Representante dos povos Kaingang diz que Estado deve tratar com dignidade as diferenças dos povos indígenas
O Estado brasileiro deveria tratar "com dignidade" as diferenças dos povos indígenas. A afirmação foi feita por Rosani Fernandes, representante dos povos indígenas Kaingang, de Santa Catarina, e da reserva Mãe Maria, do Pará, em audiência pública realizada nesta quarta-feira (18) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Ela lembrou que a comunidade indígena hoje é constituída por 200 povos, cada qual com organização social e ordenamento jurídico próprios.
A audiência, requerida pela senadora Fátima Cleide (PT-RO), discutiu o encaminhamento das propostas aprovadas na Conferência Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância, realizada em Durban (África do Sul), em 2001. Entre os dias 20 a 24 de abril próximo, em Genebra, na Suíça, será realizada uma conferência de avaliação da implementação da Declaração e do Plano de Ação de Durban.
Rosani Fernandes, com mestrado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), denunciou o "genocídio cultural" a que os povos indígenas foram submetidos. Destacou que houve uma redução na população indígena, dos cinco milhões de índios, à época do descobrimento do Brasil, para os atuais 700 mil.
A representante dos Kaingang assinalou ainda que, quando os povos indígenas buscam os seus direitos junto às administrações públicas municipais e estaduais, verifica-se a manifestação do que considera um "colonialismo cultural". Ela considera necessário estabelecer um tratamento justo e igualitário para essas etnias, nos níveis básico e médio de ensino, que seja distinto dos moldes atuais, qualificados pela expositora de "integracionismo forçado".
- Somos tratados com indiferença. Existe, sim, racismo, e sentimos isso quando solicitamos materiais como cadeiras. Sendo cadeiras para índios, perguntam por que não sentam no chão ou em pedaços de paus - denunciou Rosani Fernandes, relatando o que ouve nas secretarias de governo.
A representante indígena reivindicou o acesso dos povos indígenas ao ensino superior público acompanhado de ações afirmativas, como o fornecimento de tutorias e o estabelecimento de condições para que o índio possa permanecer na universidade como alimentação, saúde, moradia, transporte, entre outras.
Rosani Fernandes pleiteou ainda uma mudança na estrutura universitária para que haja atendimento adequado aos índios que, em geral, chegam à universidade em idade avançada. Essa mudança, defendeu ainda, deve levar em conta as dificuldades enfrentadas pela distância física das aldeias e pelas deficiências materiais, para garantir um ensino de qualidade.
- O acesso ao ensino superior não é uma realidade. O modelo do vestibular afunila e não leva em conta a história educacional construída pelos indígenas até hoje, que é excluído do ensino superior - protestou.
Rosani Fernandes relatou a ocorrência de movimentos migratórios de índios que buscam o ingresso no ensino superior em estados nos quais há ações afirmativas nas universidades. Como exemplo, citou o caso de índios que saem do Pará para Tocantins com esse objetivo. Para ela, a aquisição de conhecimento na universidade é um instrumento a favor das comunidades indígenas na luta pela preservação de suas terras, que vêm sendo invadidas por estradas e rodovias.
- A reserva de cotas é fundamental para garantir esses direitos - insistiu.
Cotas
Na mesma reunião da CDH, o representante da Coordenação Nacional das Entidades Negras, Marcos Cardoso, que participou do processo de preparação da conferência de Durban, África do Sul, afirmou que o encontro foi fundamental para a discussão "do Brasil que sonhamos". Lembrou, porém, que o governo brasileiro não adotou uma posição firme sobre "direitos", embora, lembrou, o país seja signatário da declaração e do plano de ação propostos pela conferência.
- A discussão do racismo incomoda a sociedade brasileira, que é racista, não reconhece e não quer discutir maneiras de superar o problema - avaliou.
Marcos Cardoso elogiou a implementação da Lei 10.639/03,que torna obrigatória a temática "História e Cultura Afro-Brasileira" no ensino fundamental e médio, e o Projeto de Lei da Câmara 180/08, que estabelece uma reserva de 50% das vagas das universidades públicas para alunos que tenham cursado todo o ensino médio em escolas públicas, em exame na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) no Senado.
O representante do movimento negro sugeriu que tanto a Lei 10.639/03 quanto o projeto que institui o Estatuto da Igualdade Racial (PLS 213/03, em análise na Câmara dos Deputados) sejam levados a debate no que chamou de "conferência de exame" da proposta de Durban, que será realizada em Genebra.
Ao analisar o PLC 180/08, Marcos Cardoso afirmou que as vozes contrárias seriam de uma minoria composta por estudiosos acadêmicos, respaldados pela mídia. Ele disse acreditar que, ao se discutir a cota para negros, está se falando de uma questão de "direitos dos desiguais", na medida em que a escola superior pública é paga com o dinheiro do contribuinte.
Outro ponto levantado por Marcos Cardoso é a inviabilidade de o Estado brasileiro promover a reparação por "350 anos de trabalho não-pago" de um segmento da população - os negros - que, avalia ele, foi responsável pela construção da América e da Europa. Para o representante do movimento negro, ainda, não será um projeto de cotas que irá provocar o ódio racial, pois segundo ele é o racismo que provoca "o ódio, a violência, a negação à humanidade".
Ao término da audiência, o presidente da CDH, senador Cristovam Buarque (PDT-DF), concordou com Marcos Cardoso que o racismo é um fato e insistiu na proposta de o movimento negro lutar também contra o analfabetismo. Disse que a reserva de cotas para negros e pobres "tira o tapete da sala", ao denunciar o racismo existente, e reafirmou que a CDH continuará a servir de fórum de discussão sobre o tema.
18/03/2009
Agência Senado
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