Relator redigiu conclusões sem consultar colegas







Relator redigiu conclusões sem consultar colegas
Vieira da Cunha decidiu indiciar o governador ao ouvir a gravação da conversa entre Diógenes e Tubino

A proposta de indiciar o governador Olívio Dutra por crime de responsabilidade tornou-se uma certeza do relator da CPI da Segurança Pública, deputado Vieira da Cunha (PDT), no dia 25 de outubro.
Nessa data, o parlamentar recebeu do ex-chefe de Polícia Luiz Fernando Tubino a fita com a conversa gravada com o presidente do Clube de Seguros da Cidadania, Diógenes de Oliveira. No diálogo, Diógenes, dizendo falar em nome do governador, recomendava a Tubino que não reprimisse o jogo do bicho.

– Não houve acordo. Foi um ato espontâneo do Tubino promover a entrega da fita – disse Vieira da Cunha, na noite de sexta-feira, em Tramandaí, admitindo que há meses ouvia rumores sobre a existência da fita.
Oficialmente, a fita foi entregue pelo ex-deputado federal Wilson Müller, que na ocasião disse ter recebido a gravação na condição de advogado de um “alto funcionário da Secretaria da Segurança” que não queria se identificar.

A maioria dos deputados se surpreendeu com o relatório de Vieira. Naquela mesma noite, dois deputados do PPS foram jantar no restaurante Barranco e confessaram a dois interlocutores que não esperavam tantos indiciamentos, nem tratamento tão duro ao governador. Vieira admite que nem mesmo o presidente da CPI, Valdir Andres (PPB), e o vice, Elmar Schneider (PMDB), ficaram sabendo antes de sua decisão de pedir a abertura de um processo por crime de responsabilidade na Comissão de Constituicão e Justiça (CCJ) da Assembléia Legislativa contra Olívio. Caso seja aprovada na CCJ, a iniciativa pode resultar em eventual pedido de impeachment do governador a ser avaliado pelo plenário do Legislativo gaúcho.
– Esse relatório foi feito a 10 dedos e duas mãos. As dele (Vieira). Ninguém sabia do relatório – afirmou o deputado Mário Bernd (PPS), suplente da CPI.

O documento final das apurações, foi concluído a toque de caixa por Vieira entre os dias 10 e 14. No início da tarde de quarta-feira, o deputado desembarcou na Assembléia sem sequer ter feito uma revisão do texto. Estava praticamente sem dormir havia 48 horas. Andres e Schneider contaram ter ouvido de Vieira um resumo do que seria apresentado no plenarinho. A contundência do relatório surpreendeu o governo e a oposição.
– Não achava que ele fosse indiciar tantas pessoas. Especialmente o núcleo do poder – disse Bernd, fazendo eco com diversos colegas das bancadas de oposição, que muito mais do que se surpreender, comemoraram as sanções recomendadas.

A maior surpresa estava estampada no rosto dos integrantes da bancada governista, que nada conseguiu fazer depois da leitura do relatório, aprovado por 10 votos a dois na CPI.
– Eles poderiam ter pedido vistas ao material e ganho duas horas para preparar uma resposta – afirmou Vieira.
– Achei que o Zülke iria fazer isso. Eu estava pronto para conceder, mas eles comeram mosca – contou Andres.


Vieira da Cunha foi figura central
Instalada em abril, a CPI da Segurança Pública, que também ficou conhecida como a CPI do PT, poderia ser chamada a CPI do Vieira.
Entre os parlamentares, não há dúvidas de que o ex-aliado do Piratini foi o principal artífice do processo que causou o maior desgaste ao PT no Estado e que ameaça arranhar a candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.

Um dos integrantes da comissão compara a atuação de Valdir Andres e Vieira da Cunha ao desempenho do presidente e do relator da CPI do Crime Organizado, Paulo Pimenta (PT, atual vice-prefeito de Santa Maria) e Francisco Appio (PPB), instalada em 2000.
– O Pimenta brilhou durante todo o processo e o relator teve um papel secundário. Agora, foi ao contrário – avalia o parlamentar, que exigiu anonimato.
Nos corredores da Assembléia, há os que consideram que Andres foi excessivamente tolerante com os tumultos ocorridos durante os trabalhos, que várias vezes ameaçaram resultar em pancadaria. O próprio Andres admite que a segurança da Assembléia teve trabalho redobrado durante as audiências, a ponto de render uma homenagem especial aos profissionais na última sessão de depoimentos, no dia 10.

A oposição está convencida de que Vieira endureceu depois que a bancada do PT divulgou que ele havia recebido dinheiro de bicheiro para a sua campanha a deputado. Andres e Mário Bernd (PPS) acreditam que o confronto com os petistas estimulou Vieira a ser ainda mais contundente em seu relatório.
– Suspeito que ele modificou o texto depois das agressões dos últimos dias – diz Bernd.
– Isso não interferiu – responde Vieira.
Há mais de um mês, um companheiro de partido do relator antecipou que o relatório de Vieira seria “uma bomba”. Naquele momento, ainda não tinha vindo à tona a fita com o diálogo entre Diógenes e Tubino, mas o trabalhista já previa o indiciamento de Olívio e do vice-governador Miguel Rossetto.

Na bancada governista, Andres é adjetivado como parcial e até mesmo machista. As deputadas Maria do Rosário (PT) e Jussara Cony (PC do B) reclamam de terem sido vítimas de um tratamento diferenciado por parte do deputado. Na sessão do dia 10, Andres chegou a dizer para Maria do Rosário “ficar quieta”, mas retirou a expressão posteriormente. Vieira, entretanto, defende o presidente do início ao fim:
– Não tenho nenhuma queixa. Tive dele todo o apoio. Ele não pode ser responsabilizado pelos tumultos promovidos pelo PT.


“Bisol forneceu a base de fundamentação da CPI”
Descansando desde sexta-feira na casa de veraneio da sogra, Mari Marques Bolzan, em Tramandaí, o relator da CPI da Segurança Pública, Carlos Eduardo Vieira da Cunha, 41 anos, não se afasta do calhamaço de 106 páginas (mais oito páginas de gráficos anexados) que contém as conclusões de seu trabalho.
– Estou trabalhando – diz Vieira, explicando os trajes urbanos com que recebeu Zero Hora, calça preta, camiseta verde, meias e sapatos pretos.
O relatório aberto sobre a mesa tem as páginas numeradas à mão e rubricadas pelo parlamentar. Segundo o deputado, aquela é a versão oficial do texto.
De olho na TV, o deputado em segundo mandato e procurador de Justiça licenciado falou durante 50 minutos, enquanto acompanhava a repercussão da CPI nos noticiários, na companhia da mulher, Luciane, e dos filhos Carlos, 14 anos, e Eduardo, 11 anos.
– Olha, vai dar a notícia – avisa Luciane, aproximando-se da TV de 14 polegadas com a imagem distorcida.
Vieira interrompe a entrevista e depois reconhece a propaganda política veiculada pelo PPB abordando as investigações que resultaram na proposta de indiciamento de 44 pessoas, entre as quais o governador Olívio Dutra e três secretários de Estado.
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Zero Hora – Como deverá ser reparada a falha em relação ao pedido de indiciamento do secretário da Justiça e da Segurança, José Paulo Bisol?
Carlos Eduardo Vieira da Cunha – Essa falha na leitura não impede o indiciamento. Se esse não for o entendimento da procuradoria, se a impugnação dessa parte do relatório persistir, vou redigir uma notícia-crime ao Ministério Público. Estou convencido de que houve a prática de um crime. Como cidadão, posso comunicar o fato ao Ministério Público, independentemente da CPI. Relendo o relatório, identifico uma outra falha: o não-indiciamento do secretário também por ato de improbidade e por crime de responsabilidade.

ZH – A CPI cometeu excessos contra as testemunhas durante a tomada de depoimentos?
Vieira da Cunha – Não identifiquei excessos a ponto de justificar uma crítica dessa natureza. Todas as testemunhas foram tratadas com respeito e consideração. Mesmo aquelas que me convenci que estavam mentindo. Deixei para indiciá-las no relatório final. Se outros deputados cometeram excessos, que respondam por seus atos.

ZH – O senhor é acusado de haver poupado de indiciamentos pessoas acusadas pelo governo e que colaboraram com as apurações, como, por exemplo, os delegados Hilton Müller e Nelson Oliveira.
Vieira da Cunha – Não fui o relator das denúncias em relação aos delegados. O chamado Dossiê Lauro Magnago foi relatado pelo deputado Germano Bonow. Em relação a esses dois delegados não identifiquei nenhum ato que pudesse justificar o seu indiciamento. Estranho que o secretário substituto tenha resolvido entregar o dossiê no apagar das luzes. Por que ele não fez isso no início dos trabalhos? Teríamos tido seis meses para aprofundar todas as denúncias.

ZH – A CPI obteve comprovação de que o Clube de Seguros da Cidadania teria recebido recursos do jogo do bicho?
Vieira – Como muito bem disse o secretário Bisol em seu depoimento, os indícios, muitas vezes, são mais fortes do que a prova. Indício não se forja. Prova se consegue forjar. Indícios não mentem, disse o secretário perante a CPI, como grande jurista que é. Ele mesmo forneceu a base da fundamentação jurídica da CPI. O senhor Bisol e tão bom jurista quanto tem deixado a desejar como secretário.

ZH – A apuração revelou toda a extensão do suposto esquema da arrecadação irregular de recursos por parte do clube?
Vieira – A CPI não colocou um ponto final no assunto. Colocou um ponto e vírgula. Agora entram em cena outras instituições, a Justiça Eleitoral, o Ministério Público e a Comissão de Constituição e Justiça.

ZH – Teria ocorrido aproveitamento pessoal desses recursos?
Vieira – Não tenho nenhum elemento para afirmar isso. O próprio Diógenes de Oliveira, eu entrei na casa dele, autorizado judicialmente. Não tenho nenhum, mas nenhum indício de que tenha ele se locupletado pessoalmente desses recursos. Acho que o Diógenes agiu em nome do partido, respaldado por suas relações de pessoa que exerce influência no governo.

ZH – Os críticos da CPI dizem que o senhor elaborou um relatório para ser um instrumento contra a campanha presidencial de Lula.
Vieira – (Risos) Não posso dizer mais nada além dessa sonora risada. Eles podem fazer toda a crítica, mas não podem desconhecer minha identidade de esquerda. O ódio não pode chegar a esse ponto.

ZH – Como o senhor se sente no papel de quem foi um dos deputados governistas mais atuantes e hoje se tornou um algoz do Palácio Piratini?
Vieira – Como grande parcela da população que acreditou nesse projeto: profundamente decepcionado. Houve compromissos assumidos com a população. Há bandeiras históricas do PT, princípios que sempre foram pregados, que estão sendo abandonados por uma prática política que nada tem a ver com a história do partido. A utilização de uma entidade de fachada, inclusive criminosa, como o clube, é incompatível com os princípios que o PT pregou ao longo de sua história.

ZH – O senhor recebeu dinheiro de pessoas ligadas à contravenção para sua campanha?
Vieira – Fiz questão de referir esse assunto no relatório. A acusação é que recebi dinheiro do jogo do bicho, mas não dizem a quantia e não dizem quem são os doadores. É uma postura de quem é mau caráter. O senhor Nelson Soares de Oliveira, que me doou R$ 100, que eles dizem que é uma pessoa notoriamente ligada ao jogo do bicho, até há pouco era um festejado expert na área de segurança pública do PT. Era filiado ao PT. Deve ter contribuído muito mais para o PT. Quanto a José Mônaco, é meu vizinho há 13 anos. Colaborou com R$ 50. Isso é uma contribuição do jogo do bicho?

ZH – Os sigilos bancários motivaram especificamente o indiciamento de algum dos acusados?
Vieira – Vão motivar ação da Receita Federal, um dos órgãos que receberá o relatório reservado. Prefiro não citar nomes. Tenho obrigação de manter o sigilo.

ZH – Que importância tiveram as agendas de Diógenes na investigação?
Vieira – Foram importantes para nós e serão muito mais para o Ministério Público. As agendas definitivamente comprovam a relação íntima e próxima de Diógenes com o governo do Estado. Comprovam que ele era o arrecadador da campanha petista. Elas fornecem indicativos preocupantes. Os codinomes, por exemplo, que revelam a falta de transparência. Que tipo de atividade desenvolve o senhor Diógenes que o leva a esconder pessoas atrás de códigos? Citei apenas os codinomes sobre os quais tenho absoluta certeza de que se referem àquelas pessoas. Existem vários outros. Não tenho condições de dizer quantos.

ZH – No relatório o senhor disse que não lhe restava alternativa senão solicitar o indiciamento da senhora Maria Dolores Aurélio. O senhor relembrou ainda duas vezes que propôs à depoente que não prestasse juramento na audiência. O senhor lamenta ter feito a denúncia?
Vieira – É uma viúva. Acho que ela não participou diretamente do episódio. Acho que ela cometeu uma imprudência sobre um assunto que não tinha condições de fornecer dados com segurança. Foi um lance político que quiseram dar (os deputados petistas insistiram que a depoente prestasse juramento) e acabaram envolvendo aquela senhora num crime de falso testemunho. Ficou comprovado que a forma de pagamento que ela sustentou não ocorreu. Todos sabem que o veículo era de uso do governador Olívio Dutra.

ZH – O que o senhor criticaria no seu trabalho?
Vieira – Deveria ter encerrado a instrução da CPI antes. Três dias para fazer o relatório foi um tempo muito curto. Essa falha que ocorreu em relação a Bisol não teria ocorrido se tivesse tido mais tempo para elaborar o relatório. Não tive condições de fazer revisão.


Um turbilhão surge no Nordeste
Roseana Sarney desponta nas pesquisas para a Presidência

O corpo dourado de Dora Bria, esculpido por longas sessões de malhação e pelo esforço de manter a prancha de windsurfe nas ondas, não disfarça um leve tremor de emoção quando o assunto é uma amiga recente.
– Virei militante – vibra, enquanto aponta para sua protetora, uma mulher magra, morena, bonita, aparência por vezes frágil, vestida com um elegante terninho preto, cabelos presos por uma discreta tiara, que conversa cercada por dezenas de curiosos a poucos metros da praia do Calhau, em São Luís.

Roseana Sarney, 48 anos, a amiga da campeã, novo fenômeno de marketing da política brasileira, segundo lugar nas pesquisas de candidatos à Presidência, bem que gostaria de ter ouvido o elogio. Seria uma nova confirmação de sua irresistível vocação para conseguir aliados – e mais um dado para enriquecer os manuais de seus estrategistas.
A forma como Dora Bria e Roseana ficaram amigas explica de alguma forma os mecanismos usados pela governadora do Maranhão para abrir espaços, firmar a imagem, chegar a surpreendentes 19,9% das intenções de voto em todo o país de acordo com a recente pesquisa CNT/Sensus (atrás apenas de Luiz Inácio Lula da Silva) e conseguir apoios em todas as áreas.

É um turbilhão que nasce no Nordeste, como Fernando Collor – o homem de 35 milhões de votos – e avança. Na semana retrasada, enquanto circulava pela praia e preparava seus equipamentos para uma competição em São Luís, Dora Bria teve a atenção despertada por uma família reunida na areia.
Lá estavam todos, saboreando caranguejos, cujas garras eram quebradas ali mesmo. Um amigo comum percebeu a curiosidade e decidiu apresentar a campeã. Foi o primeiro contato entre Roseana e Dora. Na despedida, perguntou:
– Onde você está hospedada?
– Em um hotel aqui próximo – respondeu a velejadora.
– Nada disso, você agora é minha convidada – anunciou, enquanto providenciava instalação de Dora na casa de veraneio do governo.

Na manhã seguinte, um sábado, vestida com bermuda e uma camiseta pólo branca, calçando chinelos, lá estava Roseana na praia abrindo a competição e aprimorando seu marketing.
As duas novas amigas viraram par constante em festas, como a oferecida a presidentes de federações, jornalistas e políticos, na noite da última terça-feira, ou na tribuna de honra do Estádio Castelão, torcendo pela Seleção Brasileira. Nos primórdios da disputa pela indicação do PFL como candidata à Presidência, Roseana sabe que os aliados são fundamentais – Dora, com sua imagem de saúde, tem potencial multiplicador.
– Eu nunca a tinha visto antes – confessa a velejadora.

QUEM É
Roseana Sarney nasceu em São Luís há 48 anos, casou-se aos 25, foi deputada federal, eleita governadora em 1994 e reeleita quatro anos depois, mesmo sem ter feito campanha. Passou por 12 cirurgias, tem uma filha adotiva e um casal de netos. Torce pelo Flamengo e pelo Sampaio Corrêa e até nisso é diferente dos pais e irmãos, todos torcedores do MAC, o Maranhão Atlético Clube. Adora esportes. Foi jogadora de vôlei na adolescência. Cursou Ciências Sociais em Brasília e, em uma fase da vida, teve simpatia pela Revolução Cubana. Faz parte de um clã familiar que domina a política do Maranhão há 35 anos.

OS NÚMEROS
O último levantamento divulgado pela Confederação Nacional dos Transportes e feito pelo
Instituto Sensus mostrou um avanço de Roseana Sarney nas intenções de voto à Presidência:

Lula 31,1%
Roseana 19,1%
Ciro 12,8%
Itamar 8,2%
Garotinho 7,6%
Serra 4,8%
Enéas 2,8%


Nome de Roseana se impôs entre caciques
Quem vê a governadora Roseana Sarney agindo no dia-a-dia ou se movimentando nas festas percebe por que ela conseguiu impor seu nome em meio aos caciques do PFL, saindo da situação de mero balão de ensaio para uma confirmação.
Ela parece estar sempre em busca de apoios. Tem a aparência daquelas professorinhas que marcaram a vida de cada um e, por vezes, parece assumir o papel de uma. Se alguém chega à sua frente, interrompe a conversa e concentra toda a sua atenção no recém-chegado. Se a conversa é sobre uma futura audiência, ela conduz a pessoa até um de seus assessores.

Gira para um lado e posa ao lado de admiradores. Não evita que uma desconhecida, depois da foto, passe delicadamente a mão em seu queixo enquanto murmura “querida”, como aconteceu na festa de terça-feira, se movimenta entre as mesas, abraça um dos garçons e diz “este é o comentarista esportivo da equipe”. A noite toda é um beija-mão interminável, sob o olhar sempre atento de seus três homens de confiança: o marido Jorge Murad, o fiel assessor Antônio Martins e o irmão Fernando, sempre vigilantes para evitar conversas embaraçosas.
Até deixar a casa de veraneio, pouco depois das 2h, em uma comitiva de seis carros com batedores, Roseana falou com praticamente todos os convidados e sorriu satisfeita quando o cantor do grupo folclórico Boi Barrica interrompeu a apresentação e gritou que, desta vez, o Maranhão vai dirigir o Brasil.

Aplaudiu com entusiasmo ao ver Fernando subir ao palco e cantar alguns sambas de Paulinho da Viola, o mesmo que às 2h30min abriria o porta-malas de seu carro para distribuir entre soldados encarregados da vigilância da casa e funcionários dezenas de ingressos para o jogo da tarde entre Brasil e Venezuela.
– Com esta estrutura de marketing, um sabonete no lugar dela teria o mesmo sucesso – bate o deputado Aderson Lago (PSDB).
– É, mas cativa as pessoas – diz a deputada Helena Helvy (PT).
Helena sabe que esta imagem por vezes de fragilidade será uma dureza para os adversários. Roseana, torcedora do Flamengo e do Sampaio Corrêa, usa com impressionante competência a sedução da fragilidade. Foi assim que se reelegeu. Sem sair da cama do hospital, teve mais de 70% dos votos.

Roseana fala com absoluta naturalidade sobre suas 12 cirurgias, a primeira delas para a retirada de um cisto no ovário que a teria deixado estéril, do drama de não poder ter filhos, da adoção de Rafaela, de seus dois netos, Fernanda, de três anos, e Rafael, de cinco meses. Conta sobre o casamento e a separação durante cinco anos do marido e não esconde que passou por uma dura carência afetiva ao dizer que o reencontro e novo casamento foi um de seus dias mais felizes. Desde que fraturou a rótula, há poucos anos, nunca mais pôde jogar vôlei.
– E foi uma coisa boba – explica.
O Maranhão continua um dos Estados mais miseráveis do país, mas sonha com Roseana. Durante toda a semana, as ruas da Capital ficaram decoradas com faixas de saudação à Seleção Brasileira, algumas com um duplo sentido explícito: “O futuro do Brasil passa pelo Maranhão”. Apesar das evidências, sempre negou qualquer vinculação política entre o futebol e sua arrancada.

Na noite do jogo contra a Venezuela, apareceu no estádio com uma roupa em verde-amarela comprada por ela à tarde em um shopping. Quando o jogo chegou ao fim, e o Brasil nem tinha iniciado ainda a festa pela classificação à Copa, uma imensa faixa foi aberta no gramado, deixando claro aquilo que muitos pensavam – o jogo em São Luís fazia parte de uma jogada política.
– Maranhão Pé Quente, Roseana presidente – dizia a faixa.
Roseana acenou com orgulho.


“Não acredito que o país seja machista”
Entrevista: Roseana Sarney, governadora do Maranhão

Ela surgiu quase como um teste de seu partido e acabou consagrada. Hoje, ninguém parece ter força, entre os aliados que compõem a base governista, para impedir o avanço de Roseana Sarney em direção à candidatura à Presidência no próximo ano. Aos 48 anos, a filha do ex-presidente e de Marly, dois netos, governadora do Maranhão, ocupa suavemente, bem no seu estilo, um espaço quase irreversível em direção ao confronto com candidatos mais experientes. Na última semana, na véspera do jogo que garantiu a classificação para a Copa do Mundo, Roseana falou de seus planos, do Maranhão, de caminhadas pela praia. Estas são algumas das idéias do novo fenômeno de marketing da política brasileira.

Zero Hora – Como a senhora encara a aprovação de seu nome nas pesquisas?
Roseana Sarney – Estou feliz com esta aceitação popular. É um reconhecimento ao meu trabalho. Agora, não sei se serei candidata a presidente ou não. Temos muito o que resolver. O Maranhão tem muito a ver com este resultado. Minha aprovação partiu daqui. Trabalho com seriedade, transparência e na defesa das nossas coisas.

ZH – Os adversários dizem que a senhora é um produto de marketing, sem condições de resistir a uma campanha.
Roseana – Estas acusações são feitas muito em cima de emoção. Na política você não tem só emoção, tem de ter razão. Temos aí um longo caminho pela frente e vamos resolver o que é melhor para o país.

ZH– Como a senhora explica, então, esse crescimento?
Roseana – Essa coisa não surgiu assim, todo mundo acha que é resultado do marketing, da imagem. Tenho lutado há muitos anos. Venho fazendo política desde estudante. Nas Diretas, trabalhei nos comitês. Na Aliança Democrática, por Tancredo-Sarney, no impeachment do Collor, tenho aprovação da populaçã o. Tudo é resultado de esforço. As pessoas acham que tudo é de graça. Você é filha de José Sarney. Venho de uma família em que vivi com dois irmãos. O ideal seria um deles ser o sucessor. Lutei por tudo na minha vida, para ter meu espaço, pela minha saúde e pelo Brasil.

ZH – Um país machista está preparado para eleger uma mulher?
Roseana – Dizem que o país é machista. Diziam que o Nordeste era mais machista ainda e que o Maranhão, como Estado pobre, mais ainda. Fui a primeira governadora eleita por um Estado do Nordeste e fui reeleita com 70% dos votos. Não acredito que o país seja machista. É preciso ter mais governadoras, senadoras, deputadas e, quem sabe, presidente.

ZH – É uma prova das dificuldades.
Roseana – Temos ainda pouca representatividade. Quando você vê certas coisas, como imagens das mulheres no Afeganistão, é incrível elas viverem sem direito a nada. Na África também. O preconceito não é apenas contra elas, mas contra o nordestino. Talvez vocês não sintam porque são do Sul, mas a gente sente. Quando meu pai foi eleito pela primeira vez, o Congresso era no Rio, as pessoas olhavam para nós e diziam “Oh, olha o pau-de-arara”. Fui para Brasília em seguida e foi a mesma coisa. Tinha um amigo que, por coincidência, era gaúcho e o nome dele era Marco Antônio. Eu o chamava Marcantônio. Havia muita gozação. Ainda existe um preconceito contra as minorias e a mulher, apesar de ser a maioria, ainda sofre. Contra os negros, homossexuais.

ZH– Há muitas mulheres, mesmo adversárias, elogiando sua ascensão.
Roseana – Acho justo as mulheres estarem vibrando pelo fato de uma mulher, hoje, poder ser candidata a presidente. Nós somos metade da população, temos o direito de pleitear qualquer cargo. Em 1996, estive na França e fui ao Congresso. Perguntei: qual é o percentual de mulheres no parlamento: 14%. Então, é uma questão do mundo inteiro. É hora de avançar.

ZH – A senhora costuma dizer que não tem raiva de ninguém. Mas como espera superar o confronto na hora da campanha?
Roseana – Não falo mal de ninguém. Não falo sobre agressões, mas sobre idéias.

ZH – Em nenhum momento a senhora se irrita?
Roseana – Todo o ser humano se irrita. Em uma das minhas operações, fiquei muito mal. Evidentemente, quando você passa um período longo de sofrimento, você sai mudada um pouco, dizendo que nunca mais vai brigar, nunca mais fará isso e aquilo. Uma das minhas propostas foi essa: nunca mais brigar com ninguém. Aí, vim para o governo. No primeiro mês, tudo bem. No segundo, já comecei a discutir. No terceiro, eu disse “Olha, Deus, você me perdoa, mas se eu não discutir minhas questões, não sou mais a Roseana”. Então, as coisas que eu acho que devem ser discutidas e debatidas, vou em frente. Discuto mesmo. As outras não. Aprendi a não ter rancor, a não me irritar com as outras pessoas, a entender o papel das oposições, você não pode ser unanimidade. Nunca me afastei do povo maranhense, vou à praia, tomo meu sorvete, como meu peixe frito, bebo minha cerveja, os amigos são os mesmos. O que eu digo é que o governo é uma coisa passageira. Então, tento manter minha postura.

ZH – E a senhora consegue fazer tudo isso apesar de seus compromissos?
Roseana – Sempre fiz isso no meu Estado. Não faço porque estou em campanha. As pessoas que vivem aqui sabem que pulo Carnaval, vou ao São João, vou à praia, levo minha neta para tomar sorvete. Todos sabem da minha vida.

ZH – Sua proposta para a Presidência começa pelo que o atual presidente vem fazendo ou seria diferente?
Roseana – Tivemos muitos avanços com o presidente Fernando Henrique. O real, a estabilidade, a bolsa-escola, a alimentação. E com certeza nós, não apenas eu, mas qualquer um que venha a ser eleito, vai corrigir os erros e eventualmente prosseguir nos acertos. Antes de qualquer coisa, vou pensar no que envolve uma candidatura. Não é um fato consolidado, poderá até ser, mas ainda não. Depende de vários fatores. Por exemplo: faço parte da aliança. Tenho consciência de que para governar o Brasil você precisa ter uma aliança. Nenhum presidente hoje, se elege só com o seu partido.

ZH – A senhora tem solução para o Brasil?
Roseana – Não tenho. Nenhum de nós tem uma receita. O que nós temos de fazer é trabalhar.

ZH – Como a senhora avalia a possibilidade de enfrentar em uma campanha homens mais experientes como o ex-presidente Itamar Franco?
Roseana – Conheço bem o governador Itamar. Quando assumiu a Presidência, fui sua líder. Não tenho o que falar. Para falar sobre partidos, a gente tem de esperar pelas decisões. No meu caso, a executiva vai dar uma definição nos próximos meses. Sou governadora até dia 3 ou 4 de abril, depois irei me desincompatibilizar. Meu plano era ser senadora pelo meu Estado. Eu até tinha uma bandeira preparada: lutar pelo Parlamentarismo. Mas a política está sempre mudando.


Oposição espera campanha
A reduzida oposição na Assembléia Legislativa maranhense (oito deputados entre 42) está diante de uma aparente contradição: começa a encarar o avanço da governadora Roseana Sarney nas pesquisas de intenção de voto como um surpreendente aliado.
A explicação está naquilo que cada um dos integrantes da bancada, apertada em minúsculas salas do prédio centenário, no centro histórico de São Luís, pensa a respeito de Roseana.

– É muito difícil você segurar uma fantasia por muito tempo. Não há uma idéia que seja dela – bate o deputado Aderson Lago (PSDB), um dos maiores críticos da governadora.
É aí que entra a questão da contradição. Lago acha que durante a campanha presidencial Roseana vai desmoronar. Autor de inúmeras denúncias contra a governadora – estradas inexistentes e pagas, obras de saneamento que não existem –, integrante de um partido aliado do PFL de Roseana (“Mas aqui somos os filhos enjeitados”, brinca), Lago não vê nem o risco de Roseana se transformar em um fenômeno da dimensão de Fernando Collor:

– O Collor podia ser pilantra, mas tinha vôo próprio. Ela, não. Quando é contrariada, tem verdadeiros chiliques.
Helena Barros Helvy (PT) não tem as mesmas convicções de seu colega. Ela também acha Roseana um equívoco, mas teme que a fantasia perdure e se espalhe pelo país. Lembra a situação de seu próprio Estado e aquilo que chama de chegueira:
– É uma grande publicidade, que empolga, emociona.
A deputada concorda com Lago na avaliação sobre o futuro da campanha, acha que em situação normal Roseana não teria como sustentar um debate, mas sempre faz a ressalva do poder que ela chama de “midiático”, capaz de esconder irregularidades.

Sem chances de aprovar pedidos de investigação diante da maioria na Assembléia, a oposição espera pela campanha. Está certa de que o país aprenderá a conhecer o outro lado de Roseana, aquele protegido pela atenta equipe de assessores, capaz de evitar entrevistas sempre que suspeita de que possa haver perguntas comprometedoras, e pela influência do pai e ex-presidente José Sarney.
– É um estilo diferente daquele do ACM. O Sarney te enfia a faca enquanto te abraça – acusa Lago, falando no líder de uma oligarquia de 35 anos.
A campanha promete.


Artigos

Resistência democrática
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

O relatório final da CPI da Segurança Pública instalada no Rio Grande do Sul propôs 42 indiciamentos, incluindo o do governador Olívio Dutra, do vice-governador Miguel Rossetto e do chefe da Casa Civil Flávio Koutzii. As forças conservadoras detêm ampla maioria na Assembléia Legislativa do Estado. Podem assim relatar o quiserem, desconhecendo fatos e evidências.
No que se baseia o relatório para chegar às conclusões a que chegou?

Para propor o indiciamento do governador, o relatório se baseia na gravação de uma conversa mantida entre o chefe de polícia da época e um militante do PT que não pertencia ao governo, à direção do partido e nem mesmo deteve qualquer cargo importante na campanha eleitoral de 98.
Em depoimento à CPI, aliás, esse militante negou que tenha falado em nome do governador, assim como o chefe de polícia de então afirmou jamais ter tido conversa com qualquer membro do governo nesse sentido. Olívio Dutra, por seu lado, rechaçou prontamente ter concedido autorização para que esse militante falasse em seu nome, bem como repudiou a atitude dele. O relator da CPI simplesmente recusou-se a considerar esses fatos.

Para propor o indiciamento do vice-governador, do chefe da Casa Civil e do secretário da Fazenda, o relator alega o fato de eles terem regulamentado uma lei aprovada pela própria Assembléia Legislativa do Estado, por unanimidade. Um absurdo.

O PT já comprovou ao longo da nossa história que é diferente. Diante de qualquer irregularidade, apura e pune

Outras pessoas, que declararam e comprovaram contribuições financeiras ao Clube de Cidadania, tiveram o seu indiciamento proposto apenas porque o relator aparentemente não acredita nelas.

Já as principais provas constantes nos autos da CPI, referentes ao objeto da mesma e que envolvem a chamada banda podre da polícia, foram simplesmente desprezadas pelo relator e pela maioria dos deputados conservadores.
Tudo indica que esse processo faz parte de uma estratégia ampla que tem como objetivos principais a tentativa de inviabilizar o governo do Rio Grande do Sul e de impedir o avanço do movimento democrático e popular em todo o país. É preciso lembrar que pesquisas recentes indicam que o PT conta com a simpatia de 45% dos eleitores, sendo considerado o partido mais ético e mais comprometido com a defesa da grande maioria da população. A disputa eleitoral de 2002 já começou.

A história do Brasil, infelizmente, está marcada por momentos decisivos em que forças conservadoras de direita impuseram ao país caminhos de obscuridade e de golpes contra a normalidade democrática.
Fico imaginando o que diria a imprensa se as forças de esquerda agissem de modo tão irracional contra governos conservadores, aproveitando-se de uma situação de maioria parlamentar. Certamente estaria publicando editoriais inflamados contra “os desavergonhados golpistas”. Na situação do Rio Grande do Sul, constata-se o contrário: parte da imprensa se soma à campanha política da maioria conservadora dos deputados gaúchos para tentar prejudicar ao máximo a imagem do governo Olívio Dutra e do PT.

A situação é grave. Pela terceira semana consecutiva, dedico esta coluna a esse tema. Quero reafirmar mais uma vez o nosso pensamento e a nossa linha de conduta. Parte das elites conservadoras está fazendo uma tentativa desesperada para lançar o nosso partido na vala comum da corrupção existente em nosso país. Querem que a opinião pública pense que “todos são farinha do mesmo saco”.
Jogam sujo e agem de modo duplamente irresponsável, como já disse antes e repito: não apenas em relação à real dimensão dos problemas que eventualmente possam envolver o PT, mas principalmente em função dos valores éticos que devem prevalecer em nossa sociedade. E que todos, inclusive os conservadores, deveriam se empenhar em defender. Mas o PT já comprovou ao longo da nossa história que é diferente. E diante de qualquer irregularidade, apura e pune.

Está em questão no Estado do Rio Grande do Sul a luta pela consolidação da democracia em nosso país. Todas as forças democráticas e populares brasileiras devem ficar de sobreaviso diante dessa tentativa grosseira de frustrar as esperanças de mudança política do nosso povo.
É preciso resistir. Nos governos, nos parlamentos e nas ruas.


Colunistas

ANA AMÉLIA LEMOS

Obras inacabadas

A CPI das obras inacabadas e o desperdício do dinheiro público em muitos “elefantes brancos” deram em nada. Envolvida em denúncias contra membros da comissão parlamentar que foi criada por iniciativa do deputado Augusto Nardes (PPB-RS), a Câmara Federal ficou devendo uma satisfação ao contribuinte que paga essa conta cada vez mais pesada. Agora o Congresso Nacional deverá examinar proposta de liberação de verba orçamentária para obras que ficaram marcadas por desvios astronômicos de recursos, comandados pelo juiz Nicolau dos Santos Neto, como as do edifício sede do TRT de São Paulo.

A polêmica já está instalada no Congresso.
Existem obras que precisariam, pela sua importância, ser concluídas. A ponte sobre o Rio Pelotas, em Barracão, na divisa com Santa Catarina, ficou com 70% de suas obras feitas e, durante décadas, ficou parada. Menos mal que foi concluída no governo Antônio Britto, proporcionando um significativo impacto sobre a economia regional que agora quer, também, o asfaltamento da BR-470, no trecho Lagoa Vermelha-Barracão.

O edital da obra foi lançado no mês passado pelo então ministro Eliseu Padilha.
Obras inacabadas são desperdício. A barragem Itu, na divisa dos municípios de Manoel Viana, Massambará e Itaqui que deveria ser a base de uma hidrelétrica para produzir energia para a fronteira continua parada. Iniciada na era Vargas, a obra, hoje por conta da crise energética, se tornou prioridade. A União dos Vereadores da Fronteira Oeste (Ulfro) decidiu agir politicamente para retomar a obra. O presidente da entidade, Jorge Borba, que também preside a Câmara de Vereadores de Alegrete, entregou no Ministério de Minas e Energia a reivindicação para que a hidrelétrica seja, enfim, concluída.

Faz também quatro décadas que a comunidade da Vila Nova, em Alegrete, tenta junto ao governo federal a construção de uma passarela para pedestres sobre a via férrea, para integrar o bairro ao centro da cidade. O vereador Paulo Rogério Fernandes (PMDB) diz que a responsabilidade pelo projeto é do governo federal. Em Brasília recebeu a garantia de que o Ministério dos Transportes irá construir a passarela, sem necessidade de recorrer a emenda orçamentária especial, em 2002, porque já existe provisão. O que será feito é uma realocação de verbas.


JOSÉ BARRIONUEVO – PÁGINA 10

Zambiasi prega harmonia entre poderes

Assumindo uma postura de magistrado como presidente de uma Assembléia Legislativa composta por nove partidos, o deputado Sérgio Zambiasi tem posição contrária a um processo de impeachment contra o governador. Sem questionar o trabalho desenvolvido com independência pela CPI, dentro da autonomia que defende para o parlamento, Zambiasi entende que deve ser preservada a harmonia entre os poderes. O relatório da CPI, depois de aprovado pelo plenário, deverá ser encaminhado direto ao Ministério Público, sem qualquer tipo de histeria política na Casa do Povo.
Dentro deste clima, Olívio Dutra compareceu, pilchado, quinta-feira, à Assembléia para participar, junto com Zambiasi, da abertura do Fórum da Tradição Gaúcha. Aproveitou para visitar o Recanto Gaúcho, construído na entrada do Palácio Farroupilha como referência da cultura rio-grandense. Tudo dentro de uma relação serena e de respeito que deve ser preservada entre chefes de poder, principalmente nos momentos de crise.

Síndrome de Getúlio
Em seu descanso no Litoral, o deputado Vieira da Cunha, trabalhista de quatro costados, não resiste ao convite para posar na rede. No melhor estilo da foto famosa de Getúli o Vargas recolhido à fazenda do Itu, antes de retornar ao poder, o carrasco do governo petista descansa para mais duas semanas de agito, até a aprovação do relatório pelo plenário com encaminhamento dos autos ao Ministério Público.

Turma do barulho
Depois de comer mosca no final da leitura do relatório da CPI da Segurança, terça-feira, a tropa de choque do governo ri, mais descontraída, com o cochilo do deputadoVieira da Cunha (PDT), que saltou a parte do relatório que indiciava o secretário José Bisol e o ex-chefe de Polícia delegado Tubino. Os deputados Elvino Bohn Gass, José Gomes e Ronaldo Zülke vão aproveitar para fazer barulho na próxima semana, terminado o feriadão.

Violência contra mulheres e crianças
Além do sofrimento por não terem um pedaço de terra para trabalhar, mais de uma centena de mulheres e crianças foram submetidas terça-feira a uma verdadeira tortura ideológica em auditório improvisado com telão na entrada da Assembléia.
Foram levadas por seus líderes, socialistas e revolucionários, para acompanhar a última sessão da CPI, que se estendeu por cinco horas, e atuar na defesa do governo.
Poucas resistiram ao sono, massacradas pela leitura monocórdia, que juntava fatos, situações e citações que não conseguiam entender.

Exageros da CPI
Na lista de indiciados da CPI da Segurança, há pelo menos dois exageros. Não tem sentido o indiciamento de Espártaco Dutra, engenheiro formado no Exterior, que deu um depoimento de cara limpa. Como milhares de jovens, luta por uma oportunidade no difícil mercado de trabalho sem se beneficiar da condição de governador do pai. Também não faz sentido o indiciamento de Arno Augustin. O secretário da Fazenda obteve na gravação do chefe de Polícia com Diógenes um atestado de boa conduta.

Impeachment – Na Assembléia, apenas os deputados governistas falam em impeachment.

Mirante
• Vale conferir o Diário Oficial com as promoções no dia em que a BM comemora 165 anos.
• Vereadores da oposição integrantes da CPI do Demhab se reúnem em vigília segunda, às 9h30min, antes do término do prazo, se for mantida a liminar.
u Relação próxima da prefeitura com a Cores, que recolhe o lixo em Porto Alegre, será denunciada segunda no TCE.
• Na quarta, Sebastião Melo (PMDB) apresenta projeto ampliando o tempo das CPIs, repetindo o que existe na Assembléia.
• A turma do Demhab tem bala na agulha. Contratou Eros Roberto Grau, de uma poderosa banca de advogados de SP. Não sai barato.
• Em campanha para o Senado, o deputado Paulo Paim teve seu batismo de fogo em presídio. Ficou espantado com o que viu em Santa Maria, em companhia de seu colega Marcos Rolim. Uma cadeia para 180 socou 450 presos.
• Estilac Xavier participa de encontro nacional que deve adiar a data de registro de candidatos. Presidente do PT, José Dirceu concorda com a mudança do calendário em meio à turbulência que envolve o PT.
• Volta ao debate a sucessão no comando da Câmara. Se houver impasse, Záchia pode permanecer.


ROSANE DE OLIVEIRA

Fogo brando

De olho no calendário, governo e oposição começam a fazer as contas tentando imaginar em que ponto estarão as investigações quando a campanha eleitoral começar oficialmente. A Assembléia deve aprovar o relatório e encaminhá-lo ao Ministério Público na primeira quinzena de dezembro. Os procuradores calculam que levarão pelo menos quatro meses para destrinchar a papelada e definir quem será denunciado.
Isso significa que o PT definirá seu candidato a governador sem saber que tratamento o Ministério Público dará aos indiciamentos sugeridos pela CPI. Será temerário para o governador concorrer à reeleição sem saber o que lhe espera nos primeiros meses de 2002. O prefeito Tarso Genro pediu que o debate sobre a sucessão estadual fosse congelado nesse período de turbulências, mas não alterou sua agenda de contatos. Na sexta-feira, esteve em Santa Cruz, para uma palestra. Depois, em Vera Cruz, participou da posse do novo diretório municipal do PT e de um jantar com mais de 600 pessoas.

A crise vai respingar em Tarso, mesmo não tendo ligação com o Clube de Seguros da Cidadania. A oposição intuiu que o enfraquecimento de Olívio pode levar o PT a escolher Tarso como candidato de consenso e prepara uma ofensiva contra o prefeito de Porto Alegre. Além de questionar seu desempenho administrativo, a estratégia é denunciar a falta de coerência por ter garantido na eleição municipal que, se eleito, cumpriria todo o mandato.
A CPI da Segurança Pública deveria ter terminado com a sugestão de uma nova CPI, mas o relator, Vieira da Cunha, frustrou os deputados que imaginavam engatar uma investigação em outra e já tinham escolhido o nome de CPI da Corrupção para batizar o rebento. O próprio presidente, Valdir Andres, dava como certa a criação de uma nova comissão.

Desde maio de 1999, a Assembléia cozinha em fogo brando um pedido de impeachment do governador Olívio Dutra, por ter rompido o contrato com a Ford. Passaram-se dois anos e meio e a Comissão de Constituição e Justiça ainda não deu sua palavra definitiva sobre a admissibilidade do processo. Quanto tempo levará para apreciar a proposta de Vieira de Cunha de abrir o processo por crime de responsabilidade? Pelo restrospecto é lícito especular que o governo pode terminar sem que a Comissão de Constituição e Justiça tenha dado o veredicto.


Editorial

O mal-estar da civilização

Passado o impacto da ação terrorista de 11 de setembro e encaminhada a solução bélica do confronto entre os aliados e as organizações do terror, as preocupações mundiais começam a voltar-se outra vez para os complexos temas de dar um rumo adequado para as graves mazelas globais. Os atentados de 11 de setembro permitiram que se pusesse bruscamente um fim a um período de tentativas frustradas de implantação das políticas do chamado Consenso de Washington. Fundava-se ele na hipótese de que os países periféricos, feitas as reformas estruturais básicas, conseguiriam um crescimento auto-sustentado.

Entre as reformas estavam as que davam ênfase ao papel da iniciativa privada e diminuíam a intervenção do Estado na economia. As tentativas de implantar as reformas preconizadas por esse consenso, que se prolongaram por duas décadas, resultaram em alguns poucos casos de sucesso – os do crescimento de países da Ásia oriental – e em sonoros fracassos, representados estes pela ampliação da desigualdade, pelo aumento da dívida externa e pela crescente vulnerabilidade das economias. Exemplos recentes – as crises da Ásia, da Rússia, do Brasil e agora da Argentina – foram revelando um a um o equívoco do rumo escolhido. Toda a complexa estrutura da globalização financeira trabalhou contra os países em desenvolvimento que, precisando de mais recursos, tiveram que submeter-se a juros inaceitáveis. Na tentativa de criar um novo modelo de poder público, confundiu-se freqüentemente a redução do intervencionismo e da presença do Estado em áreas que não lhe são essenciais com a defesa equivocada de um Estado mínimo. Temos dito repetidamente que o tamanho do Estado deve ser o de suas atribuições, impondo-se que para isso seja eficiente e forte. O ex-vice-presidente do Banco Mundial Joseph Stiglitz colocou claramente esse dilema: “A questão mais importante não é como fazer com que o governo atue uniformemente menos, mas como assegurar que o governo atue uniformemente melhor”.

A comunidade mundial não está feliz com as condições humanas que criou

A denúncia dos rumos mundiais injustos se esboçou em protestos contra a globalização, em documentos de organismos multil aterais – especialmente os do Banco Mundial –, em insistentes declarações de dirigentes internacionais – com destaque para os promotores de uma terceira via e para os do presidente Fernando Henrique Cardoso – e, agora, em fóruns internacionais – como o revelam a questão da quebra das patentes e o debate sobre o protecionismo comercial. A comunidade mundial não está feliz com as condições humanas que criou. Esse novo mal-estar da civilização – que não tem as mesmas características levantadas por Sigmund Freud, há 70 anos, quando criou essa expressão – desafia as organizações multilaterais e impõe um novo dever aos Estados nacionais e seus dirigentes: o de construir uma sociedade solidária e de trabalhar pela utopia de dar a todos os habitantes de nosso pequeno planeta condições de sobrevivência com paz e com dignidade.


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11/18/2001


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