Emprego: Estado e empresas adotam ações para incluir deficientes no mercado de trabalho
Programa auxilia no combate ao preconceito de que portadores de necessidades especiais são incapazes profissionalmente
Pedro, Flávio, João, Leandro e Priscila têm uma característica em comum: fazem parte do universo de 25 milhões de brasileiros portadores de necessidades especiais. Há alguns anos, o ingresso no mercado de trabalho para a maioria dessas pessoas era restrito. Hoje, a situação é diferente. E uma das principais razões para a mudança foi a Lei nº 8.213/91, que, em seu artigo 93, estabelece cotas para deficientes que as empresas privadas devem contratar como parte do seu quadro de funcionários.
Com a aprovação dessa norma e, conseqüentemente, a necessidade de se criar um órgão que facilitasse a intermediação entre as empresas e essa mão-de-obra específica, nasceu o Programa de Apoio às Pessoas Portadoras de Deficiência Física (Padef), da Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho. Há 11 anos, o projeto contribui para acabar com o preconceito de que os deficientes são incapazes de realizar tarefas, inserindo-os no mercado.
Desde 1995, ano que deu aos trabalhos do Padef, foram inscritas 17.059 pessoas na ação, e 15.119 foram encaminhadas a vagas de emprego em grandes corporações. Desse total, 4.163 foram contratadas. As empresas cadastradas abriram 7.802 vagas, de acordo com Nydia Niederauer, coordenadora do programa há três anos.
Laboratórios Delboni e Lavoisier, Natura, McDonald’s, bancos Real e Itaú, Telefônica, Parmalat, Nestlé, Tim, Serasa e Associação Comercial de São Paulo (ACSP) são algumas das organizações e instituições que receberam portadores de necessidades especiais. Algumas mantêm programas próprios para esse tipo de contratação.
Nydia explica que, “indiretamente, a iniciativa desenvolve consciência nas empresas para assegurar a esses trabalhadores empregabilidade e a plena evolução da cidadania”. Os interessados em trabalhar são atendidos e cadastrados numa rede de postos e, posteriormente, encaminhados para preenchimento de vagas. O Padef promove também encontros com empregadores e sociedade civil. O objetivo é ampliar a divulgação sobre a importância da inserção dos deficientes no mercado de profissional, além de organizar cursos de qualificação.
Valorizar a diversidade
“Os empreendedores descobriram que, muito além da obrigatoriedade, o ingresso de um deficiente em seus quadros torna o ambiente corporativo mais humano. A diversidade sensibiliza os colaboradores, que pressionam a sociedade a encontrar soluções adequadas para pessoas especiais”, diz João Ribas, coordenador do Programa Serasa de Empregabilidade com Deficientes Físicos. O Banco Real contrata interessados encaminhados pelo Padef e mantém programa específico de valorização da diversidade. Maria Cristina de Carvalho, superintendente de recursos humanos do banco, afirma que foi criado, em 2003, o comitê que iniciou estudo da demografia interna da instituição.
O grupo descobriu que o ingresso de portadores de necessidades especiais era tímido e havia necessidade de ações de sensibilização em toda a hierarquia corporativa. Hoje, a instituição firmou parceria com ONGs para a admissão de profissionais com essas características. Conhecido como Geração Eficiente, o programa de inserção de deficientes oferece estágio de seis meses, no qual o funcionário recebe treinamento adequado. Cristina explica que esse tipo de ação afirmativa tem objetivo preparar os profissionais, que muitas vezes entram tardiamente no mercado de trabalho e não tiveram condições de preparo para enfrentar esse ambiente tão competitivo.
Responsabilidade social
A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) investe há anos em responsabilidade social. A instituição tem 800 funcionários, dos quais 45 portadores de necessidades especiais. “Muito além dos 4% exigidos por lei”, diz Fernando Moya, superintendente de RH da ACSP. Ele explica que a prioridade é contratar profissionais com essas diferenças, mas que trabalhem dentro da sua própria área de formação. É o caso do fisioterapeuta Pedro Paulo, um jovem de 24 anos que atende diariamente os funcionários que precisam de auxílio fisioterápico. Duas vezes por semana, Pedro ministra ginástica laboral.
“A ACSP tem em seus quadros portadores de necessidades especiais que trabalham aqui há mais de 30 anos, bem antes da lei”, relata Moya. A associação tem 111 anos de existência. Para o executivo, as empresas descobriram que, do ponto de vista profissional, é positivo contratar deficientes, pois a maioria é dedicada, dificilmente falta e tenta superar seus próprios limites para conseguir um resultado funcional eficiente.
Ações afirmativas
Interessados que visitam pela primeira vez o prédio da Serasa – empresa de análise e informação de crédito – pensam que estão num edifício futurista. Conhecido como prédio inteligente, todas as instalações foram adaptadas para portadores de necessidades especiais, desde a chancela na portaria até os elevadores. A Sede Serasa é o primeiro prédio do Brasil com certificação de acessibilidade para todos os tipos de deficiência. Em 2003, recebeu da Fundação Carlos Alberto Vanzolini certificado de edificação adaptada às pessoas com deficiência, pela conformidade à NBR 9050 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
O edifício tem rampas com inclinação não superior a 15 graus; portas e passagens com largura adequada para cadeirantes; corrimãos; catracas especiais para cadeirantes; “piso tátil”, com texturas e relevos diferenciados, para deficientes visuais; banheiros masculinos e femininos adequados em todos os pavimentos, desde o subsolo; sintetizador de voz nos elevadores (informa o andar em que se está e o que deseja subir ou descer) para os deficientes visuais; indicadores em braile nas teclas dos elevadores; e portas automáticas para facilitar tráfego de pessoas com problemas de visão (dotadas de sensores, abrem-se mediante aproximação).
O Programa Serasa de Empregabilidade para Pessoas com Deficiência, adotado em agosto de 2001, tem como finalidade oferecer aos portadores de deficiência qualificação profissional e contratação na Serasa, ou em outra empresa. A base do projeto é o desenvolvimento da competência profissional dos seus integrantes. Procura alcançar dois objetivos: buscar empregabilidade e oferecer crescimento no trabalho. De acordo com João Ribas, coordenador da ação, não se adota qualquer forma de assistencialismo, benemerência ou paternalismo.
Desenvolvimento e ascensão
Ribas explica que, para a Serasa, empregabilidade não é somente contratar deficientes, abrange também iniciativas de inclusão e permanência desses profissionais no mercado de trabalho, com perspectivas de desenvolvimento e ascensão. “As pessoas podem ser portadoras de necessidades especiais, mas devem ter independência para ir e vir”, defende Ribas. O executivo informa que na última turma foram contratados deficientes visuais e auditivos. É o caso da psicóloga Priscila, portadora de deficiência visual, que faz parte do quadro desde 2005. Para este ano, a Serasa pretende admitir os que têm deficiência mental.
O sucesso do programa, segundo Ribas, deve-se à própria cultura da organização. “Não precisamos criar educação empresarial para atender a essa mão-de-obra. A própria diretoria pede a contratação de funcionários com essas características”, diz. A organização adota ações afirmativas para a adequação dos demais trabalhadores àqueles com necessidades especiais. “No final do ano passado, foi promovido curso que ensinava a Língua Brasileira de Sinais (Libras), para todos os profissionais da empresa. Tínhamos somente 30 vagas. Em meia hora, se esgotaram. Estamos com lista de espera e realizaremos em breve novo curso”, informa.
Outra ação da Serasa é o convênio assinado com a Universidade de Santo Amaro (Unisa). O profissional com necessidades especiais que passar no vestibular terá 80% de bolsa e poderá assistir às aulas na própria empresa. É o caso da funcionária Carolina, deficiente auditiva, que foi aprovada e poderá utilizar o benefício, com acompanhamento de uma intérprete de Libras.
Participação da sociedade
Para o diretor-executivo do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo (CRC-SP), Edeson Figueredo Castanho, uma lei ajuda a inserção desses profissionais no mercado, mas “toda a sociedade deve participar do processo”. Castanho defende uma política de conscientização e de mudança na sociedade brasileira, que não está preparada para “acolher e assistir pessoas deficientes”. Localizada no bairro de Higienópolis, a sede do CRC-SP passou há dois anos por reforma para adaptar suas dependências e facilitar a vida dos associados e dos seus profissionais deficientes. O edifício tem banheiros masculinos e femininos adaptados, cadeiras para obesos e cadeirantes nos auditórios, rampas de acesso e vagas na garagem para essa parcela de profissionais.
“No Congresso dos Contabilistas, em 2004, em Santos, sentimos na ‘pele’ esse problema. Um congressista cadeirante e obeso não encontrava hotel adaptado. Só localizou um na cidade do Guarujá, bem distante do local do congresso”, afirma Castanho. Em sua opinião, o mercado deveria investir fortemente em produtos para esse público-alvo, bem como toda a infra-estrutura da cidade deve ser adaptada para facilitar a vida dessas pessoas, que desejam trabalhar e colaborar para o crescimento do País.
SERVIÇO
Pessoas com deficiência e os empregadores interessados no Padef devem se dirigir a um Posto de Atendimento ao Trabalhador. A lista está no site www.emprego.sp.gov.br/sert ou pelos telefones (11) 3357-3303 e 3357-3306
Programa Serasa de Empregabilidade: [email protected]
Associação Comercial de São Paulo (ACSP): www.acsp.com.br
Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo (CRC-SP): www.crcsp.gov.br
05/26/2006
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