Bernardo Cabral: "Nova Constituição soterrou o obscurantismo"



Escolhido, aos 54 anos de idade, relator da Assembléia Nacional Constituinte, o amazonense Bernardo Cabral foi o parlamentar que mais pressões recebeu, ao longo dos 20 meses de trabalho de elaboração da Constituição brasileira. Dizia o presidente daquela Assembléia, deputado Ulysses Guimarães, que era espartana a dedicação do relator à confecção da carta constitucional. Hoje, Bernardo Cabral se diz orgulhoso dos esforços realizados, certo de que, com esse trabalho, o Brasil deu adeus ao obscurantismo.

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O relator da Constituinte, contudo, continua lamentando a rejeição do sistema parlamentarista de governo, que era o fio condutor de todo o trabalho preliminar da comissão de sistematização do projeto da nova Constituição. Cabral aponta a vaidade humana, a falta de perspectiva política e a incompreensão como as causas desse malogro. Em sua opinião, não adotar o Parlamentarismo no Brasil foi um erro histórico.

Agência Senado - Em algum momento o senhor achou que a Constituição não sairia? Qual foi o momento de maior angústia?

Bernardo Cabral - Em nenhum momento deixei de ter certeza de que a Constituição seria promulgada, apontaria caminhos e indicaria soluções. E essa segurança se solidificou na sessão de 27 de julho de 1988 dessa Assembléia, quando íamos votar o segundo turno do projeto da nova Constituição, com o célebre discurso do presidente Ulysses Guimarães, que afirmou o seguinte: "Esta Constituição, o povo brasileiro me autoriza a proclamá-la, não ficará como bela estátua inacabada, mutilada ou profanada. O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo".

Mas, para mim, o momento de maior angústia foi quando o presidente Ulysses Guimarães se viu obrigado a deslocar-se para São Paulo a fim de submeter-se a uma angioplastia. Esse momento foi angustiante.

Agência Senado - Qual o momento que mais lhe exigiu paciência para fazer valer seus argumentos como relator?

Bernardo Cabral - Foram vários os momentos. Dentre eles, o da discussão da reforma agrária; o da taxa de juros, que foi fixada em 12% ao ano, contra o meu parecer; o da anistia; o da ciência e tecnologia; o da desapropriação; o dos recursos minerais; e o do debate sobre o sistema de governo. Eu era e continuo sendo a favor do Parlamentarismo.

Agência Senado - Qual o parlamentar constituinte cuja ajuda foi vital para a concepção do texto?

Bernardo Cabral - É difícil situar este ou aquele, mas a contribuição dos meus relatores-adjuntos foi decisiva, razão por que registro aqui os seus nomes: José Fogaça, então senador e hoje prefeito de Porto Alegre; Antonio Carlos Konder Reis, à época deputado por Santa Catarina, estado do qual foi governador e senador; e Adolfo Oliveira, então deputado, saudoso colega e notável regimentalista, representante do Rio de Janeiro e meu velho companheiro desde a legislatura de 1967/1971. 

Agência Senado - Qual foi o grande impedimento para que não prosperasse o Parlamentarismo?

Bernardo Cabral - O grande impedimento foi a vaidade de uns, a falta de perspectiva de outros e a incompreensão de muitos. Isso porque o fio condutor filosófico da Comissão de Sistematização era todo ele voltado para o sistema parlamentarista. E foi um clamoroso erro histórico não ter sido ele viabilizado na revisão constitucional de 1993. Basta exemplificar com os quatro países que saíram arrasados da segunda guerra mundial - Alemanha, Japão, Itália e França - e são verdadeiras potências econômicas na atualidade. Neles se exercita o Parlamentarismo.

Agência Senado - O Brasil hoje é produto do trabalho dos constituintes ou é mais resultado da globalização que vem acelerando mudanças em todo o planeta?

Bernardo Cabral - É bom lembrar que o trabalho dos constituintes refletiu estar o Brasil mobilizado para a tarefa de reordenar democraticamente o país, após a ruptura da ordem constitucional. E a importância para a sociedade brasileira de ter uma Constituição democraticamente votada era evidente para todos. Ademais, não se pode esquecer o instante histórico em que ela foi elaborada, quando participaram da sua feitura políticos cassados, guerrilheiros, banidos, aposentados compulsoriamente, anistiados, revanchistas, sem contar, à época, a chamada dicotomia entre os regimes capitalista e comunista e, mais tarde, a queda do muro de Berlim e a implosão do Leste Europeu. Portanto, ao trabalho preparatório dos constituintes é que se deve acoplar a globalização.

Agência Senado - Sem a nova Constituição, como seria o Brasil hoje?

Bernardo Cabral - Sem a nova Constituição, o Brasil hoje não estaria respirando o ar saudável das liberdades públicas e civis, enfim restauradas, já que a longa era de autoritarismo e a prolongada fase de transição que lhe sucedeu receberam, então, o selo que as qualifica como etapas históricas superadas, para a formação de nossa cidadania. Vale dizer: ela soterrou a época do obscurantismo e firmou a liberdade de expressão, a liberdade de comunicação, o acesso à informação, o sigilo da fonte, o fim da censura, dentre tantos comandos constitucionais do mais alto valor significativo.

Tereza Cardoso / Agência Senado



15/08/2008

Agência Senado


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