CPI desvendou irregularidades em clubes e federações de futebol



Nove meses de trabalho foram suficientes para que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Futebol jogasse luzes sobre o esporte mais popular do país. Remessa ilegal de recursos para o exterior, transferências de atletas servindo para a lavagem de dinheiro e desvio de recursos de clubes e federações foram algumas das suspeitas levantadas pelos senadores, a partir da análise de dados de sigilos bancários e do depoimento de 66 pessoas, entre empresários, dirigentes esportivos, ex-atletas e jornalistas.

A negociação de atletas para o exterior foi um dos pontos centrais das investigações. O jornalista Paulo César Ferreira, membro do conselho deliberativo do Flamengo, acusou o atual presidente do clube, Edmundo Santos Silva, de cometer irregularidades na compra e venda de jogadores e de deixar de pagar os impostos referentes a essas transações. O principal caso mencionado por Ferreira é o de Petkovic, que teria sido comprado por U$ 6,5 milhões ao clube italiano Venezia, através de depósitos em contas sediadas em paraísos fiscais.

CAIXA DOIS

O ex-vice-presidente de finanças do Clube de Regatas Flamengo Bruno Caravello informou que os recursos previstos no contrato firmado com a empresa suíça ISL, no total de US$ 80 milhões, não passavam pelo caixa do clube. Segundo Caravello, a decisão partiu do conselho deliberativo, que privou a direção do Flamengo de qualquer controle sobre a aplicação desse dinheiro, destinado a custear a compra de jogadores, despesas de instalações e outras dívidas do Flamengo.

Rivais no campo esportivo, Flamengo e Vasco empatam quando se trata de problemas contábeis. O ex-presidente do Vasco Agathyrno da Silva Gomes disse que metade da verba destinada ao Vasco pelo Bank of America foi depositada na conta de terceiros por ordem do atual presidente do clube, o deputado federal Eurico Miranda (PPB-RJ). Segundo Agathyrno, o banco investiu R$ 34 milhões pelo direito de explorar a marca e os direitos comerciais e de arena do clube, mas apenas R$ 17 milhões foram contabilizados pela Tesouraria do Vasco.

Além disso, o Conselho Fiscal do clube não teve acesso a qualquer documento importante sobre as finanças, incluindo renda de jogos e da venda de jogadores, conforme afirmou o ex-conselheiro Hércules Figueiredo. Ele afirmou também que o órgão, que integrou entre 1998 e 2000, jamais examinou o contrato de parceria entre o clube e a empresa Vasco da Gama Licenciamentos S.A., que tinha como interveniente o Banco Liberal.

Hércules disse que não conseguiu identificar, no balanço fiscal do clube, o ingresso dos US$ 8 milhões auferidos com a venda do jogador Edmundo ao clube italiano Fiorentina. O jogador teria sido vendido por US$ 8 milhões - quando a cotação do dólar era de R$ 1,15 - e recomprado do mesmo clube por US$ 15 milhões, com a cotação da moeda norte-americana já em R$1,70.

Os senadores também encontraram indícios de irregularidades em negociações efetuadas pelo Santos, Grêmio e Internacional de Porto Alegre.

CBF E FEDERAÇÕES

Mas o descalabro administrativo não ficou restrito aos clubes. Contabilidade precária, clientelismo e nepotismo são práticas comuns nas federações estaduais de futebol, conforme foi apurado pela CPI. Na Mineira, cujo poder concentra-se desde 1966 nas mãos da família Guilherme, há suspeitas graves de uso de contas bancárias laranjas para desviar a renda de jogos. No entanto, o nepotismo foi o que chamou mais a atenção dos senadores.

O coronel PM José Guilherme, eleito presidente da entidade pela primeira vez em 1966, montou um esquema para manter-se no poder até hoje, por intermédio de seu filho, Elmer Guilherme Ferreira, atual presidente da Federação Mineira. Depois de permanecer 17 anos à frente da entidade por meio de alterações estatutárias irregulares, José Guilherme elegeu Alcir Nogueira para sucedê-lo, em uma chapa na qual Elmer Guilherme já aparecia como vice-presidente. Além do filho, o coronel empregou diversos outros parentes. O coronel José Guilherme foi condenado em 1986 por malversação de recursos da FMF, mas não cumpriu a pena por ser réu primário e, assim, não deixou a direção da entidade.

Uma das práticas suspeitas na Federação do Rio de Janeiro é o repasse de dinheiro para contas de pessoas físicas e não apenas para clubes. O relator da CPI do Futebol, senador Geraldo Althoff (PFL-SC), revelou que a federação fez um depósito para José Aremita de Lima, que seria "laranja" do presidente do Vasco da Gama, Eurico Miranda.

Em depoimento à comissão, o presidente da federação, Eduardo Viana, disse desconhecer gastos de R$ 1,9 milhão, feitos em 2000, classificados como "diversos" nos registros contábeis, apesar de se tratarem da maior despesa da entidade no ano passado. O dirigente, conhecido no meio esportivo como Caixa d´Água, procurou dificultar o trabalho dos senadores, não enviando os registros contábeis da federação. Althoff solicitou à Polícia Federal do Rio de Janeiro que tome o depoimento do contador da FCF, José Ângelo dos Santos.

A própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que administra o esporte em todo o país, incluindo a imagem da Seleção Brasileira, também realizou operações contábeis pouco usuais. O tesoureiro da entidade, Ariberto Pereira dos Santos Filho, confirmou perante a CPI que a CBF emitia cheques nominais à sua conta destinados a pagamentos de despesas correntes da confederação.

Althoff estranhou que a CBF use esse tipo de operação triangular para efetuar pagamentos corriqueiros, fazendo com que, antes de chegar ao destinatário final, cada cheque passe obrigatoriamente pela conta do tesoureiro da confederação. O relator informou, com base em documentos, que no ano de 1995 foram depositados na conta do tesoureiro da CBF cerca de R$ 80 mil.

Esses pontos poderão ser esclarecidos logo após o recesso, quando serão ouvidos o deputado Eurico Miranda e o presidente do Flamengo. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que já esteve na CPI, deverá prestar um novo depoimento também em agosto.

Muitas dessas denúncias estão sendo aprofundadas, porque os senadores decidiram antecipar o envio dos indícios de irregularidades ao Ministério Público, o que normalmente só é feito, no final dos trabalhos. "Essa é uma forma de acelerar os procedimentos de investigação, inclusive no exterior, quando for o caso", explicou o presidente da CPI, senador Álvaro Dias (sem partido - PR).

23/07/2001

Agência Senado


Artigos Relacionados


CPI QUEBRA SIGILO DE RICARDO TEIXEIRA FEDERAÇÕES, CLUBES E DIRIGENTES

Álvaro Dias propõe mudanças urgentes na estrutura da CBF, das federações e dos clubes

CPI quer movimentação financeira da CBF e federações de futebol

Senadores discutem no Plenário por causa da CPI das federações de futebol

Mário Couto vai pedir ao Ministério Público que investigue a CBF e as federações de futebol

Mário Couto pede criação de CPI para investigar federações de futebol