Câmara amplia foro privilegiado de políticos
Câmara amplia foro privilegiado de políticos
Benefício vale para presidente, ministros, governadores, prefeitos, parlamentares e magistrados, e beneficia não apenas quem está no cargo, mas também ex-ocupantes
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou o foro privilegiado para autoridades no exercício de função ou mandato e também para ex-ocupantes de cargos públicos - presidente, ministros, governadores, senadores, deputados, prefeitos e magistrados. O benefício especial, iniciativa de parlamentares do PSDB, alcança investigados por crimes comuns e de responsabilidade e é extensivo aos atos de improbidade administrativa, prevalecendo até mesmo se o inquérito ou a ação judicial tiver início após o término do exercício da função.
O foro privilegiado está previsto no substitutivo ao projeto de lei 6.295/2002, que altera a redação do artigo 84 do Código de Processo Penal. O substitutivo, aprovado discretamente no dia 28, tem caráter conclusivo - de acordo com o artigo 24 do Regimento Interno da Câmara, ele não necessita ser submetido ao plenário.
"A votação ocorreu no apagar das luzes da sessão legislativa, quando todas as atenções da população estavam voltadas para a decisão da Copa do Mundo", alertou o procurador de Justiça Marfan Martins Vieira, presidente da Conamp, a Confederação dos Ministérios Públicos Estaduais.
Nomes que compõem a lista de investigados pela Procuradoria da República e pelo Ministério Público nos Estados serão contemplados imediatamente - casos do ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) Nicolau dos Santos Neto, do ex-senador Luiz Estevão, da ex-governadora Roseana Sarney (PFL-MA) e do ex-presidente do Senado Jader Barbalho (PMDB-PA).
Processos de natureza criminal e civil em que Nicolau, Estevão, Roseana e Jader são citados migrarão da primeira instância do Judiciário para tribunais superiores.
Moralidade - Jamais uma proposta que garante tratamento diferenciado às autoridades foi tão longe. Projetos na mesma direção, apresentados por parlamentares da base governista, nunca prosperaram na Comissão de Constituição e Justiça. O texto do foro já chegou à Mesa Diretora da Câmara e aguarda apenas o transcurso de cinco sessões para apresentação de eventual recurso.
O prazo deverá esgotar-se em 9 de agosto.
Para apresentação de recurso - como impõe o artigo 132 do regimento -, são necessárias 52 assinaturas. Se não houver recurso, ou se for rejeitado, o projeto aprovado na CCJ será encaminhado diretamente ao Senado para posterior envio a sanção do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Marfan avalia que "a proposição cria privilégio odioso e injustificável para o administrador faltoso, cerceando a ação do Ministério Público, justamente quando o crescimento dos casos de corrupção em todo o País recomenda atuação firme, corajosa e verdadeiramente patriótica dos promotores e procuradores em defesa da moralidade pública".
O autor do projeto 6.295 é o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG ). O autor do substitutivo é o deputado André Benassi (PSDB-SP). Ambos foram buscar na redação do Decreto-Lei 3.689 (Código de Processo Penal), que data de outubro de 1941, uma brecha para restabelecer o foro privilegiado no caso de ação penal e criar o benefício no caso de improbidade.
Redação - A diferença dos dois textos, o do projeto original e o do substitutivo, é que Benassi estendeu o benefício aos acusados em processos abertos com base na Lei da Improbidade Administrativa - principal instrumento do Ministério Público para submeter à Justiça agentes políticos e servidores envolvidos em atos lesivos ao erário, fraudes e desvios de recursos públicos.
O artigo 84 passa a ter a seguinte redação: "A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade."
O parágrafo único define: "A competência especial relativa a atos administrativos do agente prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública." Fica estabelecido, ainda, que a ação de improbidade "será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública".
Oportuna - O deputado Benassi argumentou que "a proposta é extremamente oportuna, pois visa a recompor garantias de direitos". Ao votar pela "constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e no mérito pela aprovação do projeto 6.295/02, na forma do substitutivo apresentado", o autor sustentou que a competência especial por prerrogativa de função "é determinada pela relevância e gravidade das conseqüências do ato público praticado pelo agente, em razão da dignidade do cargo que exerce, ou seja, não se examina o indivíduo, mas sim, o ato praticado no exercício das funções públicas".
Para Benassi, "o fato de se romper o vínculo funcional não retira a essência do ato que continua sendo público, sendo aconselhável o julgamento de tais atos por foros especiais".
O tucano ressaltou que a alteração "não deve conter eventuais dúvidas no que tange à extensão da competência especial". "É necessário esclarecer que o que se deseja é manter a prerrogativa de foro especial unicamente para o julgamento dos atos compreendidos nas atribuições administrativas do agente público, não interferindo de tal forma no julgamento dos crimes comuns."
Vox Populi já tinha indicado essa tendência
Os resultados da última pesquisa Datafolha confirmam o levantamento feito pelo Vox Populi em 2 e 3 de julho, divulgado no sábado. Segundo o Vox Populi, Ciro Gomes (PPS) tem uma vantagem de 1 ponto sobre José Serra (PSDB), aparecendo com 18%, contra 17% do tucano. O crescimento de Ciro, em relação à pesquisa anterior, de 22 e 23 de junho, foi de 2 pontos. Serra, por sua vez, apresentou uma queda de 4 pontos.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oscilou 1 ponto para cima, somando 39% e mantendo a primeira colocação. Anthony Garotinho também cresceu 1 ponto e obteve 12%. O índice de eleitores que votariam em branco, nulo ou estão indecisos representa 14%. A pesquisa, feita com recursos próprios do instituto, consultou 1.988 pessoas em 114 municípios de todos os Estados, exceto Amapá e Roraima. A margem de erro é de 2,2 pontos porcentuais.
O Vox Populi indicava a ascensão de Ciro desde junho. Numa pesquisa feita em 29 e 30 de maio, ele tinha 9%. No levantamento de junho ele obteve um aumento de 7 pontos.
Serra diz que Ciro não é seu maior adversário
Tucano invoca exemplo da seleção e afirma que não vai mudar estratégia por causa das pesquisas
BRASÍLIA - O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, negou ontem que seu grande adversário seja, agora, o ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes (PPS). Nas últimas pesquisas eleitorais, o candidato do PPS conseguiu ficar tecnicamente empatado com Serra em segundo lugar, situação que incomodou os coordenadores da campanha tucana. "Não estamos trabalhando em função de adversário", afirmou Serra. "Vou fazer como a seleção brasileira de futebol: manter minha estratégia, minha linha e deixar as pessoas criticarem, insultarem."
Serra participou ontem de um comício com o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMDB), na cidade-satélite de Ceilândia, a 30 quilômetros de Brasília. A deputada Rita Camata (PMDB), vice na chapa tucana, também estava presente. Em seu discurso, o senador repetiu, mais uma ve z, que o Brasil corre o risco de viver uma situação semelhante à da Argentina, caso seja mal administrado.
"O Brasil tem rumo, mas, se sair do rumo, pode descarrilar, como a Argentina", insistiu Serra. Para ele, o País tem uma grande chance de crescer, se for bem administrado. "A distância é curta entre o certo e o errado, por isso não podemos errar", disse.
Erros e acertos - Embora o crescimento de Ciro tenha deixado o tucanato atônito, Serra procurou mostrar serenidade. "A campanha está começando agora. Temos três meses para chegar à vitória com a nossa estratégia, mostrando que vamos manter as coisas boas alcançadas, corrigir os erros e fazer aquilo que não foi feito", afirmou.
Ainda no comício, Serra prometeu que lutará, se eleito, para que as Olimpíadas de 2012 e a Copa do Mundo de 2010 sejam realizadas no Brasil.
"Desenvolvimento de um país não se faz apenas pela economia: se faz pela afirmação de uma Nação, de sua cultura e de seu esporte, área em que o Brasil é vencedor", constatou.
Os estrategistas da campanha avisam que nenhuma crítica do PT e muito menos as "provocações" de Ciro ficarão sem resposta. "É preciso acabar com essa história de que tudo é culpa nossa", queixou-se Serra, inconformado com as acusações de "arapongagem", antes contra o PFL da ex-governadora Roseana Sarney e agora contra o PT. "Essa vocação para apanhar calado eu não tenho", resumiu o publicitário Nizan Guanaes.
Em sua estréia oficial na campanha na noite de sábado, em Teresina (PI), Serra criticou promessas de adversários, como o aumento do salário mínimo defendido por Lula. "O salário vai melhorar na progressão do crescimento da economia. Não falo como os outros candidatos que prometem terreno na lua", disse.
Lula convoca para reunião petistas que disputarão governos
O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, já avisou o comando de sua campanha: quer mostrar ao eleitorado experiências bem-sucedidas de administrações petistas.
Para unificar o discurso e as reações a denúncias, o PT convocou um encontro de Lula com todos os seus candidatos a governador para o próximo sábado, em São Paulo. Na lista de assuntos para a conversa estão desde a convivência nos palanques e as crises regionais provocadas pela aliança com o PL até a defesa de prefeituras e governos vasculhados por adversários.
Candidatos e dirigentes vão trocar figurinhas. Cada lado municiará o outro de informações para rebater ataques e divulgar fatos positivos sobre as gestões petistas. "É mais um entrosamento", afirmou Ozéas Duarte, coordenador de Comunicação da campanha de Lula. "A partir deste diálogo, vamos definir estratégias políticas para a primeira fase da corrida", emendou Sílvio Pereira, responsável pelo Núcleo de Acompanhamento dos Estados.
Em reunião com a cúpula do partido, na semana passada, Lula avaliou que já fez os contatos necessários com os principais agentes econômicos e disse estar cansado do "economês". Agora, vai partir para a mobilização de rua e, por alguns dias, tentar alardear o Brasil que deu certo.
O QG petista está preocupado com o que o próprio Lula chama de "jogo sujo" dos rivais. O PT continua no "olho do furacão", acusado pelo médico João Francisco Daniel, irmão do prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel, de ser beneficiário de um suposto esquema de propina destinado a campanhas do partido. Executivos da legenda têm certeza de que haverá novas denúncias contra governos e prefeituras comandadas pelo PT.
Lula passou o dia de ontem com a família, sem fazer campanha. Hoje ele embarcará para Goiânia, onde vai participar de debate na 54.ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Candidato do PPS promete isolar 'agiotas internacionais'
SOBRAL - No primeiro comício de sua campanha à Presidência, no sábado à noite, Ciro Gomes (PPS) prometeu que, se eleito, os "agiotas internacionais" não opinarão sobre as taxas de juros e o controle da inflação. "Vou propor ao povo as soluções possíveis para esses grandes problemas do País", discursou para uma platéia de 60 mil pessoas, em Sobral, no Ceará.
Ciro disse que se aliou a Fernando Henrique Cardoso, na primeira eleição do presidente, pois acreditava que ele seria "a mudança que o Brasil precisava". "Hoje, vejo que há 11 milhões de brasileiros sadios para trabalhar batendo inutilmente de porta em porta", atacou, ao falar do emprego, uma das suas bandeiras de campanha.
Serra também foi alvo de ataques, quando o candidato condenou a situação da saúde pública no País. Ciro afirmou que a população é obrigada a conviver com "doenças medievais", como a dengue e a malária. E prometeu que, se eleito, "os especuladores internacionais não poderão chupar o sangue de quem trabalha nem dizer quanto se deve gastar com saúde".
Metas - Ao lado de seu candidato a vice, o sindicalista Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, Ciro reafirmou suas principais metas de governo. A primeira e mais importante será retomar o desenvolvimento do País e criar empregos - bandeira que o candidato da Frente Trabalhista levará a todos comícios.
Ciro se comprometeu a melhorar as políticas de educação, saúde e distribuição de renda. E afirmou que enfrentará o desafio de alcançar uma "Previdência digna" para 13 milhões de aposentados. Ele não explicou, porém, como pretende superar as dificuldades econômicas para atingir os objetivos.
Tasso - O governador cearense, Tasso Jereissati, que só retorna hoje de viagem aos Estados Unidos, esteve representado no evento por prefeitos do PSDB e pelo seu líder na Assembléia Legislativa, o deputado Moésio Loyola. O nome do governador foi lembrado, ainda, em faixas levantadas nas proximidades do palanque.
Ciro aproveitou a deixa e pediu votos para Tasso - "o grande cearense que todo o Brasil respeita", por suas palavras - e sua ex-mulher, Patrícia Gomes,ambos candidatos ao Senado.
A namorada de Ciro, a atriz Patrícia Pillar, deu vários autógrafos e foi muito aplaudida pela
multidão. Ela não se encontrou com a ex-mulher do candidato - a assessoria montou uma programação para evitar constrangimentos às duas. Ciro, empolgado, dançou ao som da banda Asa de Águia e ajudou o músico Durval Lélis a cantar o refrão: "Eu sou Adão e você será minha pequena Eva."
Garotinho vê concorrente como 'plano B' do governo
SALVADOR - O candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, classificou a candidatura de Ciro Gomes (PPS) como uma espécie de "plano b" do governo federal, para o caso de o tucano José Serra (PSDB) não emplacar na corrida pela sucessão presidencial. Ele fez essa afirmação na noite de sábado, num rápido comício em cima do Trio Elétrico Tiete Vips, que animava o Projeto Celebrai, festival de música gospel realizado no município de Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador.
Para Garotinho, fica claro que os apoios recebidos por Ciro, oriundos da antiga base de sustentação do governo, como o PFL, transformaram o ex-governador cearense "numa opção do modelo econômico atual do Brasil".
Garotinho reafirmou que não pretende renunciar e disse que os boatos o prejudicaram nos últimos 15 dias. "Um candidato que começa com 13%, o equivalente a 15 milhões de votos, não tem por que renunciar", enfatizou.
Ao falar para dois mil evangélicos que participavam do Celebrai, Garotinho usou passagens da Bíblia para incentivar as pessoas a apoiar sua candidatura. "Há muito dinheiro do outro lado", acusou, afirmando ser o Davi que derrotará o Golias, o gigante que, segundo ele, representa o governo.
A falta de estrutura partidária da candidatura Garotinho ficou patente com a ausência de dirigentes do PSB estadual no evento. Apenas o deputado estadual Eliel Santana, que é evangélico, recepcionou Garotinho. A candidata da PSB ao governo baiano, Lídice da Mata, não apareceu.
Vexame - Ontem, o PSB de Pernambuco fez Garotinho passar por um grande vexame no Recife.
O evento "Vamos abraçar o presidente", no município metropolitano de Jaboatão dos Guararapes, seria o primeiro grande ato da campanha. A expectativa de público era de cinco mil pessoas, mas o comício não reuniu mais do que cem.
Em discurso, Garotinho tentou minimizar o episódio. "Não houve fracasso, está tudo bem, o importante é caminhar", disse. Para o candidato ao governo estadual pelo PSB, Humberto Barradas, que tem seu reduto eleitoral no município, houve desencontro da militância.
Artigos
Menos fofoca e mais discussão programática
Carlos Alberto Di Franco
A histeria do mercado não promete arrefecer. Como lembrou o jornalista Rolf Kuntz (O governo estará preparado para o pior?, 4/7, B2), parte da síndrome é auto-alimentada: O movimento do "câmbio pressiona os preços e a dívida pública. A expectativa de aumento da inflação e da dívida pressiona o câmbio, em seguida". A instabilidade piora a classificação do Brasil nas tabelas de risco. Irrompe o alarme das agências globais do catastrofismo. A estridência, fortemente amplificada, reforça o receio dos investidores. Trata-se de um perverso círculo vicioso. Acrescente-se a tudo isso um novo e venenoso ingrediente: o escândalo que está destruindo a credibilidade de alguns gigantes norte-americanos (ocaso WorldCom, entre outros, é emblemático).
O governo FHC pouco pode fazer. A reentrada do Banco Central no jogo pode produzir um certo alívio, mas não eliminará o problema. A febre pode baixar um pouco, mas o estado do paciente continuará preocupando, e muito. O País sofre as conseqüências de uma onda negativa sem dispor, infelizmente, de condições para revertê-la. O cerne do problema, não duvidemos, é essencialmente político. Haverá instabilidade enquanto houver insegurança quanto às eleições e à manutenção da política econômica. As pesquisas de opinião não alteram somente as expectativas dos candidatos. Repercutem diretamente no movimento das bolsas e nas oscilações do câmbio. É, queiramos ou não, a inescapável lógica do mercado.
Nesse contexto, os candidatos poderiam dar uma grande contribuição se deixassem as farpas de lado e se esforçassem por expressar claramente seus programas de governo. Ao Partido dos Trabalhadores (PT), sobretudo, cabe dar o pontapé inicial. Afinal, Lula, com ou sem razão, encarna o fantasma que assombra o mercado. Daqui e de lá. Por isso, é lamentável o novo adiamento da divulgação do programa de governo do candidato do PT. O lançamento só ocorrerá no dia 19. O adiamento foi admitido logo depois de o partido confirmar que o coordenador do plano econômico, o economista Ricardo Carneiro, havia deixado a equipe, chefiada pelo prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci Filho (PT).
Reclama-se dos candidatos um mínimo de consistência. Espera-se da imprensa que assuma o seu papel informativo e fiscalizador. Uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. Não basta um painel dos candidatos, é preciso cobrir a fundo as questões que influirão na vida das pessoas. É importante fixar a atenção não nos marqueteiros e em suas estratégias de imagem, mas na consistência dos programas de governo.
O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar os problemas e cobrar soluções concretas dos candidatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas públicas, não mais o político. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute a agenda dos candidatos, mas oculta a verdadeira dimensão da vida real. Precisamos fugir do show e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
Outros desvios éticos podem comprometer a qualidade da cobertura eleitoral.
Sobressai, entre eles, o perigoso jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Por isso, é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre uma pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade.
O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. Menos registro e mais apuração. Menos fofoca e mais discussão programática. Menos espetáculo de marketing político e mais consistência.
Informação e voto consciente compõem a melhor receita para superar a crise e fazer do Brasil um grande país.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Afinal, não temos poderes divinos...
Sou leitora contumaz da seção de cartas de leitores dirigidas aos jornais. E tenho visto com freqüenta cartas de pessoas que voltam a defender a pena de morte. Isso me assusta, embora compreenda a revolta de muitos contra o atual estado de coisas: violência e morte em grau jamais alcançado entre nós.
O bandido mata. A sociedade mata o bandido. Os bandidos passam a matar dobrado. A sociedade, por seu lado, duplica as matanças de bandidos. Será isso civilizado? Ou cristão, ou moderno, ou politicamente correto, de acordo com a Declaração dos Direitos do Homem?
Se o ato de matar é que nos é repugnante, como legalizar o assassinato, revivendo e consagrando o velho "olho por olho, dente por dente"?
Bem, pede-se exceção para os crimes hediondos, tantos que não vale nem a pena citar. São hediondos, sim. Mas teremos então de repetir o gesto hediondo, imolando ritualmente os criminosos?
No sertão se diz: "O matar pertence a Deus." Deus que dá a vida, até mesmo aos bebês de proveta, porque para se fecundar aquele óvulo in vitro precisava existir a centelha inicial de vida, quer no óvulo fecundado, quer no espermatozóide fecundador. E essa centelha misteriosa continua nas mãos de Deus, ou da força criadora, como a chamem, se quiserem; misteriosa, imponderável, fora totalmente do alcance do homem e das suas artes.
Não vamos pensar em pena de morte. E atentar contra as leis da vida, é querer tomar na mão o privilégio de Deus.
Sua eficácia como elemento dissuasório nunca foi comprovada. Punição bárbara, primitiva, de feroz crueldade. Não adianta modernizá-la, usando cadeira elétrica, injeção letal, câmara de gás. E o julgamento, a sentença, a data marcada, a última refeição, o último cigarro, as últimas palavras compõem um ritual de sadismo inexcedível. E cuja ferocidade fria se iguala à dos crimes que pretende castigar.
O dever da nossa sociedade, assolada por uma onda de violência absolutamente intolerável, ninguém o nega, é aperfeiçoar o processo judiciário, proporcionar as penas de acordo com o delito.
Não criar tantas e extraordinárias facilidades para os chamados réus primários. Há casos de ladrões contumazes que, por causa do seu longo prontuário, são condenados a penas severíssimas; enquanto que um matador, por mais hediondo, tem direito a inúmeras saídas, desculpas, portas abertas, concessões. As próprias penas existentes no código atual, teriam alguma eficácia se não fossem tão permeadas de concessões. Um jovem juiz não achou por bem pôr em liberdade o matador da própria noiva, apesar de réu confesso, apesar de o crime ter sido executado com requintes de crueldade - tortura, morte lenta por afogamento, e tudo por motivo fútil? Mas quem errou não foi o juiz, foi a lei de malhas largas a que ele se julgou obrigado a obedecer; afinal, juiz existe para cumprir a lei. Se queremos puir um criminoso hediondo, não o libertemos pela morte; e, muito menos, não o liberemos por "bom comportamento" na prisão, ou porque cumpriu um terço da pena, ou porque não há mais lugar para ele nas penitenciárias superlotadas.
Sentença é feita para ser cumprida. E sentença perpétua tem de haver, sim. Se o criminoso hediondo se regenerar na prisão, como se imagina possível, que exerça a sua sociabilidade readquirida dentro dos limites do seu confinamento, que pode ser até em ambiente rural, mas sem contato direto com a sociedade que ele tão brutalmente agrediu. Seja professor, enfermeiro, advogado, pregador - mas lá dentro, sem perigo de reincidência. E se não se recuperou, já está lá dentro que é o lugar certo.
Curioso, os criminosos loucos, quando oficialmente declarada a sua insanidade, são internados nos manicômios judiciários sem data de saída. O Febronio morreu no Manicômio, tantos anos depois dos seus crimes, que talvez hoje só os mais velhos o recordem. Ficou lá, sendo tratado, quieto, sem dispor mais de nenhum menino para estuprar e matar. E esses outros, o motoboy, ou aqueles que mataram os seis portugueses, e os enterrando ainda vivos, não serão loucos também? Ou a justiça para ser feita tem de esperar que eles deixem de ser primários e cometam novos crimes?
Claro que o julgamento tem de ser feito e o castigo tem de ser dado. Mas pagar morte com morte é ultrapassar os limites. Afinal, nós não temos poderes divinos, somos apenas homens - ou, melhor, seres humanos.
Editorial
TECNOLOGIA PARA CRESCER
Sinal claro do esforço de empresas brasileiras para melhorar suas condições de competição no mercado internacional está no surgimento da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), criada neste ano por iniciativa de 15 entidades empresariais importantes - incluindo federações de indústrias - e que acaba de obter uma importante vitória: a redução do custo do financiamento de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e produtos inovadores, através de juros equalizados e de subvenção de projetos a fundo perdido.
No I Encontro Nacional da Inovação Tecnológica para Exportação e Competitividade, promovido pela Protec na semana passada, no Rio, o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, anunciou que parte da suplementação orçamentária de R$ 166 milhões, aprovada para 4 dos 13 fundos setoriais de desenvolvimento tecnológico, será usada no suporte às empresas.
Com juros subsidiados, o custo do financiamento para pesquisas poderá ter uma queda de até 3%.
E, com a subvenção a fundo perdido, as empresas terão garantias contra o risco de insucesso de projetos inovadores.
A redução do custo do investimento em inovação era um dos objetivos estratégicos prioritários propostos pela Protec: "A melhor saída é a parceria do governo com a iniciativa privada no risco da pesquisa", disse ao Estado Roberto Nicolsky, diretor-geral da entidade.
Outro passo correto do setor produtivo é a ênfase nos institutos de pesquisa. O seminário Alca e seu impacto no desenvolvimento tecnológico brasileiro, promovido em São Paulo pela Fundação Casimiro Montenegro Filho, teve como uma das principais conclusões a necessidade de mudar o núcleo atual da pesquisa brasileira, concentrada nas universidades, "enfatizando o papel dos centros de inovação tecnológica". Assim como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) foram fundamentais para levar a indústria aeronáutica ao topo do mercado mundial, caberia a centros como estes auxiliar setores estratégicos da produção nacional.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) vem se aprimorando nesse papel, e as empresas respondem com um volume de consultas que já cresce 50% ao ano. Mas são poucos esses centros. A Coréia, país freqüentemente tomado em comparação com o Brasil quanto aos investimentos em tecnologia, tem 200 centros auxiliando empresas em programas de inovação, segundo Nicolsky. Carlos Delben Leite, que preside a Protec e também a Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), informa que a iniciativa privada fará sua parte, criando "institutos virtuais de gestão tecnológica". Em 60 dias começa a funcionar o primeiro deles, dedicado ao setor de fármacos.
De fato, será difícil o Brasil alcançar, só com dinheiro público, o patamar da Coréia, que investe 2,8% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e está em 5.º lugar no ranking de países produtores de tecnologia, segundo o último relatório da ONU. O Brasil mal aplica 1% do PIB e está em 43.º lugar, com o governo respondendo por dois terços dos recursos. Da verba de R$ 1,1 bilhão originalmente prevista para os fundos setoriais neste ano, só R$ 79 milhões foram liberados até agora por conta do impasse na prorrogação da CPMF.
Felizmente, o setor privado já compreendeu que a escassez de dinheiro público não pode ser empecilho aos avanços necessários nessa área.
Topo da página
07/08/2002
Artigos Relacionados
Capiberibe pede fim do foro privilegiado para políticos e autoridades
Senado aprova MP que dá a presidente do BC foro privilegiado
Paim volta a defender o fim do foro privilegiado
Wilson Santiago propõe fim do foro privilegiado
Volta à CCJ a proposta que acaba com foro privilegiado
Fim do foro privilegiado será analisado pela CCJ