Tráfico manda fechar comércio no Rio
Tráfico manda fechar comércio no Rio
Benedita da Silva insinua que há motivação política por trás da onda de pânico. José Serra aproveita para criticar Garotinho e a governadora
O Rio de Janeiro amanheceu sob o cerco terrorista do crime organizado. Mais uma vez o poder paralelo do tráfico demonstrou sua força de coação e mandou fechar o comércio em várias regiões da cidade. A governadora Benedita da Silva (PT) aumentou o policiamento e mobilizou 45 mil homens para fazer a segurança da região metropolitana. Benedita informou que pelo menos nove pessoas foram presas em flagrante ao ordenar o fechamento do comércio. Todos foram levados à Delegacia de Repressão a Entorpecentes. Fora os boatos, não houve qualquer registro de crime no estado.
A governadora insinuou a participação de grupos políticos nesta onda de pânico associados a uma reação do crime organizado à política de segurança. ‘‘Não estamos afirmando que tenha sido manobra direta. O que estamos dizendo é que não existe nenhum fato que levasse ao fechamento das escolas municipais. Não houve morte ou assalto. Por que essa situação agora?’’, questionou.
O chefe de polícia, Zaqueu Teixeira, disse que o governo está
investigando a origem dos boatos que provocaram o fechamento de lojas e escolas em bairros dos Rio, Niterói, São Gonçalo e cidades da Baixada Fluminense. Ele trabalha com várias hipóteses, e não descarta a possibilidade de que alguém tenha reproduzido uma ação do tráfico, usada normalmente como forma de protesto contra a polícia. ‘‘É uma situação de pânico que se combate dando poderes à autoridade constituída. Nos ajudem’’, destacou o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Francisco Braz.
O presidente nacional do PT e coordenador da campanha Lula Presidente, deputado José Dirceu, classificou o toque de recolher imposto no Rio como ato de represália contra a governadora Benedita da Silva, que tem adotado uma dura política de combate ao crime organizado. ‘‘Ela está pagando por afrontar o tráfico e a sociedade precisa entender isso e apoiá-la’’, afirmou.
No início da tarde, Dirceu falou com Benedita por telefone. A governador teme uso eleitoral da situação. Ela estranhou principalmente o fechamento das escolas municipais e o fato das cidades que visitaria em campanha (São Gonçalo e Niterói) também terem sido vítimas do toques de recolher.
O secretário da Segurança do estado, Roberto Aguiar, não acredita na possibilidade do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, ter articulado o movimento do interior do Batalhão de Choque da Polícia Militar, onde está detido. Uma das hipóteses é que o toque de recolher tenha ocorrido como resposta a restrições impostas ao grupo de Beira-Mar, transferido para o batalhão da PM após rebelião que destruiu Bangu 1.
Em Contagem, Minas Gerais, o candidato da Grande Aliança a presidente, José Serra (PSDB-PMDB), culpou o candidato da Frente Brasil Esperança, Anthony Garotinho (PSB-PGT-PTC), e Benedita da Silva, candidata à reeleição, pela demonstração de poder do tráfico. Segundo Serra, o que acontece no Rio é ‘‘resultado da bomba relógio que o ex-governador Garotinho deixou’’, e do ‘‘jogo de empurra’’ de Benedita.
O presidente Fernando Henrique Cardoso considera um exagero imaginar que a situação no Rio está fora de controle. ‘‘Segurança pública não pode ser confundida com eleição’’, disse, tentando desvincular qualquer ação de traficantes da campanha eleitoral no estado.
Há dez anos, em outubro de 1992, quando Cesar Maia, atual prefeito da cidade, e Benedita da Silva, hoje governadora do estado, disputavam a prefeitura do Rio, um suposto ‘‘arrastão’’ surgiu nas areias da Praia do Arpoador, no segundo turno das eleições. Benedita (PT), que vencera no primeiro turno, acabou sendo derrotada por Maia (então no PMDB), eleito com um discurso que pregava ‘‘ordem’’, ‘‘aumento da repressão policial’’ e apoio das Forças Armadas. Até hoje, o PT sustenta que houve ‘‘manobra política‘‘ para prejudicar sua candidatura, associada à ‘‘baderna promovida por favelados’’.
Banqueiro aposta em Lula
Numa palestra em Washington, Roberto Setúbal, do Banco Itaú, diz que Lula será o próximo presidente. Apesar da previsão, ele continua com Serra. Entre os políticos, porém, palpites como esse provocam defecções em favor do petista
Ele vota no candidato do PSDB à Presidência, José Serra. Mas deixou claro que não apostaria um níquel na sua vitória. Em Washington, para uma atônita platéia de investidores, analistas, empresários e banqueiros, o presidente do Itaú, Roberto Setúbal, declarou, logo no início da sua palestra, sem deixar qualquer margem para dúvida: ‘‘Lula será o próximo presidente do Brasil; não tenho dúvida nenhuma disso’’. O banqueiro é o segundo eleitor ilustre de Serra a prever que provavelmente jogará seu voto fora no dia 6 de outubro. Na semana passada, segundo revelou o jornal Clarín, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse ao presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, que Lula será eleito no primeiro turno.
Setúbal emendou em Washington tantos elogios a Lula que deu a impressão de estar fazendo uma declaração de voto. ‘‘As propostas de Lula para a economia não são muito diferentes das de Serra. Mas Lula sinalizou para mais crescimento econômico. É um homem honesto e será um presidente racional. O Serra também é honesto. Mas a grande diferença entre Serra e Lula é que Lula realmente fala ao coração das pessoas. O Serra, não’’, comentou. Foi preciso que, no final da tarde, a assessoria do Banco Itaú divulgasse uma nota para dizer que seu presidente não é eleitor do candidato do PT, mas de Serra. De acordo com a nota, ele apenas quis dizer que, com a vitória de Lula, ‘‘a transição deverá ser suave e que o processo político-eleitoral não pode ser motivo para intranqüilidade do mercado’’.
Setúbal não foi o único fora do reduto eleitoral petista a trabalhar ontem para desfazer temores do mercado financeiro. Ruth Cardoso, mulher de Fernando Henrique, disse que a vitória de Lula não podia ser encarada como “um desastre”. O jornal inglês Financial Times, bíblia do capitalismo, pediu um crédito de confiança ao petista.
As pesquisas eleitorais ainda não garantem a vitória de Lula no primeiro turno. Mas Setúbal e Fernando Henrique parecem julgar que esses números evoluirão até o final da semana para a eleição de Lula. Apesar da previsão, ambos se mantêm com seu candidato à Presidência. Não é o caso de vários políticos espalhados pelo país que fazem a mesma aposta no candidato do PT.
O presidente do PDT, Leonel Brizola, só não declarou ainda apoio oficial a Lula porque o PT está em dúvidas sobre se isso é conveniente. Como não tem certeza da vitória no primeiro turno, o presidente do PT, José Dirceu, teme que a adesão de Brizola provoque a ira do candidato do PPS, Ciro Gomes. Em um segundo turno com Serra, o PT precisará dos votos de Ciro. ‘‘Ainda não temos a fórmula pronta’’, explicou o vice-presidente do PDT, Carlos Lupi. Por enquanto, ele e Brizola vão continuar pressionando Ciro Gomes a renunciar em favor de Lula. Se Ciro não renunciar, Brizola vai liberar aliados para declarar apoio a Lula.
Na Bahia, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, do PFL, ensaia discurso semelhante. ‘‘Cabe a Ciro decidir o que vai fazer’’, disse ACM, lançando a isca. Mas completou: ‘‘O próprio presidente disse ao Duhalde que José Serra não tem mais chances e que Lula ganha no primeiro ou no segundo turno. Então, não tenho mais nada o que dizer’’, ironizou.
Menos ilustres que Brizola e ACM, vários líderes políticos estaduais que apoiavam Serra ou Ciro Gomes aderiram nos últimos dias ao candidato petista. No Acre, o PSDB do vice-governador Edson Cadaxo anunciou apoio a Lula. No Espírito Santo, o presidente regional do PDT, Sérgio Vidigal. No Rio, o PMDB do deputado estadual Sérgio Picciani. Em Santa Catarina, o candidato peemedebista ao governo, Luiz Henrique, e o senador Casildo Maldaner.
Corrida pelo 2º turno
Pesquisas mostram que menos da metade das eleições para os governos estaduais serão decididas no domingo. Segundo as intenções de voto, a maior parte dos novos governadores só será conhecida no dia 27 de outubro
Se os eleitores confirmarem nas urnas a tendência mostrada pelas pesquisas eleitorais mais recentes, a maior parte do país terá de esperar pelo segundo turno, dia 27 de outubro, para conhecer os novos governadores. Os números indicam decisão da disputa em primeiro turno somente em 11 estados e no Distrito Federal. Os números relativos a Brasília, entretanto pedem cautela na interpretação.
A divulgação de conversas comprometedoras do governador e candidato à reeleição pelo PMDB, Joaquim Roriz, com Pedro Passos, acusado de parcelamento ilegal de terras no DF, pode mudar o quadro eleitoral. ‘‘É preciso uma nova pesquisa para saber como as denúncias afetaram a candidatura de Roriz’’, disse o diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, quando da divulgação dos números.
No três maiores colégios eleitorais do país — São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro — só os mineiros devem escolher seu governador no dia 6. Aécio Neves (PSDB) tem hoje 55% das intenções de voto, segundo a última pesquisa do Datafolha, de 27 de setembro. No Rio, o crescimento da governadora Benedita da Silva (PT) e de Jorge Roberto da Silveira (PDT) aumenta a possibilidade de segundo turno contra a candidata do PSB, Rosinha Garotinho, líder na disputa.
Em São Paulo, os números garantem o segundo turno. Desde o início da campanha, entretanto, houve uma inversão na posição dos concorrentes. O governador-candidato Geraldo Alckmin (PSDB) passou Paulo Maluf (PPB) e está na frente. Maluf corre, inclusive, o risco de ficar fora do segundo turno, uma vez que está em empate técnico com José Genoino (PT).
Nos onze estados onde a eleição para governador deve se decidir no primeiro turno, os tucanos, segundo as pesquisas, vencem em quatro. Além de Minas, ganham em Goiás, com Marconi Perillo, no Ceará, com Lúcio Alcântara, e na Paraíba, com Cássio Cunha Lima.
Pefelistas
O PT vence no Acre e no Mato Grosso do Sul, onde seus governadores, Jorge Viana (AC) e Zeca do PT (MS) disputam a reeleição. O PFL também tem dois candidatos com expectativa de vitória no primeiro turno — Paulo Souto na Bahia e Marcelo Miranda no Tocantins.
A vida dos pefelistas já foi melhor. Em agosto, o partido contava como certas a eleição de Hugo Napoleão (PI), de José Reinaldo Tavares (MA) e de João Alves (SE) no primeiro turno. Mas o quadro eleitoral nesses estado mudou e hoje o segundo turno é certo no Piauí e no Maranhão. No caso de Sergipe, também não está totalmente descartado. João Alves, embora em primeiro, está em queda nas pesquisas, enquanto seus adversários sobem.
O PMDB só deve eleger um governador no primeiro turno: Jarbas Vasconcelos, em Pernambuco. O PSB, tem Paulo Hartung, no Espírito Santo. O PPS também só deverá fazer um governador no domingo: Eduardo Braga, no Amazonas. Em 12 estados, os números das pesquisas apontam o segundo turno como inevitável.
Santa Catarina, Sergipe e Rio são as dúvidas dos pesquisadores. No caso de Santa Catarina, o governador-candidato Esperidião Amin (PPB) entrou na disputa com mais de 50% dos votos. Hoje tem 46% e seu principal adversário, o ex-prefeito de Joinville Luiz Henrique da Silveira (PMDB) cresceu, o que pode adiar a decisão para 26 de outubro, data do segundo turno.
Panfleto ilegal em carro da OK
O carro usado para transportar panfletos contra o candidato a senador Paulo Octávio (PFL) e apreendido pela Polícia Federal na noite de domingo pertence à OK Automóveis, empresa do senador cassado Luiz Estevão. O Fiat Palio Weekend, de placa JEZ-2752-Brasília, estava na porta da Igreja Santo Antônio (911 Sul), onde quatro pessoas foram flagradas ao distribuir a propaganda irregular.
Luiz Estevão chegou à 911 Sul, durante o flagrante feito pela Polícia Federal. Porém, ele negou qualquer envolvimento com a distribuição ilegal do material contra Paulo Octávio. ‘‘Vim aqui para socorrer as meninas que me ligaram. Não tenho nada com isso’’, disse Estevão. As duas jovens e o rapaz que estavam com os panfletos garantiram não ter nenhuma relação com o ex-senador. E ainda afirmaram que não telefonaram para pedir ajuda a ele. No entanto, levantamento feito pelo Correio junto ao Registro Nacional de Veículos Automotivos (Renavam), comprovou que o veículo usado pelo trio, e onde estavam milhares de panfletos, é da empresa de Luiz Estevão.
A propaganda, assinada pelo Movimento de Celebração 12 de Outubro reproduzia um discurso em que Paulo Octávio defende a destituição de Nossa Senhora Aparecida do posto de padroeira do Brasil. A panfletagem, no entanto, desrespeita uma liminar expedida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, que proíbe a veiculação desse material, considerado difamatório e calunioso.
As três pessoas foram levadas para a Superintendência da Polícia
Federal em Brasília, juntos com o carro. Em depoimento ao delegado Giácomo Santoro, os três negaram conhecer ou trabalhar para Estevão. Todos foram liberados ainda na madrugada. A polícia não divulgou o nome dos acusados. Eles responderão processo por crime eleitoral.
Roriz vira escândalo nacional
Divulgação das gravações mostrando envolvimento de integrantes do GDF com acusados de grilagem de terras públicas chama a atenção de toda a imprensa. Assunto é destaque nos principais jornais do país
Ganhou destaque nacional o pedido de impeachment do governador Joaquim Roriz (PMDB), protocolado ontem na Câmara Distrital por deputados da oposição. A notícia está hoje nas bancas de todo o país, estampada em jornais como O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo.
Repórteres das sucursais desses jornais acompanharam a entrega do pedido ao deputado distrital Gim Argello (PFL), presidente da Câmara. Ao longo do dia de ontem, flashes sobre Roriz pipocavam nas páginas de ‘‘últimas notícias’’ dos sites de imprensa. A notícia ganhou destaque, na noite de ontem, na página do Estadão. ‘‘Oposição protocola pedido de impeachment de Roriz’’ foi manchete às 19h. A matéria dava conta, ainda, da decisão do ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de anexar ao processo de grilagem envolvendo Pedro Passos as conversas do empresário com o governador.
Também foi citada a visita do deputado distrital e candidato ao governo pelo PSB, Rodrigo Rollemberg, ao procurador federal Guilherme Schelb. Rollemberg pediu que as tais gravações entrem também no processo de improbidade administrativa que o Ministério Público move contra Roriz na 3ª Vara da Justiça Federal de Brasília.
O Jornal do Brasil fala hoje sobre o caso em sua edição nacional e dentro do Caderno Brasília, que circula somente no Distrito Federal. O JB conta sobre o veto sofrido pelo Correio Braziliense no domingo, quando o desembargador Jirair Meguerian, juiz substituto do Tribunal Regional Eleitoral, deferiu medida liminar proibindo a publicação das conversas telefônicas gravadas com autorização da Justiça.
A Agência Folha distribuiu ontem matéria sobre Roriz. Com um ponto-a-ponto apresentando os personagens e explicando o roteiro desta trama que ultrapassou os limites da capital federal e virou escândalo nacional.
Em defes a da liberdade de prestar informação
Jornalistas, representantes da OAB e cientistas políticos repudiam as ações judiciais que restringem a liberdade de imprensa. A punição ao Correio é vista com indignação até por colegas de partido do governador Joaquim Roriz
Simplesmente vetado. A decisão da Justiça Eleitoral de proibir que o Correio continue a publicar trechos da escuta telefônica entre o governador Joaquim Roriz e seus assessores com os irmãos Passos assustou leitores e representantes de sindicatos e entidades de classe. A avaliação é de que houve afronta à democracia e a liberdade de imprensa e um passo perigoso para a volta de uma nova forma de censura aos meios de comunicação.
‘‘A liminar deferida contra o jornal confirma uma censura togada, que substituiu a fardada, dos tempos da ditadura militar’’, critica o jornalista Alberto Dines, presidente do Observatório da Imprensa, um jornal renovado toda quarta-feira na Internet. ‘‘Toda forma de proibição de matérias jornalísticas é censura. Se os fatos são relacionados com a vida pública, e não pessoal, e são de interesse coletivo, não podem ser omitidos’’, comenta o advogado Luiz Carlos Alcoforado, especialista em Direito Público.
A edição da segunda-feira do Correio já estava pronta, mas trechos da transcrição da escuta telefônica não puderam ser publicadas por decisão judicial. Às 23h30, um oficial entregou a liminar do desembargador Jirair Aram Meguerian, juiz auxiliar que estava de plantão no Tribunal Regional Eleitoral. A coligação Frente Brasília Solidária, que apóia a reeleição de Roriz entrou, às 20h15 do mesmo dia, com ação no TRE. A alegação é de que a matéria ‘‘passou a ser explorada’’ pelo jornal, o que prejudicaria a campanha dele.
‘‘Está claro que o governador tomou essa atitude pelo efeito que a informação traz para sua campanha’’, avalia o analista político Antônio Augusto de Queiroz. ‘‘Não se pode permitir a dilapidação do patrimônio e dos bens públicos para o benefício de alguns. Os interesses da sociedade devem se sobrepor a eventuais firulas jurídicas que favoreçam bandidos. Agora Brasília pode votar conhecendo os interesses de Joaquim Roriz e quem está por trás dele’’, comenta.
Precedente
A professora de História Contemporânea da Universidade de São Paulo, Maria Aparecida de Aquino, interpreta a censura como mais um precedente perigoso à liberdade de imprensa. ‘‘Se não houver reação da sociedade e da imprensa, a tendência é que decisões como essa se repitam’’, comenta a professora, que é autora do livro Censura, Imprensa e Estado Autoritário. ‘‘A censura imposta ao Correio assemelha-se à estratégia usada durante a ditadura militar, de 1968 a 1978. Alguns jornais podiam publicar uma notícia, enquanto outros não. É uma forma de intimidação. Por que só o Correio?’’
Nos órgãos de imprensa, a proibição causou ainda mais repúdio. Beto Almeida, um dos diretores do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF, entende que a liminar é inconstitucional. ‘‘O acesso às informações que dizem respeito ao patrimônio público é direito garantido por lei’’, afirma. ‘‘Proibir um único veículo de comunicação de divulgar essas notícias caracteriza perseguição a uma empresa específica. Todos os demais veículos de comunicação deveriam divulgar o conteúdo da escuta para neutralizar a decisão judicial’’, defende.
O presidente da Associação dos Servidores da Imprensa Nacional, Antônio Fúcio, classifica o fato como ‘‘aberração’’. ‘‘É vergonhoso não termos garantido o direito de acesso à informação. E também é antidemocrático’’, protesta. Na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o clima também é de insatisfação.
Samuel Salestino, presidente do órgão, acredita que o TRE extrapola suas funções ao censurar um meio de comunicação.‘‘Não se pode pensar em uma democracia madura quando a própria Justiça permite a censura. Por que só contra o Correio?’’, questiona Salestino.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no DF, Safe Carneiro, afirma que o nome do Correio aparece na proibição porque o primeiro requerimento foi feito contra o jornal, e não contra a imprensa. O resultado é que tanto a Rádio CBN como o DF-TV, da TV Globo, noticiaram o conteúdo da escuta telefônica.
‘‘Quem está investigando o caso a fundo é o Correio. É óbvio que o governador teria interesse em calar esse jornal, especificamente. É o diário mais lido no Distrito Federal’’, avalia Safe Carneiro. O vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Everaldo Gouveia, não pensa assim. Para ele, é no mínimo estranho a perseguição do governador ao jornal: ‘‘Se tem algo irregular na administração Roriz, ele deveria ver esses acontecimentos como a grande chance de esclarecer tudo’’.
Censura eleitoral
Gouveia, que é jornalista em São Paulo, mostra-se surpreso com a situação. Ele conta que os veículos paulistanos, quando punidos pela Justiça Eleitoral, são obrigados a dar espaço para resposta dos candidatos, como aconteceu com Paulo Maluf — candidato a governador — e a Folha de S. Paulo. Mas Gouveia ainda não viu a Justiça de lá punir um veículo antes mesmo de a reportagem ser publicada. ‘‘Será uma tentativa de sufocar o jornal?’’, provoca. Ele acha estranho o TRE se antecipar e proibir a veiculação dos diálogos.
Entre representantes da sociedade civil e analistas políticos, a decisão também causou indignação. O cientista político Murilo de Aragão acredita que a censura imposta pela Justiça cria um embaraço à liberdade de informação. Antônio Augusto de Queiroz, analista político, está certo da intenção duvidosa do governador ao entrar com pedido de liminar contra o jornal. ‘‘Roriz foi surpreendido pela levantada do véu que o envolve com o crime da grilagem de terras’’, acusa.
David Fleischer, professor de Ciência Política da UnB, afirma que, em época de eleição, é comum a Justiça Eleitoral agir como censura. Ele lamenta apenas que o fato tenha ocorrido com atraso. ‘‘Isso teria muito mais impacto se tivesse acontecido a um mês das eleições. A dez dias, não dá pra reverter a vantagem. O público demora a absorver’’, avalia.
Artigos
Um olhar de estadista para o esporte
Eduardo Manhães
Os candidatos à Presidência da República reuniram-se no Comitê Olímpico Brasileiro, em julho, para expor suas propostas para o esporte. Como os candidatos, cada um a seu modo, elegeram o crescimento, a valorização do mercado interno, o fim da dependência e a democratização da oferta de bens de consumo e sociais como diretrizes básicas de seus programas de governo, esperava-se uma visão de estadista que contextualizasse o esporte nessa agenda de modernização do Brasil. Infelizmente, não foi o que se viu.
Realmente importante seria identificar no discurso dos candidatos a relação que preconizam entre o poder público — e mais precisamente entre o dinheiro público — e os três níveis de organização desportiva: o esporte em que a participação da população é mais importante que a seleção de talentos, a ser desenvolvido nas escolas e nas comunidades; o esporte olímpico; e o esporte profissional (atividade negocial).
Quanto a esse último, a referência é fácil. O que interessa é a posição do candidato com relação à medida provisória a ser votada pelo Congresso Nacional que obriga o esporte profissional a ser regido pelo regime de livre empresa, para adquirir competitividade. Essa medida gera um efeito extremamente moralizador, ao fazer com que obrigações fiscais e negócios obedeçam a mecanismos transparentes de controle social.
No tocante à democratização da prática esportiva, em que a participação, principalmente da criança, é muito mais importante que a seleção de talentos, felizmente os candidatos demonstraram consenso quanto à legitimidade e à oportunidade do investimento público, haja vista a contribuição da prática desportiva para a educação, para a saúde, para a ética e para a motricidade. Muito bom. Mas é fundamental precisar que isso vai ser feito por um programa público.
O artigo 213 da Constituição Federal determina que, na educação, recurso público é para escola pública. O parágrafo 2º do artigo 199 estabelece sérios limites ao uso de recurso público em instituições privadas de saúde. Conseqüentemente, se o esporte é questão de Estado porque contribui com a educação e a saúde, deve seguir as mesmas diretrizes: programa público para esporte nas escolas e convênio com projetos comunitários que atendam aos requisitos oficiais. Incentivo fiscal para esses projetos, sim, desde que os recursos transferidos do Tesouro pela renúncia fiscal obedeçam a critérios e fiscalização do poder público.
No que se refere ao esporte olímpico, é necessário compreender que o conceito, para efeito de política pública, é genérico e perigoso. Nele, o mais importante é a competição, e não a participação. É um tipo de prática esportiva que o sujeito faz por opção de vida, quase sempre profissional, não sendo obrigatoriamente instrumento direto de educação e saúde, devendo sê-lo de forma indireta, por demonstração, pela empatia de seus ídolos.
Por tudo isso, o máximo que se pode admitir nesse setor é o investimento de dinheiro público não-estatal, o que passou a existir com a aprovação da Lei Piva, que transfere recursos significativos de prêmios de loterias diretamente para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), entidade privada, infelizmente sem qualquer gestão de organismo público não-estatal, o que seria indispensável.
As instituições olímpicas, assim como as de Bretton Woods, foram criadas para defender os mais altos valores da convivência humana pacífica, internacionalista e igualitária, mas ocultam relações de poder entre nações e a ação nem sempre nobre de uma rede de agentes político-financeiros articulada nacional e internacionalmente.
Infelizmente, os candidatos não deixaram muito claro algumas dessas questões, enfocando as atividades do ponto de vista ora de clubes, ora do COB. Repetiram um conjunto de estereótipos mais antigos que a prova do pentatlo, e o olhar de estadista ficou para uma próxima oportunidade.
Editorial
ESCÂNDALO DAS FITAS
Quem é responsável pela impunidade do bando de bucaneiros que saqueia desenfreadamente a capital da República? É a pergunta que não se cala depois da divulgação de transcrições de grampos telefônicos legais feitos pela Polícia Federal
Numa das conversas, Pedro Passos, o maior grileiro do Distrito Federal, liga para a residência do governador. Pede, com intimidade e sem cerimônia, que a área por ele invadida não sofra fiscalização. Roriz responde com naturalidade que Passos pode ficar tranqüilo, pois iria administrar o problema para ele.
No mesmo diálogo, Pedro revela que Eri Varela, presidente da Terracap, recebera lotes como suborno para fechar os olhos à invasão. Não deveria, pois, criar problemas para o andamento dos negócios milionários. Roriz escuta a grave acusação e não reage. Mantém-se calado.
Uma semana antes, a ponta do iceberg havia vindo à tona. Márcio Passos, irmão de Pedro, entregou ao Correio Braziliense uma fita de vídeo. Nela, o ex-secretário de Assuntos Fundiários Odilon Aires conversa com Pedro, cuja imagem não aparece. Diz que na Câmara Legislativa ‘‘só tem ladrão’’.
Revela como os distritais que fazem parte do esquema mafioso se beneficiam ao votarem a favor dos grileiros. Cita o presidente da Casa, Gim Argello, que teria recebido 300 lotes a título de propina. Acha-se injustiçado. Ele, apesar da posição no governo, só ficara com 50.
Na ocasião, Márcio Passos confessou ter mais de cem vídeos comprometedores. Neles teria registrado conversas mantidas por ele e o irmão com deputados e autoridades do governo. Nomeou os ex-secretários e hoje candidatos à reeleição Odilon Aires e Tadeu Filippelli e o secretário de Comunicação do GDF, Weligton Moraes. Não se referiu diretamente ao governador. Mas fez clara ameaça. Segundo ele, gravara ‘‘todo mundo’’.
A divulgação da fita — ficara claro — tinha o objetivo de intimidar o governador e equipe. E surtiu o efeito desejado. Apesar da gravidade das denúncias, nenhuma providência foi tomada para apurar os fatos e punir os culpados. Roriz eximiu-se de responsabilidade. Disse que mantinha amizade com Pedro por causa da paixão que ambos têm por cavalos.
Os fatos provam que o governador talvez não alimente a mesma paixão pela verdade. Há muito Roriz tem estreita relação com os Passos. Avalizou-os em empréstimo de um milhão de dólares que nunca foi inteiramente pago ao Bamerindus. Condecorou duas vezes Pedro Passos com medalhas oficiais. Recebeu-o com freqüência em Águas Claras e em eventos festivos.
Se persistia, a dúvida foi desfeita. A divulgação pelo Correio Braziliense de domingo do conteúdo das escutas telefônicas da Polícia Federal confirma a infiltração da máfia dos grileiros no aparelho do Estado. De um lado, fica nítida a íntima ligação de Roriz com os Passos. De outro, a tolerância do governador com supostos atos ilícitos.
Mais. Desvenda a extensa rede de corrupção que se espalha pela capital da República. Põe a nu o envolvimento de representantes do Executivo e Legislativo na segura e crescente grilagem de terras urbanas de Brasília. Aqui, como no Espírito Santo, autoridades se locupletam para privatizar o bem público em benefício próprio.
Essa é a conclusão plausível depois da divulgação da conversa de Pedro Passos com Joaquim Roriz. Como pode um governador ouvir o que ouviu e nada fazer? Ele nem sequer mandou abrir um inquérito. Ao contrário. Em flagrante desrespeito à opinião pública, os parlamentares citados apareceram em comícios com Joaquim Roriz. O próprio Pedro Passos, depois de manter-se dez dias foragido da polícia, participou de atos públicos no mesmo palanque do governador.
A resposta é uma só. Joaquim Roriz está imobilizado pelo medo. Ele é refém dos próprios aliados. Os irmãos Passos e Eri Varela são um arquivo vivo da trajetória do governador. Abri-lo poderia significar jogar luz sobre suspeitas de corrupção que inundam parte da capital da República. É iluminar as relações perigosas que o governador manteve com bicheiros, denunciadas há mais de três anos. É esclarecer as acusações de superfaturamento de obras públicas.
O temor é tão grande que Roriz recorreu à Justiça para pedir que fosse proibida a divulgação das conversas telefônicas gravadas pela Polícia Federal. Alegou que a ação penal corre sob segredo de Justiça. O juiz Jirair Aram Meguerian acatou o pedido. E cá estamos sem poder publicar o que os demais veículos de comunicação daqui e do resto do país puderam fazer até ontem no início da noite. Depois, a decisão judicial se estendeu a eles.
Ao todo, são 48 diálogos altamente incriminadores. Este jornal publicou a transcrição de oito no domingo e, ontem, mais um. Os leitores não poderão tomar conhecimento dos demais. Ora, se nada existe de ilegal, de imoral e de criminoso nas conversas, por que o povo do Distrito Federal e do resto do país não pode saber do que tratam?
Onde se esconde o governador que sempre disse respeitar a liberdade de imprensa — embora a maior parte de seus gestos em relação aos veículos de comunicação expresse sua ojeriza, seu indisfarçável mal-estar diante de uma imprensa verdadeiramente livre? Por livre, toda imprensa que se preza é crítica. Se não for crítica, não será livre. Se não for livre nem crítica, para nada servirá.
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10/01/2002
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