Deputado diz que Jango foi vítima de complô
Deputado diz que Jango foi vítima de complô
Relatório da comissão da Câmara que investigou a morte de João Goulart vai sugerir que ele foi assassinado
Depois de 18 meses de investigações, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), relator da comissão externa da Câmara dos Deputados que investigou a morte de João Goulart (1918-1976), não encontrou provas materiais de que o ex-presidente tenha sido assassinado.
Ainda assim, Miro incluirá no relatório, a ser divulgado nos próximos dias, a tese de que Jango estava numa lista de políticos latino-americanos marcados para morrer.
Jango morreu 25 anos atrás, na madrugada do dia 6 de dezembro de 1976, na estância La Villa, em Mercedes, província argentina de Corrientes. Miro anexará ao relatório documentos sobre a participação do Brasil na Operação Condor, acordo entre as ditaduras militares do Cone Sul para eliminar opositores. Investigar a operação era um dos objetivos da comissão.
– O parecer vai registrar para a História que Jango estava marcado para morrer e consolidar documentos da participação do Brasil na Operação Condor, algo jamais assumido oficialmente – afirmou o pedetista.
Miro admite que as evidências listadas pelo relatório são apenas testemunhais. Estão baseadas nos depoimentos do filho, João Vicente, e de políticos como os ex-governadores Miguel Arraes e Leonel Brizola. Exilado na Argélia na época, Arraes foi um dos que receberam a sinistra ameaça de morte e tratou de prevenir outros exilados, como Jango e Brizola.
Da relação da Operação Condor também faziam parte o ex-chanceler chileno Orlando Letelier, assassinado nos Estados Unidos, o ex-presidente da Bolívia, general Juan José Torres, o general chileno Carlos Pratts e o senador da Frente Ampla do Uruguai Zelmar Michellini. Todos foram mortos ou vítimas de atentados na Argentina entre 1974 e 1976.
Um relato de João Vicente revela que dois meses antes de Jango morrer, um comando supostamente ligado à Operação Condor tentou seqüestrá-lo no escritório que ocupava na Avenida Corrientes, no centro de Buenos Aires. O ex-presidente demonstrou apreensão com sua situação numa carta escrita para o filho, que estava na Inglaterra: “ (...) Em Buenos Aires, há um clima cada vez mais tenso. Há dois dias seqüestraram do hotel e de sua residência os nossos amigos senador Michellini e o deputado (Hector) Gutiérres (Ruiz). Uma monstruosidade que me leva a pensar no meu futuro na Argentina (...)”. Com base nesses relatos e documentos, Miro também vai sugerir no relatório que Jango possa ter sido assassinado.
Ao contrário do relatório da comissão que investigou a morte do também ex-presidente Juscelino Kubitschek – JK morreu num acidente de carro na Via Dutra, em 1976 – e concluiu que foi uma fatalidade, a intenção de Miro é deixar a dúvida como uma espécie de legado para a opinião pública.
– Num espaço curto de tempo, e numa mesma área, várias vítimas da Operação Condor morreram de forma misteriosa ou suspeita – justifica.
O relator começará seu texto com base num documento de quatro páginas da CIA (serviço secreto dos Estados Unidos) que contém detalhes da Operação Condor. O documento aponta que a operação começou no Chile e tinha como integrantes Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai. O Brasil também teria colaborado, fornecendo informações.
Miro vai anexar ao relatório documentos fornecidos pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Cardoso, como uma lista do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) contendo nomes dos presentes no enterro de João Goulart, realizado em São Borja, que estavam sendo monitorados.
A versão de que Jango morreu de enfarte também não é aceita pelo ex-governador Leonel Brizola (PDT). Cunhado de Jango, Brizola acredita que o ex-presidente foi provavelmente envenenado, vítima da Operação Condor. Num longo depoimento à comissão, o ex-governador lembrou que Jango havia almoçado fora na véspera da morte, quando poderia ter sido envenenado, e que a inexistência de uma autópsia do corpo seria um indicativo de um possível complô.
Comissão reconstituiu últimos passos de ex-presidente
A comissão externa da Câmara dos Deputados procurou reconstituir os passos de João Goulart desde a manhã do dia 5 de dezembro de 1976, na véspera da morte.
Jango foi de avião de Tacuarembó até Bella Unión, no Uruguai. Ali, atravessou de lancha o Rio Uruguai, até a cidade de Monte Caseros, na Argentina. Na companhia de Roberto Urich, o Peruano, colega de aula do filho, João Vicente Goulart, de Alfredo Perez (um mandalete do ex-presidente) e de sua mulher, Maria Thereza, Jango viajou até a estância La Villa, em Mercedes, chegando à tarde. Pouco antes de dormir, tomou um chá e foi para a cama. A reconstituição foi feita pelo deputado Luis Carlos Heinze (PPB-RS), integrante da comissão e amigo da família desde os anos 70, quando prestava consultoria agronômica em São Borja.
Heinze ouviu desde o capataz da estância La Villa, Júlio Vieira, até o médico Ricardo Ferrari, que examinou Jango em sua última madrugada. O parlamentar está convencido de que o ex-presidente morreu de enfarte e descarta a hipótese de complô:
– Por que mandariam matá-lo, se ele já estava negociando sua volta ao país?
Os planos que Jango tinha de retornar ao Brasil foram confirmados nos depoimentos de Júlio Vieira e de alguns amigos como Percy Penalvo, ex-administrador da estância El Rincón, no Uruguai. Jango havia pedido a Percy e a seu ex-ministro do Trabalho, Almino Affonso, que voltassem ao Brasil para ver como seriam tratados. Horas antes da morte, o ex-presidente teria confidenciado ao capataz:
– Vou para o Brasil nos próximos dias.
A morte interrompeu os planos do ex-presidente de retornar ao país, encerrando um longo exílio de 12 anos e oito meses.
“A tese do assassinato de Jango é uma farsa”
Entrevista: Maria Thereza Goulart, viúva do ex-presidente João Goulart
A mais deslumbrante e jovem de todas as primeiras-damas que o país já teve é hoje uma mulher “neurótica com a beleza”. Maria Thereza Fontella Goulart, viúva do ex-presidente João Goulart, foi colocada entre os anos 50 e 60 num pedestal. Chegou a ser comparada pela beleza e elegância a Jacqueline Kennedy, a primeira-dama norte-americana. Morena de olhos rasgados, foi apontada em 1962 como uma das 10 mulheres mais lindas do planeta. Aos 25 anos, quando o marido já havia se tornado chefe de Estado, em substituição a Jânio Quadros, recebeu de Frank Sinatra, seu cantor preferido, um disco com uma dedicatória elogiando a “beleza selvagem” da gaúcha nascida em São Borja.
Aos 62 anos, mãe de João Vicente e Denize, avó de oito netos, a viúva de Jango é obcecada por manter a forma física. Para sustentar os 46 quilos espalhados em 1m60cm de altura, consome basicamente frutas e verduras, caminha e faz ginástica. A cada ruga que surge, recorre ao médico.
– Esses dias fiquei três dias sem comer porque havia engordado um quilo – conta.
Hoje, a principal fonte de renda de Maria Thereza vem do arrendamento de terras e da pensão que recebe da União. Depois da morte de Jango, ela ganhou como herança metade do apartamento de Copacabana, onde mora até hoje. Sem atividade fixa, a ex-primeira-dama procura preencher o tempo com os filhos, os netos e a ginástica.
Na terça-feira, Maria Thereza conversou por telefone com Zero Hora. Relembrou os últimos momentos de vida do marido e demonstrou irritação com as versões que têm surgido nos últimos anos em relação à morte de Jango. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Zero Hora – A comissão da Câmara dos Deputados que apura as causas da morte de seu marido deixa em aberto a hipótese de ele ter sido assassinado pela Operação Condor. Por outro lado, a senhora sempre afirmou que era a única pessoa que estava ao lado de João Goulart no momento de sua morte.
Maria Thereza Goulart – Essa comissão não apurou nada. Entrevistou pessoas que na época nem tinham nascido ou que não compartilhavam a vida do meu marido. Fiquei muito desgostosa. Não entraram no verdadeiro sentido da investigação. Denegriram minha imagem, machucaram minha família. Ouviram pessoas desclassificadas que não tinham nada a ver com isso. Nunca me telefonaram para colher um depoimento. Conseguiram desviar o assunto Operação Condor para o lado pessoal.
ZH – Como assim?
Maria Thereza – Essa comissão levantou a hipótese, publicada em vários jornais, de que eu seria a assassina de meu marido, que seria um complô entre eu e o Cláudio Braga (secretário de Jango e responsável por seus negócios em Buenos Aires). Até hoje não consegui me recuperar. Fiquei estarrecida. Como deputados de gabarito são capazes de ouvir pessoas que nada têm a ver com a história? Esse deputado Miro Teixeira (relator da comissão) nunca me dirigiu a palavra. Quando surgiu esse comentário de que eu seria a provável assassina liguei para ele umas 20 mil vezes. Minha filha, minha neta de 12 anos ficaram me perguntando se era verdade. Não vou ficar sem me defender.
ZH – A senhora sempre foi adversária da tese do assassinato, já que era a única pessoa a estar com o presidente no momento de sua morte. A senhora continua com essa posição?
Maria Thereza – Quando me perguntaram um tempo atrás sobre a possibilidade de ele ter morrido vítima da Operação Condor, disse que desconhecia o fato, nunca tinha passado pelo meu caminho alguém que pudesse ter feito uma coisa dessas. O que eu achava realmente era que meu marido tinha sido traído por várias pessoas no exílio. Mas a tese de que ele foi assassinado é uma farsa.
ZH – Como estava a saúde de Jango?
Maria Thereza – Ele realmente estava doente, tinha feito um regime muito violento, baseado num livro que havia comprado na Europa de autoria de um famoso médico. A teoria era de que as gorduras não engordam. O Jango era uma pessoa que tinha colesterol alto. Emagreceu 14 quilos em dois meses, mas sem acompanhamento médico. Cansei de falar para ele não fazer aquele regime. Além disso, ele estava fumando muito, mais do que o normal. Na viagem eu vi que ele estava muito pálido, com olheiras. Perguntei se estava cansado e me ofereci para dirigir o carro. Ele não quis. Chegamos à noite na fazenda. Não comeu muito, porque não gostava. Chamou o capataz, conversou um pouco e fomos dormir.
Zero Hora – Como a senhora procedeu quando viu que Jango estava passando mal?
Maria Thereza – Senti que ele respirava mal. Eram quase 2h. Fiquei ao lado dele e senti que de repente respirou fundo e soltou o corpo. Comecei a sacudi-lo e a gritar. Saí correndo para chamar o capataz (Júlio Vieira, que trabalhava na fazenda La Villa, em Mercedes, na Argentina) e pedir que ele buscasse um médico. O primeiro que encontraram, trouxeram. O médico (Ricardo Rafael Ferrari) disse que foi enfarte total. Eu estava numa fazenda que era um buraco, longe de tudo, sem recurso. Não tinha amigos nem meus filhos por perto. Me cobram até hoje que ele foi enterrado assim, assado, mas não eram essas pessoas que estavam lá. Coloquei a melhor roupa que ele tinha na fazenda. É claro que não tínhamos terno e gravata lá. Tínhamos ido para uma fazenda para pescar e para caçar. As pessoas distorcem os fatos e isso me irrita profundamente. Disseram até que ele foi enterrado de pijama. Queriam que eu enterrasse o meu marido com pompa de um presidente Kennedy? Depois foi uma guerra para levar o corpo ao Brasil. A pessoa que conseguiu tudo isso foi o Almino Affonso (ministro do Trabalho do governo João Goulart), que nos esperou na fronteira. Um calor horroroso. O corpo estava mal embalsamado. Quando os meninos chegaram de Londres já não puderam mais ver o pai.
ZH – Uma das principais dúvidas é por que não foi feita autópsia?
Maria Thereza – Nunca falei com esse médico que fez o atestado de óbito. Não sabia que precisava fazer autópsia, nunca me perguntaram. Acho que eram as autoridades argentinas e o médico que tinham obrigação de entender de autópsia, ainda mais em se tratando de um ex-presidente.
ZH – Jango contava com a possibilidade de retornar em breve ao Brasil, como revelam alguns depoimentos?
Maria Thereza – É claro que ele tinha vontade de voltar ao Brasil, mas não havia nada de concreto. O sonho dele naquele momento era passar o Natal com os meninos (os filhos João Vicente e Denize, que estudavam em Londres) e com o primeiro neto, Christopher. Ele estava louco por aquele neto, vivia exibindo a foto dele. Nós estávamos programados para morar em Paris. Eu já tinha escolhido até o apartamento. Esse era o nosso projeto.
ZH – Como a senhora trata esse passado de fama e poder?
Maria Thereza – Não gosto de falar do passado, só falo quando me perguntam. A era de poder foi bonita, mas passou. Sempre tive os pés muito no chão. Me fez muito bem enquanto convivi com o poder, mas quando fui para o exílio também me senti bem. Recebi muita cobrança na minha vida. Quando entrei nesse mundo político tinha apenas 18 anos, fiz o possível para ser uma boa companheira. Minha família para mim sempre foi primordial. Se eles estiverem bem eu também estarei bem.
ZH – A senhora nunca mais quis se casar?
Maria Thereza – Não casei porque os relacionamentos que tive não deram certo. Cheguei a ter um relacionamento intenso, demorado, mas senti que não era o caminho que eu queria seguir.
Médico que examinou corpo diagnosticou enfarte
O pediatra Ricardo Ferrari diz que viúva recusou um segundo exame e polícia ignorou pedido de autópsia
Por volta das 2h do dia 6 de dezembro de 1976, o pediatra Ricardo Rafael Ferrari despertou com o som da campainha de sua residência.
Ao abrir a porta, foi informado que o “doutor” estava morrendo. Ferrari sequer sabia que se tratava de João Goulart, ex-presidente do Brasil. Quando chegou na estância La Villa, a vários quilômetros de sua moradia, Jango já estava morto.
– Quando o toquei, ele ainda não estava frio, mas já estava morto – assegura Ferrari, primeiro médico a examinar o ex-presidente.
Hoje, 25 anos depois, detalhes daquela madrugada abafada ainda estão presentes na memória de Ferrari. Em março, o médico prestou um depoimento de 35 minutos à comissão da Câmara dos Deputados encarregada de apurar as circunstâncias da morte do ex-presidente no exílio. Depois de examinar o corpo e confirmar que não havia sinal de vida, dirigiu-se à mulher de Jango, Maria Thereza:
– Senhora, seu marido está morto.
Segundo Ferrari, Maria Thereza não chorava, mas estava triste:
– Não achei que estivesse desesperada, como às vezes acontece, mas estava preocupada e triste.
A ex-primeira-dama teria contado que Jango era cardíaco. O médico perguntou se o ex-presidente estava tomando remédios, e Maria Thereza mostrou um frasco com rótulo em inglês, cuja fórmula era semelhante à dos vasodilatadores usados por cardíacos. Ferrari teria perguntado à viúva se ela queria a presença de um cardiologista para um segundo exame, e ela teria respondido:
– Para que, se ele está morto?
Os dois conversaram. Pela versão do médico, Maria Thereza contou que Jango estava lendo com a luz acesa, enquanto ela dormia. Ela teria ouvido um ruído estranho na respiração do marido. Ao acordar tentou falar com ele, que não respondeu. Maria Thereza então gritou, pedindo ajuda.
Ferrari contou aos deputados que pediu ajuda para virar o corpo:
– Como era uma pessoa importante, queria ver se não havia sinais de violência. Não havia nenhum ferimento, absolutamente nada. A posição em que ele estava correspondia a uma morte tranqüila.
Ferrari disse que tinha consciência do momento político que vivia o Brasil e da possibilidade de um crime político:
– Sei que poderia ser um assassinato, mas não encontrei nada suspeito.
Ferrari revela que, depois de examinar Jango, foi até a polícia da província de Corrientes e informou ao plantonista que um homem importante, um ex-presidente do Brasil, havia morrido numa estância próxima. Ferrari teria pedido ainda que o plantonista avisasse as autoridades para providenciar a autópsia.
– Não queria ficar com a responsabilidade de ser o único a atestar essa morte – confessou.
A autópsia, porém, jamais foi feita. Mais tarde, Ferrari assinou o atestado de óbito, em que consta apenas que Jango morreu por causa de uma “enfermidade”. O documento – a cópia está em poder da comissão – serviu para que o corpo pudesse cruzar a fronteira até São Borja, onde Jango foi enterrado.
À comissão, o médico disse não acreditar num possível envenenamento de Jango. Segundo ele, um veneno geralmente afeta o cérebro, provocando convulsões, contraturas e secreções pela boca, e Jango não apresentava nenhuma dessas reações. Ferrari explicou que há outros venenos mais lentos, que poderiam ter sido ingeridos horas antes, mas haveria hemorragias.
No final do depoimento, garantiu:
– Creio e sustento que o coração falhou, pelas preocupações, pela tensão que João Goulart vivia.
Suspeitas se iniciaram antes do enterro
Os boatos sobre um suposto envenenamento de Jango corriam durante o velório na Igreja Matriz São Francisco de Borja, no dia 7 de dezembro.
O médico Odil Rubim Pereira, à época com 32 anos, foi chamado para conter secreções do nariz e da boca do corpo.
Pereira pediu que o caixão fosse conduzido para trás do altar. Não queria abrir o ataúde em meio à multidão para evitar expor o cadáver. O que deixou o médico triste foi o modo como encontrou o corpo – sem qualquer preparo, descalço, calças desabotoadas, uma situação que não considerava digna nem à altura da condição de figura pública que o líder trabalhista ostentava.
Para estancar as secreções, pediu que lhe trouxessem algodão e gaze do hospital. Nesse meio tempo, porém, transcorreu uma cena que continua gravada em sua memória.
– Uma irmã dele, não lembro qual, passou um lenço na boca de Jango e disse que iria mandar examinar a secreção. Se mandou, não sei. Ela guardou o lenço no bolso de fora do casaquinho que vestia. Havia alguns comentários de que ele poderia ter sido envenenado. O sentimento era de tristeza e revolta. Afinal, aqui em São Borja, ele era o Janguinho – rememora o médico, que entretanto diz não ter desconfiado de nada na análise rápida e superficial do corpo.
O médico também foi ouvido em São Borja pelos deputados federais Miro Teixeira (PDT-RJ), relator da comissão externa da Câmara que investiga a morte do ex-presidente, e Luis Carlos Heinze (PPB-RS).
Uma lei municipal prevê uma solenidade no aniversário da morte do ex-presidente. Este ano, não deve haver outras cerimônias no município além da promovida na Câmara. O presidente do PDT de São Borja, José Odom Marques, avisa que nada está sendo preparado, e até a presença de Brizola seria incerta. No município, Jango empresta hoje o nome a uma vila, uma avenida, uma escola e ao prédio da prefeitura.
O administrador dos negócios do ex-presidente na época de exílio, Deoclécio Barros Motta, 79 anos, conhecido como Bijuja e hoje aposentado, considera pouco preservada a memória do amigo de infância no município.
– O pessoal aqui parece que não é muito disso – entende Bijuja, que conserva em casa um número de telefone que, na lista, aparece em nome de João B. M. (Belchior Marques) Goulart.Q
Correligionário de Jango cumpre ritual há 25 anos
O aposentado Percy Penalvo, 73 anos, vai rezar e depositar flores no túmulo do ex-presidente João Goulart na quinta-feira, no cemitério Jardim da Paz, em São Borja.
Penalvo deixou de cumprir o ritual apenas no dia 6 de dezembro de 1977, data que marcou o primeiro ano da morte de Jango, por ainda estar gerenciando a fazenda El Rincón, em Tacuarembó, no norte do Uruguai. A propriedade pertencera ao amigo e correligionário.
À época exilado político como Goulart, Penalvo foi convidado em março de 1965 para administrar a fazenda de Tacuarembó. E foi na casa onde morava, entre 2h e 3h, que recebeu um telefonema com a notícia da morte de Jango na estância La Villa, em Mercedes, na província argentina de Corrientes.
– Falei com o capataz (Júlio Vieira) e o Peruano (Roberto Urich, colega do filho de Jango, João Vicente Goulart). Eles queriam saber o que fazer. Queriam até enterrar o corpo lá mesmo, mas eu disse para levar para São Borja. Falei com todo mundo. Com o Brizola, com o João Vicente, que estava em Londres, e com o pessoal de São Borja – relembra.
Na manhã daquela segunda-feira quente na Fronteira, Penalvo já estava em Paso de los Libres, na Argentina, para conduzir o corpo até Uruguaiana e levá-lo para o enterro em São Borja.
– Havia uma multidão esperando. Estava todo mundo entristecido, e o governo brasileiro não queria permitir que o corpo entrasse no país – lembra o aposentado, presidente do PDT no município natal de João Goulart por três mandatos nos últimos seis anos.
De Uruguaiana a São Borja, formou-se um comboio que foi arrebanhando gente no caminho. O velório, na Igreja Matriz São Francisco de Borja, que Jango ajudou a construir, foi acompanhado de perto pelos militares.
– Tinha um milico dentro da igreja com um equipamento de comunicações nas costas. Um fiasco – diz.
Penalvo esteve em Porto Alegre para prestar depoimento aos deputados da subcomissão da Assembléia Legislativa que investiga a possibilidade de o ex-presidente ter sido vítima de um complô para eliminá-lo. Hoje, porém, resiste em alimentar suspeitas ou opinar sobre a possibilidade de Jango ter sido vítima de uma conspiração de militares sul-americanos.
Artigos
Conferência da Amazônia
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
A situação da Amazônia Legal brasileira é uma prova viva do descaso do Brasil com suas próprias riquezas e potencialidades. Participei nesta semana da II Conferência da Amazônia, realizada no Amapá, voltada para debater alternativas de desenvolvimento sustentável. Enquanto o governo federal se omite e trata a região como um problema, considero-a parte das soluções para o Brasil.
A região Amazônica abrange uma área 7,5 milhões de quilômetros quadrados nos territórios de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela e Guianas. O Brasil é privilegiado e possui dois terços dessa área, na qual vivem mais de 18 milhões de brasileiros.
Dá para imaginar o significado dessas iniciativas na melhoria da
qualidade de vida dessas pessoas
De acordo com o Ipea (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), metade da biodiversidade mundial está nessa região do planeta. Ou seja, metade do conjunto de espécies de plantas, animais e insetos, de tudo que tem vida.
Além disso, as previsões internacionais de escassez de água no futuro próximo fazem do potencial hídrico amazônico um verdadeiro santuário.
De um modo geral, há muitos pro jetos isolados na região, mas falta um planejamento global, uma política para a Amazônia que coordene de forma racional atividades como manejo sustentável de madeira, sistemas agroflorestais e ecoturismo, por exemplo. É necessário também um projeto nacional que pense o desenvolvimento nas seguintes dimensões de sustentabilidade: econômica, social, ambiental, cultural e política.
Quanto maior a negligência do governo federal em relação à Amazônia, mais crescem os interesses de grupos nacionais e estrangeiros na região. A apropriação e a devastação de recursos naturais têm sido enormes: exploração de madeira, minérios e especialmente da biodiversidade por parte das indústrias farmacêuticas e de cosméticos. Somente esses negócios têm previsão de faturamento mundial de cerca de US$ 800 bilhões no próximo ano.
Essa exploração irracional e desenfreada não contribui para melhorar a qualidade de vida da grande maioria da população local e compromete de modo irreversível o futuro da região.
Nesse quadro, os governos do Acre e do Amapá e a prefeitura de Belém têm se destacado como pólos que levam a sério o desenvolvimento sustentável da região, com planejamento e projetos inovadores.
Vou dar exemplo com um dos projetos que visitamos e que me causou excelente impressão: Iratapuru, no município do Laranjal do Jari. Trata-se de uma reserva de desenvolvimento sustentável, que parte de um novo conceito de conservação, permitindo à população sobreviver por meio de uma atividade industrial extrativa, no caso a coleta de castanha-do-Pará ou castanha-da -Amazônia. Vivem nessa reserva dezenas de famílias, em uma área de 804 mil hectares, na qual há possibilidade de inclusão de mais projetos e de maior número de famílias.
Essas pessoas antes vendiam as castanhas para atravessadores, sem nenhum controle. Agora, já possuem até uma indústria que utiliza essa matéria-prima para fabricar biscoitos. Uma parte da produção é vendida inclusive para a merenda escolar no Amapá.
Há também projetos mais sofisticados, como o de produzir óleo de mesa de qualidade, já testado com sucesso no mercado europeu, mas faltam ainda pesquisas e financiamento para o desenvolvimento completo da cadeia produtiva. O objetivo é possibilitar às famílias o domínio de todo o processo, da coleta da castanha à colocação de produtos com valor agregado nas gôndolas dos supermercados. Isso sem falar de tantas outras atividades como o ecoturismo na região. Tudo rentável e sustentável.
Dá para imaginar o significado dessas iniciativas na melhoria da qualidade de vida e da auto-estima de todas essas pessoas. E dá para imaginar também o que significaria a multiplicação e integração de soluções como essas, a partir de um planejamento regional e nacional, para gerar desenvolvimento sustentável e benefícios para o nosso país e para toda a população brasileira.
A II Conferência da Amazônia deu contribuições efetivas para que o Brasil caminhe nesse novo rumo. Estão de parabéns governos, prefeituras, parlamentares, movimentos sociais, ONGs, representantes de comunidades indígenas, populações ribeirinhas e de tantos outros setores que ajudaram a realizar esse evento.
Colunistas
JOSÉ BARRIONUEVO – PÁGINA 10
Expectativa para 13 meses de mandato
O governo Olívio Dutra entra na reta final, período em que deixará a marca de sua administração, que até o momento se resume ao slogan “popular e democrático”. A primeira experiência de esquerda – no Rio Grande e no Brasil nesta dimensão – foi marcada por uma postura autoritária do governo, que não é reconhecido nem como popular (as pesquisas mostram grande rejeição a Olívio), nem como democrático (pela incapacidade de absorver as críticas internas e externas).
Este mês de dezembro, com o pacote de 15 projetos enviados à apreciação da Assembléia até o recesso, será decisivo para o último ano de governo.
Olívio vai colher o que semeou
Há muitas dúvidas sobre o ano de 2002, em que será colhido o que foi semeado nestes dois anos e 11 meses completados neste sábado. O governo mandou a Ford embora e no rastro desta perda deixou escapar um valor incomensurável de investimentos; não atacou questões graves como a segurança pública, provocando estragos com a constante quebra de hierarquia na Brigada Militar, uma instituição modelar; nas obras realizadas, se sustentou em empréstimos externos buscados por governos anteriores, pouco fazendo para ampliar a arrecadação e combater a sonegação; não cumpriu a maioria das promessas de campanha – que o digam os professores –, que asseguraram sua eleição; para piorar este quadro, foi atingido recentemente na questão ética, permitindo que fosse arranhado o principal patrimônio do partido que representa no Piratini.
Fórum Mundial – Resta o Fórum Social, o novo instrumento de marketing do governo, para tentar preservar a imagem, com a concentração da esquerda mundial em Porto Alegre. O investimento na área social ainda pode salvar Olívio, quando faltam 13 meses para o término do mandato.
A blasfêmia da fome
Na visita que fez ao presidente da Assembléia, dom Mauro Morelli ficou encantado ao receber o discurso de posse de Sérgio Zambiasi. Lá pelas tantas, o deputado cita uma declaração do bispo de Duque de Caxias (RJ): “A fome é a pior de todas as blasfêmias”. Dom Mauro integra o Comitê Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
Faniquito na gravação
O secretário Arno Augustin revelou estar estressado durante gravação do programa O Rio Grande e os Gaúchos, levado ao ar neste sábado às 9h30min pela Rádio Gaúcha. Cobrou do apresentador, Lasier Martins, regras mais claras para o debate, diante do melhor desempenho de seu antecessor na Fazenda, deputado Cézar Busatto, do PPS. Na discussão do projeto com a nova matriz tributária, Arno reclamou até do clique do fotógrafo. O secretário revela sintomas de estresse desde que o Sindicato dos Auditores Fiscais divulgou estudo sobre o caixa único.
Um petista de quatro costados
O deputado federal Clóvis Ilgenfritz da Silva batalha hoje pelo PT com o mesmo ardor dos tempos de sua fundação, há 21 anos. Faça chuva, faça sol, é presença constante em plenário, em Brasília, e pode ser visto nos fins de semana nas atividades do partido no Estado, carregando a bandeira do PT. Seu nome será aprovado na próxima semana para ser conselheiro da Agergs por unanimidade pela Assembléia. Não há nada em sua trajetória que arranhe a questão ética.
Único secretário afastado do governo, permitiu que o tempo fizesse justiça.
Vereador considera indecifrável o IPTU progressivo
Revelando-se como o mais aguerrido oposicionista no primeiro ano da atual legislatura na Câmara de Porto Alegre, o vereador Sebastião Melo (PMDB) aponta várias razões de ordem política e técnica para concluir que o projeto do IPTU progressivo será rejeitado a partir do dia 10. Além do prazo curto para o exame de um assunto extremamente complexo, Melo aponta outro aspecto: a proposta, na forma apresentada, além de inconstitucional, é indecifrável. Estranha que a prefeitura, mesmo tendo um mapa com simulações, evite revelar os reajustes que serão cobrados dentro de um mês. O mistério é motivo suficiente para o vereador desconfiar do projeto.
Justiça anula promoções na BM
Começa uma semana de grande turbulência na área da segurança, envolvendo a Brigada, com a anulação de promoções de dezenas de coronéis, tenentes-coronéis e majores pelo Judiciário por desrespeitar a lei. A sessão do pleno do TJE de segunda-feira será dedicada a este assunto.
Capitão aos 20 anos
O advogado Luis Carlos Ferreira prepara mais uma representação ao Ministério Público, guardião da lei, para que sejam cumpridas as normas estabelecidas pelo Estatuto da Brigada para promoções. O governo promoveu a capitão alguns tenentes que permaneceram 12 meses no posto, um deles com 22 anos de idade. O interstício entre tenente e capitão foi reduzido de três anos para um ano e seis meses, em decreto do atual governo, e nem esta norma está sendo cumprida.
O advogado aponta cinco capitães que não poderiam constar no quadro de acesso: Rodrigo Kunzler, Márcio Fernandes, Clóvis Ivan Alves, Pedro Beron da Cunha e Ricardo de Souza Rocha. Tenentes mais antigos foram preteridos.
Mirante
• Na convenção que realiza em Tramandaí, PTB reconduz Iradir Pietroski à presidência.
• Machado de Assis, citado por Leandro Konder em obra sobre Walter Benjamin: “Desconfiai de doutrinas que nascem à maneira de Minerva, completas e armadas. Confiai nas que crescem com o tempo”.
• Vereador Cassiá (PTB) conseguiu aprovar emenda ao Orçamento que destina verba para a instituição do Fórum Democrático em Porto Alegre.
• Atenção ARI. O projeto da nova corregedoria da segurança pública considera falta grave repassar informações à imprensa. No mesmo nível da corrupção.
• Líder do PT, Bohn Gass fala esta semana no Parlamento Europeu sobre transgênicos.
ROSANE DE OLIVEIRA
Sem provas
Terminam com um relatório pífio as investigações das suspeitas de que o ex-presidente João Goulart foi assassinado. Sem ter encontrado provas para confirmar as teorias conspiratórias que floresceram nos últimos 25 anos, a comissão resolveu eternizar a dúvida. Jango poderia sim estar na lista dos marcados para morrer na Operação Condor, mas não há elementos que sustentem a tese do assassinato.
Sobram indícios de que a morte foi natural. Jango era um homem de coração doente, que comia, bebia e fumava em excesso. Por recomendação médica tinha abandonado o uísque pouco antes de morrer, tomava remédios para o coração, mas seguia consumindo carne gorda, seguindo uma dieta maluca, que pode ter levado seu colesterol às alturas.
A tese de que Jango foi assassinado se baseia em muito na inexistência de autópsia. Cobra-se de Maria Thereza por não ter exigido a autópsia do corpo do marido. A viúva não pediu, mas também não impediu a autópsia. A Maria Thereza bastou a palavra do médico que atestou morte natural, por enfarte. Ela não tinha razões para suspeitar de crime, já que nenhum estranho estivera com o casal desde o início da tarde. O médico também não encontrou qualquer indício de crime.
Se os homens da Operação quisessem matar João Goulart no exílio não teriam dificuldade para montar uma emboscada. Jango viajava por estradas desertas, sem seguranças, muitas vezes sozinho. Como era um fazendeiro pacato, que não demonstrava intenção de tentar recuperar o poder, é possível que na lista de prioridades da Operação Condor estivesse bem atrás do cunhado Leonel Brizola. O ex-governador sim era considerado perigoso pelos militares.
Editorial
Nações em concordata
Após os erros calamitosos cometidos no gerenciamento das crises da Ásia e da Rússia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) começa a acenar com uma mudança de ingredientes em seu habitual e rígido receituário. A partir deste mês, toda uma nova estratégia de ajuda a países que se defrontam com conjunturas adversas passará a ser analisada por técnicos do organismo. A idéia central, lançada pela professora Anne Kruger, que recentemente substituiu Stanley Fischer como número dois na hierarquia da instituição, consiste em estabelecer uma espécie de concordata para as economias em processo acelerado de deterioração, fixando mecanismos de prevenção de uma eventual débâcle financeira.
Em suma, ao invés de agir como bombeiro muito depois de declarado o incêndio, o Fundo passaria a atuar como uma espécie de guardião da liquidez internacional, inclusive no que concerne ao controle dos fluxos de capitais especulativos predatórios. Trata-se de introduzir nas relações globais alguns conceitos profundamente transformadores. Assim, um país poderia tornar-se legalmente concordatário com fundamento em decisão proferida por uma autoridade reconhecida e os credores seriam compelidos a aceitar a nova situação. As crises mais graves deixariam, pois, de ser resolvidas pelos meios tradicionais, ou seja, mediante a intervenção de entidades multilaterais e de Tesouros nacionais, normalmente sob a liderança dos Estados Unidos.
Eis aí um tempo precioso para que se processe um grande
debate mundial sobre a nova fórmula
Nem tudo, no entanto, parece ser simples ou palatável por nações em dificuldades. Países soberanos teriam de aceder em transferir decisões legais a uma entidade externa, fosse ela uma corte supranacional ou o próprio FMI. Seria imprescindível ainda encontrar meios de persuadir os credores a continuar financiando a economia em perigo durante o período da concordata. Além disso, impende levar em conta a situação de Estados que dependem normalmente de financiamento externo para fechar seu balanço de pagamentos. O receio de uma concordata poderia levar a comunidade financeira a adotar políticas mais seletivas, tornando mais problemático, senão proibitivo, o acesso ao crédito.
A vantagem evidente é que nações como a Argentina poderiam lançar mão do novo instrumento consensual para regular grandes operações de troca da dívida, sem os traumas que enfrentam atualmente nossos vizinhos e parceiros no Mercosul. Nada indica contudo que Buenos Aires se irá beneficiar das idéias de Anne Kruger. Ela mesma reconhece que a questão deverá ser estudada no mínimo pelos próximos dois ou três anos. Eis aí um tempo precioso para que se processe um grande debate mundial em torno da real conveniência da adoção da fórmula, especialmente do ponto de vista das economias emergentes, as mais sacrificadas tanto pelo peso insuportável do financiamento da dívida externa quanto pelas crises cíclicas globais a que são submetidas.
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12/02/2001
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