1964: um Senado dividido em tempos de Guerra Fria



 

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Os debates dos senadores em Plenário revelavam um país dividido, com discursos radicalizados e cada vez menos espaço para conciliação. Era março de 1964. O presidente da República, João Goulart, enfrentava forte oposição para levar adiante as suas reformas de base, o plano de governo que prometia modernizar as estruturas do Brasil e combater a pobreza. Suas bandeiras, as reformas agrária, urbana, bancária, fiscal, universitária e administrativa, encontravam resistência no Congresso, ao mesmo tempo em que obtinham um amplo arco de apoio à esquerda.

Poucas vozes se diziam abertamente contrárias às propostas do governo. Mas os parlamentares da União Democrática Nacional (UDN) viam na agenda do presidente – que dependiam de mudanças constitucionais – o espectro da ameaça comunista.


Marcha da Família com Deus pela Liberdade: país dividido

Guerra Fria

“Porque não aceitamos as reformas de João Goulart, como ele não é dono das reformas, somos todos tachados de direitistas totalitários. Em geral todo comunista coloca o problema deste modo, para que pareçamos totalitários. Somos inimigos do regime instalado em Cuba, como nos países satélites da Rússia, e do nazismo. No entanto, de um momento para outro, vestem-nos uma camisola da direita”, afirmava o senador Padre Calazans, da UDN de São Paulo, ferrenho opositor de Jango.

“Essencial é que em nome do [combate ao] comunismo não se faça opressão com a palavra. Essencial é que os que combatem o comunismo ou dele divirjam, como eu divirjo, assegurem aos comunistas o direito de debater, de discussão, do confronto de ideias”, ponderava o senador Josaphat Marinho, do PSD da Bahia.

No dia 18 de março, ao comentar a preocupação do senador udenista Daniel Krieger, do Rio Grande do Sul, com a pregação comunista, o senador Arthur Virgílio, do Amazonas, líder do PTB e principal voz em defesa do governo, advertia para o risco de uma ditadura à direita. “Nenhum suíço se preocupa que um comunista vá à tribuna e pregue sua doutrina. Nenhum inglês se preocupa. Esse deve ser o risco da democracia, que se afirma e se impõe pelo seu conteúdo humano, social e político, mas nunca pela violência, pelo terror ideológico e fanático. Uma democracia que não admite o choque de ideias deixa de ser uma democracia e passa a ser o que a própria democracia combate. [Isto] poderia levar à ditadura em nome da democracia e da liberdade.”

Dois dias depois, o tom do senador Eurico Rezende, da UDN do Espírito Santo, era mais duro. “Que cada um cumpra com seu dever dentro da Constituição e da lei, e o país estará livre do comunismo que está aí oficializado”.

Corrupção

Além do embate ideológico – o confronto entre direita e esquerda repetia, no Brasil, os tons sombrios da Guerra Fria, que quase levara o mundo a um conflito nuclear em fins de 1962 –, o perfil das lideranças políticas dificultava o diálogo. Carismáticos e com discursos duros e empolgantes, os líderes políticos eram na mesma medida amados e odiados. As acusações eram pesadas: subversão, corrupção, golpismo. Arthur Virgílio defendia ardorosamente o governo. Mas as críticas eram incessantes.

“Nunca vi coisa igual. É como uma avalanche que tudo destrói. E para maior desgraça, surge agora o escândalo do café, em que todos, mancomunados e de mãos dadas, se cevam para explorar esta nação aniquilada, subvertida e desmoralizada. Esta nação submerge, aniquilada e desorientada pela desgraça incomensurável de ser presidida por um incapaz como o senhor João Goulart”, acusava no dia 6 de março Daniel Krieger, da UDN. “Escândalo do café?! Qual? Passemos as vistas pela Guanabara [de Carlos Lacerda, virtual candidato a presidente da UDN]. Não haverá porventura um estado – talvez até São Paulo de Adhemar de Barros – com maiores escândalos do que a Guanabara?”, rebatia Arthur Virgílio. Para, em seguida, enumerar acusações relacionadas a Lacerda e a outros líderes da UDN.

Brizola e Lacerda

A figura do deputado gaúcho Leonel Brizola – subversivo para a UDN, injustiçado para o PTB – dividia os senadores. “Ninguém é surdo e ouvimos o deputado Leonel Brizola no comício do dia 13 conclamar o povo a fechar o Congresso e instalar uma constituinte”, disse o senador João Agripino, da UDN da Paraíba, no dia 17, pouco depois do Comício das Reformas, na Central do Brasil.

Arthur Virgílio rebateu: Brizola não pregara revolução sangrenta ou derrubada do Congresso, apenas criticara os parlamentares com veemência. “A UDN acomete Leonel Brizola acusando de subversivo e faz de um golpista irremediável [o governador da Guanabara, Carlos Lacerda] seu candidato a presidente da República. Subversivo irremediável é seu candidato a presidente. É a UDN que quer a ditadura neste país!”, bradou o senador do PTB.

Apoio para governar

João Goulart buscava o apoio popular para governar e colocar em andamento sua agenda. Eleito vice-presidente da República em 1960, pelo PTB, Jango era herdeiro político de Getúlio Vargas, de quem foi ministro do Trabalho. Sua figura era a garantia de que o trabalhismo, com suas conquistas sociais, permanecia no poder.


Comício da Central: Jango busca apoio popular

Naquele tempo era possível eleger presidente e vice de chapas diferentes. O presidente eleito, Jânio Quadros, do pouco expressivo PTN, era opositor do getulismo, enquanto o vice Jango era do PTB de Getúlio. Jânio renunciou em 1961, abrindo uma crise política. Em viagem oficial à China, Jango só assumiu a Presidência da República graças à Campanha da Legalidade, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e à articulação, no Congresso, do deputado Tancredo Neves, do PSD de Minas Gerais.

A solução foi uma Presidência mitigada, limitada por um regime parlamentarista de ocasião. Um ano depois, o povo iria às urnas para dizer “não” ao parlamentarismo e confirmar o apoio a Jango, que então governaria com plenos poderes. A partir de então, passou à tarefa de implementar seu programa de governo: era a vez das reformas de base, que logo encontraram oposição no Congresso.

Ditadura

O presidente buscou, então, apoio das ruas para pressionar o Congresso. No Comício das Reformas, em 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, reuniu 200 mil pessoas. Jango reafirmava seu compromisso com as reformas. E a oposição não tardou a dar a resposta. O país viu então o embate político no campo das ideias e dos discursos sair de cena. Era a vez de quem tinha o poder das armas.

Não faltava, no Senado, consciência de que um rompimento da ordem constitucional teria consequências imprevisíveis.

“Há muita gente que está certa, certíssima, de que as massas brasileiras se transformarão em um povo e o fim do caudilhismo é chegado. E por medo de perder o comando das massas (...), prefere, então, mergulhar o país no desconhecido de uma ditadura que teria meses ou um ano de duração, mas que ao fim soçobraria (...). Os grupos mais reacionários deste país planejam o aniquilamento das instituições democráticas”, avaliou, no dia 4, o senador Aurélio Vianna, do PSB da Guanabara.



25/03/2014

Agência Senado


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