Cristovam Buarque defende escola igual para ricos e pobres e diz que falta interesse à classe política para melhorar educação



Em entrevista à Agência Senado, o senador Cristovam Buarque fala sobre educação e detalha algumas de suas muitas propostas e idéias, expressas em seus discursos de Plenário, para a melhoria do sistema de ensino brasileiro. Na entrevista, o senador defendeu "escola igual" para todos, reclamou da falta de interesse da classe política para aprimorar a educação no país e lamentou a prioridade dada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao ensino superior - o que, na opinião do senador, rende mais votos - e não à educação básica, cujo desenvolvimento, em sua avaliação, tem pouco apelo popular.

Agência Senado - No final do mês passado o senhor se mostrou pessimista quanto aos resultados práticos de discursos sobre o tema educação. Por que, em sua opinião, "não resta nada" de útil após um pronunciamento em defesa da escola pública? Seria só pela ausência de debates em Plenário, como sugeriu?

Cristovam Buarque - Os discursos não têm conseqüência porque a educação não é uma prioridade na cabeça da população brasileira. Em primeiro lugar, porque a população é muito imediatista, tem problemas mais urgentes para resolver como a violência e o desemprego. Por isso, as pessoas não percebem que precisam estudar para conseguir emprego: querem emprego amanhã. Não percebem que para estancar a violência é preciso que todos tenham outras oportunidades na vida, o que exige educação. Querem resposta já e precisam, na verdade, ter. Não conseguem pensar que lá na frente a educação resolve. Segundo, porque de fato o Brasil é um país que nunca deu importância à educação. A educação no Brasil é uma coisa secundária. Os ricos não gastam dinheiro para que o filho seja educado, mas sim para que tenha um bom salário. Mas para ter um bom salário é preciso educação. Então junta-se o imediatismo de resolver os problemas de hoje com a falta de vocação brasileira para a importância da educação, e a gente fica só fazendo discursos. Vai demorar muito até que a educação vire prioridade nacional.

AS - Em outra oportunidade, o senhor disse aos eleitores que não esperassem qualquer reforma do ensino por iniciativa do presidente da República ou do próprio Congresso. Qual a razão dessa descrença?

CB - Os parlamentares refletem o que o eleitorado pensa, o que o eleitorado quer. A democracia é isso. E o eleitorado não está ligando para a educação. Eu não fui eleito para o Senado por causa da educação; fui eleito por ter sido governador. Na eleição para presidente, com meu discurso pela educação, ganhei 2% dos votos, o que achei até muito. Não esperava ter tantos votos. Então, o Senado reflete o que a opinião pública quer. Nos apartes os senadores podem até ser favoráveis, mas quando a gente for discutir de onde vai sair o dinheiro eles não ficam favoráveis, não. Estive na Irlanda uma vez e perguntei porque é que as estradas eram tão ruins. Disseram-me que era porque tinham colocado todo o dinheiro das estradas na educação. No Brasil isso não passaria. Duvido que no Brasil se aceite que, em vez de melhorar estradas, melhore-se as escolas. Não aconteceria no Brasil.

AS - O senhor sugeriu aos trabalhadores brasileiros fazerem greve pela melhoria do ensino. Acha que seria possível mobilizar pessoas que não compreendem as diferenças entre uma escola de qualidade e uma "normal? Ou seja, seria justo deixar a responsabilidade da mudança na educação com as classes pobres?

CB - Não é com as classes pobres, é com os eleitores, e a maioria dos eleitores é pobre. E é ele, o eleitor pobre, que precisa de escola. Os ricos estão tendo. Tem gente que começa a estudar aos seis meses de idade. Aqui em Brasília tem curso de música para crianças com seis meses. Aprendem a nadar com quatro meses. Depois, aos dois anos, estão em uma escola já aprendendo Inglês. Então os ricos resolveram seu problema. Os pobres éque precisam despertar para esse assunto, e eles são a maioria da população. Os pobres têm que ouvir os discursos de um senador ou de um presidente que defenda esta causa. Na hora em que houver um presidente que vá para a televisão brigar pela educação, o povo vem. O presidente Hugo Chávez está conseguindo fazer com que o venezuelano leia muito. Ele fala o tempo todo em leitura. Ele lê livros na televisão. Hoje, no Brasil, o povo não vai eleger um político que diga que vai fazer isso; um candidato que diga que vai colocar biblioteca em todas as cidades não vai ter um voto. Agora, de tanto falar, o povo vai terminar percebendo que não há futuro se não houver escola igual para ricos e pobres. Mas vai demorar, porque o que vai na cabeça das pessoas é: "Quero ter a mesma renda dos ricos". Não é: "Quero ter a mesma escola dos ricos". Vai demorar muito essa sensibilização. Por isso estou nesta campanha da "Educação, Já".

AS - O senhor tem-se manifestado favorável à equiparação sem restrições de escolas destinadas a ricos e pobres. Não seria mais eficaz, do ponto de vista da produção de resultados, defender nos discursos a "cópia" imediata pelas escolas públicas dos métodos de ensino de algumas escolas privadas comprovadamente bem sucedidas?

CB - Não é uma questão de método de ensino. O ensino tem que ser livre. O que é preciso é que a contratação de professores seja feita através de um padrão federal. Há necessidade também de adoção do horário integral, a escola precisa ser boa. O método é o menos importante. Como é que se vai copiar se os professores não estão preparados, motivados, se não recebem salários? O material didático do governo é melhor do que o das particulares. Os livros são melhores.

AS - Não haveria um conflito entre a tolerância da existência de "uma certa desigualdade na sociedade" com sua reivindicação de educação igual para todos?

CB - É o contrário. Falar em igualdade na sociedade tendo desigualdade na educação é impossível. Porque o que fará a igualdade é a educação igual. Mesmo tendo educação igual no acesso, algumas pessoas têm mais talento que outras. É aceitável que alguns tenham roupa bonita e, outros, feia; que uns tenham carro grande e, outros, pequeno e que alguns até andem de ônibus. O que não é aceitável é alguns terem escola boa e, outros, ruim.

AS - Do ponto de vista da eficácia dos discursos não seria mais pedagógico e produtivo defender a adoção pelas escolas públicas do princípio da aprendizagem em sala e em casa do que aconselhar trabalhadores a fazer greve pela melhoria da escola pública?

CB - Mas como vamos ter as escolas públicas boas, iguais as particulares, enquanto o povo não eleger governantes que queiram isso? Não há como. Estamos numa democracia. Não queremos ditador que faça a escola ficar boa para todos. Quero a escola igual para todos na democracia. E na democracia a única maneira de a escola ficar boa para todos é elegermos pessoas que queiram fazer a escola ser boa igualmente para todos. E a única maneira de fazermos com que essas pessoas sejam eleitas é pela vontade do povo. Especialmente a parte pobre da população, que é a maioiria, deve dizer: "Eu não voto em bandido que rouba dinheiro que deveria ir para a escola. Não voto em candidato que não ponha a educação como o maior instrumento da minha libertação, da minha emancipação". Não adianta querer que o político faça, se for eleito para fazer outra coisa. Se o político é eleito porque dá uma camisa ao eleitor, ele não vai dar escola. Ele já deu a camisa. Se ele se compromete a dar, por exemplo, a Bolsa-Família, ele diz:"Eu quero continuar para dar Bolsa-Família a você". Então, por que vai dar escola? Está cumprindo o que prometeu, a Bolsa-Família. A mudança de mentalidade começa na população, não começa nos eleitos.

AS - Num artigo publicado na Internet, o senhor destaca a qualidade dos livros didáticos produzidos no Brasil. Tendo em vista os bons livros e as boas escolas já existentes, que poderiam ser tomadas como modelo, o senhor acha que caberia falar em "revolução" no sistema de educação pública no país?

CB - A revolução é que isso vá para todos. Já temos boas fazendas no Brasil, mas precisamos fazer uma revolução agrária. Já temos ótimos hospitais no Brasil, mas poucos vão lá. Precisamos fazer uma revolução para que todos tenham acesso. Então há boas escolas no país, mas para poucos. A revolução consiste em fazer com que todas sejam boas.

AS - Em vez de investir bilhões de reais em laptops para as escolas, não seria mais proveitoso e mais barato se o governo federal distribuísse, por exemplo, para o ensino fundamental, material didático de alto padrão? Os computadores, neste caso, não significariam "colocar a carroça na frente dos bois"?

CB - Mais um ano ou dois, o livro didático distribuído pelo governo vai chegar do fundamental ao médio. Tem que ter o livro e o computador. Qual é mais importante, o quadro-negro ou o livro? São os dois, o quadro-negro e o livro. Não tem como escolher um ou outro. Sou a favor da distribuição de computadores. Mas não adianta nada distribuir se não prepararmos os professores para usá-los. Há risco de se jogar recursos fora se não formarmos professores. Minha proposta não é parar de distribuir computadores, mas distribuir formando professores. Os filhos dos ricos estão com computadores e professores treinados para usá-los.

AS - O senhor recomendou por várias vezes a "federalização" da educação em todo o país. Por essa proposta o governo federal passaria a poder investir no ensino fundamental e médio? Não seria interessante abrir também a possibilidade de prefeitos investirem em escolas de ensino médio e governadores poderem subsidiar também o fundamental?

CB - Os prefeitos não têm dinheiro mais nem para o fundamental, na maioria das cidades brasileiras, que são muito pobres. Por isso o salário dos professores é tão baixo. E não há como aumentar o salário dos professores numa cidade sem dinheiro federal. As cidades são pobres no Brasil. Raras cidades são ricas, apenas as que têm royalties de petróleo, como Campos eMacaé, ou outra fonte excepcional de renda. Mas estas são muito poucas.

AS - O governo Lula anunciou a construção de várias universidades no país, quando se sabe que o problema maior está no ensino médio, que a grande maioria dos alunos não consegue concluir. Qual seria a razão de o governo federal não se interessar pela sua proposta da federalização?

CB - A educação de base não dá voto. O que dá voto é o ensino superior. Quando você diz que vai colocar uma faculdade numa cidade, a população fica eufórica. Se você diz que vai botar uma escola primária, a população acha que é uma obrigação. O Lula é um homem político, é um gênio da política. E ele percebeu que ganha muito voto com o ensino superior, por isso despreza o ensino médio e o ensino fundamental.



19/10/2007

Agência Senado


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