Campanha eleitoral atrasa pauta do Congresso









Campanha eleitoral atrasa pauta do Congresso
Líderes admitem que não será possível votar todo o pacote de propostas que haviam previsto

BRASÍLIA - Na certeza de que o segundo semestre será improdutivo, porque a maioria dos parlamentares estará cuidando de interesses eleitorais, os líderes partidários fizeram as contas e concluíram que têm apenas dois meses para votar e aprovar projetos importantes para o País, como a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e o fim da cumulatividade na cobrança do PIS.

Como o prazo é pequeno, os líderes já admitem que não será possível votar algumas propostas que antes eles mesmos e o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), garantiam que seriam despachadas logo, a exemplo da emenda constitucional que permite a regulamentação do sistema financeiro aos poucos. A emenda que modifica o artigo 192 da Constituição e dá ao Congresso o direito de regulamentar por partes, e não numa reestruturação ampla, o sistema financeiro é do senador José Serra (PSDB-SP), candidato tucano à Presidência.

O líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), torce para que essa proposta seja aprovada, mas sabe que terá dificuldades. "Eu gostaria de aprová-la, mas está muito difícil", afirma. O líder do PT, João Paulo (SP), acredita que não há mais nenhuma condição de se tratar do sistema financeiro neste ano.

Armadilhas - Antes, segundo ele, Câmara e Senado terão de se desvencilhar de armadilhas que eles próprios criaram ao regulamentar as medidas provisórias, que trancam a pauta de votações assim que são completados 45 dias de edição. "Teremos agora os projetos de segurança, que vão tomar algum tempo", afirma João Paulo.

No dia 12, a MP que aumentou o salário mínimo de R$ 180 para R$ 200 completa 45 dias e passa a obstruir os trabalhos. A proposta vai provocar polêmica, pois a oposição tentará elevar o mínimo para R$ 220.

Em seguida, lembra João Paulo, o Congresso deverá envolver-se em projetos que dizem respeito ao reajuste de salário do funcionalismo.

Cada Poder defende um plano de cargos e salários diferente e esse pacote também tomará tempo dos parlamentares, porque terá, de um lado, os interesses dos servidores, e de outro, as preocupações da equipe econômica, que tentará impedir os aumentos.

Depois, virá a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que obrigatoriamente tem de ser aprovada até 30 de junho, sob pena de impedir o recesso dos parlamentares. E, no fim de junho, será muito difícil segurar os congressistas em Brasília, porque estarão todos envolvidos nas convenções de seus partidos.

Quórum - Um levantamento feito pelo gabinete do líder do governo na Câmara mostra que o nível de presença de deputados em Brasília neste semestre já baixou, se comparado com os semestres anteriores.

A média de presença em dia de votações importantes tem sido de 420 a 430 deputados, número que não permite, por exemplo, a apreciação de uma emenda constitucional polêmica. Neste caso, os líderes só levam a proposta a votação quando há, na Câmara, pelo menos 470 dos 513 deputados.

Neste semestre, a maior presença de parlamentares em Brasília foi registrada em 17 de abril, quando a Câmara se preparou para votar o pacote de 20 medidas provisórias que trancavam a pauta. Apareceram 477 deputados.

Mas, em 2 de abril, a primeira terça-feira depois da Semana Santa, só 217 deputados tinham aparecido no plenário.

Não foi possível, na ocasião, nem abrir a sessão que daria início à apreciação das MPs, porque era necessária a presença de, no mínimo, 257 deputados.


Estudo do PFL conclui que governo 'maltrata' partido
Segundo Avelino, Estados do PMDB e PSDB são privilegiados na liberação de verbas

BRASÍLIA - Os Estados governados pelo PMDB e pelo PSDB foram os mais privilegiados na liberação de verbas da União. Esta é a conclusão do levantamento feito pelo deputado Pauderney Avelino (AM), vice-líder do PFL na Câmara, que aponta a Paraíba, seguida pelo Ceará, como os que mais receberam recursos da União, em 2001. O estudo, que será entregue na próxima semana ao líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), faz parte da estratégia do PFL de mostrar que, mesmo na época em que era aliado ao Palácio Planalto, não era "bem tratado" pelo governo.

"O PFL é o partido mais leal ao governo, é o maior partido, mas é tratado como sub-raça", reclamou Avelino. "Não conheço esses dados, mas posso garantir que o governo não faz discriminação nem favorece Estados ou partidos", afirmou Madeira. "O que pode ocorrer é um Estado ou um partido ter a verba liberada mais rapidamente por uma questão de burocracia", justificou o líder do governo no Congresso, deputado Arthur Vírgilio (PSDB-AM).

Pelo estudo da Coordenadoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, a Paraíba recebeu, até o dia 7 de março, 40,08% - o equivalente a R$ 92,8 milhões - do total de recursos destinados ao Estado pelo governo federal. O governador é o peemedebista José Maranhão. Já o Ceará, que até o início do mês era comandado pelo tucano Tasso Jereissati, teve liberados 37,58% (R$ 249,6 milhões).

Lanterninha - Em terceiro lugar vem Alagoas, governada por Ronaldo Lessa, do PSB, partido de oposição ao governo federal.

Até 7 de março, o Estado recebeu 37,04% (R$ 75,8 milhões) de seus recursos globais. Depois, vem o Pará, governado pelo tucano Almir Gabriel, com 36,08% (R$ 218,4 milhões), e Pernambuco, do peemedebista Jarbas Vasconcelos, que recebeu 33,07% (R$ 235,3 milhões).

A maioria dos oito Estados governados pelo PFL aparece na "lanterninha" de liberação de verbas da União, em 2001. Roraima, Paraná, Maranhão, Piauí e Amazonas só ficam atrás na liberação de recursos para Espírito Santo e Amapá.

O PMDB e o PSDB, segundo o estudo encomendado por Avelino, também são os partidos mais beneficiados pelas verbas federais. Em 2001, os parlamentares do PMDB receberam R$ 702,8 milhões para suas emendas orçamentárias e os tucanos, R$ 701,9 milhões. Já o PFL, teve liberados para as emendas de seus parlamentares R$ 424,3 milhões. "Não há condições do PFL estar com essa defasagem toda no recebimento de verbas; deve haver algum erro", reagiu o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA).


Projetos de reforma política também emperram na Casa
BRASÍLIA - Diante da omissão do Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm ensaiado uma "reforma política", por meio de resoluções e decisões - como a que vinculou as alianças estaduais à nacional e a que acabou com a candidatura nata para deputados, senadores e vereadores. Mas essas mudanças, dizem os parlamentares, não são suficientes.

"As medidas tomadas pelo TSE e pelo Supremo são muito importantes, mas a reforma política é muito mais complexa", afirma o líder do PT na Câmara, João Paulo Cunha (SP), especialista no setor. Ele defende, por exemplo, a aprovação do financiamento público de campanha, proposta que já passou pelo Senado e está empacada na Câmara. O projeto prevê o gasto equivalente a R$ 7,00 por eleitor em ano de eleição, com verbas previstas no Orçamento-Geral da União.

Fidelidade - Falta ainda decidir qual será o tipo de sistema eleitoral que o Brasil adotará: distrital misto ou puro, com listas abertas ou fechadas.

Projeto do senador Roberto Requião (PMDB-PR), já apresentado, prevê os dois tipos de listas.

Aguarda ainda votação a proposta que institui a fidelidade partidária, a que proíbe as coligações nas eleições proporcionais e a que torna o voto facultativo e não mais obrigatório. Resta saber se haverá emp enho do Congresso para discutir essas mudanças. (J.D.)


Assembléia corre contra o tempo
Já preocupados com a campanha eleitoral, os parlamentares da Assembléia Legislativa de São Paulo concentraram esforços para aprovar projetos. Tanto a oposição como a base governista estão empenhados em apressar as votações até junho. Segundo a Secretaria Técnico-Legislativa, entre fevereiro e abril do ano passado os deputados aprovaram 42 projetos. No mesmo período deste ano, aprovaram 142 - entre eles os da Segurança Pública, de autoria do governador, Geraldo Alckmin (PSDB).

Líderes da oposição e da base decidiram que os projetos serão discutidos no plenário e não mais no colégio de líderes, como de costume. Isso resultará em presença na Casa. A bancada governista foi a plenário esta semana para aprovar a urgência do projeto de criação da Agência de Agropecuária do Estado. A presença, na média: 88 parlamentares.

Dos 94 deputados, 84 disputam a reeleição; 8, uma vaga na Câmara, e 2, o Senado. (Alexandra Penhalver)


Mobilização de tribunais preocupa governo
Reestruturação do plano de cargos e salários da Justiça custará R$ 3 bilhões por ano

BRASÍLIA - Mais do que a pressão das cúpulas dos Poderes por reajustes salariais, movimento com maior força no Judiciário, o que mais preocupa o governo é a mobilização dos servidores dos tribunais superiores.

A reestruturação do plano de cargos e salários de 100 mil funcionários da Justiça federal, proposta prestes a ser levada a votação na Câmara, vai custar cerca de R$ 3 bilhões ao ano.

Nem o governo nem a Justiça informam quanto custaria elevar os salários dos ministros dos tribunais superiores dos atuais R$ 13,9 mil para cerca de R$ 17 mil, conforme o projeto enviado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao Congresso. Fontes da área econômica, no entanto, afirmam que o reflexo desses reajustes no desempenho das contas da União é muito inferior ao causado pelo plano de cargos dos servidores.

Por isso o governo negocia com a Justiça uma opção para o plano. O objetivo é fazer um acordo para que os reajustes embutidos na proposta, de mais de 100%, sejam efetivados em três ou quatro anos, reduzindo o impacto nas contas federais.

O governo também argumenta que a Lei de Responsabilidade Fiscal restringe em 10% a ampliação das despesas de pessoal dos Poderes de um ano para outro. As negociações vão se intensificar nas próximas semanas, pois todas pendências salariais têm de ser resolvidas até 30 de junho. A Lei Fiscal e a Lei Eleitoral proíbem reajustes salariais generalizados ao funcionalismo público em período pré-eleitoral, mas permitem aumentos específicos por carreira, desde que ocorram até o fim de junho.

O próprio governo encaminhou ao Congresso 11 projetos de reestruturação de carreiras do funcionalismo. Os reajustes médios de 30% beneficiariam 274.646 mil servidores e representariam um custo de R$ 163,96 milhões neste ano e R$ 307 milhões em 2003.

Há uma preocupação no governo com o fato de que os salários da cúpula do Executivo estarem defasados em relação aos pagos pela iniciativa privada.

Hoje, os ministros de Estado ganham cerca de R$ 8 mil.

A situação assusta o comando de campanha de alguns candidatos, pelo temor de que, com esses salários, seja difícil atrair nomes de peso para a formação da equipes do futuro governo.

O reajuste dos salários da Justiça, porém, deve abrir brecha para aumentos que beneficiem o presidente da República, o vice-presidente e os ministros, além de senadores e deputados. A

Constituição manda a Câmara fixar as remunerações dessas autoridades ao final de cada mandato de quatro anos. Há consenso de que neste ano será impossível repetir a saída de 1998, quando os valores foram mantidos.


Brasil corre risco de repetir Argentina, diz Serra
"Dependendo do resultado", País pode descarrilar e perder o rumo, avalia candidato

Em palestra a cerca de 600 empresários do Norte de Santa Catarina, reunidos anteontem à noite em Jaraguá do Sul, interior catarinense, o pré-candidato do PSDB, José Serra (SP) advertiu que o Brasil "corre o risco de enfrentar uma situação difícil como a da Argentina, se você tiver um resultado eleitoral com um governo que quebre a austeridade fiscal, que não mantenha a casa arrumada, o câmbio flutuante, as metas de inflação". Serra acrescentou que, "dependendo do resultado das eleições, o País pode sair do rumo", pois as condições de equilíbrio econômico "são hoje mais complexas do que eram na época de uma economia fechada, quando o Estado era mais interventor e o contexto de economia mundial era diferente". E, segundo ele, "quando sai do rumo, descarrila".

Inépcia - Serra afirmou ainda que e "o risco da inépcia não á patrimônio da extrema esquerda.

Inépcia é não saber governar.

O De La Rua não era de esquerda. Ele levou a Argentina aonde sabemos que levou. Não soube tomar medidas que impedissem a Argentina de descarrilar completamente".

Segundo ele, "o ponto mais vulnerável" do Brasil, hoje, "é o déficit em conta corrente, superior a 4% do PIB (Produto Interno Bruto)". Reafirmando a disposição de prosseguir no combate à inflação, comentou, sobre intenções de outros candidatos, que "não podemos ser favoráveis a propostas antagônicas" - uma referência a um possível abandono dos pilares do Plano Real.

No compromisso seguinte de sua agenda, ontem no Rio, o presidenciável tucano afirmou, em palestra, na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), que considera demagógica e "um fru-fru tributário-eleitoral" a proposta do candidato petista Luiz Inacio Lula da Silva de criar novas alíquotas até 50% para o imposto de renda.

Depois de observar que não sabe quem fez a proposição, afirmou que essa idéia não teria nenhum efeito significativo na arrecadação e foi levantada apenas como um instrumento de campanha, para ser apresentada, mas não realmente implantada no País. "Teriam que ser salários milionários, muito acima da média brasileira". O senador falou no "Fórum da Gestão Pública Eficiente". Ele lembrou que "hoje, os 10% mais ricos da nossa população não têm renda muito superior a R$ 2 mil ou R$ 3 mil por mês, na média."

Por isso, segundo ele, "a idéia de resolver o problema tributário no Brasil caindo em cima da pessoa física, além de demagógica, além de ser falada só para efeito eleitoral, não funcionaria."

"Furada" - Serra declarou ainda que, em outros países, como a Inglaterra, a proposta poderia ter conseqüências diferentes do ponto de vista da receita, mas no Brasil "é inteiramente furada". "Não tem nenhum resultado tributário significativo, é mais estímulo à sonegação", afirmou.

Sua presença no prédio da Firjan, no centro da cidade, foi marcada por uma barulhenta manifestação de um grupo de cerca de 50 funcionários da antiga Fundação Nacional da Saúde (Funasa), os chamados "mata-mosquitos", que gritaram lemas e lançaram ovos contra a fachada do edifício. Serra conseguiu sair do prédio sem ser visto, por volta das 16 horas, em um carro blindado.


artigos

Crise da legalidade
Miguel Reale

A súbita deposição do trêfego presidente venezuelano, Hugo Chávez, por forças militares, seguida de seu imediato e inesperado retorno ao poder, como exigência do clamor público, constitui um episódio que deve ficar na História do Direito como uma lição magnífica de ruptura da legalidade.

A obediência à lei é o supedâneo primordial da democracia, a qual repousa sobre dois pilares expressamente proclamados pelo nunca assaz louvado artigo 5.º da Constituição de 1988: o de que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer al guma coisa senão em virtude de lei" e o de que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Isto quer dizer que, no regime democrático, só obriga um fim consagrado por lei, desde que o meio empregado para estabelecê-la corresponda a processo também previsto em lei. É a luz desses dois princípios conjugados que podemos compreender o que seja Estado Democrático de Direito, cuja legitimidade se confunde com a das normas legais instituídas objetivamente em função dos valores éticos fundamentais, sem os quais a democracia não subsiste.

A legalidade, por conseguinte, não se reduz a mero comando expresso pelos "donos do poder", o que não foi obedecido pelo Congresso venezuelano ao conferir, servilmente, ao presidente Chávez "poderes legislativos discricionários" constantes da chamada Lei Habilitante, fonte primeira de todos os abusos por ele praticados e que importaram na sua desastrada e transitória destituição.

Estamos, por conseguinte, perante três ordens de fatos interligados que explicam o que ocorreu na Venezuela: primeiro, uma incrível abdicação parlamentar a favor de um governante armado de poderes ilimitados de que iria grotescamente abusar; ao depois, a reação cívico-militar contra esse lastimável estado de coisas, seguida pela nomeação irregular de um "presidente provisório", cuja decisão preliminar foi, inexplicavelmente, extinguir o Congresso e o Supremo Tribunal de Justiça, sem incontinenti convocar o eleitorado para novas eleições presidenciais.

Houve, pois, uma série de atos ilegais, cujo desfecho final foi a volta de Chávez, já agora, ao que parece, como "presidente arrependido", disposto a substituir sua "pseudo-aventura bolivariana" por um governo democrático, respeitadas e ouvidas as vozes políticas divergentes, como é próprio da democracia.

Dir-se-á que a História está cheia de exemplos de "rupturas da legalidade", quando se chega ao ponto extremo de desrespeito à ordem jurídica constituída, impondo-se a opção por uma nova fase constitucional. Mas, embora tal fato seja inegável, tudo deve ser feito para salvaguardar a linha de continuidade legal inerente ao Estado Democrático de Direito.

Lembremos o que ocorreu no Brasil em 1964, quando se tornou manifesto o propósito do presidente João Goulart de instaurar no País um regime comunista ou filocomunista, justificando, desse modo, o processo revolucionário ou, se quiserem, contra-revolucionário de seu afastamento.

A meu ver, era legítimo alijar o chefe de governo de então, e não me arrependo de, como secretário de Justiça do Estado de São Paulo, ter agido nesse sentido. Confesso, todavia, que a implantação de um regime militar, que iria durar nada menos que 20 anos, estava bem longe de minhas intenções.

Até o último momento, pensei que se iria convocar, em substituição ao presidente deposto, o presidente da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, sendo justo lembrar que era esse também o ponto de vista do governador Adhemar de Barros, assim como de Juscelino Kubitscheck, Carlos Lacerda e demais líderes que atuavam no cenário político do País.

Infelizmente, optou-se por um "sistema militar" mediante a promulgação de um ato institucional que conferia ao chefe da Nação poderes ditatoriais, muito embora se declarasse ainda em vigor a Constituição de 1946. O único imperativo constitucional que até certo ponto se preservou foi o relativo ao Congresso Nacional, mantido a duras penas, lanhado e suspenso de suas funções, mas conservado como uma "estaca da democracia", a qual iria servir de base ao retorno da legalidade.

Mas não é preciso volver ao passado para constatar a crise de legalidade por que passa o mundo contemporâneo, a começar pelo Brasil, onde o Movimento dos Sem-Terra, dia a dia, comprova seu espírito antidemocrático e subversivo.

Não o faz só por palavras, em desafios afrontosos de seus chefetes, mas por meio de constantes invasões de propriedades produtivas ou não. Uma coisa que não perdôo ao governo tão capaz do presidente Fernando Henrique Cardoso é a inexplicável tolerância que tem tido quanto aos abusos do MST, mesmo quando este proclamou abertamente seus propósitos de derrubada do regime político vigente no País. Confesso que nada me revoltou tanto como o contínuo "diálogo fraterno" mantido por ministros de Estado com os atrevidos líderes de um movimento que é a expressão viva da ilegalidade.

No plano externo, a violação dos imperativos legais mais impressionante é a perpetrada acintosamente por Israel, invadindo a Palestina para nela destruir casas residenciais, hospitais e igrejas, com centenas de vítimas civis, sendo empregados alguns dos processos utilizados por Hitler contra os judeus na Alemanha.

O que impressiona na crise do Oriente Médio não é apenas a prepotência de Israel, mas também a falta de decisão da comunidade internacional no sentido de obrigá-lo a respeitar a implantação do Estado Palestino, com a retirada imediata de suas tropas de ocupação a pretexto de luta contra o terrorismo.

Por muito menos houve a intervenção da ONU na Iugoslávia, com os Estados Unidos da América à frente, a única nação em condições de pôr fim à operação militar determinada pelo truculento governo israelense.

Como se vê, se este primeiro século de um novo milênio parece ter superado definitivamente a era das guerras tradicionais, não faltam exemplos de graves atentados à legalidade, que é o cerne do Estado de Direito.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Queremos melhoramentos!
O assunto do momento é a clonagem. Todo dia aparece um bicho novo clonado em laboratório. E não se ficou em ovelhas e galinhas, mas se chegou aos macacos - um passo, claro, para a clonagem humana, que, na novela de televisão já chegou à realidade. Com muita pesquisa e inteligência, diga-se. Mas a impressão que dá é que a autora está tão perplexa quanto nós, telespectadores, sobre o rumo e destino que dará à sua adorável Criatura.

Mas voltando à clonagem real, aí é que está todo o fulcro do problema, o centro principal de todo o interesse: clonar seres humanos. Até que ponto o processo pode ser efetivo, a clonagem atingirá realmente a psiquê ou a cópia ficará apenas na parte física: feições, estatura. Cor da pele e cabelos ou irá também para os miolos; ou pior (ou melhor?) atingirá essa coisa indefinível, imaterial mas inegável - a que chamamos de alma?

Se você clonar um criminoso, a cópia terá também instintos criminosos? Ninguém publicou ainda observações sobre o caráter dos clones, em relação ao seu original. Por exemplo: sabe-se que as ovelhas são, por sua própria natureza, dóceis, pacíficas e agem sempre em grupos, tão unidas que nem precisam ter uma liderança explícita. Todos nós, fazendeiros, sabemos que basta abrir a porteira do redil, e encaminhar à saída o primeiro carneiro ou ovelha, e o rebanho inteiro o seguirá, os de trás atropelando os da frente, como se temessem ficar em solidão.

Outra pergunta: até agora, entre animais clonados, só se tem tido notícias de fêmeas - a começar pela Dolly. Será que eles também podem clonar machos? E em se tratando da espécie humana, vão poder clonar cavalheiros? Ah, essa invenção de clonagem abre espaços tão amplos para a imaginação que até nos deixa tontos!

O grande perigo apontado por todos os que discutem o assunto é a reprodução não autorizada, criminosa, clandestina de seres que não obedeçam aos padrões de ética, beleza, funcionalidade, desejados a todos os seres humanos.

A figura do cientista louco está sempre presente quando se fala nos processos biológicos que visam a interferir com a rotina da natureza. Não é de ontem o alvoroço que atacou a mídia, quando se começou a fazer a inseminação 'in vitro', tornando férteis casais sem filhos por dificuldade de acesso ao óvulo do indispensável espermatozóide. Hoje, o processo é banal, não originou nenhuma anomalia, e quase todo mundo já pode ter filhos, se os quiser.

Mas com a clonagem o campo fica muito mais amplo. Aberto o processo ao uso geral, terá de haver uma legislação específica e uma vigilância estreita dos laboratórios de clonagem, por parte das autoridades responsáveis. Talvez até se crie um Ministério da Clonagem, decretando por miúdos, quem pode ou não pode ser reproduzido. Por exemplo: a idade do clone-mãe? (ou pai): clonando-se um velho, será possível obter um clone jovem?

E a inteligência, os dons artísticos se transmitirão ao clone? Ou apenas os traços biológicos essenciais, a cara, os ossos, a musculatura? Eu, por exemplo, que não tenho filhos, talvez até gostasse de ser clonada. Mas exigiria tantos melhoramentos que, de certo, seria impossível satisfazer. Por exemplo: ser mais bonitinha, sem tendência para engordar, estatura um pouco maior e entranhas muito mais saudáveis: fígado, coração, miolos (não são entranhas, mas vá lá), miolos especiais, queda para as matemáticas e as demais ciências exatas... Ah, tanta coisa que eu queria ser e que não sou!

Vocês dirão: "Mas aí já não seria um clone, e sim um ser bem diferente de você." Claro! Os fabricantes de clones têm de aprender a criar diferenciações, senão não teriam freguesia. Um ou outro egocêntrico doentio poderia querer se reproduzir com total fidelidade. Mas até a verruga do queixo? Ou a urticária, a alergia a certos tipos de alimentos, ou ao tempero, ou ao queijo da pizza?

Há que pensar nisso tudo antes de fazer a encomenda. E voltando à lei disciplinadora: o narcisista delirante poderia exigir dos clonadores reprodução do seu nariz horroroso, que a ele parece lhe dar personalidade?

Agora a pergunta maior: e a inteligência, será clonável? Pois que adianta criarmos seres novos se não formos capazes de os fazer melhores do que os padrões da Mãe Natureza?

O Woody Allen é quase um gênio. Mas aceitará ele que o seu clone lhe reproduza, além do talento, a cara feia. O corpo desengonçado? Até agora só se sabe que o clone é uma reprodução perfeita da sua matriz. Mas qual matriz? A masculina ou a feminina? Se são necessários os dois elementos, macho e fêmea, para fazer um novo ser, qual será a cópia de quem? Da mãe ou do pai? Ou a clonagem dispensa a colaboração do pai? Então só teremos seres femininos? Ah, mas já existe mulher demais no mundo, é só ver as estatísticas.

O mal da humanidade, desde Adão, é querer ser mais sabida do que Deus. Se Ele fez o mundo assim como é, foi porque só dava deste jeito mesmo. Ele deve ter experimentado vários tipos.

Dispõe de todos os sistemas planetários, de todas as galáxias - e só conseguiu nos fazer tais como somos, com todas as nossas deficiências. Quem sabe mesmo se Deus Nosso Senhor, desgostoso da humanidade tal como é, não suscitou essa invenção de clones para nos eliminar pela total monotonia? Os Seus desígnios são insondáveis. Quem sabe, Ele não quer, com a igualdade geral, acabar com a excrescência que é o pecado, nos fazer todos dóceis e inocentes, como um rebanho de Dollys? Ou, pelo menos, deixar que se separem os bons dos maus, por seleção natural, isto é, por seleção de clonagem; e, pondo os maus de um lado, acabar com eles?

Só ficaremos nós, os bonzinhos; afinal, para todos os humanos, o bom somos nós, o mau é sempre o outro...


Editorial

TAXA DE JUROS E CRESCIMENTO ECONÔMICO

Cinqüenta e cinco por cento dos empresários entrevistados na mais recente Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação feita pela Fundação Getúlio Vargas disseram esperar um aumento de produção, com conseqüente melhora das condições da economia, nos próximos seis meses. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, essa manifestação não reflete confiança ou otimismo. Os empresários esperam produzir mais porque estão produzindo muito pouco - apenas isso. A utilização da capacidade instalada da indústria caiu 1,3 ponto porcentual, em termos reais, descontada a sazonalidade, de janeiro para abril. Em 12 meses, de abril a abril, a queda foi de 4,8 pontos.

O rendimento médio das pessoas ocupadas - isto é, de quem trabalha por conta própria e dos assalariados com ou sem carteira assinada - também está caindo. A redução foi de 1%, na comparação de fevereiro com janeiro; em 12 meses, de fevereiro a fevereiro, a queda real dos salários foi de 6,3%.

A economia não está em recessão, mas o crescimento é muito lento e não acompanha as necessidades de geração de empregos e riqueza que tem um país com população jovem e se vê às voltas com os efeitos das desigualdades sociais, que só podem ser superadas se houver crescimento sustentado e acentuado.

Nos últimos anos, o Brasil se preparou estruturalmente para sustentar seu crescimento. Houve uma notável melhora na infra-estrutura, ainda que existam deficiências como as dos setores de energia e portos. As empresas modernizaram seus métodos de produção e de gestão, atingindo padrões internacionais de competitividade. A escolaridade da população trabalhadora melhorou, ainda que continue em nível insatisfatório. Nos primeiros anos do Plano Real, os rendimentos dos trabalhadores tiveram ganhos reais que permitiram a ascensão de grandes contingentes para as classes médias.

Em condições normais, esses avanços seriam a mola propulsora de um processo de crescimento e afluência sem precedentes. No entanto, o Brasil cresce lentamente, em ritmo que não corresponde às aspirações e aos sacrifícios que a população tem feito. Em resumo, os dividendos da estabilidade são pequenos.

O gargalo do crescimento brasileiro, o nó que segura a produção e o consumo são as taxas de juros. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central fez uma clara e firme opção pelo controle rígido da inflação, mesmo que isso signifique condenar o País a períodos alternados de estagnação e crescimento insuficiente e grandes parcelas da população ao empobrecimento - que é relativo, quando o Produto Interno Bruto cresce menos do que a taxa de crescimento demográfico, mas também é real, quando se verifica a redução pura e simples dos salários e da massa salarial.

Para o Copom, reduzir a taxa básica de juros, hoje em 18,50%, equivaleria a arriscar um soluço inflacionário que poria a perder as metas acertadas com o FMI. O Copom teme o aquecimento da demanda. Há dois anos, quando o País ainda sentia os efeitos da crise cambial, esses temores se justificavam. No último ano, no entanto, os fundamentos da economia foram fortalecidos como nunca. Sobre esses sólidos alicerces, no entanto, o Copom não construiu as bases para o crescimento sustentado e acelerado, mas um paradoxo: os fundamentos econômicos estão mais sólidos, mas a taxa básica média de juros passou de 15,3%, em março do ano passado, para 18,78%, em março de 2002. A conseqüência dessa escolha é óbvia: enquanto aumentam as despesas com juros e o déficit nominal das contas públicas, a produção escorrega para trás e o consumo estiola. O resultado do pequeno crescimento do País se transfere, sob a forma de uma brutal carga tributária, para o governo, que precisa amortizar uma dívida crescente, não se realimentando, assim, os investimentos no setor produtivo e não se traduzindo em aumento do bem-estar da população.

Não se pode brincar com a inflação. Ao menor descuido, o dragão foge ao controle e torra tudo a seu redor. Mas a disciplina de juros que o Copom impôs, se mantém a inflação na coleira, também impede o crescimento, com indesejáveis efeitos econômicos e sociais. Como observamos no editorial econômico de ontem (pág. B-02), uma redução da Taxa Selic po de ter efeito benéfico sobre a inflação. A redução da taxa de juros impulsionaria a produção e o consumo, aumentando a massa salarial e reduzindo os custos fixos das empresas. Para os membros do Copom, não se trata de ousar mais, ou de adotar políticas heterodoxas, mas apenas de fazer a sintonia fina da política monetária, removendo óbices ao crescimento sem descuidar do controle da inflação.


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04/27/2002


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