CPI empurra PT para uma encruzilhada







CPI empurra PT para uma encruzilhada
Atitude a ser tomada em relação a Diógenes de Oliveira se transformou no mais difícil dilema já enfrentado pelo partido

Favorito em todas as pesquisas de opinião para a sucessão presidencial, com assento praticamente garantido no segundo turno da eleição, o PT enfrenta o mais difícil dilema ético de sua história: como tratar o caso de Diógenes de Oliveira?
A questão é escolher entre ficar ao lado de um sujeito que confessa ter usado indevidamente o nome do governador Olívio Dutra quando pediu ao então chefe de Polícia, Luiz Fernando Tubino, para aliviar a repressão ao jogo do bicho, ou sacrificar um militante com larga folha de serviços prestados ao partido.

A investigação sobre Diógenes ficou congelada até agora com a alegação de que era preciso esperar a instalação da Comissão de Ética que toma posse junto com a nova diretoria do partido para começar a decidir o futuro de Diógenes. A decisão de submeter Diógenes à comissão, tomada em longa reunião no dia 30 de outubro, ocorreu em clima de guerra interna. Líderes da corrente Articulação de Esquerda, à qual pertencem Diógenes, o novo presidente do PT, David Stival, e seu antecessor, Júlio Quadros, cerraram fileiras em torno do presidente do Clube de Seguros da Cidadania. Quadros chegou a visitá-lo no Instituto de Cardiologia, na terça-feira, ato que definiu como um gesto de solidariedade humana.

O dilema do PT não se restringe às fronteiras do Rio Grande do Sul. O caso ganhou dimensão nacional, não pelos valores envolvidos nas transações do Clube de Seguros da Cidadania, mas porque o PT não costuma freqüentar o noticiário sobre deslizes éticos. O Rio Grande do Sul é o show-room do PT. O cientista político Flávio Silveira adverte:
– Esse tipo de denúncia, numa situação que ainda não está bem explicada, terá efeitos nacionais, porque o governo do Estado e a prefeitura de Porto Alegre funcionam como vitrinas do PT.
– O que acontece no território gaúcho tem maior repercussão do que episódios envolvendo os governos do Acre e de Mato Grosso do Sul. Não foi por outra razão que o comando nacional do PT veio a Porto Alegre participar da manifestação em defesa do governador Olívio Dutra. O candidato do partido à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido um dos mais ardorosos defensores de Olívio.

O filósofo Denis Rosenfield, que tem sido um dos maiores críticos do PT, considera perigosa para o futuro de Lula a participação no ato de desagravo de sexta-feira.
– Como presidente de honra, Lula arrisca a sua honra, vindo participar do ato. O PT deveria, primeiro, preservar o seu capital ético, que é uma conquista do partido, e não fugir da investigação. Com essas atitudes corporativas o PT está reproduzindo uma lógica partidária que ele condena.
No ato de sexta-feira à noite, ficaram evidentes dois matizes. De um lado, os que tentam simplesmente desqualificar as acusações, tratando a CPI da Segurança como palanque eleitoral, como Júlio Quadros e o presidente nacional do PT, José Dirceu. De outro, os que consideram importante fazer uma depuração imediata, reconhecer os erros e tocar para a frente, cientes do perigo de chegar à campanha eleitoral com um esqueleto no armário. Nessa ala estão Lula, o prefeito Tarso Genro e o próprio Olívio, que defende o aumento dos controles internos para prevenir deslizes no futuro.

A provável expulsão de Diógenes, mesmo contra a vontade do grupo que prefere reduzir o episódio a uma “conspiração da direita”, enseja uma pergunta: é possível isolar Diógenes do PT?
Diferentemente de Jairo Carneiro, o tesoureiro expulso sob acusação de desviar dinheiro do PT, Diógenes tem uma história de militância na esquerda e contra ele não pesa qualquer acusação de uso do partido em proveito próprio. Foi guerrilheiro, sofreu torturas, viveu no exílio. Na volta, continuou “revolucionário e socialista”, como se definiu ao iniciar seu depoimento na CPI. Jairo Carneiro era descartável – e acabou se transformando no algoz do PT na CPI, mesmo recuando nas denúncias feitas numa conversa com os repórteres do Diário Gaúcho. Diógenes não é descartável. Suas ligações são mais sólidas e mais antigas.

– Não há dúvida de que há um abalo no patrimônio ético do partido, independentemente de se comprovar ou não qualquer coisa, porque o PT sempre se colocou como um grande defensor da moralidade pública – avalia o professor Benedito Tadeu César, coordenador do Laboratório de Observação Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS.
Na eleição de 2000, o PT se apresentou aos eleitores com três grandes bandeiras: a da ética, a da participação popular e a do combate à exclusão social. Preservar a bandeira da ética é a preocupação número 1 da direção nacional e dos candidatos. O compromisso com a inclusão será confrontado com os resultados das administrações petistas. A bandeira da participação popular acaba de sofrer um revés, com a desistência do governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, de implantar o Orçamento Participativo.

OS EFEITOS DA CRISE

Confira a opinião de especialistas sobre os efeitos das denúncias contra o PT:
“O patrimônio ético é um acervo muito maior do que o evento. Na verdade, essas situações são tópicas e afetam a maioria dos partidos. O PT está pagando o ônus de sua expansão enquanto partido e da ocupação de um espaço no âmbito do governo. Acho que o efeito não será muito grande na próxima eleição, até porque a campanha, período de informação do eleitor, será no ano que vem. Até lá, outros eventos vão acontecer e os efeitos não serão maiores. A pergunta básica seria: o Olívio perderia a eleição por esse fato? Acho difícil. Talvez ele possa perder por outros fatores mais amplos."
Eduardo Corsetti, cientista político e professor da UFRGS

“Quando começaram as investigações sobre as ligações da campanha de Olívio Dutra com o jogo do bicho, o PT teve a atitude, desde o início, de não-investigação. Eu acho também, que a atitude do PT está sendo completamente equivocada e contraditória. De um lado diz que vai investigar tudo, de outro diz que dará apoio incondicional ao governador. Se as investigações demonstrarem ainda mais a vinculação de Diógenes com o governador, é o PT nacional que estará comprometido, porque Lula e todos líderes do partido, têm feito uma defesa intransigente do governador. O PT no Rio Grande do Sul se elegeu com os votos de um eleitorado médio, que acreditava na proposta ética do PT e apostava na proposta social. Esse eleitorado tende a se afastar do PT porque a proposta ética está sendo desmentida pelos fatos."
Denis Rosenfield, filósofo, professor da UFRGS

“Nós estamos diante de um embate que é muito mais sério do que as questões que estão sendo investigadas. A situação que estamos vivendo no Rio Grande do Sul é prova da imaturidade político-democrática de ambos os lados, a expressão do sectarismo da oposição e da situação. A oposição abandonou a questão original da segurança pública porque desde o início essa CPI era pretexto. Num primeiro momento tem o impacto negativo na imagem do PT. A gente não pode se apressar. Eu não sei daqui a um mês, dois, quais vão ser as conseqüências disso. Eu acho que o feitiço pode virar contra o feiticeiro. Quem pode sair extremamente desgastado disso são os que estão acusando hoje porque todos têm suas mazelas.”
Benedito Tadeu César, cientista político, professor da UFRGS

“O patrimônio ético do PT está afetado de uma maneira decisiva. O PT não é um partido constitucional, é um partido revolucionário, que realmente aposta na luta armada e não aposta em governar. O governo, para eles, é apenas uma forma de revolução por cima. Se o PT nacional não tomar uma posição independente e crítica em relação à delinqüência que ocupou o governo do Rio Grande do Sul, está liquidado.”
José Antônio Giusti Tavares, cientista político, professor da UFRGS e da Ulbra


Homem para qualquer missão
Um guerreiro, homem para qualquer missão. Este era o status de Diógenes de Oliveira no PT, partido no qual ingressou em 1988, depois de deixar o PSB. Considerado por companheiros como uma pessoa de bom trato e conversador, Diógenes tem sua figura associada ao poder, a líderes do partido, quase sem contato com a militância. Atuante na luta armada, contra a ditadura militar, sua figura de herói se firmou na esquerda.
Com poder, se transformou no que muitos definem “o homem para os trabalhos difíceis”. Um antigo e prestigiado militante petista define Diógenes como a pessoa disposta a passar por cima de convicções ideológicas para buscar recursos junto ao empresariado:

– A prevenção de setores do PT a estreitar relações com empresários era grande. Mas com o Diógenes não havia esse preconceito.
Sua oratória e persuasão se consagraram na intervenção às empresas de ônibus da Capital, em 1989, feita para coletar informações sobre custo e faturamento das empresas. De obscuro integrante do gabinete do então prefeito Olívio Dutra, foi promovido a interventor de uma das empresas, a Trevo.

Com seu trabalho, galgou outro degrau: assumiu a Secretaria Municipal de Transportes (SMT), substituindo Antônio Hohlfeldt, hoje vereador pelo PSDB, que saiu do cargo por divergir da política adotada pelo PT. Os interventores, conforme o vereador, eram escolhidos por critérios técnicos. Não foi o caso de Diógenes, que assumiu por indicação do gabinete de Olívio.
– O que achei curioso foi ele sair da SMT e trabalhar vinculado à Marcopolo, fabricante de ônibus. É uma contradição para um partido que diz que ministro quando deixa o cargo não pode voltar para o sistema – diz Hohlfeldt.

Na campanha de 1998, mesmo sem ser tesoureiro oficial do PT, Diógenes voltou a interceder junto ao empresariado. À porta de alguns, bateu lado a lado com o então candidato Olívio Dutra. Sob esse manto de confiança, alimentou o sonho de comandar a Secretaria Estadual de Transportes no governo Olívio. Ao ser preterido, teve a ligação com o governador estremecida, não o suficiente para extingui-la.
– Com o passar do tempo, o Diógenes se tornou um dos caras de maior confiança do Olívio, se equiparando ao que é o Meliga (Laerte Meliga, chefe de Gabinete do governador). Mais do que liberdade para freqüentar sua casa, era um dos eleitos para compartilhar as conversas de bar – conta um ex-integrante do PT.

Apesar da influência e do trânsito no governo, as últimas aparições e revelações sobre o passado de Diógenes surpreenderam alguns. Antigos companheiros dizem não reconhecer a arrogância e a soberba demonstradas por Diógenes no depoimento à CPI da Segurança Pública.
– Aquele não era o Diógenes que conheci – diz um ex-integrante do PT.
O coronel Roberto Ludwig, ex-comandante da Brigada Militar que, até então, se considerava “muito amigo” de Diógenes, passou a rever sua posição.
– Estou chocado. Não posso me relacionar com uma pessoa que tenha um passado desses – admitiu o ex-comandante quando soube, pela imprensa, do envolvimento de Diógenes com a morte do capitão americano Charles Chandler. Há duas semanas, em entrevista a ZH, o coronel se referia a Diógenes como uma “pessoa maravilhosa de se conviver e um grande profissional”.

Ludwig e Diógenes se conheceram em 1994, durante a Caravana da Cidadania. Em 1995, os dois, acompanhados de Olívio Dutra e de outras 30 pessoas, viajaram a Cuba para observar o funcionamento do sistema policial daquele país. A viagem foi organizada por Diógenes, sócio da agência de turismo Pangea, especializada em turismo rural e organizadora de visitas a assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Dois anos depois, se uniriam para criar, com outros líderes do PT, o Clube da Cidadania, pivô da maior crise política da história do partido.


Passado de militante e fidelidade à ideologia
O perfil guerrilheiro de Diógenes de Oliveira forjou-se durante o regime militar (1964-1985), nos quadros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Como militante da VPR, participou dos atentados que vitimaram um soldado do Exército e um oficial americano.
Com ele militavam outros dois integrantes do primeiro escalão de Olívio Dutra: o secretário especial de Orçamento e Finanças, Ubiratan de Souza, e o chefe de Gabinete, Laerte Meliga. Do mesmo grupo faziam parte ainda nomes como o de João Carlos Bona Garcia, ex-subchefe da Casa Civil do governo de Pedro Simon (PMDB) e atualmente juiz da Justiça Militar do Estado, Bete Mendes, atriz e hoje presidente da Fundação de Artes do Rio de Janeiro, nomeada pelo governador Anthony Garotinho (PSB), e Henry Phillipe Reichstul, atual presidente da Petrobras.

Documentos dos órgãos de repressão da época e ex-companheiros indicam a participação de Diógenes em atentados patrocinados pela VPR. O mais famoso foi a execução do capitão do Exército dos Estados Unidos Charles Rodney Chandler, em 1968. Ele é que teria disparado os primeiros tiros, com um revólver Taurus, calibre 38.
– Ele ficou conhecido por causa do caso Chandler, mas ninguém sabe ao certo quem atirou – garante um companheiro de exílio.
Também teria sido Diógenes um dos 10 militantes da VPR no atentado ao QG do 2º Exército, em São Paulo, quando morreu o soldado Mário Kozel Filho. Um veículo carregado com 15 quilos de dinamite foi jogado contra o quartel.

– Foi um ato covarde. O 2º Exército não era uma unidade de combate e quem morreu foi um recruta – diz o deputado federal Jair Bolsonaro (PPB-RJ), que tem um projeto tramitando na Câmara para a indenização dos familiares de Kozel e de outras 50 vítimas da guerrilha.
Preso um ano após o atentado, torturado, acabou sendo trocado pelo cônsul do Japão em São Paulo, Nobuo Okuchi, seqüestrado em março de 1970.
– Ele era capaz de largar tudo por uma causa. Militante sem maior destaque na organização, era determinado e está provando agora, assumindo a culpa nesse episódio – diz outro antigo membro da VPR.
Em São Paulo, onde atuou, teria participado ainda de assaltos a banco, além de ser apontado como o responsável pela confecção de bombas usadas em atentados, um deles à sede do Consulado dos EUA.

– Há exageros dos órgãos de repressão, que atribuíram falsamente aos guerrilheiros várias ações – alerta o ex-integrante da VPR.
No exílio, passou por vários países, mas a maior parte do tempo, entre 1975 e 1982, viveu em Guiné-Bissau, onde chegou logo após a independência do país africano. Amigo do ministro da Economia e Planejamento do novo governo, acabou sendo contratado como técnico no ministério. Ocupou a direção do Projeto de Desenvolvimento Regional, até deixar o país, em 1982, à época governado pelo Partido para a Independência da Guiné Bissau e Cabo Verde, marxista, que manteve o poder em regime de partido único até 1990.

Diógenes é descrito por ex-colegas de Guiné-Bissau como trabalhador dinâmico, que pouco falava da vida pessoal. A exceção eram os problemas de saúde causados pela tortura sofrida na prisão. As principais seqüelas, segundo eles, eram psicológicas: ele teria tido acessos de fúria, além de paranóia e medo.

O GUERRILHEIRO
As ações armadas da VPR das quais Diógenes teria participado:
20 de março de 1968


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