: "Não há povo que não tenha sua crueldade particular."


Colunistas

RAQUEL DE QUEIROZ

Voto não leva assinatura

Olha, essa história de eleições para tantos cargos anda nos invocando muito, mormente a nós, mais velhos. O difícil naipe de candidatos, os nomes impostos de baixo para cima, o aparente desinteresse popular pelos partidos e seus líderes, tudo nos parecia muito desanimador. Mas, de repente, nós, e muita gente, como nós, fomos nos apercebendo que o povo está se interessando pela eleição. Se interessando pelo voto - pelo ato de votar. Descobriram que votar é uma prerrogativa conquistada, descobriram - lá nos seus próprios termos o que nós, mais pomposamente, chamamos de "exercer o nosso direito de cidadania".

Tenho conversado com muita gente. Jovens, meia-idade, pobres, ricos, profissionais, biscateiros, funcionários, professoras, camelôs, manicures, babás, cozinheiras e o vasto espectro das chamadas prendas domésticas. E essas conversas nos dão a entender que os do povo estão descobrindo que o voto não é apenas uma obrigação periódica que, bem administrada, lhes poderia dar algumas mínimas e duvidosas vantagens materiais; uma espécie de fenômeno sazonal que eles deviam aproveitar na hora, sem jamais pensar nos seus efeitos a longo alcance. Agora, descobrem que o voto é um direito, que naquele momento importante, dentro da cabine indevassável, estão eliminadas todas as barreiras sociais e cada um deles é o igual de todos os outros brasileiros.

Descobriram ainda que cada cidadão - seja milionário ou bóia-fria - só dispõe de um único voto. Costumam perguntar como é que se contam os votos na apuração e se mostram surpresos descobrindo que o coronel ou o deputado só podem dar um voto, tal qual eles. E a gente brinca: "Como o coronel só tem um filho e você tem oito, você até que pode influir na eleição mais do que ele..." O velhote com quem falávamos meditou sobre e o assunto e riu: "Bem, eu lá em casa tenho o meu voto, o da mulher e os dos cinco meninos que já vota... E lá no coronel talvez só tenha mesmo o voto dele, escoteiro, porque mulher de rico não vota pela cabeça do marido, se governa pela cabeça delas..."

Vê-se, assim, que aquilo que nós mais desejávamos para o povo brasileiro, de certo modo, ele já está adquirindo: a consciência da sua cidadania. Eles estão dispostos a votar e não têm mais aquele antigo medo de votar contra a vontade dos mandões. Descobriram que voto não tem assinatura. Vão, pois, votar com uma nova segurança, uma nova consciência.

Podem votar nas pessoas erradas, o que, aliás, é possível e até provável. Por isso pagaremos todos; mas da próxima vez talvez não se deixem levar por entusiasmos fáceis. E se ainda votarem errado, paciência. Nós, que nos consideramos bem informados e racionalizamos nossas escolhas, em quantas frias nos metemos, quanto candidato péssimo apoiamos! Democracia se aprende devagar.

O importante é que o povo todo, pobres e os ricos, poderosos e os fracos, acreditam na sua identidade de cidadão. E exerçam a sua cidadania para o melhor, ou até mesmo para o pior. O resto fica com Deus, que, no remate dos males, é o responsável pelos acertos e pela loucura dos homens. Afinal, não foi Ele, Deus Nosso Senhor, que nos concedendo o Livre-Arbítrio inventou a Democracia? Dotados do Livre-Arbítrio, o mais fundamental de todos os direitos morais, o ser humano, pelo simples fato de nascer, já é um cidadão do Mundo.

A escolha independente entre o pecado e a virtude, a consciência do Bem e do Mal, tornam o Livre-Arbítrio o fundamento de todas as liberdades. Por decreto divino.


Editorial

Concorrência no setor de combustíveis
O Senado marcou para hoje a votação, em segundo turno, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institui a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). É um passo indispensável para a instalação, no próximo ano, da livre concorrência no mercado nacional de combustíveis. Será ainda necessário, logo em seguida, regulamentar a cobrança desse e dos demais tributos sobre petróleo, gasolina, diesel, gás natural e álcool. O Ministério da Fazenda planeja apresentar nos próximos dias, logo depois da votação da PEC, o projeto de regulamentação.

A preparação da mudança demorou mais do que seria razoável, levando-se em conta, em primeiro lugar, que a Lei do Petróleo, um marco na política de liberalização econômica, foi publicada há quatro anos e meio. Além disso, a abertura do mercado deveria ter sido feita há dois anos, mas foi adiada.

Virá desta vez, a menos que haja uma grande surpresa.

A Cide será fixada em reais, não em porcentagem, e será cobrada sobre os combustíveis a partir de janeiro. Substituirá a Parcela de Preço Específica (PPE), hoje recolhida ao Tesouro apenas pela Petrobrás. Na semana passada, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) divulgou 12 portarias com normas para o mercado. Haverá consulta pública e a agência receberá sugestões sobre as portarias até dia 17. As mudanças deverão ser publicadas no Diário Oficial da União até dia 28, último dia útil de 2001.

Pelas novas normas, empresas privadas poderão importar gasolina e óleo diesel. As grandes companhias do setor terão de criar subsidiárias especialmente para isso. A importação será autorizada também para grandes consumidores, como a Vale do Rio Doce, companhias aéreas e outras empresas de transporte. Será criada a figura do formulador, isto é, do misturador de componentes para a produção dos combustíveis de stinados ao consumo final. Os interessados terão de fazer grandes investimentos na construção de instalações, o que deverá limitar seu número e facilitar o controle de qualidade, segundo o diretor-geral interino da ANP, Júlio Colombi.

Com a mudança, os preços passarão a depender do mercado. Hoje, os preços cobrados pela Petrobrás são fixados trimestralmente pelo governo, com base numa fórmula estabelecida pelos Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia.

A curto prazo, segundo avaliam dirigentes da ANP, haverá condições para redução dos preços pagos pelo consumidor, por causa das condições do mercado internacional do petróleo, da tendência do câmbio e, naturalmente, da concorrência que deverá surgir. Também se supõe que o consumidor fique mais exposto às elevações de preços que ocorram no mercado internacional. Hoje, em princípio, o governo tem o poder de atenuar o impacto desses aumentos, controlando os preços da Petrobrás. Mas este benefício nem sempre tem sido proporcionado aos brasileiros. Como os resultados financeiros da Petrobrás entram no cálculo das contas públicas, a tendência do governo tem sido, de modo geral, a de garantir a receita da empresa para favorecer o equilíbrio fiscal.

A Petrobrás também alimenta as contas públicas por meio da PPE. Com a reforma, esse canal de financiamento será substituído por um tributo pago por todas as companhias - a Cide. Isso, de certa forma, tornará menos emaranhada a relação entre o setor de combustíveis e as contas públicas. O setor será tratado como qualquer outro e as decisões sobre preços serão menos dependentes dos objetivos fiscais. Isso será, provavelmente, vantajoso para o Brasil. Foi esse emaranhado de interesses e objetivos que impôs o adiamento da liberalização dos mercados.

Certamente haverá muita discussão a respeito das portarias. O Sindicato Nacional dos Distribuidores de Combustíveis (Sindiscom) criticou, por exemplo, a permissão para que transportadores-revendedores-retalhistas (TRR), que abastecem grandes consumidores distantes dos maiores centros, comprem derivados diretamente de refinarias e de centrais petroquímicas. É natural que a regulamentação crie conflitos de interesse e por isso as portarias poderão ser mudadas, com base nas consultas públicas. Teria sido melhor uma discussão mais longa e mais exaustiva, mas o mais aconselhável, agora, é não perder tempo e liquidar o assunto antes do fim do ano.


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12/11/2001


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