Eleições e desgaste complicam agenda do governo







Eleições e desgaste complicam agenda do governo
Irritação com equipe econômica é obstáculo extra no caminho das votações pendentes

BRASÍLIA - A julgar pelo humor do Congresso no fim do ano, as propostas do governo deverão enfrentar turbulência no Legislativo em 2002.
Além das tradicionais dificuldades de um ano eleitoral, em que os debates acabam contaminados por disputas e alianças partidárias, há um ingrediente adicional: uma irritação quase generalizada com a equipe econômica. A correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) em 17,5%, contra a vontade dos economistas do governo, foi a demonstração mais vistosa do descontentamento. E o Planalto tem importantes pendências na pauta de votações, entre elas a prorrogação da CPMF, a previdência complementar do servidor público, a lei de falências e a regulamentação do sistema financeiro.

"Há fadiga de material na base aliada", disse o deputado Benito Gama (PMDB-BA), principal articulador do projeto de lei na Câmara. Ele criticou a forma como os integrantes do governo conduzem o processo no Congresso, muitas vezes levando os parlamentares a aprovar propostas com as quais não concordam. "Primeiro, eles pediram a CPMF, depois quebraram o sigilo bancário para poder fiscalizá-la, e assim foram comendo pelas beiradas", lembrou.
Satisfeito em ver aprovado seu projeto de correção da tabela do IR, o senador Paulo Hartung (PSB-ES) não tem dúvida de que a má vontade dos parlamentares com a equipe econômica foi importante para o sucesso de sua empreitada. "O desgaste no relacionamento do Congresso com a equipe econômica foi um componente do processo", afirmou.

"Negociamos sempre com um pé atrás, por causa de uma série de episódios que não deixaram alternativas", disse Paulo Hartung. Ele citou como exemplo a negociação da reforma tributária. Quando o Congresso estava avançando nas discussões, perto de uma conclusão, foi atropelado pela apresentação de uma proposta nova pelo governo. Outro exemplo é a Lei Kandir. "Os Estados tiveram perdas maiores do que o estimado pelo governo", disse.
"A credibilidade da equipe econômica é zero, a irritação é absoluta", observou um parlamentar governista. Segundo ele, falta colaboração da área econômica até quando os projetos são de interesse do governo.

No episódio do IR, por exemplo, esse parlamentar lembrou que o Planalto sempre apostou no impasse para impedir a correção. "Houve duas ou três boas oportunidades de fechar um acordo em meados do ano, quando o projeto estava na Comissão de Finanças", ressaltou. Os deputados envolvidos na negociação, contudo, não tiveram apoio do governo.
Segundo esse parlamentar, "a mudança na legislação trabalhista foi colocada na pauta só para tumultuar e impedir a votação do IR". Parte da base governista concordou em votar a favor do impopular projeto de lei que permite que acordos coletivos se sobreponham às regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Quando chegou a hora de votar o IR, o desgaste pareceu demais. "Ia arrebentar com a imagem do candidado do PSDB", queixou-se um tucano, antevendo prejuízo na corrida presidencial.

Choque - Para o líder do governo no Senado, Artur da Távola (PSDB-RJ), contudo, o conflito é normal. Ele argumentou que a equipe econômica vive em choque permanente com o Congresso porque tem administrar a contradição entre o rigor da economia e a elasticidade da política. "Não é porque há estabilidade que o compromisso acabou", afirmou.
"É só descuidar, que tudo desanda."
Igual avaliação é feita pelo líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), para quem os parlamentares gostam de gastar mais do que poderiam.

"Quando a gente tenta discutir essas decisões na ponta do lápis, eles dizem que não querem saber de números, parece até saudosismo da inflação", criticou o tucano.
O deputado Delfim Netto (PPB-SP) chama a atenção para o fato de o governo insistir na co-responsabilidade do Congresso pelo ajuste fiscal. "Mas a última coisa que eles querem é um Orçamento mandatário", observou. Delfim não acha que a aprovação da correção da tabela do IR tenha sido um movimento articulado contra o governo. "O Congresso teve um ataque de lucidez curtíssimo", avaliou.


É preciso correr contra o tempo, afirma Madeira
Líder do governo admite que a partir de julho será difícil votar projetos importantes

BRASÍLIA - O líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), está convencido de que é preciso correr contra o tempo, neste primeiro semestre, para votar projetos importantes para o Palácio do Planalto, como o que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Pragmático, Madeira admite que a partir de julho o Congresso ficará vazio e o trabalho será adiado por causa das campanhas eleitorais. "A não ser que haja alguma coisa muito emergencial para o pessoal vir aqui", ressalva.

Apesar de criticada, a prática é considerada natural pela maioria dos parlamentares, independentemente de suas ideologias. Na lista das propostas que esperam votação estão, além da CPMF, a reforma tributária, a regulamentação do sistema financeiro e também medidas provisórias que prometem causar polêmica.
Madeira espera adiantar o trabalho com o apoio da oposição, que, no seu entender, tem sido cada vez mais "madura" diante da necessidade do Legislativo de fazer a sua parte. Nesta entrevista ao Estado, o líder do governo diz que o mundo vive uma crise muito mais grave do que as de 1998 e 1999. "Mas o Brasil está se saindo melhor agora, o que mostra que as medidas adotadas no passado nos deram os instrumentos para enfrentar dificuldades", argumenta.

Estado - Qual é a estratégia do governo na Câmara para administrar as pendências deste ano?
Arnaldo Madeira - Uma das pendências é o projeto que trata da previdência complementar do servidor público. Temos de votá-lo no começo do semestre e aí haverá disputa. Também estão na pauta duas medidas provisórias: a que trata da Lei das Sociedades Anônimas e a outra, mais polêmica, sobre o alongamento do crédito rural. É uma coisa que a gente vai ter de negociar.
Há ainda outra lei polêmica sobre a greve no serviço público. Em relação à prorrogação da CPMF, não vejo problemas porque há um conceito generalizado de que o fim da contribuição implicaria uma perda muito grande de receita, inclusive para o futuro governo.

Estado - Até que ponto a campanha eleitoral prejudicará o trabalho no Congresso?
Madeira - Acho que o Legislativo deve funcionar razoavelmente bem no primeiro semestre, até maio e junho. Não podemos esquecer que até junho temos de votar a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) para o Orçamento de 2003. Até porque, se não votarmos, não teremos o recesso de julho. Agora, a partir de julho é basicamente campanha eleitoral. A não ser que haja alguma coisa muito emergencial para o pessoal vir aqui.

Estado - Então, por esse quadro, fica inviabilizada a votação da reforma tributária...
Madeira - O combinado é que criaremos uma comissão na Câmara para tratar basicamente da cumulatividade do PIS (Programa de Integração Social) e do Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Essa é uma área em que é possível andar. Mas não acredito que se avance muito além disso. É um ano eleitoral e teremos muitas coisas para apreciar no primeiro semestre. Temos, por exemplo, a Lei de Falências, cujos estudos técnicos estão muito avançados. Outra matéria que depende de entendimento é o artigo 192 da Constituição, aquele que trata do sistema financeiro. Já tive contato com a oposição e estamos dialogando sobre a questão operacional do Banco Central que, é digamos, um pré-requisito para a votação da emenda constitucional. A emen da vai dizer que o sistema financeiro pode ser regulamentado por várias leis complementares e não por uma única lei, como hoje. Foi isso que impediu que da Constituinte para cá se fizesse uma mexida significativa no sistema financeiro.

Estado - A possibilidade de a oposição eleger o presidente da República, como indicam as pesquisas, refletirá nas votações do Congresso?
Madeira - Sinto certa maturidade para a percepção de que temos de ser responsáveis diante do País, do quadro internacional, dos avaliadores de crédito... Esta responsabilidade é que impede que o Brasil tenha uma crise mais acentuada, como ocorreu em outros países. Estamos enfrentando a atual crise que, na minha opinião, é mais grave do que as de 1998 e 1999. E estamos nos saindo melhor agora. Continuamos com a expectativa de crescimento de 2% a 2,5%, o que mostra que as medidas adotadas no passado nos deram os instrumentos para enfrentar dificuldades. Mesmo a oposição, que tem a expectativa de ganhar a eleição, sabe que, caso vença, terá de enfrentar o problema. O diálogo com a oposição tem sido positivo, talvez melhor do que antes, embora tenhamos diferenças de concepção da realidade política e econômica.

Estado - O partido do governo, que sempre sofre desgastes, conseguirá se posicionar bem nas eleições em São Paulo e para a Presidência da República?
Madeira - Acho que sim. Tive a honra de ser líder do presidente Fernando Henrique Cardoso na gestão dos governadores Mário Covas e Geraldo Alckmin. O partido tem na frente os dois governos mais importantes do Brasil, do País e de seu principal Estado. Haverá o reconhecimento da população sobre as mudanças e os ganhos que tivemos, sobre o que fizemos na área de educação, na reforma agrária, saúde, previdência, enfim, na área social como um todo.
Foram mudanças profundas.


Sem candidato em Minas, PT quer apoiar liberal
Cotado para vice de Lula, Alencar pode disputar governo por causa do afastamento de Célio de Castro

Uma reviravolta na montagem dos palanques agita a entressafra política: o PT não deve ter candidato próprio ao governo de Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do País depois de São Paulo.
Na tentativa de garantir adesões que ultrapassem a fronteira da esquerda, a cúpula petista negocia com os liberais o apoio à possível candidatura do senador mineiro José Alencar (PL) ao Palácio da Liberdade.
Nome mais cotado até agora para vice na provável chapa liderada por Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, Alencar tornou-se a principal alternativa do PT para a sucessão do governador Itamar Franco (PMDB) depois dos problemas de saúde que afastaram o prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro.

A estratégia abre a possibilidade para o PSB indicar o vice de Lula na corrida presidencial se o governador do Rio, Anthony Garotinho, não entrar no páreo. Petistas mantêm um namoro discreto com o senador Saturnino Braga (PSB-RJ), opositor ferrenho de Garotinho, seu colega de partido.
Na seara do PMDB, tudo indica que Itamar será mesmo candidato ao Senado. O governador de Minas sabe que são remotas suas chances de vencer a prévia do PMDB, em março, para a escolha do concorrente à Presidência. Depois de um bate-boca público com o vice Newton Cardoso - o virtual candidato peemedebista ao governo -, Itamar garantiu que não disputará a reeleição de jeito nenhum. "Minha campanha está nas ruas e o Itamar viu isso. Eu tenho a faca e o queijo na mão", gaba-se Newton.
O esforço concentrado do PT, atualmente, é para obter o apoio de Itamar. No palanque de centro-esquerda sonhado por Lula, tanto ele como Alencar viraram personagens importantes. Dirigentes que antes pretendiam lançar a candidatura do petista Célio de Castro apostam hoje nos dividendos da briga entre o governador e seu vice.

"O PT caminha para uma posição mais lúcida, criando frentes que se opõem à situação imposta pelo Planalto", afirma o prefeito em exercício de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT). É exatamente neste figurino que se encaixam Itamar e outros "rebeldes" do PMDB, como o senador Roberto Requião (PR).

Dobradinha - Alencar encontrou-se com Lula cinco dias antes do Natal, em São Paulo. Reiterou que, faça ou não dobradinha com ele, vai apoiá-lo para a Presidência. "A minha tese é que deve começar a alternância de poder no Brasil", diz o senador, que já foi presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg). "E, para que haja a vitória, o ideal é que as oposições se unam no primeiro turno."
De qualquer forma, a hipótese de Alencar ser vice de Lula não está descartada. "Mas eu diria que, hoje, a maior probabilidade é de o senador ser candidato ao governo de Minas", antecipa o deputado José Dirceu (SP), presidente do PT. Oficialmente, o senador Eduardo Suplicy (SP) vai disputar em março uma prévia com Lula. Mas o QG petista dá como certa a vitória de seu presidente de honra.

Dirceu admite que, dependendo do cenário político, a aliança com o PL pode ser fundamental. "Não será uma questão pacífica no PT, mas acredito que o partido vai compreender, pois o PL tem sinalizado que quer ficar com a oposição".
Nem sempre, porém, é assim. Na Bahia, o PL deve fechar com o PFL do ex-senador Antonio Carlos Magalhães e, em São Paulo, com o PPB de Paulo Maluf.

O apoio a Lula também não é consenso entre os liberais, que oferecem como dote os votos de evangélicos da Igreja Universal, mas estão para lá de divididos. Tanto que uma reunião nacional do PL foi convocada para o próximo dia 28, em Brasília. O grupo de São Paulo defenderá a aliança com Lula e a liberação das coligações estaduais de acordo com as conveniências, mesmo que os palanques se tornem "frankensteins". "Mas, se Alencar não for o candidato a vice-presidente, não temos por que batalhar pelo aval a Lula", ameaça o secretário-geral do PL paulista, Tarcísio Tadeu Pereira


PSB do Rio busca nome para governo
Embora cinco disputem a vaga, Garotinho ainda pode concorrer à reeleição

RIO - O PSB realiza hoje mais uma etapa do processo de escolha de seu candidato ao governo do Rio. A tarefa não será fácil e estão previstas várias reuniões: da executiva estadual, de prefeitos e de todas as bancadas do partido.
Cinco pré-candidatos disputam a vaga para concorrer à sucessão do governador Anthony Garotinho (PSB): o deputado federal Paulo Baltazar, o estadual Noel de Carvalho, os secretários Fernando Lopes (Fazenda) e Tito Ryff (Planejamento), além do ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde.

Em reunião realizada no dia 17 de dezembro - quando ficou decidido que o PSB ouvirá militantes, parlamentares e prefeitos para a escolha do candidato -, o nome da primeira-dama Rosinha Matheus também foi cogitado.
A hipótese mais provável, no entanto, é que Rosinha concorra ao Senado.
Garotinho costuma dizer que, caso seja eleito presidente da República, sua mulher terá de viver com ele em Brasília, e não no Rio.

Na prática, quando o PSB lançou Garotinho à Presidência, acabou ficando sem candidato forte ao governo fluminense. Garotinho jura que não voltará atrás.
Mesmo no PSB, porém, há quem aposte que ele acabará concorrendo à reeleição se mantiver os baixos índices de intenção de voto para o Planalto, como indicam todas as pesquisas.


FHC volta a Brasília após 4 dias de descanso
PARDINHO - O presidente Fernando Henrique Cardoso volta hoje a Brasília, após ter passado os últimos quatro dias descansando em Pardinho, a 200 quilômetros de São Paulo, onde ficou hospedado na Fazenda Bela Vista, do amigo e ex-sócio Jovelino Mineiro. Ontem, Fernando Henrique permaneceu na propriedade, acompanhado da primeira-dama Ruth Cardoso e de um casal de amigos. Algumas horas do primeiro dia do ano foram dedicadas à leitura. Nem mesmo a crise na Argentina fez o presidente antecipar seu retorno a Brasília. Por telefone, ele tem mantido contato com presidentes de países vizinhos. Fernando Henrique deve chegar ao Palácio do Planalto no fim da tarde.


Maluf fará maratona no rádio para 'explicações'
A coluna de Dora Kramer volta no sábado

A partir do dia 13, quando chega da Europa, o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) inicia uma série de viagens pelo interior paulista, onde fará uma verdadeira maratona a programas de rádio. Pré-candidato ao governo de São Paulo, Maluf dará 30 entrevistas, com a participação de ouvintes, somente neste mês. A estratégia já foi testada no ano passado. "Aproveitamos para esclarecer dúvidas do eleitor", diz Jesse Ribeiro, presidente estadual do PPB. As supostas contas de Maluf na Ilha de Jersey são sempre alvo de questionamentos. Mas os advogados do ex-prefeito querem acabar com o assunto: prometem provar, até abril, que as contas não existem.


Artigos

Chuvas e dor no verão
JOSÉ NÊUMANNE

Diante das dimensões da tragédia provocada pelos deslizamentos dos morros no Rio de Janeiro, pode ficar parecendo mera picuinha o bate-boca entre o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e a prefeita da capital, Marta Suplicy, a respeito de a quem cabe a culpa pelos transtornos causados aos paulistanos pelas enchentes de verão. Mas esse debate estéril e cínico tem alguma semelhança com as queixas que o governador do Estado do Rio, Anthony Garotinho, fez dos prefeitos das cidades atingidas pelas trombas-d'água.

Marta do PT queixou-se de Alckmin do PSDB porque o Estado não construiu piscinões nos terrenos doados pela Prefeitura, preferindo investir prioritariamente no Rodoanel. Alckmin argumentou que as obras exigidas pela prefeita são municipais, porque os córregos que inundam a cidade são de responsabilidade da Prefeitura. Com todo o respeito, não tanto pelos dois, mas pelas vítimas das enchentes de todos os verões, essa discussão parece aquela briga do poeta federal com o estadual, enquanto o municipal tira ouro do nariz, na visão jocosa do poeta modernista. A discussão foi soterrada pelo noticiário sobre mortos, feridos e desabrigados pelos deslizamentos dos morros fluminenses. E Garotinho do PSB veio informar que avisara aos prefeitos das cidades atingidas que as chuvas antes do Natal seriam fortes e deixariam muitos desabrigados, devendo eles, portanto, se municiar de colchonetes, cestas básicas e equipamentos de emergência para socorrer os desabrigados pelas chuvas.

Poder-se-ia dizer que o governador, que vive apregoando sua condição de cristão militante, é um gestor precavido, se ele tivesse feito um gesto qualquer para assumir uma postura talvez antipática, mas certamente essa, sim, precavida, de evitar que os morros e as encostas sob sua jurisdição continuassem sendo invadidos e ocupados pelos pobres sem moradia que vagam pelo País afora, deixando os campos arrasados e tomando de assalto a periferia dos centros urbanos. Mas nem ele, nem seu PSB, nem o PDT, pelo qual foi eleito, nem o tucanato no poder federal, nem o PT, seja o chique de dona Marta, seja o radical de Tarso Genro - nenhum deles jamais teve a coragem e o tirocínio, a largueza de visão e o espírito público para evitar que os pobres continuem armando seus barrancos nos despenhadeiros e nos mananciais.

O socialismo deles se limita ao cínico respeito pelo livre-arbítrio do pobre que, não tendo mesmo onde morar, prefere arriscar a vida a se instalar debaixo dos viadutos ou nos jardins públicos das grandes cidades brasileiras. E à política daquele macaquinho que não olha, não fala nem ouve, evitando, é claro, ser acusados de policiais ou brutamontes fascistas por não permitirem, usando o poder de coação, monopólio do Estado, evitar o óbvio: que os sem-teto improvisem suas moradias à sombra de pedras que rolarão ao impacto das águas ou no caminho da lama em que vai virar a terra dos morros à chegada da chuva.

Esses miseráveis, agradecidos pela compreensão de todos eles, tucanos e petistas, socialistas morenos ou evangélicos, lhes dão os votos suficientes para que fiquem no poder ou de lá desalojem seus adversários. Mas não têm voz nem capacidade de se organizar, muito menos de se mobilizar e pressionar para exigir moradias populares que acabem com o déficit populacional e, conseqüentemente, com a premência que os obriga a se pendurar nas pedreiras e no massapê, desde que os primeiros desvalidos da sorte chegaram, fugidos de Canudos, e se encarapitaram na paisagem montanhosa da Cidade dita Maravilhosa, batizando seus acampamentos de "favelas" em homenagem à planta nativa dos carrascais de onde pensavam estar escapando... para cair num inferno parecido.

É ano de eleição e convém ao PT de dona Marta encontrar culpas no PSDB de Alckmin para convencer o eleitor de que um companheiro dela (no caso, o deputado José Genoíno) faria melhor do que ele está fazendo. E vice-versa. O pregador Garotinho, fiel aos preceitos paulinos da caridade acima de tudo, também está pronto não a fornecer o colchonetes, mas a avisar os prefeitos de que eles devem prevenir-se de todos os paliativos.

Assim é, infelizmente, a política brasileira: uma seqüência sem fim de paliativos que funcionam como a tranca fixada na porta arrombada; um jogo de empurra-empurra no qual nunca se encontra um responsável exatamente porque todos o são, mas ninguém quer pagar o pato; e os pobres morrem como moscas, porque, não tendo dinheiro para bancar a farra fiscal, oferecem a vida em holocausto em nome do geral cinismo reinante.

A culpa pela tragédia não é, pois, de Tupã nem de São Pedro, mas da mistura de acomodação, cinismo e demagogia com que nossos políticos administram as cidades, os Estados e o País.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Meninos de rua
Perdoem-me por insistir no assunto: mas é que nunca pensei que chegaríamos ao ano 2002 sem ter ao menos um projeto de solução para o problema. Problema crucial para um País que se diz civilizado e que nos afasta cada vez mais do Primeiro Mundo. Sei que crianças soltas nas ruas existem em todo o Brasil, mas quero falar especificamente no Rio, pois falo no que vejo com meus próprios olhos.
Nas poucas vezes em que saio de carro tenho reparado que, em quase todas as esquinas de maior fluxo de veículos, há sempre um grupo de meninos e meninas vendendo balas ou pedindo esmolas.

Dizem as estatísticas que leio que o número de crianças sem escolas vem caindo no País, mas não é o que um olhar impressionista sobre as ruas do Rio nos faz acreditar. Talvez alguns até estudem e mantenham seus vínculos com a família. Outros já devem ter na rua a sua morada definitiva e seu círculo de afinidades são os capitães de areia.
As estratégias são muitas, variadas e criativas. Há algum tempo começaram a aparecer nos sinais de trânsito jovens fantasiados, provavelmente estudantes de escola de circo, fazendo rápidas performances circenses, enquanto dura o sinal fechado. Os meninos pobres, vendo aquela concorrência, apressaram-se em aprender um malabarismo com bolas de tênis (como já contei aqui em outro artigo) e a incorporaram ao seu dia-a-dia, alguns com extrema habilidade. No bairro do Jardim Botânico há uma menina que vende chicletes no mesmo sinal, já há vários anos. Meu neto me contou que certa vez a viu chegar para trabalhar, descendo de um ônibus, muito arrumadinha, e até de relógio. Ela então troca de roupa, veste uma camiseta e um short rotos, e inicia seu dia de sinal. Muitos, mal ainda falando, são adestrados para esmolar, tendo à sua espera uma mãe miserável, a poucos metros dali, com outros ainda menores no colo. Disputam os sinais e a piedade da classe média, com desempregados, inválidos e outros desgarrados da sociedade. O seu mundo de criança dissolvido na busca da sobrevivência por v ezes emerge, quando se esquecem da atribuição de pedir, para observar algum objeto interessante ou alguma situação inusitada dentro de um automóvel. Às vezes nos esquecemos de que são crianças, parecem ser apenas ameaças à nossa viagem tranqüila, coisa cada vez mais rara em cidades tão violentas.

A classe média motorizada, cansada de ter o coração partido a cada sinal, ao topar com uma criança da mesma idade do filho que vai no banco de trás, protegido, alimentado e educado, fecha o coração e olha firme pra o sinal, querendo que a luz verde apareça logo para desfazer o seu constrangimento.
As estatísticas mostradas pelos governos, que dizem estar melhorando a situação da juventude no País, não me servem de consolo, ao ver um caso real de abandono ou exploração de uma criança. A alegria que tenho ao ver o meu bisneto crescendo forte e bonito se esvai ao ver um menino, com os mesmos 3 anos que ele, se esquivando nos sinais, distraído que foi, ao calcular errado o tempo do sinal e deixar a luz verde apanhá-lo ainda por entre os carros impacientes.


Editorial

Em vigor, finalmente, a política de informática

O governo aprovou os primeiros 80 projetos de investimento que receberão os benefícios da Lei de Informática. Aprovada há cerca de um ano, depois de uma longa e difícil tramitação, a lei ficou sem aplicação até recentemente. Só no dia 14 o presidente da República assinou o decreto que regulamenta os incentivos fiscais. O texto foi publicado no Diário Oficial do dia 17. Enquanto o assunto permanecia emperrado na burocracia de Brasília, projetos essenciais à modernização da economia brasileira ficavam congelados. O Brasil deve ter neste ano um déficit de aproximadamente US$ 8 bilhões no comércio de produtos eletrônicos.

A nova lei, aplicável a partir de 1.º de janeiro, deverá incentivar a produção de componentes e bens finais no País, além de estimular a pesquisa.
Outros 60 projetos ainda estavam em exame, em Brasília, nos últimos dias. Os interessados ainda teriam de complementar os documentos entregues aos Ministérios do Desenvolvimento e de Ciência e Tecnologia. O número de projetos encaminhados ao governo mostra o interesse das empresas em produzir no Brasil. Outras indústrias poderão ser atraídas. Os atrasos na aprovação e na implementação da lei, no entanto, custaram caro ao País. A Intel desistiu, há alguns anos, de construir no Brasil uma fábrica de componentes, projetada para exportar para toda a América Latina e para o Caribe. A unidade foi instalada na Costa Rica.

A Lei de Informática estabelece benefícios fiscais para produção e pesquisa de bens e serviços de informática e automação. As empresas que se enquadrarem terão direito a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Haverá isenção total até 2003 para algumas áreas do Norte, do Centro-Oeste e do Nordeste. Depois disso, a redução inicial será de 97% e o incentivo diminuirá até 2009. Para a Zona Franca de Manaus, a isenção será total até 2013. O menor benefício será de 95%, aplicável a partir de 2002 e com diminuição gradual até 2009. As empresas terão de cumprir um Processo Produtivo Básico e de investir 5% do faturamento em pesquisas e desenvolvimento. Esse dinheiro poderá ser aplicado em pesquisas próprias ou destinado a instituições especializadas.

O decreto assinado no dia 14 fixa as alíquotas do IPI em 15% para bens finais, 10% para partes e peças e em 5% e 2% para componentes produzidos dentro e fora do País, respectivamente. Com os incentivos, deverá haver uma nítida vantagem para a produção nacional. Poderão enquadrar-se na lei os fabricantes de computadores e partes, componentes eletrônicos, impressoras, telefones celulares e monitores de áudio, além de outros produtos.
Uma eficiente política de informática é um passaporte necessário para ingresso na economia contemporânea. Não se trata de investir na recriação da tecnologia disponível noutros países. Erros desse tipo já foram cometidos no Brasil e houve um aprendizado. Trata-se agora de estimular indústrias a produzir no País o que de mais moderno se pode fabricar. Numa economia tão diversificada e tão grande quanto a brasileira, não pode faltar o domínio dessa tecnologia. Não se trata de buscar a auto-suficiência a qualquer preço, mas de evitar uma excessiva dependência da produção estrangeira.

Basta pensar nas dimensões dos projetos de telecomunicação para se ter uma idéia, embora muito incompleta, da enorme importância da informática para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
No entanto, o projeto da nova Lei de Informática foi tratado, pelos políticos brasileiros, como um tema de política regional. Isso explica, em boa parte, sua demorada tramitação no Congresso. Em vez de se preocupar com a posição que o Brasil pode ocupar no mundo, esses políticos - parlamentares e governadores - deixaram-se conduzir por uma visão estritamente provinciana. O Executivo acabou sendo forçado a atuar como mediador nessa disputa rasteira. O projeto só foi aprovado pelo Congresso no final de 2000.

Os dois primeiros decretos de regulamentação foram assinados somente em abril de 2001. Tudo isso atrasou a definição de regras para os projetos. O custo desse atraso não se mede apenas em bilhões de dólares gastos a mais com importações que o País poderia evitar. Mas esse tipo de consideração está fora do alcance de quem só consegue ver o jogo eleitoral de sua paróquia.


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01/02/2002


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