Democracia brasileira se defronta com dualidade entre governabilidade e representatividade, diz pesquisador



Para o professor e pesquisador Lúcio Rennó, da Universidade de Brasília (UnB), uma das questões recorrentes na literatura especializada sobre ciência política, quando se trata dos desenhos institucionais de regimes democráticos, é a dualidade entre governabilidade e representatividade. Rennó fez a afirmação nesta terça-feira (25), durante o ciclo de debates O Poder Legislativo no Mundo Contemporâneo, promovido pelo Senado.

Segundo o professor, há desenhos institucionais que privilegiam a governabilidade, "ou seja, a tomada de decisão", e há os que privilegiam a representatividade, "de forma a dar mais espaço à variedade de vozes que existe na sociedade". Ele assinalou ainda que essa discussão envolve, entre outros assuntos, a reforma política e os sistemas eleitoral e partidário.

Rennó explicou que o foco de alguns cientistas políticos na governabilidade teria origem no golpe militar de 1964. Para esses pesquisadores, ressaltou ele, a paralisia do sistema decisório - que inclui o Congresso Nacional - seria uma das causas do golpe. Por causa disso, o temor de que uma nova paralisia leve a uma nova ruptura institucional se tornou uma das preocupações fundamentais dos que privilegiam a governabilidade.

No entanto, o cientista político Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também participou do debate, contestou tal visão. Ele argumentou que o golpe teria ocorrido "mesmo que o Congresso, naquela ocasião, fosse janguista", referindo-se ao presidente da República deposto pelos militares, João Goulart. O professor da UFMG disse que o golpe "não aconteceu por ameaça de paralisia decisória e, sim, por ameaça de subversão".

O próprio Rennó alertou para o fato de que a governabilidade, por si só, não garante a "qualidade da democracia". Ele citou o caso dos Estados Unidos, "nos quais a dominância de um partido [no que se refere às indicações para o Judiciário daquele país] teve resultados muito negativos para a democracia norte-americana".

Presidencialismo de coalizão

Segundo o professor da UnB, é fundamental, nessas discussões, o conceito de "presidencialismo de coalizão", que associa, de um lado, o sistema presidencialista, e, de outro, o multipartidarismo - inclusive porque é em meio a essa variedade de partidos que o Executivo tenta consolidar sua base no Congresso Nacional.

Rennó ressaltou que há pesquisadores que defendem o presidencialismo de coalizão, pois esse sistema garantiria ao país governabilidade; outros que o criticam porque, com o multipartidarismo, haveria "altos custos" na formação e na manutenção da base governista, sob a forma, por exemplo, de liberação de emendas ao Orçamento (e essa visão, segundo Rennó, seria mais receptiva às propostas de reforma política).

O professor acrescentou que há ainda os que apresentam uma visão intermediária, reconhecendo os "ganhos de governabilidade, mas também apontando problemas"; e os que analisam o presidencialismo de coalizão "a partir do debate entre 'ação unilateral' versus 'delegação'". Nessa última abordagem, em alguns momentos o Executivo agiria de forma unilateral, arbitrária, à margem do Legislativo, ao utilizar, por exemplo, a edição de medidas provisórias, enquanto em outros momentos ocorreria uma "delegação" por parte do Congresso Nacional, pois o Executivo agiria de acordo com os interesses do Legislativo, inclusive quando edita medidas provisórias.

Para o professor da UnB, é necessário questionar o conceito de presidencialismo de coalizão, porque, entre outras razões, esse sistema não funciona da mesma forma em todos os momentos. Rennó também afirmou que esse sistema tem limites, "e o que garante o 'sucesso governativo' ou representativo são detalhes institucionais que não são pouco importantes". Ele defendeu ainda que o presidencialismo de coalizão seja "expandido" para a análise de outros países, como alguns da América do Sul, e não apenas para o momento atual no Brasil, estendendo-se para o período entre 1946 e 1964.



25/11/2008

Agência Senado


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