Derrota na Justiça
Derrota na Justiça
O governo federal amargou mais uma derrota ontem na disputa judicial contra os professores universitários, em greve há quase cem dias. Por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) mantiveram a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ordenou o pagamento dos salários de outubro dos professores. O presidente Fernando Henrique Cardoso autorizou até agora apenas a liberação dos salários dos que já voltaram ao trabalho e se recusa a pagar aos grevistas.
Antes mesmo da decisão do plenário do Supremo, o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, pediu ao STF um habeas-corpus preventivo para evitar ser preso, caso haja pedido de prisão por descumprimento da ordem judicial. Ao ordenar o pagamento dos salários de outubro, o ministro Gilson Dipp, do STJ, deu prazo de 24 horas para que Paulo Renato cumprisse a decisão. Os salários ainda não foram liberados, mas ontem Gilson Dipp não se pronunciou. O presidente do STJ, Paulo Costa Leite, disse que cabe a Dipp decidir como fazer cumprir sua decisão.
O governo recorreu ao Supremo, em ação relatada pela ministra Ellen Gracie Northfleet, para tentar derrubar a liminar de Dipp. A Advocacia-Geral da União argumentava que, depois do pacote antigreve editado pelo Planalto no dia 13, a responsabilidade pelo repasse das verbas para pagamento de salários foi transferida para o presidente da República. Segundo Dipp, como sua liminar foi concedida antes do dia 13, o pagamento deve ser feito.
Os ministros do STF sequer examinaram o mérito da questão. Concluíram, motivados pela ministra Ellen, que o órgão competente para examinar a reclamação é o STJ, já que a decisão refere-se a um ministro de Estado. O Supremo trataria do caso se a liminar mencionasse responsabilidade também do presidente da República pela liberação dos recursos.
— O Supremo teria conhecido a reclamação se ela ordenasse ao presidente Fernando Henrique para repassar os salários — disse o presidente do STF, Marco Aurélio de Mello.
Para advogado da União, o governo saiu ganhando
O advogado-geral da União, Gilmar Mendes, disse, porém, que o governo não foi derrotado no STF. Para Gilmar, o Supremo reconheceu que o ministro Paulo Renato não tem mais poder para decidir sobre o pagamento de salários e que a responsabilidade é do presidente Fernando Henrique. Para isso, ele citou trechos do voto da ministra Ellen.
— É claro que saímos vitoriosos, e não derrotados. Conseguimos o que queríamos: que o STF reconhecesse que o poder de decisão é do presidente, e não do ministro. Tanto que já estamos desistindo do habeas-corpus preventivo pedido em favor do ministro — disse.
Na sexta-feira, o Sindicato Nacional dos Docentes na Educação Superior (Andes) havia pedido ao Supremo para que Ellen não relatasse a reclamação da Advocacia-Geral. Temia-se que a ministra, que foi indicada para o cargo pelo presidente Fernando Henrique, desse ganho de causa ao Executivo. Mas os 11 ministros mantiveram a colega na relatoria.
Professores querem reajuste linear de 14,5%
O governo não pretende mexer no orçamento para conseguir mais recursos para os professores. A proposta do Andes, já aprovada ontem em assembléia por 27 universidades, prevê um reajuste linear de 14,5% no salário-base dos professores. No entanto, isso custaria ao governo R$ 350 milhões. No momento, só estão disponíveis R$ 250 milhões.
A informação do Ministério do Planejamento é que mexer no projeto está nas mãos do Congresso. Se os deputados encontrarem uma forma de acrescentar R$ 100 milhões ao dinheiro que já existe, não haverá problemas para aprovar a proposta dos professores. No entanto, o Ministério da Educação não tem mais como alterar seu orçamento.
Os professores pretendem apresentar hoje sua proposta aos reitores das universidades federais e ao deputado Nelson Marchezan (PSDB-RS), relator do projeto do governo que prevê um reajuste de 34% nas gratificações de desempenho dos professores. Marchezan já avisou aos professores na semana passada que não tem condições de mudar o projeto se houver um aumento tão grande no custo. No entanto, os professores estão certos de que conseguirão negociar com os líderes partidários na Câmara esse aumento nos recursos.
— Há um ambiente para negociação, já que essa é uma proposta para acabar com a greve — diz o presidente do Andes, Roberto Leher.
Em busca do tempo perdido
RIO, SÃO PAULO, RECIFE e BELO HORIZONTE. Ao contrário dos professores federais, os servidores do INSS fizeram um acordo e voltaram ao trabalho ontem. Depois de esperar 108 dias, o rodoviário Sebastião Augusto de Azevedo dormiu na porta da Agência Praça da Bandeira, no Rio, para fugir das filas. Para garantir o primeiro lugar, precisou chegar às 23h30m de domingo. A noite em claro não foi suficiente para que conseguisse dar entrada no pedido de auxílio-doença e marcar a perícia. Na hora de conferir os documentos, faltava a carteira de trabalho.
Mas nem todos que procuraram as agências conseguiram sequer ser atendidos. A prioridade foi para os casos de auxílio-doença, pensão por morte e licença-maternidade. O próprio ministro da Previdência, Roberto Brant, prevê que as filas vão durar no mínimo três meses, apesar da ampliação no horário de atendimento. Durante a greve, pelo menos 900 mil benefícios deixaram de ser requeridos.
A lentidão no atendimento causava revolta nos segurados que chegaram antes das 8h. Na agência da Rua Marechal Floriano, no Centro, além da fila, tiveram que enfrentar a falta de luz. O atendimento começou às 11h15m devido a um problema no sistema elétrico do prédio.
— Cheguei às 5h. O posto não abriu às 8h como foi anunciado — reclamou a doméstica Jucélia Melo, que tentava dar entrada no auxílio-doença.
Uma pane no sistema de informática acabou sendo o grande vilão do atendimento ao público na agência de Irajá. Mesmo com os 85 funcionários, o atendimento foi lento. Sem receber há três meses, a aposentada Maria Angélica dos Santos foi tentar saber por que seu benefício fora cancelado.
— Todo mês vou ao banco e não encontro meu pagamento depositado. Espero conseguir uma solução para meu caso. Esse dinheiro me faz muita falta — reclamou.
Em São Paulo, só nas duas primeiras horas as agências registraram mais do que o dobro de pessoas que atendem normalmente. Alguns postos, que normalmente atendem a mil pessoas por dia, receberam mais de duas mil até 9h.
Em Recife, as agências voltaram a funcionar com o horário de atendimento dobrado: das 7h às 19h. Em Pernambuco, calcula-se que cem mil pessoas deixaram de ser atendidas. Os servidores distribuíram flores a quem estava na fila para compensar a espera de 108 dias pelo fim da greve.
Em Belo Horizonte, houve tumulto em algumas agências. Muita gente dormiu na véspera em frente aos postos para garantir o atendimento. A dona de casa Lucimar Alves Pereira, de 48 anos, chegou às 18h de domingo. Conseguiu ser a primeira da fila.
Na maior agência do Centro, na Rua Espírito Santo, algumas pessoas tentaram furar a fila de cerca de 300 metros. A confusão foi controlada com a chegada da polícia. O chefe da agência, Luiz Roberto Viana, disse que, nos próximos dias, algumas pessoas terão prioridade. Ele explicou que os segurados que já tinham dado entrada nos seus pedidos antes do início da paralisação serão atendidas primeiro. E disse que, apesar da ampliação do horário nos postos, só na agência onde trabalha mais de 1.500 pessoas são atendidas diariamente.
— Vamos ter de programar o atendimento para evitar confusão. Mas os benefícios serão pagos com valores retroativos — disse.
O chefe do posto Padre Eustáquio, na Zona Noroeste, Cléber Gonçalves Olivei ra, disse que 450 pessoas são atendidas todos os dias. Ele afirmou que todos os funcionários vão trabalhar mais duas horas por dia para tentar adiantar o serviço.
Virgínia Gonçalves, que chegou à agência de madrugada, afirmou que espera desde o início da greve pelo auxílio-doença.
— Estou com meus papéis parados por causa da greve. Apesar da volta ao trabalho, não sei quando terei o dinheiro — disse.
Servidores do INSS ameaçam parar de novo se acordo não for cumprido
BRASÍLIA. Uma diferença de R$ 72 milhões impede o acordo entre o governo e os servidores do INSS. Os grevistas voltaram ao trabalho ontem em todo o país mas, se o dinheiro não aparecer, ameaçam voltar à greve ainda esta semana. Os R$ 72 milhões serviriam para pagar a gratificação de desempenho para os funcionários nos valores que o sindicato teria acertado com a Previdência na semana passada.
O governo diz que estava estabelecido no acordo que os R$ 186,6 milhões previstos no Orçamento do ano que vem teriam de ser usados tanto para o pagamento do reajuste linear de 11,5% quanto para as gratificações. Segundo o secretário-geral do sindicato, Wladimir Nepomuceno, os R$ 186 milhões seriam usados só para pagar as gratificações.
Os funcionários do INSS garantem que, no dia da assinatura, os valores máximos estipulados para a gratificação de desempenho eram de R$ 644 para nível superior, R$ 249 para nível médio e R$ 130 para auxiliar. Esses são os valores que foram reduzidos e podem levar o INSS de novo à greve.
Segundo o governo, o problema é que, como a parcela dos inativos subiu de 10% para 30% do total da gratificação, o valor dessa gratificação teve de diminuir.
Governo diz que servidores sabiam da redução
Uma nota oficial do governo, divulgada ontem, afirma que os grevistas sabiam que os valores das gratificações de desempenho seriam menores do que os valores acertados inicialmente, assim como que uma parte dos servidores estava fora do acordo.
“Os representantes do comando de greve foram informados que, se o percentual da gratificação a ser paga aos inativos passasse dos 10% para os 30%, conforme pleiteado, resultaria em redução dos valores máximos da mesma gratificação paga aos ativos”, diz a nota, assinada pelos ministros do Planejamento, Martus Tavares, e da Previdência, Roberto Brant.
Apesar do tom duro da nota do governo, o ministro da Previdência foi mais contemporizador. Ontem, Brant reafirmou que o acordo será cumprido, mas não quis falar sobre qual será a resposta para as queixas dos servidores.
— Nós não vamos azedar as relações com os grevistas por causa de detalhes. Não é tão grave assim — disse Brant.
Martus Tavares, que esteve no Rio participando de um seminário, garantiu que o acordo fechado na semana passada será mantido. Mas afirmou que a proposta aceita pelos previdenciários deixa claro que, para beneficiar mais os inativos, os funcionários da ativa têm que ceder em suas reivindicações, uma vez que o governo não destinará recursos adicionais.
— Não pode ser mais e mais, porque a gente sabe quem paga a conta. Querem mais para esse grupo (inativos)? Então é menos para o outro grupo (ativos) — afirmou Martus.
Segundo o ministro, o governo tem cerca de R$ 300 milhões para atender às reivindicações dos grevistas. Parte desses recursos está prevista na proposta orçamentária do Executivo para 2002. A outra parte virá de verbas inicialmente destinadas a emendas de parlamentares e remanejadas pelo Congresso.
— Não vamos aumentar a carga tributária para resolver esse tipo de problema. Vale para os professores e vale para o pessoal do INSS — disse.
Uma nova reunião está marcada para hoje entre representantes dos grevistas, do Planejamento e da Previdência.
Serra tem dia de candidato: ‘O Rio é meu segundo estado, depois de SP’
Com promessas à população, palavras de afeto ao Rio e muitos apertos de mão, o ministro da Saúde, José Serra, viveu ontem uma tarde de candidato nas calorentas ruas de Bangu, na Zona Oeste. A visita, programada para o lançamento no Rio do Cartão Nacional de Saúde, acabou servindo para o ministro testar a popularidade num dos maiores colégios eleitorais da cidade.
— Conheci Bangu através do time de futebol, que tinha o Zizinho. Depois, voltei aqui quando morei no Rio, nos meus tempos de estudante. O Rio é o meu segundo estado, depois de São Paulo — disse Serra, em discurso na escola municipal Nações Unidas, onde foi lançado o cartão.
Serra esforçou-se para cativar a platéia, formada por alunos, mães e professoras. Primeiro, rendeu uma homenagem à bateria mirim da escola de samba Padre Miguel, que fez uma pequena apresentação no início do evento. Em seguida, explicou as vantagens do cartão de saúde e destacou algumas conquistas de sua gestão.
— Quando defendemos a quebra de patentes para medicamentos contra a Aids, compramos uma briga com os americanos. Agora, com o antraz, os EUA estão fazendo a mesma coisa — explicou a uma platéia que também esforçava-se para entendê-lo.
Serra disse que o cartão, cujo cadastramento no Rio começou ontem por Bangu, servirá para agilizar o atendimento na rede hospitalar do Sistema Único de Saúde, além de combater a fraude.
Ministro vistoriou farmácia em busca dos genéricos
Os aplausos, puxados pelo secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, foram mais intensos quando o ministro prometeu negociar com o comandante do Exército, general Gleuber Viera, a cessão do terreno de uma fábrica de armamentos desativada, em Realengo, para a construção de uma maternidade com 60 leitos:
— É um absurdo que a região não tenha maternidade — disse o ministro.
Na saída, Serra distribuiu autógrafos e apertos de mãos. Antes de embarcar no helicóptero que o levaria de volta ao Centro, foi convencido por Ronaldo a fazer um rápido corpo-a-corpo no calçadão de Bangu para conhecer uma obra do projeto Rio Cidade.
Na caminhada, os apertos de mão não foram tantos. O ministro, então, optou por um terreno mais conhecido: entrou numa farmácia em busca do balcão de genéricos.
— Tenho ouvido reclamações sobre a falta de genéricos, mas aqui há de tudo — disse.
PPB e PTB ouvem canto de Roseana
BRASÍLIA. Dois partidos que integraram a aliança governista nas últimas eleições — o PPB e o PTB — começam a se deixam seduzir pelo crescimento da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), nas pesquisas de intenção de voto. Setores do PPB liderados pelo governador de Santa Catarina, Esperidião Amin, querem fortalecer a candidatura da pefelista. Os pepebistas sonham com a possibilidade de indicar o candidato a vice-presidente numa composição com o PFL.
Uma outra corrente do PPB, liderada por Paulo Maluf, prefere uma aliança com o PMDB para viabilizar a candidatura do ex-prefeito de São Paulo ao governo do estado.
Para evitar que o PPB apóie Roseana, o presidente Fernando Henrique Cardoso estimulou o partido a insistir na candidatura do ministro Pratini de Moraes (Agricultura), durante audiência com os deputados Pedro Corrêa (PE) e Severino Cavalcanti (PE).
O PTB apóia oficialmente a candidatura de Ciro Gomes (PPS), mas já desfez acordos políticos para continuar com o governo, o que não afasta a possibilidade de se render à candidatura de Roseana.
— Acredito na manutenção da aliança com o PFL e o PSDB. O PPB quer efetivamente estar com o candidato da aliança. Só que isso não pode ser uma decisão imposta pelo PSDB — afirmou o deputado Ricardo Barros (PPB-PR), vice-líder do governo na Câmara.
Deputados tucanos querem candidato até fevereiro
BRASÍLIA. Com o apoio dos aliados da candidatura do ministro da Saúde, José Serr a, a bancada do PSDB na Câmara vai aprovar em reunião hoje um documento cobrando da executiva nacional a fixação de critérios e a data para a escolha do candidato tucano à Presidência da República.
A maioria dos deputados diz que o crescimento da pefelista Roseana Sarney nas pesquisas exige pressa do PSDB e quer que o comando partidário decida logo pela realização de uma pré-convenção do partido no fim de janeiro ou em fevereiro.
A proposta será levada pelo líder da bancada, Jutahy Magalhães (BA).
— O fator Roseana está aí, não dá mais para esperar. O PSDB já deveria estar buscando apoios em outros partidos da base, mas fica só digladiando internamente — disse ontem o deputado Sebastião Madeira (PSDB-MA).
Artigos
Estelionato político
LUCIA SOUTO
A recente eleição na Argentina está povoada de ensinamentos, exigindo, ao menos daqueles que não querem ver revogados os seus direitos políticos e sua cidadania, uma profunda reflexão sobre o conjunto de sinais e sintomas a revelar a abismal crise de representação entre sociedade e instituições políticas.
O mais impressionante do resultado eleitoral foi a espetacular rejeição popular, manifesta numa abstenção de 40% do eleitorado e 18% de votos nulos ou brancos, significando que de cada dez argentinos apenas quatro votaram.
Esse protesto, cuja marca é a descrença impotente de uma comunidade altamente escolarizada, com os maiores percentuais de população com nível superior da América Latina, é uma eloqüente manifestação de desinteresse e desconfiança.
Há dois anos a população argentina renovava suas esperanças num processo eleitoral marcado pela expectativa de mudanças, representada pela coalizão de centro-esquerda amplamente vitoriosa nas urnas.
O recado estava dado de forma clara e democrática: queremos mudanças! Estamos escolhendo, elegendo um projeto político e um sistema de alianças reformador. Nenhum mal-entendido no ar, pois entre os concorrentes havia a candidatura de Domingo Cavallo, que igualmente se apresentou à sociedade e teve o seu projeto recusado.
Apesar dessa manifestação clara do eleitorado, menos de um ano depois a coalizão de centro-esquerda abandona o projeto que a elegeu e numa traição surpreendente devolve o poder ao derrotado eleitoralmente, chamado como o grande salvador da pátria, Domingo Cavallo. No alto da sua prepotência tecnocrática, reforçada pelos ditos “apelos” da nação, esse exportador de armas superfaturadas para a Croácia inicia um processo de repetição à exaustão do já esgotado modelo econômico, conduzindo a Argentina a um lento e agonizante impasse.
Como estudo de caso é sem dúvida exemplar, a mostrar com toda a nitidez o tamanho e a natureza da crise que também compartilhamos. O voto “bronca”, como foi chamado, é uma manifestação profunda da desconfiança, do descrédito da população que vê anulados seus esforços democráticos de mudança com esse verdadeiro estelionato político, que simplesmente torna irrelevante qualquer manifestação política, por mais explícita e clara que seja. Pois a lógica com que se movimenta o poder está a demonstrar que a vontade popular é mero adorno no espetáculo eleitoral, sendo suas escolhas de uma inutilidade completa.
A rebelião sem destinatário mostra que a paciência popular tem limite e que o sentimento de descrença é um grave sinal de colapso da política, liquidada com práticas cínicas e rotineiras que ignoram compromissos, pactos, e são capazes, de cara lavada, de ostentar uma normalidade patológica.
A situação da Argentina atualiza temas fundamentais para um país, como o nosso, que se prepara para um amplo processo eleitoral em 2002: a ausência completa de debate público que marcou a última eleição presidencial, a restritiva lei eleitoral brasileira, que demarca uma intocável reserva de mercado de um oligopólio partidário, a ausência de financiamento público de campanha, sem acesso a tempo equânime dos meios de comunicação, a manutenção de regras eleitorais mais autoritárias que as do regime militar como tempo de filiação partidária, domicílio eleitoral. A traição cotidiana, que marca as mudanças de siglas partidárias sempre com o argumento de que não há partidos no Brasil, ou de que eles são regionais, salvo-conduto para acomodar a conveniência dos interesses pessoais no próximo hospedeiro a parasitar, a confirmar a ladainha de que a moeda escassa no mercado da política é a confiança.
Fatos como o da cidade do Rio de Janeiro, que elege uma coalizão de centro-esquerda que se dissolve no ar pela adesão escrachada do prefeito ao partido cuja filiação considerava publicamente o seu grande equívoco político (PFL) e ao papel de articulador do projeto nacional do governo, por ele denunciado na véspera, são constitutivos e alimentam a nossa crise de representação, com esse festival de descompromissos a reiterar o descrédito nesses métodos.
O desprezo é tamanho que já se começa a tentar confinar e reduzir a complexa situação que vive o país à farsa de um debate entre marqueteiros da moda, com seus produtos e sabonetes a transvestir cidadãos em consumidores, aniquilando a política.
São condições a fertilizar o terreno da apropriação privada do espaço público, o colapso da política, o reinado da prepotência individual, sempre alimentada pela certeza de cada um e de todos os mutantes de que são tão “especiais” na arte dos factóides ou show eleitoral que a platéia, embevecida ou estonteada, sequer notará o que se passa nos bastidores.
A Argentina está aí para dizer que a sabedoria popular é surpreendente e nos desafia com a sua arte de criar alternativas imprevisíveis.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO – TEREZA CRUVINEL
Gosto pelo solo
Para que todos os concorrentes estejam a postos na largada sucessória, o que falta mesmo é a escolha do candidato do PSDB, esse assunto tão recorrente. Apavorados pelo fenômeno Roseana, o tucanos agora têm pressa. A escolha, entretanto, talvez não venha a tempo de unir a aliança governista. Pelo menos até junho cada partido continuará desfilando com seu candidato.
E podem tomar gosto por isso, sucumbindo, por exemplo, o PFL à tentação de ganhar sozinho. Junho é o mês das convenções oficiais para a escolha de candidatos ou a declaração de apoio aos de outros partidos. Com Roseana nas paradas, o PFL não vai retirá-la de cena antes disso. O PPB seguirá com Delfim Netto e Pratini de Moraes. O PMDB já terá resolvido seu problema com Itamar Franco em janeiro. Foram todos lançados para cacifar seus partidos na remontagem do condomínio que disputará a continuidade, inclusive a tese da candidatura própria pelo PMDB. Roseana surpreendeu e o PMDB pode não conseguir livrar-se de Itamar, que não desistiu de concorrer às prévias, frustrando os caciques governistas. Corre agora o PSDB o risco efetivo de seguir apenas com o PPB, o único no fundo infenso à tentação de ter a cabeça de chapa. E com a lasca do PMDB, que rachará qualquer que seja o resultado das prévias.
Do outro lado, entretanto, a fragmentação é praticamente a mesma, estando já lançadas três candidaturas de oposição, sem contar a de Itamar. Ocorre que Lula, apesar de estar largando com “teto mais baixo”, como acusou o presidente, é o único candidato sólido da oposição. Ciro Gomes hoje tem menos intenção de votos (9%) do que teve de votos na eleição de 1994 (11%). Garotinho não decola e Itamar é uma incógnita.
O risco de fragmentação é pois hoje mais danoso para os partidos governistas do que para a oposição. Isso também explica a nova pressa dos tucanos, inclusive dos serristas, que agora desejam ver logo os critérios da escolha decididos. Esse é o objet ivo da reunião de hoje da executiva do partido.O tempo vai fechar hoje: CUT e Força Sindical confrontarão seus exércitos. O governo agora levará o projeto que altera a CLT a votação. Para perder ou para ganhar.A autonomia da máquina
A burocracia federal e a base parlamentar são dois braços operacionais do governo guiados muitas vezes por lógicas e interesses opostos. Os políticos da base observam agora, no início do fim do mandato de FH, que a chamada máquina opera com uma autonomia nunca antes experimentada. E explicam: até 1998, os tecnocratas tinham na reeleição de FH a esperança de sua própria recondução. Faziam então mais concessões aos políticos, de quem indiretamente dependiam para continuar no poder. Agora não. Sabem que mesmo em caso de vitória de um candidato governista, como José Serra ou Tasso Jereissati, a renovação dos quadros será grande. Se a vitória for da oposição, pior ainda.
A máquina agora opera por si e para si, dizem os políticos. A intransigência aumentou, como por exemplo em relação à correção da tabela do Imposto de Renda. Alegam a perda de receita de R$ 3 bilhões, que poderia ser coberta com a redução de apenas um ponto percentual na taxa de juros.Mulheres (II)
O incômodo da juíza aposentada Denise Frossard é com o mal explicado “coisa de mulher” lançado pelo presidente FH numa entrevista ao falar de sucessão.
— Fiquei desolada, escrevi uma carta a dona Ruth. Sou tucana, do PSDB-Mulher. Acho que o presidente deve uma explicação às mulheres brasileiras.Mulheres (I)
A deputada federal Iara Bernardi (PT-SP) e dezenas de vereadoras escrevem para dizer que a cantora Gloria Trevi precisa esclarecer se foi violentada ou não para que possam se mobilizar. Seu silêncio também é cúmplice da violência, dizem elas, exigindo do Ministério da Justiça o esclarecimento dos fatos o mais rapidamente possível.No Ceará é assim...
O Banco do Nordeste existe para fomentar o desenvolvimento de toda a região, mas é o patrocinador de um megasseminário destinado exclusivamente aos prefeitos do Ceará, bancando todas as despesas, exceto transporte. O próprio ministro Martus Tavares, virtual candidato a governador do estado, vai lhes ministrar um curso sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre os dias 11 e 14. Os dos outros estados certamente podem esperar.UM SÓ artigo tem o projeto de lei dos petistas Milton Temer e José Genoino que será votado hoje pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional: “Fica revogada a Lei de Segurança Nacional”, último entulho da ditadura. Seu fim, dizem eles, livra as Forças Armadas do dogma do inimigo interno, devolvendo-lhes a função de defender a soberania e a integridade física do país.
GUERRA entre o PFL e o PSDB na Bahia. Só à noite os tucanos conseguiram uma liminar evitando perder para o aliado dez minutos do programa regional que foi ao ar ontem.
Editorial
Juros em questão
Diante do cenário externo (crise na Argentina, retração dos grandes mercados, atentados terroristas, ambiente de guerra etc), e do interno — racionamento de energia, choques de oferta em alguns alimentos — pode-se dizer que a economia brasileira encerrará 2001 de uma forma bastante razoável. Afinal, o Produto Interno Bruto (PIB) registrará no ano um crescimento superior à média da expansão demográfica, hoje pouco acima de 1%. Além disso, o nível de desemprego não se agravou e nem tivemos uma onda de falências e concordatas.
Segmentos da agropecuária tiveram considerável impulso, assim como setores da indústria. Dentro desse quadro de dificuldades, a inflação de 2001 provavelmente vai superar o teto (6%) inicialmente estabelecido pelo Banco Central. E, para não comprometer a meta do ano que vem, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu manter os juros em 19% ao ano.
Trata-se de uma questão controversa, pois, se os juros altos podem manter a demanda interna sob rédeas curtas, as taxas empurram a dívida pública para patamares perigosos, e o próprio déficit nominal do Tesouro acaba sendo uma fonte de alimentação inflacionária. Cada ponto percentual da taxa básica de juros representa R$ 3,3 bilhões, ou 0,27% do PIB — para mais ou para menos.
Por isso, é preciso maestria na administração dos instrumentos de política econômica. As autoridades monetárias têm se mostrado competentes nessa administração, mas talvez os juros demasiadamente altos não sejam a melhor terapia para neutralizar o tipo de inflação que o país vem enfrentando.
Pelo menos dois terços da variação dos índices são decorrentes, hoje, de preços administrados, com reajustes definidos por regras que são independentes do comportamento do mercado. Juros elevados não impedem o aumento da tarifa de telefone, por exemplo.
Taxas altas levam o governo a buscar superávits primários crescentes nas finanças públicas, a partir de uma carga tributária progressiva. Isso acaba gerando ineficiências na economia como um todo, a se refletir nas contas externas do país. Aí fecha-se um círculo e volta-se ao ponto de partida. Cai-se numa armadilha
A solução não é simples e nem as autoridades monetárias podem ser imprevidentes. No entanto, parece já haver condições de se retomar, de maneira cautelosa, a trajetória de redução progressiva dos juros básicos.
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11/27/2001
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