Saúde: Técnica abre perspectivas para diagnóstico pré-natal



Programa de Medicina Fetal da Unicamp desenvolve trabalho pioneiro na área da citogenética molecular

Técnica molecular usada pelo Programa de Medicina Fetal, do Departamento de Tocoginecologia do Caism (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher) da Unicamp, está abrindo novas perspectivas na área de diagnóstico e tratamento de doenças. Conhecida como CGH (Hibridização Genômica Comparativa), a técnica é aplicada por meio de software (leia texto nesta página) que detecta ganhos e perdas de material genético em regiões específicas do genoma nas células de pacientes – fetos, no caso. A CGH apresenta uma série de vantagens em relação aos métodos convencionais de diagnóstico. O primeiro estudo de casos desenvolvido pela equipe do Caism foi recentemente apresentado em congresso nos Estados Unidos e está em vias de ser publicado por uma revista suíça.

Estudo com 7 casos de duas doenças raras é apresentado nos EUA

No estudo tido como inicial pelo grupo, descreve-se a aplicação da técnica para a análise de sete casos de duas doenças raras – a onfalocele e a gastrosquise –, patologias que na forma são muito semelhantes, caracterizando-se por uma herniação do conteúdo abdominal. O ginecologista e obstetra Ricardo Barini, coordenador da pesquisa e do Programa de Medicina Fetal, revela que, na comparação do material genético das duas doenças, constatou-se uma alteração cromossômica na onfalocele. Já na gastrosquise não foi registrada nenhuma mudança que indicasse uma relação direta com problemas de ordem genética, já que não havia nenhuma alteração no genoma – a doença é provavelmente causada por problemas ambientais.

A onfalocele, explica Barini, é uma anomalia de fechamento do abdome do bebê. Assemelha-se a uma grande hérnia de umbigo que faz com que o conteúdo abdominal do feto – fígado e alças intestinais, por exemplo – fique fora da barriga, embora recoberto pela membrana que forma a parede abdominal. Análises genéticas de células de fetos acometidos pela doença detectaram, por meio da CGH, manifestação gênica (no caso, excesso de material), no cromossomo 3. O próximo passo do grupo de pesquisa é debruçar-se sobre o genoma já mapeado e esmiuçar a região do cromossomo onde foi detectada a anomalia, possivelmente usando recursos da biologia molecular. “É impossível estudar o genoma inteiro. Por isso, precisamos de um ponto de partida”, ensina Barini, que é docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

Está na detecção do problema o grande ganho que a técnica propicia. Os números comprovam a eficácia do software. “Quando analisamos um ultrassom de uma criança com defeito congênito, sabemos que existe alguma probabilidade de que haja alguma alteração no patrimônio genético. Acontece que o padrão convencional (cariótipo) registra algo de anormal em apenas 10% dos casos”, contabiliza Barini, que aponta ainda dois problemas no método antigo: o exame não fornece nenhuma informação adicional para anomalias de pequenas proporções e, não raro, faz com o que especialista duvide de seu resultado. “Às vezes, a despeito do laudo do exame, a gente se pergunta se não existe mesmo nenhuma alteração no genoma”, revela o coordenador do Programa de Medicina Fetal.

Pelas contas de Barini, o uso do software vai pelo menos dobrar o número de diagnósticos precisos de alterações fetais. A importância do avanço é imensurável, já que o serviço coordenado por ele atende cerca de 300 pacientes/ano e é referência numa região que conta com 4 milhões de habitantes. Mas o que deixa o médico mais esperançoso são as “dezenas de possibilidades” abertas no campo científico pelo estudo piloto que acaba de ser desenvolvido pela equipe do Caism. “A tecnologia permitirá identificar, pelo menos para determinados grupos de patologias, se existe alguma anomalia em um – ou mais de um – dos nossos 46 cromossomos”.

Cérebro e rins 

Ressaltando que a Unicamp é pioneira no uso da técnica na medicina fetal no país, Barini revela que sua equipe vai dar início a um projeto de pesquisa que abrangerá estudos de malformação do cérebro e dos rins, entre outras anomalias. Nos dois casos, os pesquisadores vão tentar identificar algum determinante genético nas patologias. No caso do cérebro, o foco será no fechamento do tubo neural.

O especialista explica em linguagem coloquial. “Na formação do embrião, o desenvolvimento do cérebro, da enervação e da coluna vertebral tem início na sétima semana, com término previsto para a nona semana. O sistema funciona como se tivesse dois ‘zíperes’. Um que vai do meio das costas para a cabeça, e outro que vai no sentido contrário, para baixo. Quando o ‘zíper’ não fecha para cima, registra-se o que chamamos de anencefalia; quando não fecha para baixo, você tem a espinha bífida, ou a mielomeningocele, cuja seqüela mais conhecida é a hidrocefalia (água no cérebro). O docente enfatiza que, nesses casos e nos problemas de má-formação renal, não existe registro na literatura de alteração cromossômica específica.

Barini, médico reconhecido nacionalmente por seu trabalho na área de reprodução humana, acredita que as pesquisas levadas a cabo pela equipe do Programa de Medicina Fetal têm como beneficiários diretos as mães e seus respectivos filhos atendidos pelo grupo multidisciplinar, que conta hoje com 14 integrantes. A unidade trata de casos em que exista alguma confirmação ou suspeita de que o bebê tenha alguma doença. “Trata-se de mais um passo no sentido de aprimorar a qualidade do atendimento e do diagnóstico. Ademais, certamente estamos dando mais conforto para as mães, além de fornecer subsídios para que elas entendam melhor o que se passa com elas e com seus filhos”.

Os estudos reforçam o papel pioneiro e de excelência do grupo do Caism. Em dezembro de 2003, por exemplo, a equipe coordenada por Barini ganhou as páginas de jornais de todo o país ao fazer uma cirurgia intra-uterina para a correção de um problema congênito (mielomeningocele) diagnosticado na 19ª semana de gestação de Lucas Cauan Conceição Teodoro. O garoto nasceu três meses depois.

O outro trabalho pioneiro

O uso pioneiro da técnica de CGH no diagnóstico pré-natal surgiu em razão de outro trabalho marcado pelo pioneirismo. Pesquisas desenvolvidas no ano passado pela geneticista Juliana Heinrich, coordenadora do Laboratório de Citogenética e Cultivo Celular do Caism, constataram que o nível de radiação emitido por aparelhos celulares não danificava as células humanas. Para que representasse risco à saúde e provocasse anomalias no DNA, concluía o estudo, a radiação empregada na telefonia celular precisaria ser dez vezes superior ao limite permitido por lei.

Para desenvolver esta pesquisa, a Unicamp (Caism) foi a primeira instituição brasileira a possuir os equipamentos e adotar a técnica de SKY (Spectral karyotyping). A metodologia, também conhecida como cariotipagem espectral, possibilita a visualização de cada um dos pares de cromossomos e os cromossomos sexuais X e Y em cores diferentes. O sucesso da pesquisa sobre celulares, cuja repercussão foi nacional, chamou a atenção dos demais integrantes do Programa de Medicina Fetal, do qual a Juliana também faz parte.

Decidiu-se, então, pela primeira vez no país, usar a tecnologia molecular também nos diagnósticos de pré-natal. Nesses casos, embora a utilização da técnica de CGH seja predominante, os pesquisadores recorrem quando necessário ao SKY. O sistema de tecnologia molecular do laboratório é composto ainda por mais dois softwares: Banda G (cariotipagem convencional) e FISH (hibridação in situ por fluorescência). “As técnicas de SKY e CGH são complementares ao diagnóstico convencional e dependem totalmente do software para que possam ser realizadas”, esclarece a geneticista.

A exemplo de Barini, Juliana não esconde seu entusiasmo com a aplicabilidade da tecnologia de ponta na medicina fetal. Na opin ião da bióloga, embora essas metodologias já sejam usadas largamente na oncologia, uma vez que as células cancerígenas invariavelmente apresentam anomalias genéticas, a Unicamp abre novos horizontes ao transformá-las em ferramentas para o pré-natal. “Conseguiremos, num futuro próximo, determinar a etiologia de doenças que hoje não são diagnosticadas pelos exames convencionais de rotina”, afirma a especialista, que destaca também a confiabilidade da tecnologia.

A metodologia utilizada nos exames é bastante complexa, passando por intrincados eixos matemáticos. Basicamente, o sistema de diagnóstico funciona da seguinte maneira. Depois de extraído o material genético das células do líquido amniótico e/ou no sangue do cordão umbilical, o DNA passa por um processo de hibridização e é analisado num microscópio de fluorescência equipado com um interferômetro e filtros. Esse conjunto de equipamentos é ligado ao computador que tem um software de captura e análise de imagens. A fluorescência transforma o preto e branco em cores, possibilitando uma leitura mais acurada do genoma em razão do contraste cromático. O computador indica, então, onde há perda ou ganho de material genético. Entra aí o papel do citogeneticista, segundo Juliana. “Cabe ao especialista aceitar ou não os parâmetros indicados. Costumo dizer brincando aos meus alunos que a CGH é uma ‘técnica bandeirante’. É como se houvesse uma mata repleta de novidades a ser desbravada, até chegar a uma região específica”, compara.

Um convênio de pesquisa firmado entre a Fundação CPqD e a Unicamp possibilitou a aquisição dos equipamentos. O projeto, no valor de R$ 400 mil, contou com financiamento do Funttel. Além das áreas de medicina fetal e oncologia, os softwares são utilizados na ginecologia e em out

07/19/2006


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