Sarney e PFL ignoram discurso de estréia



Sarney e PFL ignoram discurso de estréia BRASÍLIA - Ramez Tebet fez o discurso de posse na presidência do Senado para um plenário esvaziado. Assim que começou a falar, às 16h30, o PFL não disfarçou o mal-estar. Os cardeais do partido levantaram-se e deixaram o plenário, acompanhados pelo senador José Sarney (PMDB-AP). Num exemplo de espírito democrático que os outros derrotados não tiveram, só o vice-presidente Edison Lobão (PFL-MA), manteve-se firme, como o fez o bloco de oposição, que também negara voto a Tebet. "Quem iria imaginar que um dia o PFL se retiraria do plenário em protesto contra alguma coisa", desdenhou o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Os pefelistas não assistiram a uma situação descrita como "vexatória" por boa parte do plenário que ouviu atenta o novo presidente da Casa. Apesar do tom conciliador, o discurso de Tebet foi considerado provinciano por alguns senadores, que se encolheram nas poltronas, assim que ele encenou um sinal da cruz e passou aos improvisos. "Brasil, aqui está um filho seu que não vai decepcioná-lo, que tem espírito cívico, espírito de brasilidade", bradou, para dar início aos elogios à "Pátria maravilhosa, que não tem terremotos nem vulcão". Àquela altura, ele havia acabado de conclamar o plenário a trocar a intolerância pela harmonia, e as "inócuas disputas sociais" pelo interesse público. Preocupado com o gestual e com o tom cada vez mais alto, o líder do PT, José Eduardo Dutra (SE), não se conteve: "Pelo amor de Deus, este homem tem de parar." Não parou. Prosseguiu proclamando sua fé em Deus e em cada senador, e agradecendo àqueles que, como Dutra, não votaram nele: "Recebo os votos em branco como se dissessem que queremos paz nesta Casa, como mensagem de harmonia". E voltou a festejar a Pátria: "As diferenças aqui não são insuportáveis e esta é uma terra da esperança." "Eu estou com vergonha", disse o senador Pedro Piva. O líder do PPS no Senado, Paulo Hartung (ES), preocupou-se. "Foi um discurso de presidente de Câmara de Vereador, sem contato com a agenda do País e de quem demonstra não ter a dimensão da cadeira que acaba de se sentar", avaliou Hartung. "Não votei nele, mas precisamos ajudá-lo a encontra o rumo." Senado elege Tebet, mas não supera crise Ex-ministro teve indicação contestada por votos de protesto de 34 dos 75 colegas presentes BRASÍLIA - O senador Ramez Tebet (PMDB-MS) foi eleito ontem presidente do Senado por maioria dos votos, mas assume o cargo contestado por 31 colegas que votaram em branco e outros 3 que preferiram anular o voto. Na sessão, com a presença de 75 dos 81 senadores, Tebet obteve o aval de 41 parlamentares. "Fez-se a sucessão, mas a crise continua", constatou o primeiro-secretário, senador Carlos Wilson (PTB-PE). Ele espera que o peemedebista tenha "habilidade acima do normal para que possa vencer as dificuldades e unir o Congresso". O novo presidente da Casa assume no lugar de Jader Barbalho (PMDB-PA), que renunciou ao cargo na terça-feira, por não suportar as pressões de que tem sido alvo - ele é suspeito de envolvimento no desvio de recursos do Banco do Estado do Pará (Banpará) e na emissão ilegal de Títulos da Dívida Agrária (TDAs). Jader disse que ficou "mais que feliz" pela escolha do colega, retirado do comando do Ministério da Integração Nacional após uma gestão de três meses. "Ele é um amigo, um companheiro do partido", afirmou. Na primeira entrevista como presidente, Tebet disse que vai se comportar "como manda a lei" em relação ao processo contra o colega, por quebra de decoro parlamentar. O clima tenso da sessão de ontem, precedida por uma série de articulações do PFL e do bloco de oposição, em busca de uma alternativa para derrotar Tebet, dá mostras do desconforto produzido pela disputa. Tanto que o presidente nacional do PSDB, deputado José Aníbal (SP), programa uma operação para acalmar a base aliada. Ele marcou uma reunião com os presidentes do PFL, PMDB, PTB e PPB, no início da semana que vem, para "superar as seqüelas e olhar para a frente". Candidato preferido do Palácio do Planalto, com apoio da cúpula do PMDB, Tebet foi eleito à revelia dos pefelistas que, até o último momento, tentaram barrá-lo com votos em branco. "Tebet foi o máximo denominador comum a que conseguimos chegar", resume Aníbal. O PFL queria arrastar a disputa ao segundo turno, o que ocorreria se os votos em branco superassem os válidos. A idéia era lançar o senador José Agripino Maia (PFL-RN). Fogaça - Agripino reconhece que a operação minaria ainda mais a já tumultuada convivência entre os governistas. "Essa base é uma peça de ficção, mas dá para se arrastar até o fim do governo", consola-se. Para o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), vetado para o cargo pela oposição, pelo PFL, pelo PSDB e até mesmo por parte de sua bancada, o desfecho do episódio provocado pela renúncia de Jader foi um alívio. "O PMDB obteve de novo a maioria", comemorou. A oposição tentou igualmente produzir uma alternativa para evitar o voto ao candidato "chapa branca". Líderes consumiram parte da madrugada em telefonemas de apelo ao senador José Fogaça (PMDB-RS), derrotado por Tebet na bancada. O gaúcho negou-se a apresentar candidatura avulsa no plenário, contra a decisão partidária, mas nem assim a oposição deu-se por vencida. Ao longo da manhã, líderes do bloco ainda investiram em outro nome: o escolhido foi o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que também recusou a missão para preservar sua candidatura presidencial no ano que vem. Cinco votos em branco e nulos foram do PMDB BRASÍLIA - Os 31 votos em branco e 3 nulos apurados na eleição de Ramez Tebet (PMDB-MS) para presidente do Senado foram dados por senadores de todos os partidos, até mesmo do PMDB. Conforme levantamento feito pelos próprios parlamentares, dos 34 votos de protesto, pelo menos 5 eram de peemedebistas descontentes com a forma como se deu a sucessão de Jader Barbalho (PMDB-PA). Os "suspeitos"são os senadores goianos Maguito Vilela e Mauro Miranda, os gaúchos Pedro Simon e José Fogaça e o maranhense João Alberto Souza. Os quatro primeiros protestavam abertamente contra o que chamaram de "interferência do Palácio do Planalto" na eleição. O último defendeu até o fim a candidatura de José Sarney (AP), e, ao perceber que não havia condição de elegê-lo, partiu para o voto rebelde. Das oposições, 12 votaram em branco, 3 em Tebet - Roberto Freire (PPS-PE), que condenou os que optaram pelo voto de protesto, Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e Ademir Andrade (PSB-PA). Somando-se os 12 votos de protesto da oposição com os 5 do PMDB, chega-se a 17. Portanto, outros 17 tiveram origem no PFL (que tinha 19 de seus 20 senadores na sessão) e no PTB. Pelos cálculos feitos pelos senadores, do PFL um voto com certeza foi paraTebet: o de Eduardo Siqueira Campos (TO). Do PTB, os senadores que pesquisaram as preferências de cada um têm como certo o voto em branco de Arlindo Porto (MG), que disputou a presidência do Senado com Jader em 14 de fevereiro e perdeu. PFL - Dois foram os fatos que levaram a maioria do PFL a votar em branco na eleição de Tebet: a influência exercida pelos senadores da Bahia, que não perdoam Ramez Tebet (então presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar) por causa do processo de quebra de decoro que resultou na renúncia do ex-senador Antonio Carlos Magalhães, e o medo de que esteja sendo reeditada uma aliança do PMDB com o PSDB. Essa coligação, no entender do PFL, resultaria em prejuízos para o partido, tanto na sucessão presidencial quanto na divisão dos cargos no Ministério de Fernando Henrique. Projeção chegou com o caso do painel Dono de um perfil discreto, o peemedebista Ramez Tebet (MS), 64 anos, ex-governador do seu Estado e ex-prefeito de Três Lagoas, onde nasceu, elegeu-se senador em 1994. No cargo, conquistou projeção nacional ao presidir o Conselho de Ética e conduzir os processos de quebra de decoro contra Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda. Sua atuação foi tão rígida que, no discurso em que abriu mão do mandato, ACM, irritado, o apelidou de "rábula do Pantanal". Referia-se à formação de Tebet, advogado e ex-promotor. Após a renúncia dos senadores, ele foi convidado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso a assumir o Ministério da Integração Nacional, onde ficou por três meses. Como senador, foi relator dos trabalhos da comissão especial que investigou o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), em 95. No ano seguinte, relatou a Lei Eleitoral e, em 99, a CPI do Judiciário. Foi também relator do Orçamento da União. Atuou como um dos coordenadores da campanha de reeleição de Fernando Henrique. Tebet iniciou sua carreira política há 26 anos, na Arena, como prefeito nomeado. Em 78, foi eleito deputado estadual de Mato Grosso do Sul. Em 82, no PMDB, foi eleito vice-governador. Ocupou o cargo de governador por um ano, com a saída de Wilson Martins. 'Eu me arrependi de ter renunciado', diz Jader BRASÍLIA - "Eu me arrependi de ter renunciado", afirmou o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), na noite de quarta-feira, em discurso feito à bancada do partido que, em reunião, aprovou a indicação do senador Ramez Tebet (MS) para o cargo de presidente do Senado. Ao falar para os colegas, Jader disse que renunciou ao comando do Senado com o objetivo de pacificar as relações na Casa. No entanto, isso não ocorreu, segundo ele. "O PMDB é um partido perseguido no Senado", continuou o senador, para enfatizar que setores políticos, citando especificamente o PFL, continuam trabalhando contra seu partido. "Para atingir o PMDB tentam me atingir", queixou-se. Recorrendo a uma reconhecida capacidade retórica, o discurso de Jader empolgou seu grupo político. "Parecia um orgasmo cívico", disse o senador José Fogaça (PMDB-RS), que disputou mas perdeu para Tebet a indicação da bancada. Embora tenha sido procurado pelo PFL e pela oposição para candidatar-se diretamente no plenário, na eleição de hoje, Fogaça recusou-se. "Vou respeitar a decisão do PMDB." Ele ressaltou, entretanto, que Tebet conseguiu "a minoria dentro da própria bancada". "Mas não questiono o resultado, questiono o comando do PMDB", disse Fogaça, deixando claro seu descontentamento com a direção do partido. "Dentro do PMDB tem companheiros e inimigos. Sou um dos inimigos." FHC dá sinal verde a candidatos tucanos Aníbal confirma que PSDB deixa estratégia do silêncio e vai expor seus presidenciáveis BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso liberou os presidenciáveis do PSDB para que se declarem como tal e apresentem suas idéias à opinião pública. "A hora é esta", confirma o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP). O abandono da estratégia do silêncio e da discrição, até agora predominante, tenderá a dar lugar a uma exposição mais agressiva dos candidatos tucanos e à aceleração dos movimentos internos de cada um para a conquista da indicação da legenda. Aníbal argumenta que aqueles que desejam o apoio do partido devem se expor mais e mostrar ao público por que almejam suceder Fernando Henrique no Palácio do Planalto. Segundo ele, o presidente "já diz isso abertamente a todo mundo", o que significa que o processo de escolha "está se estreitando a cada dia". Aníbal vê, no momento, três tucanos efetivamente interessados em entrar no debate: o ministro da Saúde, José Serra, o governador do Ceará, Tasso Jereissati, e o ministro da Educação, Paulo Renato Souza. São diretamente estimulados por Fernando Henrique a dizerem o que pensam sobre a evolução do programa de governo executado nos seus dois mandatos. A idéia de acelerar internamente o ritmo do processo sucessório chegou a provocar uma discussão entre Aníbal e Serra, que considerava mais apropriado manter a estratégia que o obriga a parecer desinteressado do processo eleitoral. "Você não vai ficar a vida toda dizendo que o seu negócio é cuidar da Saúde e que a sucessão não lhe passa pela cabeça", ironizou Aníbal. Articulação - O ministro José Serra é visto por grande parte dos tucanos, e de líderes de outros partidos, como o candidato governista melhor situado em termos de logística de comunicação e articulação política. O interesse dele na conquista da legenda é avaliado até com base em detalhes da sua vida pessoal: há poucos dias Serra fez uma segunda cirurgia corretiva das bolsas de gordura que tinha sob os olhos e que davam a impressão de ser ele uma pessoa insone e permanentemente à beira da exaustão. Serra não admite a intervenção e diz, mesmo aos amigos que o flagraram com curativos e de óculos escuros, que tratou-se somente de uma conjuntivite. O cardápio com as candidaturas do PSDB, porém, encerra dificuldades para que alguns deles digam o que pensam do governo e o que farão se ganharem a eleição. Fernando Henrique quer um perfil sintonizado com ele e com as suas realizações. O ministro da Saúde, por exemplo, alimenta divergências históricas com a política econômica dirigida por Pedro Malan. Tasso também tem divergênciass e estaria mais à vontade, pela distância que manteve de Brasília, para criticar o que julga errado. Paulo Renato julga-se o mais governista e não teria dificuldade em defender a política de Malan. Os tucanos que se organizam em torno do presidente da Câmara, Aécio Neves, defendem praticamente uma candidatura de oposição. O próprio Aécio diz que o representante do PSDB tem de defender o governo com independência para apontar os seus erros e equívocos. PT presta homenagens em programa 'light' Apesar das críticas à política econômica, Lula vai à tevê lembrar morte de prefeito e atentado O assasinato do prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, e o atentado terrorista contra os Estados Unidos, ambos na semana passada, foram lembrados ontem no programa eleitoral gratuito do PT, em rede nacional de rádio e TV. No programa, o presidente de honra e presidenciável do partido, Luiz Inácio Lula da Silva, lamenta a morte do prefeito de Campinas assim como o atentado. Mostrando a preocupação da legenda com as relações internacionais do País, o partido se posicionou contra uma possível guerra encabeçada pelos Estados Unidos. A música A Paz, de Gilberto Gil, foi a trilha sonora. No programa, o partido usou também a frase de Gandhi: "Se prevalecer a tese do olho por olho, acabaremos todos cegos." Com 20 minutos de duração, o filme criticou ainda a política econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso. Os deputados Aloizio Mercadante e José Genoíno, assim como o senador Eduardo Suplicy, apareceram na propaganda petista fazendo críticas ao atual modelo econômico. A peça publicitária foi apresentada pela atriz Giulia Gan. Para Genoíno, o programa, assinado pelo publicitário Duda Mendonça, é "mais leve e alegre" que os anteriores. "É um programa crítico, mas a crítica é feita com leveza." Impacto -A decisão de incluir imagens do atentado aos Estados Unidos e de homenagear Toninho foi tomada, segundo Mercadante, "em função da perda que a morte do prefeito representou para o partido e do impacto do crime praticado contra a humanidade". O programa foi encerrado com a música Amanhã, de Caetano Veloso. No fim, Lula conclui: "Se você gostou (do programa), talvez não saiba, mas no fundo, no fundo, você é um pouco PT". Maluf alega prescrição de crimes para reverter devassa bancária Ex-prefeito requereu ontem à Justiça o reconhecimento da extinção de punibilidade O ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) requereu ontem à Justiça Federal o reconhecimento e a decretação imediata da extinção de sua punibilidade na ação penal que apura emissão supostamente fraudulenta de títulos públicos para pagamento de precatórios. Maluf alega que já prescreveram os delitos a ele atribuídos pela Procuradoria da República - crime de responsabilidade e falsidade ideológica. Trata-se da mais importante cartada do ex-prefeito para tentar arquivar o processo e anular a quebra do sigilo bancário imposta a ele e a seus familiares pelo juiz Fernando Moreira Gonçalves, da 8.ª Vara Criminal Federal. Na mesma ação, está sendo investigada a existência de aplicações financeiras em nome de Maluf na Ilha de Jersey. Por meio de petição de oito páginas, advogados de Maluf argumentam que ele "não se insurge contra qualquer apuração acerca de sua conduta como administrador público, desde que obedecidas as regras constitucionais de garantia". Eles acusam procuradores da República de estarem agindo com "ódio e vaidade" e sem prova alguma. Segundo denúncia formal do Ministério Público Federal, os crimes teriam sido praticados entre 22 de agosto e 30 de novembro de 1994, quando Maluf exercia o mandato de prefeito. O pepebista teria "ludibriado" o Senado e o Banco Central por meio de "informações falsas" sobre o efetivo montante do débito do Tesouro municipal relativo aos precatórios. Extinção - A pena máxima para falsidade é de cinco anos e dez meses. Se o acusado é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte. "A prescrição da pretensão punitiva ocorreria em 12 anos", anotam os advogados. Eles observam que, de acordo com o artigo 115 do Código Penal, este prazo se reduz à metade se o réu, antes de uma eventual sentença condenatória, tiver mais de 70 anos. Maluf completou 70 anos no dia 3, de acordo com certidão de casamento que juntou ao pedido. Assim, no dia 29 de novembro de 2000 "tornou-se extinta a punibilidade pela prescrição". Já para o crime de responsabilidade, a pena máxima é de três anos. Para o ex-prefeito, ainda que se tenha como data do fato 31 de dezembro de 1996 (último dia no cargo) "a extinção da punibilidade ocorreu" no dia 30 de dezembro de 2000, de acordo com o artigo 1.º do Decreto-Lei 201/67. Artigos Hegemonia renovada STEVE SMITH Os acontecimentos de 11 de setembro terão efeitos de longo prazo na estrutura do sistema internacional. A estrutura é um determinante-chave da política internacional e dela há duas versões principais: a multipolaridade, que caracterizou a política mundial desde meados do século 17 até a década de 1940, e a bipolaridade, que caracterizou a guerra fria. Cada uma delas tem padrões comuns de comportamento e tipos e níveis de guerra relacionados. Desde a guerra fria tem havido discussões sobre a estrutura atual e futura da política internacional. As duas principais concorrentes foram, primeiro, uma decaída para a multipolaridade, pois ambas as superpotências sofreram com o esforço imperialista excessivo e a exaustão econômica derivada dos efeitos das corridas armamentistas. Isso levou a uma popularidade generalizada da idéia de declínio dos EUA. Segundo, um "momento unipolar", segundo o qual uma superpotência (os EUA) dominou todas as áreas da política mundial. Os acontecimentos da semana passada nos dão uma resposta decisiva a esse debate: eles reforçam o poder dos EUA no mundo. Não solapam sua influência, mas a fortalecem, confirmando a tendência na direção da elevação do poder dos EUA e do aumento da autoconfiança americana; não anunciam o isolacionismo americano, mas indicam uma renovada hegemonia dos EUA na política mundial e, o que é crucial, representam uma inversão nos fundamentos das políticas dos primeiros oito meses do governo Bush, pois a administração é obrigada a abandonar o unilateralismo e adotar o multilateralismo. Há sete motivos pelos quais os atentados reforçarão a hegemonia dos EUA. O primeiro é o tremendo fervor patriótico que impelirá os EUA para uma política externa bem mais atuante do que nos últimos anos, enquanto tenta erradicar o terrorismo. Segundo, os ataques deram aos EUA uma visão nítida e simplificada de um inimigo e um enfoque claro para a construção e mobilização de apoio. Existe agora uma nova ameaça, um novo foco para a política externa. Terceiro, à medida que a política internacional se torna cada vez mais dominada por questões militares, a formação de coalizões internas e externas se torna mais direta. Quarto, os eventos possibilitam à liderança dos EUA construir alianças internacionais e pressionam países em dúvida a apoiar esses crimes contra a humanidade. Quinto, agora ficou difícil para aqueles mesmos aliados que criticaram os EUA por causa de suas tomadas de posição unilaterais nos últimos oito meses expressar suas críticas às suas políticas multilaterais. Sexto, a América agora tem a chance de formar alianças com a Rússia e a China, as quais, apesar de suas diferenças com os EUA, podem concordar em participar de uma guerra contra exatamente o tipo de terrorismo que ameaça os interesses desses países. Por último, os EUA têm uma rara sobreposição de interesses com regimes como o do Irã, que se opõe ao tipo de islamismo radical pregado por Osama bin Laden e pelo regime Taleban. Mas essa provável reafirmação do poder dos EUA terá aspectos negativos. Primeiro, países como a Rússia e Israel talvez aproveitem a crise para tentar resolver seus próprios problemas de segurança enquanto a atenção estiver focalizada em outro lugar. Segundo, há conseqüências para os direitos civis na medida em que os EUA (e seus aliados) penderem na direção de Estados de segurança nacional. Terceiro, a atividade terrorista pode aumentar à medida que as ações dos EUA criarem uma outra geração de homens-bomba. Como Ronald Steel escreveu recentemente no jornal The New York Times, há muita gente no mundo que odeia os EUA porque "orquestramos um sistema econômico global (...) Declaramos orgulhosamente que somos incontestavelmente a nação número um. Depois ficamos surpresos com o fato de que outros nos responsabilizem por tudo o que consideram ameaçador no mundo moderno". Por último, e o mais problemático, estão os prováveis efeitos sobre alguns aliados americanos. Pensem como regimes como os da Arábia Saudita, da Jordânia, do Egito e do Paquistão poderão ser prejudicados pela provável reação radical islâmica a um ataque ao Afeganistão. Isso enfraqueceria os interesses dos EUA nessas regiões, brinquedo nas mãos Bin Laden, e certamente contaria como uma espécie de vitória de longo prazo para ele. A ameaça para os EUA é dupla. Primeiro, como conciliar sua necessidade de uma coalizão multilateral com a probabilidade de baixas civis, o que enfraqueceria o apoio da população entre seus aliados. Segundo, como equilibrar seu desejo de erradicar o terrorismo com a probabilidade de que tal plano arruíne aliados importantes quando suas próprias populações muçulmanas se revoltarem. Os aliados estão numa situação difícil, porque não comprometer-se com a política dos EUA poderá resultar numa reação muito negativa da opinião pública americana, o que poderá conduzir a um novo isolacionismo. Ambos os caminhos estão cheios de perigos e armadilhas, mas ambos indicam que os proponentes da globalização superestimaram a extensão da cultura e identidade mundial unificadas que está sendo construída. A paz em tempos sombrios ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR Os ataques terroristas que atingiram os Estados Unidos na semana passada e as conseqüências que deles advirão constituem séria ameaça à paz mundial. Uma das principais lições dos últimos acontecimentos é a necessidade de se criarem instâncias internacionais para o julgamento dos crimes de terrorismo. O contexto internacional em que os atentados ocorreram apresenta algumas características fundamentais: A perda de legitimidade da potência hegemônica - O aumento da influência norte-americana nos planos político, econômico e militar conviveu, nos anos recentes, com a percepção, em algumas partes do globo, de que a liderança dos Estados Unidos é incapaz de mediar com imparcialidade os contenciosos regionais e incorporar as demandas de maior eqüidade na distribuição da riqueza. Os Estados Unidos, atualmente, não se dispõem a sujeitar a realização dos interesses de curto prazo aos objetivos de longo prazo, marca da hegemonia que pretende perdurar. A propensão ao isolacionismo manifestou-se, a partir do início do governo Bush, na exacerbação de posições unilaterais, expressas no propósito de continuar o desenvolvimento do escudo antimísseis, bem como na falta de comprometimento com o Protocolo de Kyoto e com a criação do Tribunal Penal Internacional. A descentralização da violência - A formação do Estado moderno se singulariza pela concentração e centralização do uso da força. Por essa razão, o Estado tornou-se o detentor do monopólio da coação legítima. A segunda metade do século 20 registrou um fenômeno paradoxal: o poder de destruição de alguns Estados, multiplicado pelo domínio da tecnologia nuclear, passou a contrastar com a proliferação de organizações não-estatais que convertem a violência em seu principal instrumento de ação. As organizações criminosas e o terrorismo, em particular, simbolizam, perigosamente, a fragmentação da violência, caminhando em sentido oposto ao que permitiu a domesticação da força e à instituição da ordem nas sociedades modernas. O identitarismo - Muitos grupos identitários se definem pela afirmação de valores particularistas, excluindo o outro em nome da raça, da língua ou da religião. O combustível que os alimenta é a frustração sentida diante dos efeitos perversos da globalização. Enquanto o apelo à cidadania é político e contratual, o apelo identitário refuta a idéia de comunidade política e de contrato, preferindo a solidariedade a priori e não negociável. Os últimos atentados terroristas impressionam não só pelo elevado número de vítimas que provocaram, mas também pelo significado tenebroso que têm. Eles combinam de forma sinistra o processo de descentralização da violência, a lógica do identitarismo excludente e os impulsos pessoais autodestrutivos. O resultado é a negação da tolerância em três sentidos diferentes. Em primeiro lugar, verifica-se a negação da tolerância como prudência política, na medida em que são ignorados os benefícios que decorrem da convivência entre facções opostas. Em segundo lugar, a violência terrorista opõe-se à tolerância como método, que se baseia na crença na razoabilidade humana e na superioridade da persuasão sobre a força. Finalmente, o terrorismo rebela-se contra a tolerância como princípio moral absoluto, que se funda no reconhecimento da dignidade da pessoa alheia. Vivemos numa época em que há, simultaneamente, probabilidade de expansão da violência anárquica e oportunidade de aperfeiçoamento institucional. Estamos diante da possibilidade do aumento brutal do surto de violência em que os atores envolvidos lançam mão dos meios mais hediondos para a realização dos seus objetivos. As armas químicas e biológicas e o emprego de artefatos nucleares são, nesse cenário, recursos passíveis de ser utilizados. A crise atual é também uma oportunidade de aprimoramento das instituições internacionais para combater o terrorismo. A tentativa de evitar que os vínculos de sociabilidade internacional se rompam requer medidas que contemplem, entre outras coisas, a previsão do terrorismo como crime contra a humanidade, a cooperação entre os governos para levar a cabo as investigações das atividades terroristas e a criação de instâncias judiciárias internacionais para a punição dos crimes perpetrados. Este empreendimento significa, em sentido amplo, reelaborar o sistema de segurança coletiva idealizado pela Carta da ONU, cuja preocupação central era o controle da força nas relações interestatais. A tarefa de construção institucional enfrenta, todavia, limitações óbvias. Se não houver disposição por parte dos Estados Unidos de se dedicar a tal projeto, ele não terá nenhuma viabilidade prática. Do mesmo modo, se a resposta norte-americana aos ataques terroristas desconhecer as regras morais e legais mais elementares ou se afetar interesses estratégicos de países como a China e a Rússia, há a perspectiva de que a punição dos culpados se transforme numa guerra de grandes proporções. Por último, as instituições exigem valores compartilhados acerca dos reais benefícios que acarretam para os seus participantes. O identitarismo é, sob esse aspecto, antiinstitucional, já que não se dispõe a subordinar crenças e interesses particulares ao bem-estar coletivo. Só nos resta esperar que a razão ilumine os labirintos do nosso tempo Colunistas DORA KRAMER Jader propões acerto geral No cenário da sucessão presidencial, a bola da próxima vez será o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos. Daqui a alguns dias, o nome dele deve ocupar o centro dos debates. Nesta semana, Jarbas passou por Brasília e, em apenas algumas horas, teve encontros separados com o presidente Fernando Henrique e com cada um dos integrantes da cúpula do PMDB. Recebeu também de um emissário de Jorge Bornhaunsen, do PFL, um convite para troca de idéias. Na quarta-feira, com FHC, a conversa foi mais ampla. Falou-se da crise no Senado, mas falou-se principalmente das linhas mestras em que deve se basear uma candidatura do campo governista para ter chance de êxito. Com o partido, as tratativas foram mais detalhadas e de execução mais complicada. De todo o comando partidário, Jarbas Vaconcelos recebeu apelos enfáticos para que autorize o PMDB a assumi-lo como candidato a presidente e torná-lo centro de uma campanha publicitária - nos moldes da que o PFL fez com Roseana Sarney - e de um périplo de visitas a vários Estados. O governador ficou de pensar e dar uma resposta definitiva no fim do mês. "Não vou fazer ninguém perder tempo, até porque sei que os prazos são exíguos." O governador não antecipa qual será sua posição, mas 40 minutos de olho no olho com ele e ouvidos abertos à argumentação a respeito da maneira que considera ideal para encaminhar o debate sucessório não criam dificuldade ao entendimento de que Jarbas resistirá bravamente a fazer o papel que o PMDB propõe que ele faça. E por um motivo muito simples: primeiro, Jarbas aposta na aliança e defende a tese de que não há como chegar ao segundo turno com candidaturas separadas. Depois, propõe exatamente que os partidos envolvidos - PMDB, PFL, PSDB e PPB - entrem na discussão sem falar em nomes. Mas arquivando as pretensões sinceramente. Ele acha que se cada um for para a mesa de negociações com uma carta marcada, a confusão estará estabelecida e o fracasso será quase certo. Ou seja, Jarbas aposta na via do acerto geral que, no entanto, reconhece como muito difícil. A menos, pondera, que cada presidente de partido assuma mesmo a tarefa de promover o desarmamento. E diz mais: acha que o primeiro passo deve ser dado por Fernando Henrique. Na sua opinião, FHC deveria reiterar a declaração que fez antes da convenção do PMDB, segundo a qual o candidato a presidente não precisaria ser necessariamente do PSDB. Na ocasião, isso foi interpretado - com sabedoria, aliás - como um gesto artificial de desprendimento para ajudar a aplacar os ânimos na seara peemedebista. Mas agora Jarbas propõe (e já tocou no assunto no encontro do Planalto) que FHC reafirme a posição, mas desta vez com franqueza. Feito isso, o governador acredita que os partidos devem começar a discutir a estratégia de campanha propriamente dita que, na sua visão, precisa responder a três perguntas essenciais: "Por que estamos juntos, por que queremos continuar juntos e o que vamos apresentar à sociedade." Isso tudo mostrando à Nação o que o governo fez de positivo, mas dizendo claramente tudo aquilo que deixou de ser feito. "Só essa transparência nos salvará", considera. Vice de todos os sonhos tucanos, o governador também não revela sua posição sobre uma possível parceria nesse patamar. Mas da mesma forma não é difícil chegar à conclusão de que se Jarbas Vasconcelos resiste a entrar no debate já como candidato a presidente, muito menos terá disposição de fazê-lo na condição de vice. Fim de comédia O PMDB conseguiu ontem adiar por uma semana a votação do relatório de Romeu Tuma, que conclui pela necessidade de o Conselho de Ética abrir processo contra Jader Barbalho por quebra de decoro. Ao mesmo tempo, porém, o partido abraçou-se de tal forma à defesa do correligionário que, à moda dos afogados, é possível que tenha feito um gesto fundamental para afundar junto com ele. A manobra evidente, mal disfarçada, com desempenhos de quinta categoria, notadamente por parte do presidente do conselho, senador Juvêncio Fonseca, imprimiu ares de fim de comédia à reunião. Fingindo contrapor-se a uma posição de Jader - o pedido para fazer sua defesa naquele momento -, o senador em questão acabou evidenciando que tudo não passava de uma cena antecipadamente montada pelo partido. Remeteu a decisão à Comissão de Constituição e Justiça e, no lugar de obedecer ao prazo de dois dias úteis, preferiu protelar a votação por uma semana. Gesto inútil, aliás. Sim, porque com essa atitude francamente provocativa e cínica, na medida que envolta numa argumentação supostamente digna - a de que a protelação visava justamente a impedir atos protelatórios -, acirra os ânimos contra Jader. Interna e externamente. Além de não alterar os resultados. O PMDB foi institucionalmente irresponsável, pois contribuiu para que cidadão que naquele momento assistia à transmissão da farsa reforçasse a impressão de que a política é a arte da indiferença à dignidade alheia. Para o bem da democracia, oxalá os brasileiros saibam compreender na eleição que o mal não é contagioso. Editorial A frente interna da luta antiterror No dia seguinte aos atos de barbárie dos fanáticos islâmicos, o jornal The Washington Post publicou um artigo do general reformado Charles G. Boyd, da Força Aérea dos Estados Unidos. Nele, o militar resumiu com absoluta clareza o dilema que o seu país passara a enfrentar. "Não responder (à agressão) seria impensável: diminuiria e amesquinharia a liderança americana, e decerto representaria um convite a novos ataques", escreveu. "Mas reagir com excesso ou sem exatidão nos colocaria no mesmo patamar moral dos covardes que perpetraram os ataques." O general, é claro, se referia à ofensiva dos EUA contra os terroristas no exterior. As suas palavras, porém, se aplicam perfeitamente à dimensão interna desse confronto sem fronteiras, cujas inumeráveis implicações para o mundo inteiro ninguém sequer pode começar a prever. Pois tanto os poderes públicos como a sociedade americana foram colocados diante do desafio de combater por todos os meios necessários e apropriados a selvageria que os atingiu, preservando, ao mesmo tempo, as leis, os valores e os costumes que fazem dos Estados Unidos - apesar de todas as suas mazelas passadas e presentes - uma nação única no globo. Vale dizer, preservando a admirável amplitude dos direitos individuais e das liberdades civis usufruídos por seu povo, indissociáveis do tecido institucional, social e cultural do país. Vale dizer ainda que, se algumas dessas franquias tiverem de ser revistas, para prevenir futuras investidas dos inimigos da civilização, a revisão tenha amplo consenso social e político, e resulte de maduro exame de seus custos (previsíveis) e benefícios (imponderáveis). Uma das primeiras vozes do establishment americano a chamar a atenção para os riscos de se restringirem precipitadamente as garantias legais da população, em nome da luta antiterror, foi a do ex-secretário de Estado Warren Christopher, inconfundível na elegância dândi de seus trajes. Também no dia seguinte aos atentados, como o artigo do general Boyd, Christopher advertiu em entrevista à TV que os Estados Unidos não podem repetir nem remotamente as violações dos direitos constitucionais autorizadas pelos infames Sediction Acts, do começo do século 20, destinados a erradicar o movimento anarquista - muito menos os crimes contra os americanos de ascendência japonesa, praticados durante a guerra, quando dezenas de milhares deles foram confinados em campos de internamento por uma decisão executiva ratificada pelo Judiciário. Agora, enquanto se multiplicam, às centenas, os relatos de violência xenofóbica nos EUA, incluindo pelo menos um homicídio, contra pessoas de aparência árabe ou em vestes muçulmanas - vitimando, principalmente, por causa de suas barbas e turbantes, os indianos sikhs, que não são nem árabes nem professam o islamismo -, as organizações de defesa das liberdades civis e os setores liberais da academia e da imprensa têm um motivo adicional para se preocuparem. É a intenção do governo, anunciada na terça-feira, deter por tempo indeterminado e sem culpa formada imigrantes legais, em situações de "emergência". No ano passado, a Corte Suprema considerou inconstitucional a detenção sem prazo de imigrantes ilegais a serem deportados, à falta de países dispostos a recebê-los. O precedente não parece influir nos planos do Departamento de Justiça de apresentar, nos próximos dias, um controvertido pacote de medidas legislativas que, segundo os críticos, poderá "desmantelar salvaguardas protegidas pela Constituição e reduzir direitos fundamentais, entre eles os que protegem a privacidade", como sustenta o deputado republicano Bob Barr, da Geórgia. O Departamento de Justiça quer também reduzir o alcance dos recursos judiciais de imigrantes ameaçados de deportação por "suspeita de terrorismo". É das normas americanas permitir que as apelações, quando baseadas em argumentos constitucionais, cheguem à Corte Suprema. Provavelmente está havendo exageros de parte a parte - nas providências restritivas previstas e nos protestos que elas já suscitam. Os liberais não podem ignorar que o mais devastador ato de agressão cometido em território americano tornou clamorosamente indispensável a busca de novas medidas legais de defesa interna. De seu lado, o governo não pode fazer tábula rasa da poderosa tradição cultural libertária, graças à qual muitos americanos, sejam quais forem as suas simpatias políticas, consideram inconcebível a possibilidade de serem obrigados, um dia, a tirar uma simples carteira de identidade. Topo da página

09/21/2001


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