'Veja' demite editora ligada a lobista







'Veja' demite editora ligada a lobista
Revista alega que a responsável pela seção de Economia mantinha ''relacionamento impróprio'' com Alexandre Paes dos Santos

A jornalista Eliana Simonetti, editora de Economia da revista Veja, foi demitida ontem por manter ''relacionamento impróprio'' com o lobista Alexandre Paes dos Santos, segundo diretores da publicação. O nome dela, os dados de sua conta bancária no posto do Unibanco instalado no prédio da Editora Abril, em São Paulo, os telefones de sua residência e o do celular estão anotados na agenda do lobista, como informa a edição de hoje do Correio Braziliense.
Os repórteres Ricardo Leopoldo e Ugo Braga observam que a anotação 10k aparece ao lado do nome de Eliana na agenda. No código de anotações de Santos, a letra ''K'', significa R$ 1 mil, segundo interpretação da Polícia Federal. Assim, 10k equivaleriam a R$ 10 mil.

No sábado, a jornalista admitiu ao Correio ter recebido dinheiro do lobista. Segundo ela, foi um empréstimo para pagar despesas pessoais. ''No total, acredito que ele deva ter me emprestado perto de R$ 40 mil''. Acrescentou ter pedido a ajuda financeira de Santos pela última vez neste ano. ''Ainda não paguei tudo que devo'', disse.
Os dois, contou ela, conheceram-se em Brasília, em 1991. ''Ele era uma ótima fonte'', comentou Eliana. ''Todo jornalista tem seu lobista.'' No mesmo ano, começaram a namorar. O relacionamento durou até 1993, apesar da transferência dela para São Paulo. Tornaram-se amigos, falam-se diariamente. ''Não o vejo há três anos,mas somos próximos'', contou ela ao Correio.

Em 24 de outubro, a revista Veja denunciou as incestuosas relações do lobista Alexandre Paes Santos com funcionários do Palácio do Planalto e de alguns ministérios. Ele tem mais de 30 clientes, executivos de empresas multinacionais. A publicação revirou a agenda pessoal dele e pinçou alguns casos, estampados na edição de 24 de outubro, com uma chamada de capa. Deixou de citar, contudo, as páginas em que aparecia o nome de Eliana, anotado sete vezes no diário.

Este ano, a jornalista e Santos conversaram, pelo menos em 11, 14 e 23 de maio, em 13 e 21 de junho, em 10 e 27 de julho, segundo levantamento da Polícia Federal. A agenda foi descoberta em 10 de outubro, quando uma equipe de policiais federais entrou na casa do lobista, com autorização judicial, e saiu de lá levando fitas de vídeos, gravadores, aparelhos para gravar conversas telefônicas e documentos.
A reportagem de Veja, com fotocópias de páginas da agenda, não deixa dúvida que o repórter da revista teve longo tempo para manusear o documento, fotografar e entrar em contato com os personagens citados nas anotações. Duas funcionárias federais que constam do diário de Santos, foram afastadas, uma delas do Ministério da Saúde, a outra, do Palácio do Planalto. A Veja publicou o caso das duas servidoras federais nas edições de 31 de outubro e 7 de novembro.

Procurado pelo Jornal do Brasil para explicar a posição da revista e desfazer as dúvidas sobre a omissão ou esquecimento do registro da relação da jornalista com o lobista, o diretor da semanal, Tales Alvarenga, segundo a secretária, não estava. O diretor-adjunto, Eurípedes Alcântara, também havia saído. O redator-chefe, Eduardo Oinegue, participava de uma reunião.
Mais tarde, o secretário de redação, Julio Cesar de Barros, enviou um e-mail ao JB. O texto informa: ''Tendo tomado conhecimento de que o nome da editora de Economia consta da agenda do lobista Alexandre Paes Santos, a revista Veja decidiu desligá-la de seus quadros na tarde desta segunda-feira. Depois de ouvir a versão da profissional, a revista considerou o relacionamento impróprio''.

Eliane nega a versão. Segundo ela, ''o diretor da revista (Tales Alvarenga), foi comunicado sobre o meu relacionamento com Alexandre, desde a publicação da primeira reportagem''. Ela disse que ficou surpresa com os termos da nota assinada pelo secretário de redação e se recusou a dar explições sobre seu relacionamento com o lobista.
Alexandre Paes dos Santos negou-se a falar sobre o assunto. O advogado do lobista, Felipe Amoedo, se disse ''desinteressado'' em comentar a respeito de Eliana ou qualquer outro envolvido nas investigações da Polícia Federal.


Polícia piora a crise no Piauí
TERESINA - Antes de segunda-feira não haverá solução para o caso do Piauí. Até lá, o governador interino, deputado estadual Kléber Eulálio, terá de enfrentar a ameaça de greve na Polícia Militar e a paralisação dos servidores da Secretaria da Fazenda. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) se reunirá domingo para decidir se o senador Hugo Napoleão (PFL) assumirá o governador do Estado ou haverá nova eleição. ''Eu aguardo'', disse ontem o pefelista.

A vaga está aberta desde semana passada, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato de Francisco Mão Santa, do PMDB, por abuso de poder econômico e político na campanha de 1998. A posse de Eulálio, na sexta-feira, foi a maneira que o TRE encontrou para ganhar tempo. Seja qual for a solução, há graves problemas que o governador interino tenta empurrar para o novo titular do cargo. Policiais militares vão se reunir amanhã em frente ao Palácio Karnak, sede do governo estadual, para exigir aumento de salário.
''A continuação da crise vai depender do novo governo'', disse o presidente da Associação Beneficente de Subtenentes e Sargentos, sargento Francisco Damasceno. Eulálio prometeu: ''O governo vai estudar as reivindicações'', mas não sabe como atendê-las. Afinal, até a semana passada, tudo o que ele queria era continuar na tranqüilidade da Assembléia Legislativa.

Crise anterior - Um dos líderes do movimento da PM é o vereador Raimundo Silva, do PPB, de oposição. Para ele, não há relação entre a troca no governo e o movimento dos policiais insatisfeitos. ''Estamos nos organizando desde antes da crise'', alegou. O secretário de Administração, Magno Pires, prometeu resolver o impasse esta semana.
De fato, não é de agora que governo e polícia vivem uma relação tensa no Piauí. Mão Santa enfrentou uma greve da PM em em 1997. Em julho deste ano, os policiais civis pararam. Há quatro anos, o ex-governador utilizou as emissoras de rádio para pedir a volta dos policiais ao trabalho. O apelo foi ignorado e obrigou Mão Santa a ir às ruas de Teresina para prender criminosos.


FH movimenta peças para sucessão
Aloysio Nunes assume Justiça, Arthur Virgílio vai para Secretaria da Presidência e Suassuna toma posse na Integração

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso dá posse amanhã a três novos ministros, na tentativa de acomodar a base aliada do governo às vésperas da eleição presidencial. O deputado tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP) troca a Secretaria-Geral da Presidência da República pelo Ministério da Justiça. Abre vaga para o deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), ex-líder do governo no Congresso. A cerimônia de posse também põe fim à agonia do senador Ney Suassuna (PMDB-PB). Indicado para o Ministério da Integração Nacional contra a vontade de setores do partido, ele já despachava no gabinete, mas aguardava há um mês a nomeação.

A dança de cadeiras na Esplanada e no Congresso é a forma de acomodar o PFL, que há seis meses exigia uma das lideranças do governo ocupadas pelos tucanos. A mudança faz do deputado Heráclito Fortes (PFL-PI) líder do Palácio do Planalto no Congresso. Foi a maneira de convencê-lo a desistir da disputa pela liderança do PFL com Inocêncio Oliveira (PE), derrotado pelo tucano Aécio Neves (MG) na eleição para a presidência da Câmara. Com o crescimento da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, nas pesquisas de intenção de voto, também interessa ao Planalto manter boas relações com o PFL.

Quebra-cabeça - O quebra-cabeça montado pelo presidente começa com a indicação do ministro da Justiça, José Gregori, para a embaixada do Brasil em Portugal. Hoje, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado vota a designação. A saída de Gregori abriu caminho para trocar Aloysio Nunes Ferreira de posto. Desgastado com deputados e senadores devido a discussões sobre liberação de recursos e votação de projetos de interesse do governo no Congresso, o secretário-geral da Presidência esteve cotado para o Ministério da Justiça em outras ocasiões. Para o lugar do tucano, Fernando Henrique escolheu Arthur Virgílio, líder do governo no Congresso. Um dos escudeiros do presidente, Virgílio repete de cor e sem tropeçar a cartilha tucana.

Na quarta-feira, Fernando Henrique também assina a nomeação do senador Ney Suassuna, que ocupa a vaga deixada pelo presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS). Mesmo assumindo um ministério periférico na Esplanada, está empolgado. Avisou que vai trabalhar no feriado de quinta-feira e tem muitos planos para os parcos seis meses que ficará no cargo. ''Em seis meses, vários mamíferos são gestados'', brincou. O entusiasmo de Suassuna se justifica. A rápida passagem pelo ministério pode catapultar sua candidatura ao governo da Paraíba.

Comunicação - Fernando Henrique ainda precisa escolher o substituto de Andrea Matarazzo, ex-secretário de Comunicação. Convidado para a vaga, o publicitário Luiz Macedo alegou problemas de saúde para dispensar o cargo. É preciso indicar também o sucessor de Moreira Franco na assessoria especial da Presidência e achar o substituto de Eliseu Padilha no Ministério dos Transportes. Ele anunciou que deixará o cargo, para se dedicar à escolha do candidato do PMDB ao Planalto.


Promotoria e defesa aprovam sentença
BRASÍLIA - Catorze anos de reclusão. A sentença ficou de bom tamanho para a promotoria e para a defesa dos quatro condenados pela morte do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, em abril de 1997. Mas caberá às famílias de Max Rogério Alves, Antônio Novély Cardoso, Tomás Oliveira de Almeida e Eron Chaves de Oliveira decidir até amanhã se entram com recurso no Tribunal de Justiça pedindo novo julgamento.
''Com a sentença, veio uma pacificação'', alivia-se Raul Livino, um dos advogados de defesa no julgamento da semana passada. ''Ficou de bom tamanho. Os réus não tinham antecedentes criminais'', concorda Luiz Eduardo Greenhalgh, assistente de acusação.

Livino desaconselha as famílias a procurar novo júri. Afinal, correm o risco de um novo julgamento acabar em pena ainda maior para os quatro. Ele e os colegas de defesa, Heraldo Paupério e Walter Medeiros (padrasto de Max), viram a tese de lesão corporal seguida de morte ser abatida no Tribunal do Júri por cinco votos a dois. Os réus foram sentenciados por homicídio triplamente qualificado, como queria a promotoria.

Menor - Se a condenação por homicídio não deixou de ser uma derrota para a defesa, Livino encontra certa vitória na sentença. A acusação de corrupção de menores - devido ao envolvimento de G.A.J., então com 17 anos - foi rechaçada por unanimidade. Até por isso o advogado acha que não vale a pena pedir segundo júri. ''E novo julgamento traria nova exposição (para os réus), novo desgaste'', acrescenta.
Max, Novély, Tomás e Eron, com os benefícios da legislação brasileira, devem sair do Núcleo de Custódia da Papuda em 2004. Presos desde o dia seguinte ao crime, eles terão cumprido então dois terços da pena e teriam direito a liberdade condicional. Até disso Livino gostou. ''Se eles saíssem agora, sairiam acuados pela opinião pública'', calcula.

''Nossa prioridade agora é lutar por melhores condições na penitenciária'', conta Livino. Os quatro dividem uma ala abandonada da antiga biblioteca da Papuda, desativada. Estão melhor instalados do que a maioria dos presos, mas, para a defesa, é pouco. Livino espera conseguir permissão para que os quatro trabalhem fora dos muros, prestando serviços à comunidade.
Greenhalgh também faz matemática com a sentença de 14 anos. A juíza Sandra de Santis partiu da pena mínima, 12 anos, pois os réus eram primários. Os agravantes renderam quatro anos a mais: dois pelo motivo torpe, um por crueldade (morte por fogo) e outro por não terem dado chance de defesa (Galdino dormia). Total parcial de 16. Desse número, tiram-se dois anos (porque os réus confessaram o crime e tinham entre 18 e 21 anos).


Polícia investiga médico pedófilo
Rodrigo Villaça, preso em Brasília ao transmitir fotos eróticas de crianças, é suspeito de participar de rede internacional

BRASÍLIA - A Polícia Federal acionou a Interpol para investigar a possível participação do médico Rodrigo Barbosa Villaça, de 29 anos, em uma rede de pedofilia internacional. O gastrenterologista está preso na carceragem da PF, em Brasília, aguardando decisão da 12ª Vara de Justiça Federal. Rodrigo foi pego em flagrante na madrugada de domingo transmitindo fotos eróticas de crianças e adolescentes pela internet. Ele estava sozinho em uma sala do Hospital de Base de Brasília (HBB), onde cumpria plantão. Os agentes que participaram da operação contam que, quando arrombaram a porta, o médico estava com as calças no joelho.
A PF chegou ao pedófilo graças a denúncias anônimas. O delegado que preside o inquérito, Adalton Martins, afirma que ainda é cedo para dizer se ele era apenas um ramal ou o cabeça da organização.

Na casa do médico, foram encontrados sete disquetes que ainda serão analisados pelos peritos. Neles, a PF espera encontrar de 100 a 300 imagens. ''Com ele havia um bilhete com endereços de vários sites de pedofilia e senhas de acesso. Quando a equipe fez o flagrante no hospital, ele já havia passado 11 fotos pela internet'', afirmou Adalton Martins.

Laudos - Quatro países estão na lista da polícia. Esses destinos, no entanto, não foram revelados. ''Acionamos a Interpol para verificar os contatos deste médico no exterior'', disse o diretor-geral da Polícia Federal, Agílio Monteiro Filho. ''Há uma verdadeira rede de crimes praticados pela Internet.'' Agílio espera o término de alguns laudos para comprovar as acusações contra Villaça.
O médico é suspeito de anestesiar crianças para promover abusos sexuais. A diretoria do Hospital de Base, porém, afirma que ele nunca atendeu crianças. Ontem, foi instaurado um processo administrativo para apurar responsabilidades.

A prisão do médico, feita à 1h de domingo, chocou várias autoridades do governo. O ministro da Justiça, José Gregori, disse que não terá ''a menor condescendência com este tipo de crime bárbaro e hediondo.'' Para o ministro, a punição do médico e de sua rede de pedofilia é uma forma de mostrar aos criminosos de outros países que o Brasil mudou. ''Acham que o Brasil ainda é o Brasil antigo.''
O superintendente da PF, Euclides Silva, disse que o médico confessou o crime em depoimento e se comprometeu a ajudar a polícia a prender outros pedófilos. ''Ele disse que estava com problemas psicológicos.''

O médico poderá ser condenado de 1 a 4 anos de reclusão por infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas o advogado de defesa, Wendell Santana, aposta em uma pena alternativa. ''Ele não tem antecedentes criminais'', garantiu.

Demissão - Villaça cumpre estágio probatório há dois anos e meio no setor de endoscopia do Hospital de Base e poderá ser demitido sumariamente se a sindicância interna instaurada ontem confirmar as denúncias.
As fotos encontradas pela polícia mostram penetrações até mesmo em bebês. Os rostos dos adultos foram cortados por quem registrou as imagens, mas pelas características das crianças a PF suspeita que as fotos foram tiradas fora do Brasil. ''Os traços dos meninos e das meninas são diferentes e há objetos que eles seguram que trazem dizeres em inglês'', confirmou o delegado Adalton Martins.


MEC não aceita hipótese de cancelar o semestre
Para Paulo Renato, só as férias escolares foram perdidas

BRASÍLIA - O possível cancelamento do segundo semestre letivo de 2001 deixou de ser apenas uma hipótese para o Ministério da Educação. Ontem, a secretária de Ensino Superior, Maria Helena Guimarães, admitiu que foi até à Advocacia-Geral da União pedir ajuda. Negou, no entanto, que o MEC esteja se preparando para impedir legalmente que as 52 instituições públicas de ensino superior do país tomassem medidas drásticas. ''A única coisa que posso dizer é que nenhum aluno vai passar por decreto''.

O governo prometeu enviar hoje ao Congresso o projeto de lei que reajusta em 34% a Gratificação de Estímulo à Docência (GED) - paga aos professores das universidades - e a Gratificação de Incentivo à Docência (GID) - recebida pelos docentes de 1° e 2° graus federais. Com isso, o MEC espera acabar com a greve, iniciada em 22 de agosto. ''Isso não vai acontecer de modo algum'', afirma Roberto Leher, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes). A proposta do governo foi sumariamente rejeitada pelas assembléias regionais.

Irritado, o ministro Paulo Renato preferiu desqualificar um provável cancelamento do semestre nas universidades. ''Isso não passa de especulação''. Para o ministro as férias é que foram perdidas, não a segunda parte do ano letivo de 2001. ''O semestre não está comprometido, ele está atrasado'', disse o ministro.
Às 10h30 de hoje os professores têm encontro marcado com o presidente do Congresso, senador Ramez Tebet (PMDB). ''Queremos o Tebet como nosso interlocutor'', afirmou Roberto Leher. Os professores não acreditam que o Congresso vá aceitar o projeto de lei enviado pelo Executivo como maneira de pressioná-los a acabar com a greve.


Fronteira não foi tema de Bush e FH
BRASÍLIA - O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, não fez referência a terrorismo na fronteira do Brasil com o Paraguai e a Argentina durante a conversa com o presidente Fernando Henrique, semana passada. A revelação foi feita ontem pelo ministro da Justiça, José Gregori, que acompanhou FH na viagem aos EUA.
Gregori afirmou que Bush não deu ouvidos às ''fofoquinhas'' de auxiliares subalternos. A CIA e o FBI vazaram informações nos últimos 30 dias sobre uma suposta base terrorista na tríplice fronteira. Segundo o ministro, outras autoridades americanas - com as quais se encontrou - sequer tocaram no assunto. Para Gregori, não foi por falta de notícia. ''No dia em que cheguei, o The New York Times publicou uma afirmação minha de que não acreditava em terrorismo na fronteira.''


Artigos

Noite sem luar
Marcos Terena

Durante 500 anos, nós, os povos indígenas, fomos vilipendiados em todos os aspectos no relacionamento com o homem branco colonizador, desde o silêncio a nós imposto por aqueles que se sentiam credenciados para falar por nós até o cerco de nossas aldeias, que reduziram nossas terras a mínimas reservas. através de decretos e leis criados pelo mesmo colonizador sob o argumento da proteção, que nos caracterizou um dia como ''seres sem almas'' e, até hoje, como ''incapazes''.

Por muito menos, povos do mesmo mundo que como ''civilizado'' nos colocou como ''selvagens'' deixaram-se dominar pela intransigência e pelo ódio. Ao saltar o muro da discriminação para descobrir o mundo novo, vimos um mundo doente, onde crianças e velhos não gozam de qualquer tipo de consideração como gente, como parte do equilíbrio familiar. Um mundo que impõe a paz através da força, do poder bélico e econômico, mesmo que para isso se torne necessário fazer com que povos irmãos se matem como inimigos.

Na semana passada uma guerra por justiça foi travada nos tribunais do Judiciário, trazendo à tona aquela madrugada de abril de 97, quando mães dormiam tranqüilas em seus lares, enquanto seus filhos se aproximavam como atores de uma nova página na história da Justiça. De um lado, cinco jovens em busca de novas emoções. De outro, ainda sob o efeito de um Dia do Índio do qual o governo federal se omitira, um guerreiro Pataxó, remanescente daqueles que receberam os portugueses. Longe de seus familiares, acreditou na proteção das luzes da cidade e foi acordado não pela luz do sol, mas de uma chama cruel e dolorida que o mataria logo em seguida.

Como povos indígenas que caminham em direção ao futuro e que querem fazer parte do tão falado mundo melhor, a cena deveria nos levar a uma reflexão sobre o tipo de sociedade que queremos construir e sobre a responsabilidade que cada um de nós, negro, branco ou índio que habita estas terras de nossos antepassados, devemos ter. Que tipo de filhos estamos criando? Como estamos tratando e educando nossos filhos?

Após quatro dias, os cinco jovens que mataram um de nossos irmãos Pataxó foram condenados e levados para uma prisão onde vivem verdadeiros e perigosos bandidos e marginais, enquanto outros jovens, guerreiros indígenas, regressavam para a realidade de Pau Brasil, Sul da Bahia, onde retomarão sua luta pela demarcação das mesmas terras, que trouxe Galdino a Brasília e que continua indefinida, mesmo com o risco de um conflito contra os invasores.

O julgamento e a condenação dos rapazes que atearam fogo em Galdino Pataxó não pode ser confundido como um sentimento de vingança ou de ódio, mas de justiça inclusive para aqueles pobres, negros, brancos ou índios que em várias partes do mundo sofrem todo tipo de injustiça, discriminação e morte.
A canção indígena após o julgamento não significou festa, alegria, mas alívio, esperança no direito à vida, tal qual o poema de Gonzaguinha em uma de suas canções: ''E a vida, o que é? Diga lá meu irmão! Ela é a batida de um coração. É a vida, é bonita e é bonita!''

A chuva que caía sobre a noite sem luar de Brasília parou para ver as estrelas brilharem tal qual as lágrimas que brilharam no rosto da mãe indígena ao ver seu filho queimado como uma lenha numa outra madrugada e que agora, após a condenação ditada segundo as leis do próprio homem branco, brotavam dos olhos da mãe de um dos filhos condenados.

As primeiras luzes daquele dia, mais uma vez brilhariam de forma diferente para a família indígena e para a família do homem branco, mas o choro e as lágrimas das duas mães eram verdadeiras. Luz e lágrimas que precisam fazer renascer em nós a busca constante de uma justiça na qual o fator da diferença social, econômica e cultural não seja causa de separação ou intolerância, mas de solidariedade e de equilíbrio para a vida.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER

Lula já fala como presidente
Tão acostumado está Luiz Inácio Lula da Silva a concorrer a eleições presidenciais que agora, quase um ano antes da próxima que disputará, já adquiriu o cacoete de vencedor. Convide-se Lula para uma conversa franca e dele não se ouvirá um só ''se'' ganhar a eleição, antes do desfiar de proposições a respeito de como governará o país.
É um Lula diferente de 1998 - quando a consciência da derrota deu à candidatura até caráter de sacrifício -, e absolutamente distante daquele que se apresentou sem chances aparentes em 1989. Guarda apenas leve semelhança com o Lula de 1994. ''Ali tínhamos chances reais de ganhar'', lembra, irritado com as versões de que nessas três ocasiões também estava bem nas pesquisas, perdeu e, assim, comparativamente, perderia agora também.

''Quero lembrar que, em 1989, o favorito na esquerda era o Brizola, e eu cheguei ao segundo turno com 16%. Em 1998, empatei com Fernando Henrique, em maio, e não recuperei a dianteira. Só fiquei em prime iro lugar em 1994.'' Com isso, Lula quer corroborar a tese de que, desta vez, sua candidatura apresenta crescimento com lastro. À semelhança do que veio acontecendo com o PT ao longo dos anos.
''Houve época em que tínhamos cinco deputados e, ainda assim, nos demos ao luxo de expulsar três'', diz, referindo-se à expulsão de Beth Mendes, Airton Soares e José Eudes, na votação de Tancredo Neves.
Eram velhos tempos de radicalismo que não voltam mais. ''Foi importante termos sido daquele jeito para chegar onde estamos hoje.'' E onde está exatamente o PT?
Segundo Lula, prontíssimo para enfrentar - o que, por vezes, significa conquistar - ''a elite que nunca se deixou derrotar''. Sim, e hoje assistiria tranqüila à derrota exatamente por quê?
''Porque há uma parte muito mais profissional, mais moderna, que concorda com a nossa visão de gestão do país.'' Lula adquiriu essa certeza nas andanças que tem feito por aí em conversa com empresários. Gente que, de fato - talvez à exceção do setor financeiro - não repete hoje o que há anos disse o então presidente da Fiesp, Mário Amato, sobre o êxodo empresarial que haveria no país caso Lula fosse eleito.

No setor produtivo, de fato, o que se encontra não é um problema ideológico com Lula, mas de desconfiança no desempenho. Nesse ponto, esses grupos se dizem mais confiantes em José Serra, porém inseguros quanto à viabilidade eleitoral do ministro.
O candidato - tão cioso de si que agora nem aceita mais disputar prévias dentro do partido - sabe muito bem disso e, pelo menos dá a impressão de que se incomoda muito pouco.
Segue falando em ''vamos fazer isso, vamos fazer aquilo'', sem a condicionante da eleição, informando que o PT tem projetos ótimos para tudo: a fome, a energia, a segurança, a habitação. Só não gosta de revelar seus trunfos sobre a gestão na economia.

Nessa altura recorre a um ensinamento do velho Ulysses Guimarães, a respeito de quem Lula já fez autocrítica por ter recusado o apoio dele em 1989. ''Doutor Ulysses dizia que em economia a gente não deve revelar nada do que vai fazer, senão é capaz até de não ganhar.''
E mais pistas não dá a respeito do que nos espera se, como ele mesmo tem certeza, for eleito em 2002. Essa certeza, é bom que se ressalve, não reflete a arrogância do já ganhou. É apenas uma serena confiança de quem exibe solução para tudo: da política externa - que defende mais próxima da África, por exemplo - à forma pela qual se relacionar com o Congresso Nacional sem o fator fisiologia.
Repete mais ou menos o que outros já desejaram e, quando se viram perante as feras, concluíram que o sonho de uma interlocução institucional é um pouco mais difícil de realizar. Lula acha que não, que basta não tripudiar sobre o Parlamento nem tentar submetê-lo a ferro e fogo às vontades do Executivo, que tudo dá certo.

Isso numa situação de minoria parlamentar, porque o nosso personagem, já imbuído da futura missão, ainda provoca: ''E se for eleito no primeiro turno com uma bancada imensa?''
Pronto, aí já está na hora de perguntar se ele, como disse Fernando Henrique uma vez, considera fácil governar o Brasil. Hesita apenas o breve instante de dar uma baforada na cigarrilha:
''É fácil, sim. E digo mais, modéstia às favas: o PT é o único partido capaz de implementar um projeto de inserção com os setores organizados da nação. Pelo menos nos próximos dez anos.''

Pós-dissidência
O PMDB não desistiu de oficializar um racha no partido caso o governador Itamar Franco saia vencedor nas prévias de 20 de janeiro. Jarbas Vasconcelos, o maior defensor do esvaziamento das prévias, foi convencido de que não haveria sentido em fazer isso antes de se estabelecer com Itamar um processo de luta política. Qual seja, o enfrentamento nas prévias.
Os pemedebistas dizem que farão tudo para ganhar com a candidatura de Michel Temer, mas, se não der, terão então justificativa plausível para deixar Itamar falando sozinho. E aí, sim, oficializam a dissidência, com manifesto e tudo, assinado por governadores, deputados, senadores e lideranças.
A aposta é que Itamar não vai longe como candidato de oposição, porque esse é um campo já inteiramente ocupado.


Editorial

Preço a Pagar

Graças ao debate em torno da prorrogação da CPMF e da nova tabela do Imposto de Renda, a carga tributária tornou-se tema obrigatório na agenda nacional. Não é de hoje que economistas e empresários criticam o excesso de tributos, mas só agora a questão passou a chamar a atenção da opinião pública. A discussão se amplificou como conseqüência natural do ponto insuportável que o problema atingiu. A carga tributária no Brasil representa 34% do Produto Interno Bruto (R$ 370 bilhões), equivalente a países desenvolvidos do porte dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Canadá. Como explicar que a arrecadação de um país em desenvolvimento, com renda per capita inferior a US$ 4 mil, aproxime-se, em percentual, do que se vê em países ricos, com renda per capita acima de US$ 20 mil? Sem esquecer a disparidade que existe em termos do retorno social do que é arrecadado.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, precisou de poucas palavras para explicar a contradição: ''A carga tributária não é nem alta nem baixa; é do tamanho da despesa''. Ontem, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, endossou a opinião de Maciel e fez questão de tirar o subordinado da linha de fogo. ''Não é correto falar em volúpia arrecadatória da Receita Federal. No Brasil, a carga tributária é relativamente alta por que corresponde ao nível elevado do gasto público''. Nas contas de Malan, a carga tributária ultrapassa 30% do PIB, mas o desejo de gastar que se constata nas pressões da classe política vai além de 40% do que o país produz. A arrecadação não pode ficar aquém das despesas, pois o preço a pagar seria o retorno da inflação.

No esforço arrecadador, Everardo Maciel sai-se com êxito e garante o equilíbrio fiscal. Porém, não é indiferente aos reclamos da sociedade. Se a despesa do setor público cair, dia ele, a carga tributária pode baixar. O problema está no outro prato da balança. E foge totalmente à esfera do secretário da Receita Federal (''Não ficaria à vontade para dizer se os gastos são adequados''). Maciel lembra apenas que, nos anos 80, participou em vão de um projeto que resultou em corte de despesas orçamentárias no valor de 1% do PIB. Para sua frustração, a folga teve vida curta e abriu apenas espaço para novas despesas. De fato, ouvem-se muitas críticas à carga tributária, mas pouco se fala sobre o volume de gastos. A oposição abre a guarda para uma estocada do ministro Malan: ''No Brasil, não há discussão sobre a composição e a estrutura dos gastos públicos''.

É muito importante o caráter transparente e democrático que ganhou o debate sobre a reforma tributária. Merece destaque a proposta em exame na Comissão de Tributação e Finanças da Câmara, que limita a vigência da CPMF a dezembro de 2003, além de reduzir alíquotas do Cofins e do PIS. Chegou a hora de cortar os impostos. Contudo, deve-se ter consciência de que a conta só fecha com cortes também no lado das despesas, por mais dolorosa que seja a eleição de prioridades. Principalmente para a classe política, acostumada que está a engordar o Orçamento da União.


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11/13/2001


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