Câmara aprova reajuste de 3,5% para servidores








Câmara aprova reajuste de 3,5% para servidores
Proposta do governo deve ser votada na semana que vem pelo senado para vigorar a partir de 1.º de janeiro

BRASÍLIA - A Câmara aprovou ontem projeto de lei apresentado pelo governo que reajusta em 3,5% os salários dos servidores públicos federais dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações a partir de janeiro de 2002. O presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), já incluiu a proposta na pauta da Casa para ser votada na próxima semana.

O ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, apresentou o projeto do governo em agosto deste ano para cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a necessidade de reajuste dos salários do funcionalismo em cumprimento ao artigo 37 da Constituição.

"Esse foi um sinal de obediência à decisão do STF", lembrou o líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP).

Pelo entendimento de integrantes do Supremo, desde a reforma administrativa, ocorrida em 1998, o governo está obrigado a encaminhar anualmente ao Congresso um projeto de lei prevendo a reposição salarial para todas a categorias do funcionalismo. Isso porque a Emenda Constitucional n.º 19 estabeleceu uma revisão anual dos salários.

Em abril, os ministros do STF concluíram que o Executivo estava em dívida com os servidores por não ter encaminhado proposta aos parlamentares.

Ministros do Supremo avaliaram que a dívida existe desde 1999, quando a emenda completou um ano.

Os servidores reivindicavam um aumento salarial de 75,48% - índice que corresponde à inflação acumulada entre janeiro de 1995, data da última correção, e dezembro do ano passado. Mas o governo só concedeu o reajuste de 3,5% com base na inflação do ano na época da apresentação do texto ao Congresso.

Briga - Em agosto deste ano, houve uma queda-de-braço entre funcionários públicos federais, STF e o Palácio do Planalto. O presidente do Supremo, ministro Marco Aurélio Mello, deixou o governo numa situação desconfortável diante da insistência de que o aumento teria de ser retroativo e equivalente à inflação, encampando, com isso, os argumentos dos servidores.
O ministro chegou a contestar reiteradas vezes a afirmação do presidente Fernando Henrique de que a indexação foi banida da economia, porque as tarifas dos serviços essenciais são reajustadas pela inflação, como no caso dos combustíveis. Segundo o ministro, a Constituição determina a reposição do poder aquisitivo dos salários.

No projeto de lei do governo, os ministros da Fazenda, Pedro Malan, e do Planejamento, Martus Tavares, disseram que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os trabalhadores brasileiros em geral tiveram um aumento nominal médio de 48% no período de 1995 até 1999. No caso do serviço público federal, o aumento médio foi de 49%."


Senado atropela Planalto e acelera projeto do IR
Governo tentava ganhar tempo, mas projeto ganhou regime de urgência e deve ser votado ainda este ano

BRASÍLIA - O Senado tem pressa em votar o projeto de lei que corrige a tabela progressiva do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) em 17,5% e alivia a carga fiscal dos assalariados. Ontem mesmo, foi aprovado o pedido de votação em regime de urgência urgentíssima. O texto da lei deverá ser aprovado na quarta-feira, segundo afirmou o presidente da Casa, Ramez Tebet (PMDB-MT). "Eu tenho certeza de que esse projeto será aprovado ainda este ano, pois já foi consagrado como uma vontade do Congresso e da sociedade", disse ele.

Ao reafirmar sua intenção de votar o projeto assim que possível, o presidente do Senado mandou um recado para o governo. "O presidente da República vai ter sensibilidade e não vetará o projeto. A área econômica precisa estar sensível, pois é uma questão de justiça e a tabela é a mesma há sete anos", afirmou. Assessores do presidente Fernando Henrique Cardoso arquitetavam, desde quarta-feira, uma maneira de ganhar tempo e evitar a aprovação do projeto de lei no Senado ainda este ano.

No entanto, antes que o governo pudesse articular qualquer estratégia, o texto foi lido ainda pela manhã no plenário da Casa, o que tornou irreversível sua tramitação. "Estou cumprindo com o meu dever", disse Tebet.

Enquanto o texto era lido, o autor do projeto original de correção da tabela, senador Paulo Hartung (PSB-ES), colhia assinaturas para um pedido de tramitação em regime de urgência urgentíssima. "Todos assinaram, inclusive o PSDB", disse Hartung. O pedido de urgência foi aprovado no plenário por volta das 13 horas.

O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), disse que não foi procurado por emissários do governo para ajudar na estratégia governista de adiar a votação da proposta no Senado. "O Senado não poderia assumir uma posição diferente depois de a matéria ter sido aprovada por unanimidade na Câmara", reagiu Renan, um dos primeiros a assinar o requerimento para a votação da proposta em regime de urgência.

Tebet calcula que em 72 horas de trabalho do Senado será possível concluir a tramitação do projeto. O texto, na realidade, já foi aprovado por unanimidade pelos senadores, mas precisará ser votado novamente porque foi alterado em sua passagem pela Câmara.
O projeto original apresentado por Hartung previa correção de 28%. Na Câmara, o índice chegou a ser aumentado para 35,29%. Nas negociações políticas, PFL-PMDB e PT chegaram a fechar um acordo em torno de 20%, índice que acabou ficando nos 17,5% afinal aprovados.

O projeto de lei precisará passar novamente pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde será relatado pelo senador Jefferson Peres (PDT-AM).

A idéia, segundo Tebet, é votar o texto na CAE na terça e no plenário na quarta.


Congresso adia recesso e deve aprovar imunidade
BRASÍLIA - Os presidentes do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), e da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), decidiram prorrogar os trabalhos do Congresso até a próxima sexta-feira. E estabeleceram a pauta de prioridades de votação: Orçamento de 2002, correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), taxa de iluminação, reajuste dos servidores públicos, dos professores universitários e regulamentação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), além da restrição à imunidade parlamentar.

No caso da imunidade, o Senado pretende votar os dois turnos da proposta na semana que vem. Pelas normas regimentais, teria de obedecer a intervalos de 10 sessões entre a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça - ocorrida na quarta-feira - e o exame pelo plenário. Mas graças ao artifício da convocação de sessões extraordinárias seguidas num mesmo dia, poderá votar o primeiro turno na terça-feira e o segundo na quinta.

Dessa forma, a emenda constitucional que limita a imunidade parlamentar exclusivamente a opiniões, palavras e votos poderá ser promulgada ainda neste ano. Nos casos de crime comum, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá processar o congressista sem a necessidade de licença prévia da Câmara ou do Senado. O presidente do STF, Marco Aurélio de Mello, disse que assim que a emenda for promulgada, até mesmo casos em que a licença foi negada anteriormente poderão ser revistos. De acordo com ele, não existe direito adquirido em matéria constitucional.

A pauta do Senado é mais extensa do que a da Câmara, que praticamente concluiu seus trabalhos neste ano e ficará à espera do Orçamento. O Senado vai votar na terça-feira a correção do IRPF e a imunidade e, nos dias seguintes, o reajuste dos professores universitários e das escolas técnicas, dos servidores e dos funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além da autorização para que as prefeituras possam criar taxas de iluminação pública.


Senador recebe críticas por não ter “simancol”
Assessores montam barraca para difundir “candidatura cinco estrelas”

RECIFE - Enquanto a cúpula do PT quer a qualquer custo tirar o debate sobre a prévia da pauta do 12.º Encontro Nacional do partido, o chamado "Exército de Brancaleone" do senador Eduardo Suplicy (SP), composto por apenas dois assessores, não deixa por menos. A partir de hoje, quando começa o encontro, estarão expostas numa banca do Centro de Convenções, em Olinda (PE), camisetas com a inscrição "Suplicy presidente". Ele quer passar a imagem de "candidato cinco estrelas".
Para o prefeito do Recife, João Paulo Lima e Silva, o senador está sendo "inconveniente". "Acho que ele tem de tomar um pouquinho de 'simancol'", afirmou João Paulo. "Na condição de companheiros dele, temos de dizer:

Suplicy é um candidato totalmente isolado dentro do PT e o que está fazendo fragiliza o partido." Para Luiz Inácio Lula da Silva, mais importante que o debate em torno de prévia, agora, é a discussão das alianças políticas e dos palanques nos Estados.

Ele aproveitará o encontro para alertar o partido da necessidade de rever estratégias regionais. "Em vez de somarmos esforços para construir uma candidatura única das oposições, vamos ficar medindo forças e marcando posição?"

Lula fez um apelo para que os pré-candidatos Ciro Gomes (PPS), Anthony Garotinho (PSB) e Itamar Franco (PMDB) "tenham bom senso e voltem a debater com o PT um projeto de união para 2002". "Será que o povo brasileiro não está pensando que nós devemos ser mais responsáveis?"

O petista disse dar "de barato" que Itamar não será candidato porque o PMDB não quer. "Eu me disponho até a discutir com o Leonel Brizola", contou.

Presidente do PDT, Brizola foi vice na chapa de Lula, em 1998, mas hoje estão brigados.

Constrangimento - Com a mesma opinião de Lula, o deputado José Genoíno (SP), candidato ao governo paulista, afirmou que Suplicy não pode querer transformar o encontro do PT "num grande constrangimento". "Nosso objetivo é discutir alianças e projetos."

Suplicy, porém, não se deu por vencido. "Na medida em que for respeitada a vontade de um segmento significativo e a direção do PT reiterar que haverá prévia, para mim está bem: vou dedicar toda minha energia ao debate das alianças e ponto final", adiantou.


Aécio nega candidatura e diz que partido tem “bons nomes”
BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), negou ontem, mais uma vez, que seja candidato a presidente da República.

Disse que seu partido tem muitos nomes que podem disputar a sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Recusou-se, porém, a citá-los. "Não fica bem para mim, que tenho também a incumbência de trabalhar pela união do partido, ficar falando em nomes", disse.

Na viagem que fez com Fernando Henrique aos Estados Unidos, em outubro, Aécio foi nomeado para acalmar as alas tucanas que giram em torno das candidaturas do ministro da Saúde, José Serra, e do governador do Ceará, Tasso Jereissati. Aécio disse que sua única intenção hoje é a de trabalhar para transformar a Câmara uma das instituições mais respeitadas do mundo.

Embora seu nome sempre seja lembrado para também disputar a Presidência, Aécio assegura que seu projeto político passa pelo governo de Minas, que pretende disputar no ano que vem. Mas, antes, terá de superar dois adversários, que também têm o mesmo desejo: o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, e o ex-governador Eduardo Azeredo.

Aécio comentou a possibilidade de os partidos da base governista - PSDB, PFL, PMDB e PPB - apresentarem candidatos separados no primeiro turno.

Segundo ele, o ideal seria que houvesse uma aliança. Mas, se não der, que seja feita no segundo turno. Ele quer que a definição do nome ocorra até março.


Para Virgílio, eleição não é “concurso de títulos”
Secretário-geral quer candidato próprio, mas vê hora de ‘ir para a rua’ e subir nas pesquisas

BRASÍLIA – O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Arthur Virgílio, disse ontem que o candidato do PSDB à Presidência em 2002 precisa crescer nas pesquisas de intenção de voto. “Eleição não é concurso de títulos, é voto”, afirmou, ao comentar o mau desempenho que os pré-candidatos tucanos apresentam nas pesquisas.

Virgílio disse, ainda, que “é cedo” para se falar na possibilidade de o candidato tucano ocupar a posição de vice numa chapa encabeçada pela governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL). Mas diz que, pessoalmente, não exclui nenhuma possibilidade.

Ele reitera a intenção do PSDB de ter candidato próprio nas eleições do ano que vem e reafirma que são “grandes” as possibilidades de o partido eleger o sucessor do presidente Fernando Henrique Cardoso. Para isso, acredita ele, será preciso “ir para a rua”.

“O nosso dever agora, de tucanos, é fazer nosso candidato crescer. Ele tem que crescer, porque aí a gente vai poder falar uma linguagem que é muito forte em eleição: a linguagem dos números”, disse.

O ministro da Saúde, José Serra, vem disputando a indicação com o governador do Ceará, Tasso Jereissati, enquanto corre por fora a opção pelo presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG).

As declarações de Virgílio foram dadas no momento em que parece cada vez mais distante a possibilidade de o PSDB manter a aliança com o PFL e o PMDB em 2002, pelo menos no primeiro turno. “Se não der para ir no primeiro turno, a gente vai se unir no segundo, se houver respeito mútuo”, ressaltou.

Pré-convenção – Tasso confirmou ontem, em Brasília, que é pré-candidato à sucessão presidencial. Em jantar na quarta-feira com seu grupo político, ele foi estimulado a manter-se no páreo. Quanto à proposta de pré-convenção para a escolha do candidato tucano, já decidida pela executiva nacional, Tasso prometeu ao presidente do partido, deputado José Aníbal (SP), examinar a idéia e apresentar sua posição em nova reunião, na próxima quarta-feira.
Para o governador, o maior problema do PSDB, atualmente, é que “ninguém se firmou” para a corrida presidencial, fato que, segundo ele, deveria ser levado em consideração pela cúpula da legenda. “Ninguém se firma porque é preferido ou deixa de ser preferido do povo”, observou Tasso.

“Não sou candidato de mim mesmo. Fui convocado por áreas importantes do partido como o PSDB de São Paulo, Minas, Ceará e outros Estados do Nordeste”, ressaltou. “Mas não tenho teimosia nem obsessão em ser candidato.” Segundo o governador, enquanto a percepção desse grupo for em seu favor, ele continuará na disputa.

Tasso ressaltou que examinará com “calma e tranqüilidade” a proposta de pré-convenção, deixando claro que uma de suas preocupações é com a unidade partidária, que deve ser mantida a todo custo.

Ele reafirmou, também, sua posição favorável à manutenção da aliança governista, mas concorda com a tese do presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), segundo a qual cada partido deverá lançar candidato próprio no primeiro turno, caso não se chegue a um acordo político.

O governador salientou ainda que o PSDB não pode ignorar a candidatura de Roseana. “É uma realidade e ela está se colocando bem como candidata”, afirmou. A posição, segundo ele, não significa que esteja defendendo a candidatura dela. “Continuo achando que o PSDB tem condições de indicar seu candidato, mas isso tem de ser feito com certo grau de serenidade e competência.”


Artigos

No meio do caminho
Washington Novaes

Estranho que par eça, num tempo em que as tecnologias parecem avançar a cada minuto e assombrar as pessoas, o século 21 termina seu primeiro ano povoado por notícias de recessão econômica no mundo. E de fome, muita fome.

A recente reunião do Conselho da Organização para a Agricultura e a Alimentação das Nações Unidas (FAO) em Roma, preparatória da Cúpula Mundial sobre Alimentação (junho de 2002, Roma), colocou sobre a mesa números estarrecedores. Segundo Jacques Diouf, o diretor-geral da FAO, hoje nada menos que 815 milhões de pessoas no mundo são subnutridas, passam fome.

Desse total, 777 milhões estão nos chamados países subdesenvolvidos, 27 nos ditos países em transição e 11 milhões nos industrializados. Pelo menos 300 milhões são crianças. A cada ano, entre 250 mil e 500 mil crianças ficam cegas por falta de vitamina A e 50 milhões de pessoas têm lesões cerebrais geradas por carência de iodo.

A década de 1990, em que se acenderam tantas esperanças de avanços na área social, foi muito pobre em resultados. A redução do número de pessoas que passam fome foi muito pequena, apenas 6 milhões ao ano, 0,008% do total, menos de 1%. Na cúpula de 1996, estabelecera-se como objetivo chegar a 2015 com o total de subnutridos reduzido à metade. Para que esse objetivo se cumpra seria preciso, hoje, que a cada ano mais 22 milhões de pessoas saíssem dessa tétrica estatística. Ao ritmo atual, seriam necessários quase 70 anos para atingir a meta - se nenhuma pessoa mais se incorporasse ao número de carentes.

Que se vai fazer? Segundo a FAO, mais de 70% dessas pessoas vivem nas zonas rurais do mundo. Grande parte do esforço, portanto, precisaria concentrar-se nas atividades rurais - e aí surgem várias questões novas.

A primeira está em que as novas técnicas e a chamada "guerra dos alimentos transgênicos" tendem a afetar negativamente e a afastar do campo as pessoas mais pobres que vivem das atividades rurais - como tem demonstrado em vários estudos, até mesmo para a própria ONU (Bakground Papers, Relatório do Desenvolvimento Humano, 1998), a indiana Vandana Shiva.

Uma segunda questão é a queda de renda rural em função do declínio do preço de produtos primários no mercado mundial (menos 27% só de 1997 para cá) - em função, inclusive, dos subsídios (quase US$ 400 bilhões/ano) que os países industrializados concedem à sua produção própria e que ajudam a deprimir as cotações do que importam.

Um terceiro ângulo mostra que os compromissos assumidos na Conferência do Rio de Janeiro (1992) por esses países, de aumentar para 0,7% de seu PIB a ajuda aos subdesenvolvidos, não se cumpriu. Hoje, em termos porcentuais, essa ajuda é inferior à de 1992.

Propõe a FAO, além do cumprimento desse compromisso, que haja um empenho em aumentar a produção de alimentos, que se promova a transferência de tecnologias para os países mais carentes e se tente aumentar os empregos não-agrícolas nas zonas rurais.

A última proposta tem sido insistentemente preconizada no Brasil pelos professores Ignacy Sachs, José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay, inclusive no âmbito das discussões da Agenda 21 e em artigos neste jornal.

O aumento da produção de alimentos como caminho para enfrentar as carências tem sido discutido e contestado por muita gente, lembrando que a atual produção no mundo já é maior que o consumo. O problema está na ausência ou insuficiência de renda dos carentes.

E a transferência de tecnologias para os países mais necessitados não está ocorrendo. Ao contrário, como mostram os relatórios sobre desenvolvimento humano da própria ONU, o conhecimento continua a concentrar-se nos países industrializados. No Brasil mesmo, recente relatório do Instituto Nacional da Propriedade Industrial mostrou que, no ano passado, 70% das 20,83 mil patentes por ele registradas foram de produtos e tecnologias de outros países; só 0,2% eram de universidades brasileiras.

Ao que tudo indica, a nova conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento, programada para Joanesburgo no ano que vem, será palco de um confronto dramático entre países ricos e pobres, em torno de todas essas questões. Vai-se ver que, da mesma forma que a promessa de aumento da ajuda, assumida em 1992, não foi cumprida, os programas no âmbito da Agenda 21 mundial não avançaram; que as convenções de proteção à diversidade biológica e sobre mudanças climáticas quase não saíram do papel.
A recente Conferência Regional da América Latina e Caribe (outubro), preparatória de Joanesburgo, mostrou isso, ao reiterar a convocação para que estes pontos sejam cumpridos: ajuda, implementação das convenções, eliminação de subsídios, respeito aos conhecimentos de populações tradicionais, transferência de tecnologias.

Recente editorial da revista inglesa New Scientist mostrou-se bastante cético. O mercado - escreveu ela - não tem reduzido os hiatos de saúde, pobreza e ignorância entre os países mais ricos e os mais pobres. Ao contrário, ele beneficia corporações e consumidores dos países mais ricos - e as tecnologias são muito caras, inalcançáveis pelos mais pobres. A tendência nesse campo das tecnologias continua a ser a de voltar-se quase exclusivamente para esses países e consumidores. Já seria possível, por exemplo, afirma o editorial, ter uma vacina contra a malária ou uma variedade de sorgo resistente à seca, se interessasse a esses mercados, e não aos países mais pobres.

É um quadro dramático, sem sinais no horizonte de que tenda a modificar-se para melhor nos países fora do Primeiro Mundo por fatores externos, nesse quadro generalizado de recessão - o que nos aconselha a colocar forte ênfase em políticas compensatórias internas. Os contornos do quadro sucessório em que mergulhamos já mostram que esse será o centro da discussão também por aqui.


Colunistas

Voto não leva assinatura
RACHEL DE QUEIROZ

Olha, essa história de eleições para tantos cargos anda nos invocando muito, mormente a nós, mais velhos. O difícil naipe de candidatos, os nomes impostos de baixo para cima, o aparente desinteresse popular pelos partidos e seus líderes, tudo nos parecia muito desanimador. Mas, de repente, nós, e muita gente, como nós, fomos nos apercebendo que o povo está se interessando pela eleição. Se interessando pelo voto - pelo ato de votar. Descobriram que votar é uma prerrogativa conquistada, descobriram - lá nos seus próprios termos o que nós, mais pomposamente, chamamos de "exercer o nosso direito de cidadania".

Tenho conversado com muita gente. Jovens, meia-idade, pobres, ricos, profissionais, biscateiros, funcionários, professoras, camelôs, manicures, babás, cozinheiras e o vasto espectro das chamadas prendas domésticas. E essas conversas nos dão a entender que os do povo estão descobrindo que o voto não é apenas uma obrigação periódica que, bem administrada, lhes poderia dar algumas mínimas e duvidosas vantagens materiais; uma espécie de fenômeno sazonal que eles deviam aproveitar na hora, sem jamais pensar nos seus efeitos a longo alcance. Agora, descobrem que o voto é um direito, que naquele momento importante, dentro da cabine indevassável, estão eliminadas todas as barreiras sociais e cada um deles é o igual de todos os outros brasileiros.

Descobriram ainda que cada cidadão - seja milionário ou bóia-fria - só dispõe de um único voto. Costumam perguntar como é que se contam os votos na apuração e se mostram surpresos descobrindo que o coronel ou o deputado só podem dar um voto, tal qual eles. E a gente brinca: "Como o coronel só tem um filho e você tem oito, você até que pode influir na eleição mais do que ele..." O velhote com quem falávamos meditou sobre e o assunto e riu: "Bem, eu lá em casa tenho o meu voto, o da mulher e os dos cinco meninos que já vota... E lá no coronel t alvez só tenha mesmo o voto dele, escoteiro, porque mulher de rico não vota pela cabeça do marido, se governa pela cabeça delas..."

Vê-se, assim, que aquilo que nós mais desejávamos para o povo brasileiro, de certo modo, ele já está adquirindo: a consciência da sua cidadania. Eles estão dispostos a votar e não têm mais aquele antigo medo de votar contra a vontade dos mandões. Descobriram que voto não tem assinatura. Vão, pois, votar com uma nova segurança, uma nova consciência.

Podem votar nas pessoas erradas, o que, aliás, é possível e até provável. Por isso pagaremos todos; mas da próxima vez talvez não se deixem levar por entusiasmos fáceis. E se ainda votarem errado, paciência. Nós, que nos consideramos bem informados e racionalizamos nossas escolhas, em quantas frias nos metemos, quanto candidato péssimo apoiamos! Democracia se aprende devagar.

O importante é que o povo todo, pobres e os ricos, poderosos e os fracos, acreditam na sua identidade de cidadão. E exerçam a sua cidadania para o melhor, ou até mesmo para o pior. O resto fica com Deus, que, no remate dos males, é o responsável pelos acertos e pela loucura dos homens. Afinal, não foi Ele, Deus Nosso Senhor, que nos concedendo o Livre-Arbítrio inventou a Democracia? Dotados do Livre-Arbítrio, o mais fundamental de todos os direitos morais, o ser humano, pelo simples fato de nascer, já é um cidadão do Mundo.

A escolha independente entre o pecado e a virtude, a consciência do Bem e do Mal, tornam o Livre-Arbítrio o fundamento de todas as liberdades. Por decreto divino.


Editorial

O protecionismo exacerbado

São perfeitamente compreensíveis as irritadas reações do ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, e dos membros da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados contra as condições em que foi aprovada a Autoridade de Promoção Comercial (TPA), como agora é conhecido o fast track. O ministro propõe que, doravante, o Brasil condicione qualquer negociação sobre comércio de produtos agrícolas que envolva os interesses norte-americanos à modificação do TPA. Já a Comissão de Relações Exteriores aprovou, por unanimidade, moção que conclama o governo brasileiro a se retirar das negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Essas reações refletem o desapontamento causado pela aprovação, pela Câmara dos Representantes e, depois, pela Comissão de Finanças do Senado, de um texto que contém tantas restrições e condicionantes para a negociação que o presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a dizer que, se o que está aprovado for levado ao pé da letra, "não haverá Alca".

Essas manifestações são compreensíveis, mas não são realistas. Nada que a Comissão de Relações Exteriores e o ministro da Agricultura façam ou digam modificará o ânimo protecionista do Congresso norte-americano. E o Brasil teria mais a perder do que a ganhar se se retirasse das negociações da Alca.

O que o governo precisa fazer é rever a sua estratégia para essas negociações. O embaixador José Alfredo Graça Lima já esboçou o que deverá ser a tática dos países latino-americanos: quando a fase final de negociações da Alca for iniciada, em abril de 2002, esses países levarão em conta as limitações impostas pelo fast track e apresentarão propostas mínimas de queda de tarifas e de liberalização de seus mercados para produtos em que são competitivos. E responderão negativamente, ou com fortes restrições, às propostas norte-americanas que envolvem propriedade intelectual, investimentos, serviços e compras governamentais - áreas onde estão os interesses comerciais prioritários de Washington.

A fase decisiva das negociações, durante a qual os 34 países envolvidos no processo de integração discutirão substantivamente a abertura de seus mercados, durará quase três anos. Além disso, o Brasil presidirá, junto com os Estados Unidos, essa etapa de negociações. Haverá, portanto, tempo e condições para que se façam algumas manobras diplomáticas no sentido de afrouxar, na prática, os termos do fast track. Se nada der certo, a Alca será uma área de livre comércio extremamente limitada - e ainda assim isso será melhor do que nada.

O Brasil não deve, em hipótese alguma, retirar-se das negociações. Nada garante que o processo de integração hemisférica estiole, se o Brasil se ausentar. Se sair, e o processo continuar, o Brasil corre o risco de perder o mercado latino-americano, onde coloca a maioria de seus produtos com alto valor agregado. Se permanecer, poderá influenciar decisivamente na formação de uma área de livre comércio que, embora limitada, não seja prejudicial aos interesses nacionais. É preciso não esquecer que as decisões da Alca são tomadas por unanimidade e segundo o princípio do single undertaking, ou seja, qualquer país tem poder de veto e nada está resolvido até que tudo esteja resolvido. Nessas condições, o Brasil pode não ter tudo o que deseja de uma área hemisférica de livre comércio, mas não precisa aceitar nada que lhe seja prejudicial.

A confirmação, pela Comissão de Finanças do Senado, do texto aprovado pela Câmara dos Representantes põe em relevo a ambigüidade da política comercial norte-americana. O presidente George W. Bush prega o livre comércio, enquanto o Congresso acirra o protecionismo, cedendo aos poderosos lobbies de indústrias pouco competitivas e dos sindicatos. O Congresso, por sua vez, obriga o Executivo, por meio do fast track, a incluir nos acordos comerciais firmados pelos Estados Unidos cláusulas ambientais e trabalhistas. No entanto, o presidente Bush se recusa a ratificar o Protocolo de Kyoto e a Organização Mundial do Trabalho inclui os Estados Unidos entre os países que mais violam as normas internacionais do trabalho. A partir do próximo ano, não será apenas o Brasil a exercer pressão para que Washington decida se deseja, na prática, o livre comércio que prega na teoria. Simultaneamente às negociações para a criação da Alca correrá a rodada global de comércio da OMC e será o mundo todo a exigir de Washington um mínimo de coerência.


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12/14/2001


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