A guerra tucana



 




A guerra tucana
José Aníbal tentará pacificar o partido, rachado entre os pré-candidatos a presidente Tasso Jereissati e José Serra. Discussão no Alvorada expôs, sem meias palavras, a crise interna do PSDB

Até o fim da semana o deputado paulista José Aníbal, presidente nacional do PSDB, desembarca em Fortaleza para pacificar as relações do governador do Ceará, Tasso Jereissati, com o partido, o presidente da República e o ministro da Saúde, José Serra. ‘‘Tem de haver uma intervenção para que eles voltem a se falar’’, crê o ministro-chefe da secretaria-geral da Presidência, Arthur Virgílio Neto, com quem Aníbal se aconselhou antes de decidir fazer a viagem. ‘‘Serra tem de seduzir o Tasso. Ele precisa ajudar a consertar a confusão em que o PSDB está.’’

Ontem foi dia de numerosas e intensas reuniões entre tucanos, integrantes do primeiro escalão do governo e o presidente Fernando Henrique Cardoso. Todos estavam apreensivos com a publicação, no Correio, dos termos de um bate-boca ocorrido entre Tasso e o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, no dia 19 de dezembro de 2001. O governador cearense reclamou do que considera ‘‘deslealdade’’ de Nunes Ferreira. Segundo ele, o ministro divulgava notas contra a sua candidatura presidencial e a favor de José Serra. ‘‘Molecagem’’, ‘‘canalhice’’ e ‘‘sujeira’’ foram os termos usados por Tasso para classificar o trabalho feito contra si a partir de gabinetes da Esplanada e do Planalto. Depois, os que testemunharam o barraco no Palácio da Alvorada fizeram um pacto de silêncio.

‘‘As ofensas trocadas na discussão chegaram a ser até mais pesadas do que as divulgadas’’, revelou ontem uma das testemunhas da discussão. No auge das imprecações entre Tasso Jereissati e Aloysio Nunes Ferreira, o governador do Pará, Almir Gabriel, chegou a se interpor entre os dois para evitar que uma briga fosse consumada. Procurado na segunda-feira pelo Correio, o ministro da Justiça confirmou os termos da discussão com Tasso. Depois, o governador cearense também disse que eram verdadeiros os relatos sobre o bate-boca. ‘‘Por que estão querendo vazar isso agora?’’, perguntou-se Tasso. ‘‘Querem me pôr em conflito ainda mais cerrado com o Palácio e com o José Serra?’’

Serra em campanha
A divulgação da briga entre o ministro e o governador acirrou o mau clima dentro do partido do presidente. Por causa da reportagem do Correio, o ministro da Saúde exigiu que o PSDB organizasse um ato formal para lançá-lo candidato à presidência nas eleições de 6 de outubro. O ato ocorrerá na próxima semana. Numa das tensas reuniões partidárias, José Aníbal chegou a cobrar de parlamentares próximos a Serra um calendário de ações de campanha. ‘‘Se o Serra tem um cronograma, não me informou ainda qual é’’, reclamou o presidente do PSDB.

O ministro da Saúde assumirá a candidatura formalmente, mas já pensa em desistir de largar o governo antes da primeira semana de abril. Na lógica dos aliados de Serra, o ministro só tem a perder caso largue o governo em janeiro ou fevereiro e não assista a gestos de reciprocidade de outros candidatos à presidência. ‘‘Roseana ficará no governo do Maranhão até abril’’, argumentou um dos serristas em conversa com integrantes da Executiva tucana. ‘‘Até o Raul Jungmann, que se lançou candidato a presidente hoje (leia texto abaixo), deve ficar no ministério até abril. Por que o Serra sairá agora?’’. A dúvida se espraia entre os gabinetes da Esplanada e agrada ao ministro da Saúde.

Enquanto o PSDB enreda-se cada vez mais numa trama de problemas internos, o PFL da maranhense Roseana Sarney finaliza mais um programa nacional do partido que irá ao ar no dia 21 de janeiro. O publicitário Nizan Guanaes, que vem sendo seduzido pelo governo federal para assumir contas de estatais como o BNDES e deixar à deriva o barco pefelista, está pilotando as edições do programa a ser estrelado por Roseana. Numa conversa com um colega de partido, o presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen, desdenhou da nova crise em se meteram os tucanos. ‘‘Não vou sair do Mar da Tranqüilidade para me meter numa tempestade’’, disse Bornhausen. Segundo as confidências que ele fez a esse amigo, o PFL não conta com dissidências no PSDB pilotada pelo governador do Ceará. Mas ainda há pefelistas apostando na desistência de Serra caso seu nome permaneça situado entre o quarto e o quinto lugares nas pesquisas eleitorais.


Jungmann é candidato
Raul Jungmann, atual ministro do Desenvolvimento Agrário, causou furor no PMDB ao anunciar que disputará as prévias que decidirão, no dia 17 de março, quem será o candidato do partido a Presidente da República.

Filiado ao PMDB desde setembro do ano passado e contando com apoio certo apenas do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, Jungmann tem chances mínimas de se tornar o candidato do partido. Por isso, já está sendo acusado de servir a uma estratégia traçada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso: evitar que o PMDB venha a aderir à candidatura de Roseana Sarney pelo PFL.

Em entrevista, Jungmann justificou sua pré-candidatura. Afirmou que a aliança entre PSDB, PFL e PMDB entrou em ‘‘colapso’’ depois que a governadora do Maranhão deixou José Serra para trás nas pesquisas. Acusou o ministro da Saúde de ‘‘não dialogar com a Nação’’ e demorar demais para se anunciar candidato. E defendeu que o PMDB lance um nome capaz de ‘‘acabar com a inércia da centro-esquerda’’ e de uni-la contra as ‘‘forças conservadoras’’ que apóiam Roseana.

Difícil será conseguir o suporte das lideranças do PMDB. Reunidos em São Paulo, pesos pesados do partido torceram o nariz às pretensões do ministro. Estavam presentes Michel Temer, presidente do PMDB; o deputado Geddel Vieira Lima (BA), líder na Câmara dos Deputados; Ramez Tebet (MS), presidente do Senado Federal, e o deputado Moreira Franco.

Moreira negou que tenha articulado a pré-candidatura de Jungmann com o Palácio do Planalto e declarou que não apóia o ministro. Michel Temer, que até final de fevereiro decide se também irá se lançar para as prévias do PMDB, foi pego de surpresa e não gostou nada. Seus assessores acreditam que se trata de uma jogada do Planalto para enfraquecer, ao mesmo tempo, Itamar Franco e a ala dirigente do partido.

O senador Pedro Simon (RS), candidato declarado, acha que o objetivo é mesmo ‘‘evitar que o PMDB venha a apoiar Roseana Sarney’’ em uma aliança com o PFL. E não duvida que, caso o ministro venha a vencer a prévia, seria candidato a vice-presidente de José Serra. ‘‘Ou dá para imaginar o Serra como vice do Jungmann?’’, indaga.

Mas Jungmann nega que seja um ‘‘ministro teleguiado’’ de Fernando Henrique. Sua pré-candidatura nem mesmo seria ‘‘comungada’’ por FHC. Tampouco teria o objetivo de, no segundo turno, compôr com Serra para presidente. ‘‘Com certeza, não sou candidato a vice’’, insistiu. Porém, admitiu que, ao comunicar seus planos ao presidente, na sexta-feira, teria recebido como resposta um animador ‘‘pode tocar’’. Jungmann despacha com o presidente esta tarde.


A paz já não é mais possível
Todos os integrantes da Executiva do PSDB, todos os ministros tucanos e o próprio presidente da República têm culpa da crise que consome o partido. Dono de imenso cacife político — administra a República, governa cinco estados da federação e detém a filiação do presidente da Câmara dos Deputados — o Partido da Social Democracia Brasileira age com imensurável amadorismo na organização do próprio palanque à sucessão de Fernando Henrique Cardoso.

Primeiro, deixaram que o ex-governador cearense e ex-ministro da Fazenda Ciro Gom es deixasse a legenda. Mário Covas, governador de São Paulo morto em março de 2001 em razão de um câncer, costumava dizer que a perda da filiação de Ciro tinha sido o primeiro de uma sucessão de erros que os tucanos cometeriam até o dia em que fosse escolhido o sucessor de FHC. Estava certo, como sempre.

Ciro discordava de algumas posturas adotadas pelo governo federal, de alguns programas, mas sempre firmou opiniões lúcidas que tensionaram o núcleo tucano. Desgarrado, revelou-se um crítico incômodo do presidente e de seus ministros. Depois, o partido submeteu-se por muito tempo à gestão leve mas excessivamente frouxa do senador alagoano Teotônio Vilela Filho. Ele nunca brigou com ninguém, mas também jamais aniquilou as divergências internas entre os grupos que dividem o poder nacional da legenda nem tratou de dar coerência ao discurso e à prática dos diretórios estaduais dos tucanos.

Tendo recebido a missão de construir essa coerência partidária, o deputado José Aníbal não dispõe nem de tempo nem de sossego para executar a tarefa. Nos últimos seis meses de 2001 os tucanos deixaram que as brigadas leais a Tasso e a Serra ateassem fogo ao próprio partido. Enquanto assistiam a tudo de camarote, crendo que das cinzas se faria a união, descuidaram de calibrar o tom das ofensas trocadas e das armadilhas montadas. Não há mais possibilidade de o PSDB celebrar a paz entre o governador do Ceará e o ministro da Saúde. No máximo, os bombeiros de ocasião — José Aníbal e Arthur Virgílio — conseguirão negociar uma trégua entre os dois políticos que, na legenda, reúnem as melhores biografias e os melhores projetos para disputar com Lula (PT) e Roseana (PFL) o direito de suceder a Fernando Henrique.

O que tasso disse
‘‘O senhor, meu caro Aloysio, não me venha aqui posar de estadista francês.
Você não é.’’

‘‘Safadeza. Molecagem. Você diz que não toma partido na minha disputa com o Serra, mas passa o dia no Palácio do Planalto plantando notinhas em coluna de jornal a favor dele e contra mim.’’

‘‘Em sei bem qual é a sua história. Enquanto eu fazia das tripas coração para eleger esse aqui (apontando para Fernando Henrique Cardoso) presidente em 1994, você rodava o Brasil de braços dados com o Quércia.’’

‘‘Canalhice foi o que fizeram.
E isso eu não admito. Segurem agora o que vai acontecer
no PSDB.’’

‘‘Desse jeito, vamos perder a eleição. Se vocês quiserem, depois me chamem.
Estou no Ceará.’’

Em reunião no Palácio da Alvorada no dia 19 de dezembro


Prejuízos no Sul do país
Cinco municípios gaúchos já decretaram situação de emergência em conseqüência de uma das mais longas estiagens já registradas nas regiões da fronteira oeste, norte, noroeste e central do Rio Grande do Sul. A preocupação é com as perdas que se elevam nas lavouras de soja, milho e feijão e na produção leiteira. A estiagem já dura mais de 40 dias.


Diretor de presídio é afastado do cargo
O diretor do Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém, Osvaldo Martins Bueno — onde o seqüestrador Fernando Dutra Pinto estava preso — foi afastado ontem. O cargo de Bueno será ocupado hoje pela psicóloga Marisa da Costa Gadelha Rodrigues. Será a primeira vez que uma mulher assumirá a diretoria de um CDP no estado.


Novo Juizado perde força
Os Juizados Especiais da Justiça Federal, criados para acelerar a solução de questões mais simples na esfera da União, estão sendo esvaziados antes mesmo de entrarem em funcionamento. No próximo dia 14, começam as atividades da nova corte. Em dezembro passado, o próprio Executivo mandou um projeto de lei à Câmara reduzindo suas atribuições. No projeto, a corte fica sem competência para julgar causas de natureza fiscal ou tributária.


Artigos

Novo modo de olhar para o trabalho
Servir a Deus e ao próximo, essa deve ser a grande ambição, ao alcance de qualquer pessoa, em qualquer posto ou trabalho desempenhado na sociedade
Ives Gandra Martins Filho

‘‘Santificar o trabalho, santificar-se no trabalho e santificar os outros com o trabalho’’ foi o ensinamento marcante de monsenhor Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei, declarado bem-aventurado pela igreja em maio de 1992 e que poderá ser canonizado em data próxima, uma vez que, no último dia 20 de dezembro, o papa João Paulo II assinou o decreto de reconhecimento de milagre atribuído à sua intercessão. Neste dia 9 de janeiro, celebra-se o centenário do seu nascimento. A importância da data decorre do papel singular que teve na igreja ao difundir, a partir de 1928, o ideal de santificação no meio do mundo mediante o trabalho profissional. O papa Paulo VI disse, certa vez, que o fundador do Opus Dei foi precursor do Concílio Vaticano II, naquilo que o concílio teve de mais característico: o reconhecimento da ‘‘chamada universal à santidade’’.

Monsenhor Escrivá via o trabalho, primeiramente, como um serviço a Deus e ao próximo e depois como fonte de sustento, realização pessoal e reconhecimento social. ‘‘Serviço, disse — ainda que hoje a palavra não agrade —, porque toda tarefa social bem feita é isso; um serviço magnífico, tanto o trabalho da empregada doméstica como o do professor ou do juiz. Só não é serviço o trabalho de quem condiciona tudo ao próprio bem-estar’’ (‘‘Questões Atuais do Cristianismo’’, nº 109).

Tal enfoque é chave mestra para entender e dar sentido pleno ao próprio trabalho e à posição ocupada na escala social, pois não há pessoas ou ocupações de segunda categoria diante de Deus. Como decorrência disso, torna-se possível enxergar a dignidade dos outros em suas tarefas, realizadas em nosso serviço, vendo-os como nossos iguais pela sua dignidade de filhos de Deus. Em sentido contrário, torna-se fácil o aviltamento do trabalhador, vendo nos demais apenas competidores a vencer, superiores a enganar ou subalternos a explorar, ligando-se a dignidade da pessoa e de seu trabalho ao poder que exerce e à renda que produz.
Escreveu monsenhor Escrivá que ‘‘se o cristão não ama com obras, fracassa como cristão, que é fracassar também como pessoa. Não podemos pensar nos outros homens como se fossem números ou degraus para nós podermos subir; ou massa para ser exaltada ou humilhada, adulada ou desprezada, conforme os casos. Devemos pensar nos outros (...) como verdadeiros filhos de Deus que são, com toda a dignidade desse título maravilhoso’’ (‘‘É Cristo que Passa’’, nº 36.)

O trabalho, visto como serviço a Deus e ao próximo, ganha uma dimensão mais elevada e o sentido que falta nas vidas de tantos que desprezam o valor do que têm nas mãos. E esse sentido pleno é fonte de serenidade e alegria, indispensável para o sucesso da pessoa que trabalha, em todos os sentidos. Para o empresário, encarar o trabalho como um serviço será, por exemplo, incluir entre os objetivos do empreendimento, além do necessário rendimento, o atendimento às necessidades da comunidade e a geração de empregos. Para o empregado, será desempenhar cada tarefa consciente de que, de seu resultado, depende uma cadeia de benefícios, que afeta pessoas próximas e distantes e que termina em Deus, nosso principal espectador. Trata-se de uma perspectiva muito mais ambiciosa do que simplesmente cumprir o expediente, fazer o mínimo indispensável e envelhecer prematuramente torcendo pela chegada da aposentadoria.

Dizer ‘‘vou pro serviço’’ deveria significar, ao pé da letra: vou servir a Deus e ao próximo em tudo o que fizer. O ideal do bom ‘‘servidor público’’ deveria ser atender a cada demanda com toda a diligência possível, pela dignidade e consideração que merecem as pessoas em si mesmas, fazendo-o para agradar a Deus, que tudo v


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