Carta opõe FH a Reale









Carta opõe FH a Reale
Presidente nega que tenha sido solicitado pelo ex-ministro para discutir a intervenção no Espírito Santo

BRASÍLIA - O ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, afirma ter apresentado ao presidente Fernando Henrique Cardoso a sugestão de intervenção federal no Espírito Santo no dia 30 de abril, às 16h. Tudo teria ocorrido numa reunião, no Palácio do Planalto, antes mesmo de o pedido ser apresentado ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). Fernando Henrique divulgou ontem uma carta ao ex-ministro dizendo jamais ter recebido solicitação de audiência para discutir a questão. Afirma ter sido informado do assunto dia 3 de julho, ''de pé''. Na carta, FH lamenta ter perdido a colaboração do ''amigo''.
''Vossa Excelência jamais me pediu audiência para discutir a questão do Espírito Santo'', alega o presidente na carta endereçada a Reale Júnior. ''Apenas, de passagem, no começo da reunião de ministros no dia 3 de julho, de pé, e a instância do ministro Euclides Scalco, reafirmou que a questão fora encaminhada à Procuradoria Geral da República e dela iria ao Supremo Tribunal Federal, o que me pareceu adequado.''

O ex-ministro diz que não foi bem assim. ''O presidente deve estar se esquecendo de nossa audiência'', declarou. Reale Júnior afirma ter ido ao Palácio após reunião com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rubens Approbato. E garante ter recebido o aval de FH. ''Ele concordou com o caminho da intervenção naquela reunião'', disse. A estratégia da OAB era checar a viabilidade da tramitação do pedido dentro do governo. ''O presidente disse que era boa a solução'', afirmou Reale.

Segundo o ex-ministro, o assunto foi debatido também com o chefe da Casa Civil, ministro Pedro Parente, e com o secretário-geral da Presidência, Euclides Scalco. ''O Parente e o Scaldo disseram que era um bom caminho'', afirmou.

Reale informou que, na semana passada, quando novamente apresentou o resultado da reunião do conselho a Fernando Henrique, o presidente voltou a elogiar a medida e aprovou a solução. ''Com tantas tarefas que ele tem, pode ter se esquecido, mas a sugestão foi apresentada e aprovada. Ele fez até um sinal de positivo com o dedo'', relatou.

Reale não acredita que o presidente tenha influenciado o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, a arquivar o pedido de intervenção. ''Acho que foi o Brindeiro que o influenciou'', opinou.

O secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, disse que vários dos dispositivos da resolução do conselho, aprovando a intervenção, foram sugeridos por Brindeiro. ''Ele ditou a resolução. E durante a reunião, votou a favor adiantando que sua tendência era submeter o caso ao STF'', disse. ''Ele voltou atrás.''

Pinheiro informou que o CDDPH vai voltar a discutir a intervenção no Espírito Santo e lançou um desafio ao presidente da Assembléia Legislativa do Estado, José Carlos Gratz (PFL): ''Ele não perde por esperar. As águas vão rolar. Ele não vai rir por último'', garantiu.


A batalha pelo 2ª lugar
BRASÍLIA - Os candidatos à Presidência pelo PPS, Ciro Gomes, e PSDB, José Serra, iniciaram ontem uma batalha para sair da situação de empate técnico apontada pelas últimas pesquisas de opinião. Ciro tomou de Serra o apoio do PFL de Goiás e da Paraíba, após conseguir o dos pefelistas mineiros. Os dois terão que se acotovelar nos palanques montados pelo PSDB e o PFL. O comando do PPB foi chamado para impedir o apoio do catarinense Esperidião Amin a Ciro Gomes.

Por este motivo, Serra inicia hoje viagens a Vitória e à Paraíba para recuperar o apoio dos pefelistas. O deputado José Carlos Fonseca (PFL-ES) foi vetado pelo PSDB local, que ameaçou apoiar Ciro. Já o deputado Marcondes Gadelha (PFL-PB) anunciou que acompanhará a comitiva de Serra, atendendo a pedido do candidato do PSDB ao governo, Cassio Cunha Lima. Mas a posição definitiva do PFL entre Ciro ou Serra só virá depois de um novo pronunciamento. A executiva se reúne hoje em Brasília.

Na terra da deputada Rita Camata, vice em sua chapa, Serra terá que dividir o palanque de Paulo Hartung (PSB), candidato ao governo, com Ciro e Garotinho.

Na Paraíba, foi adiada a visita de Serra a Souza, aguardando uma fala oficial de Gadelha. O tucano chegará à noite em Campina Grande e na sexta-feira fará carreata em Patos e comício em João Pessoa. Ciro e Serra dividirão palanques no Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Pernambuco, Roraima, Alagoas e Paraíba.

O presidente Fernando Henrique minimizou ontem as dificuldades de Serra com a subida de Ciro, em conversa com o candidato do PSDB ao Senado no Mato Grosso, Dante de Oliveira. FH disse que não vê motivo para alarme. ''Ciro não vai se segurar por muito tempo'', previu. No comitê de Serra, a primeira providência foi cobrar do candidatos dos PSDB aos governos de Minas, Aécio Neves, e de Goiás, Marconi Perillo, pronunciamentos garantindo que não dividirão os palanques com Ciro. Uma reação à campanha do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, para obter apoio dos 13 diretórios do PFL que apoiam Serra contra os 14 que apóiam Ciro. Em guerra aberta contra Ciro, o site de Serra na internet traz, desde ontem, trechos de artigos mostrando semelhanças entre Ciro e o ex-presidente Fernando Collor de Mello.


PSDB se diz discriminado
Deputados tucanos alegam que não conseguiram liberar verbas para seus redutos

BRASÍLIA - O ministro da Integração Nacional, Luciano Barbosa, está na mira de deputados tucanos que não conseguiram liberar a tempo os recursos do orçamento federal para seus redutos. Alegam ter sido discriminados e querem cobrar do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Euclides Scalco, providências para garantir a verba mesmo após o fim do prazo legal.

A indignação foi acentuada no início da semana, quando começou a circular na bancada do PSDB um fax com cópias de duas ordens bancárias do ministério, no valor de R$ 2 milhões cada, emitidas semana passada. Uma delas, de nº 2190, liberada às 21h05 de sexta-feira, último dia para transferências voluntárias relativas a novas obras ou serviços nos estados e municípios.

A beneficiária desses R$ 4 milhões foi a Prefeitura de Arapiraca, administrada pela mulher do ministro da Integração, Célia Rocha, uma das principais líderes tucanas de Alagoas. ''O que me deixa indignado é a alegação do ministro de que não liberou minhas emendas porque o sistema foi fechado mais cedo no último dia'', protestou um deputado tucano, referindo-se ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).

O deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), já pediu a interferência de Scalco e do líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA). Barbosa não conseguiu liberar uma emenda de R$ 500 mil para obras em sua cidade, Pará de Minas (MG). ''Sinto-me lesado por não terem liberado minha emenda e quero saber qual foi o critério do ministério'', protestou. Ele lembrou que na próxima terça-feira o prefeito da cidade, Inácio Franco (PFL), receberá um prêmio no Palácio do Planalto por ter sido um dos 45 a cumprir integralmente a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano passado.

O ex-comunista Luciano Barbosa assumiu o Ministério da Integração no início de junho com a imagem de técnico competente. Mas, logo de cara, mostrou ter jogo de cintura, dizendo que os critérios técnicos para a liberação não poderiam se contrapor aos critérios políticos. Ele deixou deputados tucanos de mãos vazias, mas não esqueceu de seus padrinhos, os senadores Teotônio Vilela Filho (PSDB) e Renan Calheiros (PMDB). No último dia para liberação, o governador de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB), apoiado pelos dois, recebeu R$ 9,5 milhões dos R$ 60 milhões liberado s pelo ministério.

O presidente Fernando Henrique Cardoso declarou ontem, no Palácio do Planalto, que determinou a liberação a todos os congressistas, independente do partido. ''Disse que era para liberar para todos'', declarou. ''O ano é de eleição. Libera para a situação e para a oposição, não quero saber''.


Ciro denuncia grampo
''Brasileiro respeitabilíssimo'' teria avisado sobre escuta em seus telefones

BRASÍLIA - Numa eleição que está ficando marcada pelas suspeitas de escuta telefônica, agora é o candidato do PPS, Ciro Gomes, quem afirma ser a nova vítima do grampo. ''Eu já tinha recebido duas ligações anônimas avisando que fui grampeado. Como eram anônimas, ignorei. Mas na semana passada, um brasileiro respeitabilíssimo avisou que meus telefones estão grampeados'', disse Ciro ontem, sem revelar o nome do denunciante.

Segundo o candidato, seu ''informante'' ainda não poderia dar detalhes sobre a escuta, mas ela teria acontecido em seus telefones, de sua família e comitês da Frente Trabalhista (PPS, PDT e PTB). ''Não me sinto mais seguro. Já grampearam Lula, grampearam Roseana, grampearam até o presidente da República'', comentou. As referências tratam das denúncias de escuta feitas pela Polícia Federal contra a ex-governadora do Maranhão e o petista, além do episódio de 1998, quando o próprio Fernando Henrique Cardoso foi alvo de grampo numa conversa com o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, durante a privatização das empresas de telefonia.

Ciro disse, no entanto, que não tomou nenhuma providência sobre a escuta. ''Não tenho nada a esconder. Infelizmente isso é fruto da deseducação política'', afirmou. Ciro considerou ''curioso'' o fato de que até agora o candidato do PSDB, José Serra, ter sido poupado das escutas telefônicas.

Na mesma entrevista, Ciro rebateu as declarações do candidato do PSB, Anthony Garotinho, de que seu projeto de alongamento da dívida brasileira é eufemismo para calote. ''Viro a outra face. Senhor, perdoe, ele não sabe o que está dizendo'', ironizou. Ciro argumentou que cada um dos candidatos explique como pretende lidar com o problema da dívida - especialmente os quase US$ 70 bilhões que vencem nos primeiros três meses do próximo governo.

Ele voltou a argumentar que a crise econômica pode ser minimizada pela ''qualidade política das eleições'', representada pela coesão em torno do presidente eleito e a garantia, logo após o pleito, de que não haverá quebra de contratos. Tampouco calote ou qualquer ruptura institucional, além do compromisso com a responsabilidade fiscal.

Ciro pretende buscar essa coesão com apoio de três quintos do parlamento. ''O Brasil é ingovernável sem excelente harmonia do presidente com o Congresso'', disse. Uma justificativa para explicar as alianças, fora da Frente Trabalhista, com os diretórios estaduais do PFL, partido que ganharia espaços em seu governo. ''As forças vitoriosas serão as forças de ocupação'', afirmou.


Serra admite que a dengue o frustrou
O candidato do PSDB, José Serra, disse que a sua maior frustração foi não ter impedido o surto de dengue no país. Mas afirmou que, como ministro da Saúde, aumentou em sete vezes os recursos para combater a doença. Responsabilizou Estados e municípios - ''embora não todos'' - pela epidemia, dizendo que eles não fizeram sua parte. E admitiu ter errado ao não trazer a público essa questão.

Serra foi entrevistado ontem no Jornal Nacional, da TV Globo, pelos apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes. A entrevista durou 10 minutos. Foram usados nas perguntas dois minutos e 27 segundos - bem menos que nas entrevistas anteriores, com Ciro Gomes e Anthony Garotinho.

Serra negou ser de pouco diálogo. Lembrou que a aliança que o sustenta é mais ampla que a dos demais e disse ter sido o constituinte com o maior número de emendas aprovadas - o que demonstraria capacidade de negociar. Negou também ter feito espionagem política contra adversários. ''Isso é tititi eleitoral''. Afirmou que, ao contrário, tem sido vítima de perseguição. Foi exilado, alvo de grampo na Saúde e de calúnias num dossiê que envolvia o presidente Fernando Henrique.

O tucano procurou se desvincular de Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor do Banco do Brasil acusado de cobrar propinas na privatização das teles. Admitiu que ele captou recursos para suas campanhas, mas negou que o tivesse indicado para qualquer cargo público.

Embora estimulado, evitou dar nota ao governo FH (em outra ocasião dera 7,5). Disse que cada governo tem suas metas: a de Fernando Henrique seria a estabilização; ao seu, caberia nova etapa. E deu a fórmula para um governo nota 10: ''Pisar no acelerador, reduzir os juros e criar condições para crescer''.

Na saída, Serra afirmou que ''o problema do Brasil não é a dívida pública, mas a dúvida pública.'' Para ele, passadas as eleições e mantida a estabilidade, o alongamento do perfil da dívida ocorrerá naturalmente. ''Qualquer alongamento forçado é calote''.

Segundo o Ibope, a entrevista de Serra teve 35 pontos de audiência, três a menos do que as anteriores. Hoje é a vez de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).


Garotinho diz que PPS fará confisco
PORTO ALEGRE - O candidato à Presidência do PSB, Anthony Garotinho, atacou ontem os banqueiros e os adversários, principalmente Ciro Gomes, em Passo Fundo, (300 km de Porto Alegre, RS), onde esteve para inaugurar mais um comitê de campanha. Em entrevista à Rádio Planalto, ele disse o candidato do PPS ''vai fazer o que o Collor fez. Eu não vou tocar na caderneta de poupança de ninguém''.

Garotinho disse que a vitória dos outros candidatos privilegiaria os banqueiros. ''Só quem tem dinheiro neste país são os banqueiros, e banqueiro é uma raça tão ruim que, além de ganhar dinheiro, presta mal serviço à população, você vai a banco e vê uma fila de velhinhos sofrendo'', afirmou.


'Celso Daniel foi morto por queima de arquivo'
Para empresário, prefeito assassinado 'sabia demais'

SÃO PAULO - O empresário João Antônio Setti Braga, ex-sócio da empresa de ônibus Nova Santo André, confirmou ontem que ela pagava R$ 100 mil por mês como propina à prefeitura de Santo André. Ele disse acreditar que o prefeito Celso Daniel foi assassinado por ter descoberto o esquema. Braga foi sócio da empresa de ônibus Nova Santo André entre 1997 e 2000. Ele disse em depoimento à CPI criada na cidade que pagava, juntamente com seus sócios, R$ 100 mil por mês para ''trabalhar sossegado''.

O empresário afirmou que Celso Daniel não fazia parte do esquema. ''Conhecia o Celso desde o nosso tempo de ginásio. Duvido que ele tivesse qualquer ligação com as irregularidades''. Para ele, o prefeito pode ter descoberto o que estava acontecendo, e foi morto como ''queima de arquivo''. ''Não sou o primeiro a dizer isso. O irmão dele, o João Francisco, já fez essa afirmação''. Sobre a possível autoria do assassinato, ele preferiu não fazer acusações diretas.

Durante o tempo em que foi sócio, Braga disse que ''houve o pagamento'' e o valor total da propina deve ter chegado a R$ 3 milhões. Braga disse que o valor era recolhido por um dos sócios da empresa, Ronan Maria Pinto, que tinha ligações com Klinger Luís de Oliveira, então secretário de Serviços e Obras. '' O valor ficava com Ronan, que dava para o pessoal da prefeitura''. Braga garantiu que os sócios da Nova Santo André sabiam do pagamento da propina.

Segundo ele, ''poderia haver retaliação da administração municipal caso o pagamento fosse suspenso''. Uma das formas de retaliação seria a permissão para que empresas concorrentes operassem as mesmas linhas.

As circunstâncias em que Braga deixou a empresa são nebulosas, já que suas ações teriam sido d istribuídas entre os outros sócios, sem custos. O negócio foi registrado com o valor simbólico de R$ 1. ''Deixei a empresa porque a dívida com os bancos estava cada vez maior e avaliei que não valia a pena continuar'', explicou.
A CPI apurou que a Nova Santo André equilibrou suas contas, mas Braga não mostra arrependimento: ''Foi um alívio, tanto pela dívida, quanto pelo fato de deixar de pagar propina''.

Suas declarações contrastam com as prestadas à CPI por outros sócios na Nova Santo André. Carlos Sófio, Osias Vaz, Baltazar José de Souza e Humberto Tarcísio de Castro negaram conhecimento de qualquer esquema de arrecadação de propina.

O único sócio que admitiu pagamento de propina foi Luís Alberto Gabrilli Filho, que tem outras duas empresas de ônibus na cidade. A denúncia da família Gabrilli desencadeou as investigações.


Mudança polêmica
Distribuição de varas federais preocupa juízes

BRASÍLIA - O substitutivo ao projeto de lei que cria 183 novas federais, em vias de ser aprovado pelo Congresso, vai inviabilizar sua parte mais importante: a instalação efetiva dos juizados especiais de pequenas causas, sobretudo na área do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Norte, Nordeste e Centro-Oeste).

O alerta é do diretor de Assuntos Legislativos da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Flávio Dino. Ele diz que alguns parlamentares resolveram beneficiar municípios na Bahia, Minas Gerais e Goiás, transferindo para ''boa parte das vagas destinadas inicialmente aos juizados especiais''.

O projeto já tinha sido aprovado com uma divisão equilibrada entre novas varas federais, nos municípios mais necessitados, e os juizados especiais, que funcionam desde janeiro, precariamente, sem estrutura própria. O substitutivo, a ser apreciado em agosto, aliás, é relatado por deputados do PFL da Bahia, Coriolano Salles, e de Goiás, Vilmar Rocha.

''Na 1ª Região, o substitutivo deslocou todas as 21 varas destinadas aos juizados especiais para o interior, beneficiando especialmente a Bahia, Minas e Goiás'', disse Dino. ''Não é possível argumentar que essas varas federais do interior atenderiam os beneficiários do INSS, pois os segurados já têm a prerrogativa de procurar a Justiça estadual nos municípios onde a Justiça Federal não é representada''.


Artigos

O fingimento na política
Gaudêncio Torquato

Consultor político
De onde vem esse ar de esculhambação geral que se observa na arena política brasileira? Parte se origina nos traços culturais do caráter nacional, que junta parcela de dispersão a afoiteza e fortes doses de intuição a um fingimento que, na política, é muito comum quando um político cumprimenta uma pessoa dando tapinhas nas costas, enquanto pisca matreiramente para outra.

Em termos de fingimento, é exemplar a historinha envolvendo Magalhães Pinto (UDN) e Tancredo Neves (PSD). Ao se encontrarem numa estrada, em Minas, Magalhães quis saber de Tancredo se ia para Lafaiete ou Barbacena. ''Vou para Barbacena''. ''Ah, raciocinou o careca lustroso, Tancredo diz que vai para Barbacena para que eu pense que vai a Lafaiete, mas ele vai mesmo é para Barbacena''. A tática, conhecida como engano de segundo grau, expressa um jogo de soma zero, que envolve a sagacidade de um e a malandragem de outro. O que eles querem dizer é isto: ''Quando você pensa que está indo, eu já estou voltando''.

A esperteza não se restringe aos atores políticos. Faz parte do cotidiano dos eleitores. As correntes fisiológicas ainda pesam forte na balança eleitoral, chegando a ultrapassar 25% do eleitorado. De certa forma, trata-se de remanescentes da cultura do apadrinhamento, ainda bem acentuada nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além de redutos periféricos das metrópoles acostumados às práticas clientelistas. ''Quem tem padrinho, não morre pagão'', é a voz corrente nos currais eleitorais. ''Para os amigos, pão, para os inimigos, pau'', tende a pensar certa linhagem de caciques regionais.

Os partidos brasileiros têm menos importância que seus líderes. Tornaram-se emasculados, fundiram suas identidades, com a perda de substância doutrinária, imbricando-se a ponto de se ver, neste momento, um conluio esquisito entre PT e PL, como se fossem água do mesmo poço. A socialdemocracia passou a ser um espaçoso buraco no centro da galáxia política para abrigar não apenas tradicionais participantes, mas liberais de designações e conotações variadas, ex-socialistas revolucionários e comunistas históricos, que, ante a derrocada da utopia marxista, tiveram de se recolher em espaços mais aceitáveis pela sociedade.

A clonagem na cultura política chega ao seu mais adiantado grau de sofisticação. Agora, é o PT que desce da cavalgadura ética em que esteve montado, nas últimas campanhas, para assumir a condição de partido assemelhado a outras entidades partidárias, acuado que está ante as denúncias de corrupção e esquema de caixa dois em Santo André, São Paulo. Diante da grave acusação, nenhum partido pode assumir perfil de vestal. A limpeza ética que tanto se cobra na política deixa de ser discurso exclusivo do PT.

Qual a postura do eleitor ante esse quadro? É a de distanciamento e observação. Ele não tem motivos para querer melhorar. Diariamente, a mídia coloca para sua análise o cardápio com os pratos repetidos da violência indiscriminada e o poder paralelo dos grupos organizados e armados; as negociações políticas envolvendo as alianças inter-partidárias, temperadas com os caldos fisiológicos regionais; a corrupção em todas as esferas públicas; a inação do Poder Judiciário, ante o clamor da população por uma justiça cada vez mais lenta; a fulanização política ocupando espaços partidários, em frontal infração à legislação, aumentando a sensação de anomia.

Uma imensa confusão mental toma conta do eleitor. Que, desencantado, vai corroborando o pensamento de que somos a mais destacada sociedade entre, pelo menos quatro tipos conhecidos: a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo aquilo que é proibido; a alemã, onde tudo é proibido, exceto aquilo que é permitido; a totalitária, onde tudo é proibido, mesmo aquilo que é permitido e, claro, a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo aquilo que é proibido.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

Com fome e sem coragem de comer
Dilema de difícil solução o que no momento enfrenta a campanha do PSDB: manter a expectativa de polarização com o PT sem deixar de dar combate a Ciro Gomes e, ao mesmo tempo, não transparecer que seja o candidato da Frente Trabalhista o alvo da hora.

Elaborados por natureza, os tucanos andam agora enrolados nessa questão. Para complicar um pouco mais ainda a situação, ela divide posições na assessoria política, e mesmo entre os aliados partidários, de José Serra.

Há os que defendem a postura altiva, que pressupõe indiferença a Ciro, e há o grupo dos partidários do enfrentamento direto, a golpes de pescoções, se necessário for. Como um lado não quer se confrontar com outro, ficam ambos concordando em público e discordando no particular.

A concordância oficial reza que ''nosso adversário é o Lula''. Os mais convictos empacam por aí e insistem na tese de que Ciro Gomes não se sustenta, inexistindo, pois, razões para não acreditar na idealizada polarização governo/oposição protagonizada pelo PT e PSDB.

Os mais céticos também ocupam os ouvidos alheios com a cantilena antipetista. A diferença é que, em seguida, passam a listar todos os defeitos de Ciro Gomes e os malefícios que, postos em prática no poder, trariam à nação. Esta atitude nos deixa vislumbrar o tamanho da preocupação tucana com Ciro Gomes.
É grande, mas não é maior que o receio de abrir guerra direta e terminar dando ao inimigo exatamente o que ele deseja: um cenário de briga pelo segundo lugar com o PSDB e, conseqüentemente, a condição de alternativa viável aos que não querem votar no governo nem estão dispostos a fazer a travessia até o PT.

A indecisão paralisa e, de certa forma, despolitiza o processo, na medida em que o roteiro original da polarização precisa ser seguido à risca, sem adaptações às circunstâncias que se apresentam.

Então, ficam os tucanos a chamar Ciro Gomes de ''enganador'' pelos cantos, sem, no entanto, partirem para a explicitação desse embate. Se a função é a de alertar o eleitor para as posturas que consideram inadequadas no candidato, que o façam de peito aberto, frente a frente, sem esperar que municiando jornalistas, a imprensa execute o serviço por eles.

Evidente que jornais e revistas, por não estarem submetidos aos rigores da legislação que regula o noticiário eleitoral no rádio e na televisão, não só podem como devem emitir opiniões, relatar fatos, fazer interpretações, comparações e o que bem quiserem em nome da exposição detalhada de biografias e personalidades.

O que o PSDB nem partido algum deve esperar é que jornalistas prestem-se ao papel de testas-de-ferro. Se estão com vontade de comer o fígado de Ciro Gomes, mas não o fazem por falta de coragem ou excesso de cautela, recomenda-se que resolvam eles próprios esse dilema.

Risca de giz
De Ciro, de Lula, de Garotinho ou de Serra, falaremos nos próximos três meses, bem e mal, com toda certeza. Mas a tempo e a hora que o discernimento nos apontar a necessidade e os fatos justificarem a oportunidade.
Fora isso, fica combinado que cada um faz seu trabalho, observados os limites das leis - especificamente a que garante a liberdade de expressão e a que assegura o respeito aos direitos individuais - , da compostura e da boa educação.

Dada a afoiteza, ousadia e intolerância de alguns, talvez seja necessário afrouxar um pouco os critérios, mas sem admitir jamais a ultrapassagem da fronteira do razoável. De parte a parte, a fim de que a relação entre imprensa e candidatos não se estabeleça em regime de compadrio nem resvale para um ambiente da casa de cômodos.

Risco que passará ao largo dessa campanha, se ninguém perder a noção de que o exercício da política é tarefa dos políticos e o trato da informação - seja ela na forma de notícia, análise, interpretação ou opinião - fica a cargo dos profissionais de comunicação.

Ambos submetidos permanentemente ao crivo da sociedade cujo nível de satisfação mede-se, num caso pela quantidade de votos e, no outro, pelos índices de leitura, audiência e credibilidade.

Sem intimidade
Depois da festa de comemoração dos oito anos do Plano Real, onde Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco protagonizaram um factóide de resultados (no caso, eleitorais), estava prevista uma conversa reservada entre os dois.

Seria na própria sede no BNDES. O encontro, porém, foi cancelado sem maiores explicações. Terminada a cerimônia, FH foi logo anunciando que tomaria um café e iria embora. Num clima bem menos ameno que o utilizado durante a manifestação pública de afeto intenso.


Editorial

TEMPO DA PAZ

A comemoração oficial dos oito anos do Plano Real marcou o reencontro, acima das divergências políticas, entre o presidente Fernando Henrique e o ex-presidente Itamar Franco, os dois principais atores da batalha final contra a inflação.

Mais do que uma formalidade, o ex-ministro da Fazenda e o ex-presidente, separados no desdobramento político, criaram um patamar de relacionamento que faltava à vida brasileira. Por exemplo, nos EUA, cuja Constituição atravessou incólume dois séculos, ex-presidentes desfrutam de respeito público e são convocados a dar opinião em momentos graves da vida americana.

A presença do governador de Minas na comemoração da sua mais importante iniciativa no governo da República foi retribuída com a referência de Fernando Henrique ao assinalar que nunca lhe faltou ''apoio político do presidente Itamar''.

A fotografia do ex-presidente e do presidente abraçados expressa um nível mais alto de relacionamento entre homens públicos e marca o início de uma fase superior da democracia como responsabilidade de todas as tendências. Assim como a divergência é circunstancial, a recomposição política é forma adulta de valorizar a negociação entre contrários. O interesse público reúne o que a luta política separa.

O Brasil já está maduro para recorrer à experiência dos ex-presidentes vivos - José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e, em breve, Fernando Henrique.


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07/11/2002


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