Câmara aprova capital externo na comunicação








Câmara aprova capital externo na comunicação
Pessoas jurídicas também poderão ser proprietárias

BRASÍLIA - Um acordo entre deputados governistas e oposição permitiu a aprovação da emenda que possibilita a participação de um sócio estrangeiro nas empresas de comunicação. O limite para o investimento internacional será de 30%. Os proprietários também poderão ser pessoas jurídicas. Os oposicionistas, entretanto, conseguiram incluir na emenda um parágrafo restringindo aos brasileiros a definição da grade de programação das emissoras.

A emenda foi aprovada por 406 votos contra 23 e duas abstenções. O entendimento incluiu até a criação de um Conselho de Comunicação Social, a ser instalado na próxima semana pelo presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), e do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS). Resolvemos outro esqueleto que dormitava há cinco anos na Câmara'', comemorou Aécio.

Formado por parlamentares, artistas e entidades patronais, o Conselho irá representar o Congresso junto às empresas de Comunicação. ïïO Conselho irá debater a programação das TVs brasileiras'', disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Cada vez que formarem parceria com sócios estrangeiros, as empresas deverão informar os deputados e senadores sobre a conclusão do negócio.

Em outra vitória parcial da oposição, duas leis ordinárias irão regulamentar a emenda constitucional. A primeira delas obrigará as empresas a dar prioridade a brasileiros na contratação de novos profissionais. A outra irá regulamentar a participação dos investidores estrangeiros. A aprovação destas leis deverá ocorrer em março'', afirmou o relator da emenda, Henrique Alves (PMDB-RN).

As empresas com participação estrangeira, prevê a emenda, deverão obedecer aos princípios contidos no artigo 221 da Constituição. O texto constitucional exige prioridade das emissoras na produção de programas educativos, artísticos, culturais e informativos. Asseguraremos um mercado de trabalho para os brasileiros'', disse Henrique Alves. Consultadas, a Associação Brasileira das Emissores de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) concordaram com as modificações na emenda.
O acordo foi costurado na liderança do PT na Câmara.

Participaram representantes das empresas de comunicação e de todos os partidos, exceto o PDT. É uma aberração'', reclamou o deputado Vivaldo Barbosa (PDT-RJ), lendo uma nota escrita pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. A intenção de Aécio Neves é votar o segundo turno da emenda já na próxima quarta-feira. A matéria segue para o Senado, mas não há tempo hábil de aprovação este ano naquela casa.

Para o líder do PSB na Câmara, Eduardo Campos (PE), a negociação foi uma forma de evitar mais uma derrota da oposição em votações no Congresso. Na alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) perdemos com o apoio do PMDB. Agora não tínhamos muitas chances'', explicou. Foi uma decisão pragmática'', disse o líder do PT, Walter Pinheiro (BA), pessoalmente contra a aprovação da emenda.

Oposicionistas e governistas foram unânimes em elogiar a posição do relator Eduardo Alves, que conseguiu obter a adesão até mesmo do PC do B. ''Não sofri pressão de ninguém'', disse o deputado do PMDB. A emenda é de autoria do atual ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira e só não foi aprovada em 1999 porque não houve acordo. Até há uma semana, a oposição rejeitava o projeto.


Memória dos anos no poder
Planalto vai contratar especialistas para cuidar de acervo de Fernando Henrique

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso começou a preparar o próprio memorial. Vai reunir, num grande banco de dados digitalizado, 400 mil peças. São documentos, publicações, presentes, fotografias e correspondências colecionadas durante os anos de Palácio do Planalto, campanhas e vida pré-poder. Trata-se de um volumoso arquivo privado, mas com uma peculiaridade: será bancado com recursos públicos.

Pelo edital lançado na semana passada, as despesas serão incluídas na rubrica de ações de informática do gabinete da presidência, prevista no Orçamento da União de 2001. A conta tem um crédito de R$ 3,2 milhões. No entanto, a assessoria do Planalto não divulga o valor estimado para o contrato.

Os detalhes do acervo também são mantidos em segredo. ''Esse é um assunto do presidente'', diz o secretário-adjunto de Imprensa e Divulgação, Tadeu Afonso. ''É um arquivo privado, embora seja de interesse público'', acrescenta. FH ainda vai decidir o que fazer com o memorial. No futuro, poderá abri-lo para consultas.

Especialistas - A Presidência vai contratar uma empresa para implantar o sistema de informação e dar o tratamento técnico ao acervo. O edital de licitação está à disposição dos interessados no site do Palácio do Planalto. A vencedora da concorrência terá de terminar o serviço até o fim do próximo ano, antes da posse do novo presidente.

A idéia surgiu em 1997, quando o conjunto começou a ser alimentado e mantido no Departamento de Documentação Histórica do gabinete pessoal de Fernando Henrique. Um sistema foi implementado e é utilizado por 50 usuários conectados em rede.

O atual banco de dados conta com todo tipo de informação sobre o presidente, parentes e integrantes do governo. São fotos, fitas de som e de imagens, revistas, teses, livros, discursos, agenda, programa de governo, além de presentes recebidos em andanças pelo país e no exterior.


Guerrilha é arma de grupo sem terra
Agricultores partem para o conflito a fim de se defender de policiais e jagunços contratados por fazendeiros no Pará

XINGUARA, PA - Escondidos nas cavernas e matas fechadas da Serra da Andorinha, no Sul do Pará, sem-terra integrantes do chamado Grupo Goiano usam, há mais de um ano, técnicas de guerrilha para enfrentar jagunços e policiais contratados pela Fazenda Reunidas Santa Maria. Localizada entre os municípios de Xinguara e Rio Maria, a fazenda, de 4.500 hectares, foi comprada em 1999 por R$ 6 milhões pelo banqueiro Ângelo Calmon de Sá, dono do antigo Banco Econômico.

Desde que os líderes do grupo tiveram prisão decretada pela Justiça, os 45 integrantes passaram a viver na clandestinidade. Encapuzado e armado com pistolas, revólveres e espingardas, o grupo só sai dos esconderijos para fazer incursões nos arredores da Fazenda Reunidas Santa Maria, onde enfrenta policiais e jagunços da empresa de segurança J. Machado, comandada pelo delegado de Conceição do Araguaia, Aldo de Castro, o Robocop.

Considerado o líder do grupo, o goiano Moacir Pinto Marques, um dos procurados pela polícia, garante que os sem-terra mataram oito pistoleiros em dez confrontos. Segundo ele, morreram também três trabalhadores.
''Estamos cansados de ser torturados, mortos e perseguidos por jagunços, com a conivência das autoridades. Partimos para o enfrentamento, e só vamos sossegar depois que o latifúndio improdutivo for desapropriado'', disse Moacir ao Jornal do Brasil.

Delegacia - Natural de Mara Rosa, em Goiás, de onde vem a maior parte dos companheiros, ele disse que foi torturado por policiais da delegacia de Xinguara no ano passado. Acusado de comandar invasões na região, Moacir tinha sido preso por decisão da Justiça. ''Me quebraram as costelas. Uma noite, o delegado Nivaldo (já transferido) e outros policiais me levaram para um terreno baldio, onde fizeram roleta-russa com a arma na minha cabeça e deram tiros de raspão no meu ouvido.''

No dia 29 de novembro, depois de cumprir normas de segurança exigidas pelos intermediários, o repórter do JB encontrou-se com Moacir e com o comando militar do Grupo Goiano, na Serra da Andorinhas. O comando é for mado por Misaque Silva, o Lampião, Nivaldo Cândido Mariano, e Valdeci, que se identifica como Irmão.

Os sem-terra conduziram o repórter pela mata até a ossada de um agricultor, identificado por eles como Zé Maranhão. Segundo o grupo, Maranhão teria sido morto há seis meses no Bar da Nestinha, nos arredores da Fazenda Reunidas Santa Maria, por pistoleiros.

No percurso, ficou claro que os sem-terra têm apoio logístico, incluindo locais em que escondem barcos, bisturis, remédios e comida. O grupo conta com o apoio da maioria dos 3 mil assentados da região. Além de fornecer alimentos e empregos esporádicos nas lavouras, os assentados montaram uma rede de informações eficiente.

Por meio de celulares e fogos de artifícios, o Grupo Goiano é informado pelos assentados da presença de policiais e jagunços da fazenda. ''Não vai ser fácil nos pegar. Pode ser que o Exército consiga, mas até lá, se a fazenda não for desapropriada, vai morrer muito pistoleiro'', diz Lampião.

Ao optar pelo conflito armado, o Grupo Goiano perdeu o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT). No Brasil desde os anos 80, o advogado e coordenador da CPT em Xinguara, Henri des Roziers, se diz assustado com a violência no conflito entre sem-terra dissidentes e jagunços. ''Esse não deve ser o caminho'', disse.
Antes de se encontrar com o grupo de Moacir, o repórter do JB esteve, no dia 26 de novembro, na Fazenda Reunidas Santa Maria, onde policiais civis e militares, seguranças da empresa J. Machado e jagunços procuravam os sem-terra.

Surpreso com a chegada do repórter, o gerente da fazenda, Demerval dos Santos Lopes, tentou minimizar o conflito armado. Segundo ele, apenas dois vaqueiros da fazendas foram mortos pelos sem-terra, em emboscadas.

O gerente foi desmentido pelo delegado de Xinguara, Emerson Garçon Alvarenga: ''O próprio Demerval não sai da delegacia, onde vive denunciando o confronto na fazenda. Não entendo por que ele pode querer negar agora.''

O confronto entre sem-terra e pistoleiros já foi registrado em documento. Na delegacia de Xinguara há um boletim de ocorrência sobre a tentativa de assassinato do PM Raimundo Santos Ferreira por um grupo de sem-terra comandado por Moacir. O policial foi ferido num tiroteio entre jagunços da Fazenda Reunidas e sem-terra. Em depoimento, o PM disse que estava na fazenda à procura de um agricultor, mas acabou desmentido na rádio de Xinguara pelo próprio comandante da PM na região.


Uso de droga deixará de ser crime
Nova Lei de Entorpecentes punirá com cadeia só o traficante. Usuário receberá penas alternativas visando a reabilitação

BRASÍLIA - A abertura do II Fórum Nacional Antidrogas marcou ontem o que pode ser uma mudança conceitual a respeito da descriminação do uso de entorpecentes. ''O usuário não deve ser considerado criminoso. O que se busca agora é deixar caracterizado que o criminoso é o traficante'', disse o secretário nacional Antidrogas, general Paulo Roberto Uchôa, dez minutos depois de nomeado para o cargo.

O presidente Fernando Henrique Cardoso levou com bom humor o protesto de um manifestante solitário. Do lado de fora do prédio do Colégio Militar de Brasília, onde se realiza o encontro, se deparou com Pedro Arthur Costa. ''Presidente, não sou criminoso nem louco'', disse o rapaz, segurando uma placa com o desenho de uma folha de Cannabis sativa, planta da maconha, e a frase ''FHC legalize a THC (princípio ativo)''. O presidente concordou: ''Estou vendo que você não é criminoso nem louco.''

Apologia - O diretor-geral da Polícia Federal, Agílio Monteiro Filho, segurando um crisântemo amarelo, sorriu ao ver a placa. Indagado se era apologia da maconha, disse que sim. ''Em princípio dá prisão, mas estamos dentro de um quartel. Não sei'', esquivou-se. O diretor da PF acredita que a legalização da maconha estimularia o consumo da cocaína.

Na abertura do fórum, Fernando Henrique anunciou a reformulação da Política Nacional Antidrogas. O projeto da nova lei de entorpecentes, em tramitação no Congresso, pune com prisão só o traficante. O consumidor receberá penas alternativas. Serão criados tribunais especiais para julgar o usuário sob a ótica da reabilitação e reintegração social.

Futuro - Daí à descriminação da maconha, como pediu o manifestante, há larga distância. O chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Alberto Cardoso, admitiu ser ''um rumo que deverá passar pela orientação e educação''. Fernando Henrique situou a questão ainda mais longe: ''Essa matéria tem que ser vista na perpétua construção de uma sociedade melhor para o futuro.''

Antes, o governo propõe um novo jargão. O general Uchôa prefere ''enfrentamento'', em vez de ''combate'' às drogas. Disse que o usuário precisa é e informação.

Terapias - O secretário nacional Antidrogas defendeu o uso de terapias com fundamentos filosóficos e religios para viciados. ''Mas nem todos os problemas de dependência química podem ser resolvidos assim'', reconheceu.

Se prevalecesse a vontade dos Estados Unidos, acredita o general Uchôa, as Forças Armadas estariam na repressão ao narcotráfico. ''Mas não há necessidade'', afirmou. O governo considera mais eficaz a ação coordenada entre União, Estados e municípios na repressão ao tráfico. Também quer a colaboração de organizações não-governamentais (ONGs) e pretende incluir a disciplina prevenção do uso de drogas nos currículos escolares.


Presidente aciona Brizola
BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso vai processar o ex-governador Leonel Brizola, presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT) por crimes de injúria e difamação. A representação do presidente foi enviada ontem pelo ministro da Justiça ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro.
No programa político gratuito de televisão do PDT, no dia 6, Brizola ''teceu afirmações injuriosas e difamatórias em detrimento do cargo ocupado pelo chefe do Poder Executivo'', de acordo com Brindeiro. Na representação, Fernando Henrique afirma que ao criticar as medidas que alteram a legislação trabalhista, a ele atribuindo ''o fato de estar patrocinando as referidas mudanças por pura maldade, e de maneira maliciosa e até criminosa'', Brizola atingiu sua ''honra subjetiva''.

Fernando Henrique, ao ressaltar ser evidente o ânimo de difamar e de injuriar do presidente do PDT, diz ainda: ''Inconformado pelo inevitável e crescente desgaste de sua legenda e antevendo o fim inglório de sua pregação anacrônica, o senhor Leonel Brizola optou pela agressão pessoal, tentando, de forma clara e predeterminada, atingir a minha dignidade e destruir a reputação do homem público''.


Ministro da Justiça beneficia deficiente
BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, estabelecerá cotas para portadores de deficiência física na portaria que vai reservar vagas para negros e mulheres no ministério, em empresas contratadas e ONGs conveniadas. O percentual para os deficientes será de 5%, enquanto negros e mulheres terão cotas iguais de 20%. Os três grupos vão ganhar os percentuais em cargos de confiança no ministério e nos quadros das empresas particulares contratadas e de organizações não-governamentais conveniadas. Os portadores de deficiência vão preencher 25 cargos de confiança criados na pasta da Justiça. São os cargos de direção e assessoramento superior, conhecidos por DAS, cujos salários variam de R$ 1 mil a R$ 5 mil.

A decisão será anunciada por Aloysio em solenidade sobre direitos humanos, este mês. O Ministério do Desenvolvimento Agrário já adotou cotas para mulheres e negros. O Supremo Tribunal Federal terá reservas para negros em licitações.

Decreto - A fixação de cotas para deficientes, negros e mulheres foi confirmada pela assess oria do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro. A cota de 5% é o percentual máximo para portadores de deficiência, em empresas privadas, previsto pelo decreto 3.298/99. Esse dispositivo regulamentou a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, criada em 1989. No artigo 36 do decreto, variam de 2% a 5% os percentuais que devem ser reservados pelas empresas aos deficientes ou reabilitados beneficiários da Previdência Social. A variação do percentual está relacinada ao número de empregados. Acima de 1.000 funcionários, a cota é de 5%.

O Ministério da Justiça anuncia ter poderes e autonomia para fixar o percentual máximo nas licitações públicas e nos convênios firmados com ONGs. Não precisará acompanhar a variação estabelecida no decreto.
A reserva de cotas para deficientes em licitações públicas atende a uma reivindicação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência. ''Se as empresas privadas têm de cumprir cota para deficientes, a administração pública poderá exigi-la nas licitações e nos convênios, a exemplo do que faz em relação ao pagamento de impostos'', disse Ismaelita Lima, coordenadora nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.


Artigos

No limite
Marcus Barros Pinto

Na noite de domingo, o SBT impôs mais uma derrota à Globo com o bizarro reinado de Supla e companhia na Casa dos artistas. Enquanto isso a Globo abre inscrições para Big brother Brasil, uma Casa dos artistas na versão original holandesa, sucesso em todo o mundo, alavancado por reportagem no Fantástico que pinçou cenas picantes, dramáticas e patéticas do programa mundo afora.

Na noite de segunda, a ironia: a Globo exibiu, na Tela quente, O show de Truman, estrelado por Jim Carrey. No Brasil, o filme de Peter Weir ganhou o sobrenome O show da vida, o mesmo do Fantástico, programa líder de audiência no país, segundo a própria emissora propaga, e que vem sendo sistematicamente derrotado pelo SBT.

O show de Truman é o retrato mais crítico já pintado dos absurdos reality shows. Desde o primeiro minuto de vida - antes até - Truman é o astro de um programa de TV que acompanha sua vida, ao vivo, 24 horas por dia. Mas ele vive num cenário. Seus amigos, o padeiro da esquina, sua família, são todos atores. As falhas de produção se sucedem até que Truman lança-se no mar falso em um veleiro e tromba no falso horizonte. E, ali, abre a porta que o leva ao mundo real.

Essa imagem deveria servir de inspiração a quem garante audiência para Casa dos artistas, os patéticos testes de fidelidade de João Kleber, No limite ou que tais. E que irá apontar o controle remoto para a Globo quando estrear o BBB. Mergulhar nesse universo que só tem reality no nome é fechar a porta para a vida real. Que inclui universidades públicas em greve, serviços de saúde pública idem, deficiência de leitura nas escolas ou falta de uma política cultural eficaz.

É se fechar à responsabilidade de, em 2002, eleger um presidente da República, senadores, governadores, deputados federais e estaduais. Enquanto os reality shows estiverem comandando a audiência, os marqueteiros de plantão seguirão o mote e, em vez de propostas, vão trancar candidatos em mundos irreais. E quando o cidadão se der conta, estará sob a redoma da fantasia, na ilusão de dominar a realidade com um controle remoto.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER

PFL cansou de apanhar
Creia o leitor: depois de anos vivendo à sombra do poder alheio, o PFL cansou de ser estigmatizado como o partido do fisiologismo. Esgotou-se na arte de negociar cargos e está convencido de que pode mais nessa vida do que esperar que um posto de vice ou uns bons ministérios lhe caia às mãos. Não que, de repente, os pefelistas tenham se tornado arredios ao poder, mas agora acreditam que podem ir buscá-lo a bordo de algo denominado ''dignidade partidária''.

Essa é a razão principal de investirem e insistirem na candidatura de Roseana Sarney. Se der certo, maravilha, se não der, trocando tapas com o PMDB por causa da vice é que também não ficarão.

Segundo o comando do PFL, não está correto interpretar que o episódio Roseana seja fruto de mero acaso. De sorte, talvez. Tudo começou há mais ou menos uns oito meses, no auge da confusão de Antonio Carlos Magalhães com Jader Barbalho, e o partido já percebendo que enveredava pelo perigoso caminho da subalternidade no jogo político.

Um grupo de dirigentes, entre eles Alceni Guerra, Saulo Queiroz, Gustavo Krause e Wilmar Rocha, reuniu-se em São Paulo com sete publicitários para ouvir o seguinte diagnóstico: ou armavam uma jogada eleitoral para valer, ou estariam eternamente carimbados como fisiológicos negociadores de cargos perante o eleitor.

Relata Alceni, hoje secretário de Governo do Paraná, que a cada avaliação cruel dessas seguia-se um longo silêncio entre os dirigentes. ''Foi um soco no estômago.'' Os publicitários convenceram os pefelistas de que um partido que tinha tido participação fundamental na transição dos regimes militar para o civil e que operara ativamente as reformas, lideradas por Fernando Henrique Cardoso, merecia um pouco mais do que, mais uma vez, bater palmas para o adversário dançar.

Cada um saiu daquela reunião com um plano. O de Alceni foi tentar investir em Jaime Lerner, governador do Paraná, mas o próprio atribui a Saulo Queiroz a idéia de ''fustigar a moça''. Moça esta que está aí, hoje, em segundo lugar nas pesquisas.

Mas, pergunte-se a um pefelista, se não há a mais remota hipótese de desistência de formação de aliança com o PSDB e se ouvirá, primeiro, um não categórico, para, em seguida, perceber-se, em tom mais ameno, elogios rasgados a FH e um adendo cujo conteúdo reafirma a certeza de que uma vez pefelê sempre pefelê: um bom político não fecha nunca todas as portas.

Palavras bastantes até para os piores entendedores, pois não?

Pois sim. Jorge Bornhausen, o presidente do partido, interfere para lembrar que a arrogância e a soberba não fazem parte do manual pefelista de sobrevivência na política, por isso preferem sempre dar ao interlocutor a impressão de que estão constrangidos com a grata surpresa.

O discurso da humildade, de repente, é substituído por um gesto surpreendente no prussiano Bornhausen. Rodopia os cinco dedos, como quem introduz alimentos na boca, e informa na maior descontração: ''Nós e a sociedade vamos, ó, eles.'' E mais não diz, sem que se apresente um cara-pálida de plantão disposto a explicar quem são ''eles''.
Quem pode, pode
Partido que tem dono - no sentido de liderança incontestável - é outra coisa. Enquanto o PMDB fica fazendo jogo de esconde-esconde com Itamar Franco para, na verdade, esconder a ausência de um comando capaz de dizer as coisas como elas são, Luiz Inácio Lula da Silva avisa logo que não vai se inscrever para prévia no PT coisa nenhuma.

Como todo os que são candidatos para valer - como José Serra, por exemplo - Lula quer assuntar os movimentos do adversário e jogar decisões de março para a frente. E o bom é que diz isso e faz a avaliação das prévias sem uma preocupação muito comum no PT de se fazer concessões a um democratismo infantil.
A despeito do direito de Eduardo Suplicy e Edmilson Ribeiro concorrerem, Lula também tem o direito de não tomar a iniciativa de se inscrever em prévias. Se os outros dois acham que têm força, que concorram com Lula na convenção do partido.

Carochinha
É fantasiosa a versão de que o novo secretário de Comunicação de Governo, José Roberto Vieira da Costa, só foi confirmado, ontem, por causa da reação dos aliados de Tasso Jereissati, uma vez que Bob era, e de alma continuará sendo, as sessor de José Serra.

Os chamados ''tassistas'' - que agora levam a culpa por tudo - podem até não ter gostado, mas, na semana passada, quando o nome foi divulgado, a decisão do presidente já estava mais que tomada e conversada com o escolhido.

O que houve foi um pedido de Andrea Matarazzo, que deixa hoje o cargo, para o presidente atrasar um pouco a oficialização e dar a impressão de que a decisão final só saiu ontem. Matarazzo não queria ficar com a pecha de quem foi o último a saber. Versão, aliás, inventada por ele mesmo.



Editorial

Escolha Fatal

Desde que foi adotada nos vestibulares, a múltipla escolha mascarou as deficiências do ensino brasileiro. Feita para facilitar a correção, usando os primeiros computadores, com cartões perfurados, para avaliar milhares de provas em pouco tempo, a múltipla escolha tem muito de loteria e pouco de avaliação de conhecimento.
Como os cursinhos e boa parte das escolas optam pelo preparo para o vestibular, em lugar da educação inteligente e de qualidade, os alunos são treinados para marcar pontos e não para pensar. Questões discursivas e redações foram marginalizadas, em função da massificação burra, resultando uma pletora de estudantes medíocres e incapazes de compreender um texto, segundo revelou, dramaticamente, o teste internacional de leitura que levou o Brasil ao desonroso último lugar.

O mérito de revelar esse descalabro partiu de um jovem jornalista recém-formado, Carlos Palhano. Para fazer sua monografia de final de curso, Palhano concorreu a vagas em quatro universidades. Foi aprovado em todas, e isso apesar de ter, propositalmente, cometido verdadeiras barbaridades contra o vernáculo nas redações. Escreveu instica em lugar de instiga, profição em lugar de profissão, mais em lugar de mas, além de criar frases confusas, com dois verbos: ''Esperamos que nossos filhos sejam, tenham um futuro melhor''. Ou impropriedades misturadas a erro como ''há anos atraz''.

A monografia inspirou um programa dominical de TV a fazer um teste, ironicamente na mesma instituição de ensino que formou Palhano. O pedreiro Severino da Silva, que cursa uma turma noturna de alfabetização, foi inscrito em prova para o curso de direito e aprovado. Para isso, a única instrução que recebeu foi marcar ''A'' e ''B'' em todas as respostas. Nem precisou fazer a redação, mas pelo exemplo de Palhano, se a tivesse feito, mesmo analfabeto, sua nota teria provavelmente melhorado. Quem sabe seria aprovado summa cum laude?

O fato levou os responsáveis pelo vestibular dessa universidade - a mesma cujo dono, em entrevista recente, disse que o estudo ''não é tão importante assim''- a prometer rever os critérios de seleção. A OAB, por seu lado, exige a revisão do processo de seleção para o acesso às universidades. Já era tempo. Como Severino demonstrou, não é preciso sequer conhecer o abecedário todo para ter acesso a um curso superior. Como não é muito difícil obter certificados falsos de conclusão do curso secundário. Um semi-analfabeto mal-intencionado pode perfeitamente acabar bacharel.

O MEC já ensaia a solução do problema. É hora de substituir o vestibular por exame de qualificação nos moldes do baccalauréat francês - exame federal de habilitação ao curso superior, indispensável para obter o diploma do curso secundário e entrar na universidade. Esses testes, como o atual Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), deveriam ser feitos pelo Ministério da Educação e aplicados a todas as escolas públicas e particulares do Brasil. Os alunos mais qualificados teriam prioridade para escolher as melhores universidades. Na França, só quem consegue menção très bien no Bac tem prioridade de acesso a instituições como o Instituto Politécnico, o de Ciências Políticas ou a Escola Nacional de Administração (ENA), de onde saem as elites profissionais do país.

A vantagem de exame semelhante ao Bac ou ao Enem é que, subindo o nível de exigência, eliminando ou limitando as questões de múltipla escolha, testando o conhecimento e a capacidade de pensar dos alunos, o exame acabará obrigando as más escolas a melhorar ou fechar. A iniciativa está com o MEC. Cabe às autoridades apontar o caminho e tomar as providências para que o ensino brasileiro dê um salto de qualidade, indispensável à construção de um país mais justo e soberano.


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12/12/2001


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