Faltou pouco para Lula









Faltou pouco para Lula
Ciro Gomes já acertou o apoio ao petista. Além disso, o surpreendente desempenho do partido nas eleições estaduais compensou a frustração do comando de campanha do PT com a vitória que escapou nas eleições presidenciais

Eram 23h30. O candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva pegou o telefone e ligou para Fortaleza. Falou com o candidato do PPS, Ciro Gomes. Disse a ele, que pelas projeções do PT, terminaria a eleição com 49% dos votos válidos. Teria de disputar o segundo turno e esperava poder contar com o apoio de Ciro. “Pode contar comigo”, respondeu Ciro, para a alegria de Lula. Hoje mesmo, o candidato do PPS anuncia hoje às 11h seu apoio a Lula. Ocorrerão coletivas simultâneas em São Paulo e em Fortaleza. Na terça, Ciro estará com Lula para iniciarem a campanha em conjunto.

A garantia do apoio de Lula e o surpreendente desempenho dos candidatos petistas em vários estados levantavam o ânimo diminuído pelo fato de Lula não ter vencido no primeiro turno. Com 52,9% das urnas apuradas, o sonho petista de vitória de Lula no primeiro turno, que algumas pesquisas chegaram a acalentar, não se confirmava. A essa altura, Lula tinha 46,8% dos votos válidos, contra 24,1% do candidato do PSDB, José Serra. Se Lula não foi capaz de decidir logo a eleição, demonstrou força suficiente para levar o PT a uma situação inédita nas eleições estaduais.

Os resultados mostravam a presença do partido em nada menos que nove disputas de segundo turno, inclusive em São Paulo e no Rio de Janeiro, os dois maiores colégios eleitorais aonde a eleição continuará. Em dois estados, governadores petistas podiam vencer no primeiro turno: Jorge Vianna, no Acre, e Wellington Dias, no Piauí. Atualmente, o PT tem dois governadores. Termina o dia 6 de outubro com possibilidades de entrar o ano que vem com onze.

Os resultados previam o PT no segundo turno em São Paulo, com José Genoino (contra Geraldo Alckmin, do PSDB); no Rio, com Benedita da Silva (contra Rosinha Matheus, do PSB); no Rio Grande do Sul, com Tarso Genro (contra Germano Rigotto, do PMDB); no Distrito Federal, com Geraldo Magela (contra Joaquim Roriz, do PMDB); em Sergipe, com José Eduardo Dutra (contra João Alves, do PFL); no Amapá, com Dalva Figueiredo (contra Waldez Góes, do PDT); no Pará, com Maria do Carmo (contra Simão Jatene, do PSDB); no Mato Grosso do Sul, com Zeca do PT (contra Marisa Serrano, do PMDB), e no Ceará, com José Airton (contra Lúcio Alcântara, do PSDB).

Um resultado que, se confirmado, levará a militância petista para as ruas em muitos mais estados do que se imaginava. No cenário otimista que o comando petista imaginava antes, Lula, eleito, se transformaria em cabo eleitoral dos candidatos do partido no segundo turno. Projetava-se muito menos disputas do que as urnas estão revelando. Agora, esses candidatos é que se transformarão em cabos eleitorais de Lula. Mesmo na campanha de Serra, um dos seus analistas de pesquisas afirmava ontem que o bom desempenho nesses estados — e em outros, como Pernambuco, onde Jarbas Vasconcelos, do PMDB, venceu as eleições, mas Humberto Costa, do PT, teve resultado acima do esperado — é a principal arma com que contará Lula no segundo turno.

Busca de aliados
Resolvido o apoio de Ciro Gomes, o presidente do PT, José Dirceu partirã em busca da adesão de Anthony Garotinho, do PSB. Com relação a Ciro, o PSDB imaginava que pudesse reverter essa situação com a ajuda do ex-governador do Ceará Tasso Jereissati, do PSDB. Pouco provável. O próprio Tasso está na quota de possíveis apoios de Lula no segundo turno. Ainda no grupo de Ciro, Lula conta com um apoio que já estava acertado há tempos. O vice de Ciro, Paulo Pereira da Silva, já tinha acertado com o candidato do PT que, no segundo turno, ele teria integralmente o apoio da Força Sindical.

Quanto a Garotinho, os temores do partido de Lula são maiores. Com 43,5% das urnas do estado apuradas, as eleições no Rio ontem à noite projetavam um segundo turno entre a mulher do candidato do PSB, Rosinha Matheus, e a governadora Benedita da Silva, do PT. Uma situação que, temia o PT, podia levar Garotinho a uma situação de neutralidade na eleição presidencial. À noite, Garotinho não dava sinais do que pretendia fazer. Ele ainda sonhava com a possibilidade de aproximar-se e ultrapassar Serra. Confiava ainda em estar no segundo turno.

Além dos dois candidatos, Lula contabilizava dois importantes apoios declarados ainda ontem, nas seções eleitorais. Na fila de votação, o presidente do PDT, Leonel Brizola, anunciou que estará com Lula, assim como seu partido. O mesmo fez o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, que voltará agora ao Senado. ACM declarou o voto no primeiro turno em Ciro. Mas nas entrelinhas deu a entender que pode já ter votado em Lula ontem. ‘‘O melhor era que Lula ganhasse logo a eleição’’, disse ele.

Para o diretor do Vox Populi, Marcos Coimbra, Lula passa para o segundo turno como ‘‘amplamente favorito’’. O fato de ele estar com um percentual mais baixo do que projetavam as últimas pesquisas eleitorais, na opinião de Coimbra, não deve perturbar o candidato do PT. ‘‘Em 1998, Fernando Henrique Cardoso também teve menos votos no primeiro turno do que apontavam as pesquisas estimuladas’’, comenta Coimbra. ‘‘Já vínhamos verificando esse fenômeno. Quando um candidato tem ampla vantagem, muitos eleitores que não estão muito decididos acabam dizendo que votarão nele quando vêem seu nome na lista. Mas, na verdade, apenas acham que vão votar nele’’. Agora, acha Coimbra, Lula inicia a nova etapa com conforto. ‘‘Ele só precisa conseguir mais dois ou três pontos percentuais agora para vencer a eleição’’.

Problemas
No comando petista ontem à noite, porém, eram avaliados os problemas que impediram a vitória de Lula já no primeiro turno. Chamava a atenção o bom desempenho de Serra no município de São Paulo, administrado pelo PT. Problemas em São Paulo já eram esperados. Mas, além da capital paulista, Serra também contabilizava bom desempenho no Rio Grande, estado governado pelo PT. Eram calos que se apontavam na corrida de Lula desde o início. Nem Olívio Dutra nem Marta Suplicy têm suas administrações muito bem avaliadas. Os petistas temiam ontem que esses dois tropeços viessem a ser explorados. Assim como a inesperada possibilidade de segundo turno no Mato Grosso do Sul, onde todas as pesquisas apontavam vitória folgada do governador Zeca do PT.

Para Marcos Coimbra, no entanto, ainda era precipitado, com o percentual apurado em São Paulo, contabilizar a votação de Serra ali como um problema real para Lula. ‘‘Desde o início da semana, a hipótese de segundo turno era provável. O fato importante é que o favoritismo de Lula não se alterou nem um pouco’’, afirma.


E Serra consegue o segundo turno
José Serra chega ao segundo ultrapassando a faixa dos 20% dos votos válidos, uma porcentagem perseguida ao longo de toda sua campanha. Mais do que isso, o candidato do PSDB à Presidência estava na casa dos 24% dos votos válidos até o fechamento desta edição. A votação expressiva no estado de São Paulo, especialmente na capital governada pelo PT, é apontada como uma das principais razões para o bom desempenho de Serra.

Depois de escapar por pouco do vexame de perder a eleição no primeiro turno, entretanto, a principal arma que Serra usou para chegar até aqui com vida eleitoral promete se transformar em seu principal problema. Os tucanos consideram que o principal desafio será tirar a tarja de ‘‘candidato que ataca todo mundo’’, tecla em que os petistas prometem bater sem dó. Afinal, foi o programa de Serra que exibiu as frases desastrosas de Ciro Gomes (PPS), quando o candidato da Frente Trabalhista estava em alta na bolsa de apostas para o segund o turno.

O mesmo recurso não funcionou no caso de Luiz Inácio Lula da Silva. Tanto é que, nos últimos dias, a equipe comandada pelo publicitário Nizan Guanaes trocou os ataques a Lula por um apelo aos eleitores, no sentido de pensarem melhor e darem a Serra a chance de mostrar seu preparo e suas idéias para o país — aposta que transformou Serra num vencedor e continuará a ser adotada no segundo turno.

‘‘Segundo turno é outra eleição. Mostrar as qualidades do nosso candidato e manter o debate em torno das idéias e do preparo de cada um será o modo mais acertado de vencermos a eleição’’, comentou recentemente o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Jutahy Magalhães (BA), confiante de que o preparo de Serra, associado ao apoio político que o candidato pode receber neste segundo turno serão passaporte para uma vitória.

Todos unidos
A primeira atitude de Serra será no sentido de tentar unificar o partido na difícil corrida contra Lula e o tempo. Agora, contará, por exemplo, com a ajuda do senador eleito Tasso Jereissati (PSDB-CE) que, no primeiro turno, ficou fora da campanha. Terá ainda o apoio de setores do PFL do Paraná, que estavam com Ciro Gomes (PPS). Mas não levará para o seu palanque todos os pefelistas. O senador eleito Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) promete desembarcar em Brasília na quarta-feira, quando o partido se reúne, para pedir a neutralidade do PFL na disputa presidencial.

Os tucanos estão eufóricos. Durante toda a campanha, chegaram a acreditar por duas vezes que Serra estava morto eleitoralmente. A primeira foi quando Ciro Gomes, no final de julho, antes de começar o horário eleitoral gratuito, ultrapassou os 20% das intenções de voto, empurrando o candidato do PSDB para a terceira posição. Ali, muitos começaram a se afastar de Serra. E Tasso Jereissati aproveitou para dizer que não teria meios de fazer campanha para o tucano no Ceará por causa de sua ligação com Ciro.

A saída foi uma reunião de emergência em Brasília com os candidatos a governador, na tentativa de mostrar que nem tudo estava perdido e que Serra não estava abandonado. Joaquim Roriz (PMDB) foi direto, segundo alguns tucanos presentes à reunião. ‘‘Distribui cesta básica. É assim que eu faço’’, comentou Roriz naquele encontro, segundo relato de quatro políticos presentes.

O governo, no entanto, preferiu esperar e não apostar tudo em Serra. Afinal, o presidente Fernando Henrique Cardoso não queria queimar todas as suas pontes com Lula, na hipótese de o petista disputar o segundo turno contra Ciro — a quem Fernando Henrique não queria se ver obrigado a transmitir a faixa presidencial.

A segunda vez em que o PSDB acreditou não ter mais chances para Serra foi há poucos dias, quando sua equipe não chegava a um consenso sobre como tirar o lastro que detinha o candidato em 19% das intenções de voto. Para completar, os institutos de pesquisa começaram a comentar que existia a real possibilidade de Lula vencer no primeiro turno, por causa da chamada margem de erro das pesquisas. Apelaram ao presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi participar da campanha em Minas e, na tevê, exibiram um Serra fazendo apelos contundentes aos eleitores para que não encerrassem a campanha no primeiro turno.


Adiada a festa petista
Militantes e assessores do PT estavam com tudo pronto para tomar a principal avenida de São Paulo, parcialmente fechada para a comemoração da vitória em primeiro turno, que não aconteceu

São Paulo — Candidato do PT, Luíz Inácio Lula da Silva, foi dormir, no sábado, com as esperanças de vitória no primeiro turno renovadas. A última pesquisa de opinião do Ibope, divulgada pela Rede Globo, dava-lhe os 50% dos votos válidos necessários para liquidar a fatura de vez. Lula e seus principais assessores falaram com o presidente do instituto, Carlos Augusto Montenegro, pelo telefone. Montenegro disse-lhes que Lula era o novo presidente da República. ‘‘Se não for agora, será no segundo turno’’, ressalvou. Apesar de tentar manter a cabeça fria, o PT preparou uma festa para comemorar a vitória. No final da noite de ontem, ainda acompanhando os resultados da apuração oficial do Tribunal Superior Eleitoral, a cúpula petista analisava seriamente o quadro político com um possível segundo turno contra José Serra, do PSDB. Mas comemorava, como compensação, o inesperado bom desempenho dos seus candidatos a governador nos estados.

Durante a tarde, o comitê central da campanha de Lula viveu um clima antecipado de vitória. Um pequeno cartaz, colado na parede, convidava os militantes a participarem da festa, marcada para a avenida Paulista. O ex-secretário de Relações Internacionais do partido, Marco Aurélio Garcia, conversava em espanhol com jornalistas e políticos estrangeiros que passaram por lá para acompanhar a eleição e cumprimentar Lula pela vitória. Quando os primeiros resultados de boca-de-urna nos estados começaram a ser divulgados, mostrando o crescimento de várias candidaturas petistas de forma inesperada, ele se entusiasmou. ‘‘Não me surpreenderia se Lula tivesse 53% ou 54% dos votos’’, disse. Mas a notícia de um segundo turno à vista tirou Marco Aurélio de circulação.

As autoridades de trânsito estavam alertadas e preparadas para a festa. No começo da noite, interromperam o tráfego em uma das pistas da avenida com cones. Estava tudo marcado para começar às 21 horas. Às 23 horas, a avenida continuava interrompida, mas estava vazia. Os poucos militantes comemoravam o resultado do primeiro turno da eleição para governador do Estado. O candidato petista, José Genoíno, não só se qualificara para a disputa contra Geraldo Alckmin, do PSDB, como derrotara Paulo Maluf. ‘‘Eu esperava que o Lula ganhasse no primeiro turno, mas já me sinto satisfeita por termos enterrado o Maluf’’, dizia a comerciante Rita Taufic, enrolada num enorme bandeira do PT.

Lula chegou ao comitê no final da tarde, acompanhado pelos principais assessores. Todos silenciaram. Já ninguém favala sobre o pronunciamento ou mesmo da participação do candidato na festa da Paulista. A cúpula do partido olhava com estranheza os resultados nos estados, onde as urnas mostravam surpresas de última hora. São Paulo era um caso. Sabia-se que o candidato ao governo, José Genoíno, estava na disputa por uma vaga no segundo turno, mas o resultado de seu desempenho nas urnas ficou muito acima do esperado. Até as nove horas da noite, ainda havia esperança no ar. O casal de noivos Anedi Costa de Oliveira e Carlos Garcia Carvalho estavam confiantes. Sabiam dos resultados de boca-de-urnas, mas lembravam que a diferença entre o segundo turno e a vitória no primeiro era mínima. ‘‘Vamos ter que esperar até o último voto’’, dizia Anedi. Pouco depois, também os insistentes militantes postados diante do comitê renderam-se ao cansaço. Segunda-feira é dia de trabalho e todos ali tinham de pegar no batente bem cedo. A festa, para eles, havia sido adiada por mais 20 dias.


FHC pretende escrever
O presidente Fernando Henrique Cardoso disse que não pretende deixar a vida pública após o término do seu mandato. ‘‘Não cabe mais vida política partidária eleitoral, mas cabe presença na vida pública’’, afirmou em São Paulo. Ele acrescentou que não decidiu se aceita o convite que recebeu para ser conselheiro da Organização das Nações Unidas (ONU). ‘‘Quero terminar de escrever alguns trabalhos, cumprir compromissos internacionais, mas sempre mantendo minha base em São Paulo.’’

Apesar de o voto ser secreto, Fernando Henrique revelou seus candidatos óbvios, depois de digitar os números na urna eletrônica. ‘‘Votei no Serra (presidência) e no Alckmin (governo paulista), além de senadores e deputados do meu partido’’. No fim da tarde, Fernando Henrique retornou a Brasília, onde acompanhou a apuração dos votos.

F ernando Henrique disse estar disposto a colaborar com o próximo governo, seja quem for o futuro presidente. Perguntado se poderia ajudar uma eventual administração de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente perguntou a repórteres: ‘‘Por que vocês não me perguntam sobre o governo Serra?’’. E, logo depois, ressaltou: ’’Colaboraria com qualquer governo, esse é o dever de qualquer brasileiro’’.

Instituições funcionam
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Marco Aurélio de Mello, não teme eventual descontrole do país no caso de vitória da oposição. ‘‘De forma alguma. Que prevaleça a vontade do eleitor e o presidente saberá que não dirige o Brasil de forma isolada. As instituições estão em pleno funcionamento: Ministério Público, Judiciário, Legislativo’’, disse após votar na Escola das Nações, na QI 21 do Lago Sul. Ele chegou acompanhado de sua filha, Letícia, 26, que vota na mesma seção do pai e declarou apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). ‘‘Votei no Lula e no Cristovam [Buarque]’’, disse Letícia.

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, chegou às 16h15 ao Instituto Dom Orione, no Lago Sul, onde votou. Ele compareceu à seção por volta das 10h, mas como estava cheia, resolveu voltar à tarde. Ele elogiou as eleições e classificou-a como a ‘‘festa da democracia’’.


PT conquista votação histórica
Impulsionados pelo bom desempenho da campanha de Lula, nove candidatos petistas continuam na briga pelos governos estaduais no segundo turno. Partido também ganha força na Câmara dos Deputados

Mais uma vez o PT mostrou que é bom de chegada. Até às 22h30min, apenas oito estados haviam eleito seus governadores. Em nove dos 19 estados em que possivelmente haverá segundo turno, o PT será um dos protagonistas da briga. O número de votos favoráveis a muitos candidatos petistas apurados até o final da noite de ontem pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi muito superior ao previsto nas últimas pesquisas de intenção do eleitorado. Em todos os casos, o otimismo criado pela bem sucedida campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República influenciou os eleitores. Projeções do IBOPE aponta que o partido terá um maior número de representantes na Câmara dos Deputados, com uma bancada semelhante a do PFL e a do PMDB.

O melhor exemplo da virada de última hora do PT é o candidato ao governo de São Paulo, José Genoino. Ele tirou Paulo Maluf (PPB) da disputa pelo Palácio do Bandeirantes. O petista vai enfrentar o atual governador Geraldo Alckmin (PSDB). ‘‘Estou preparado para a segunda fase e tanto faz quem for o adversário’’, disse Alckmin. A reviravolta em São Paulo foi surpreendente, porque Maluf liderou as pesquisas de intenção de voto por quase toda a campanha. Ontem o candidato do PPB ainda demonstrava confiança. ‘‘Estamos absolutamente tranqüilos porque vamos para o segundo turno’’, disse.

Outra que pode ir para o segundo turno é Benedita da Silva (PT). Na contagem de ontem à noite, ela enfrentaria Rosinha Garotinho (PSB) na briga pelo governo do Rio. Além da onda Lula, o empenho da governadora na reta final também foi determinante para ganhar votos de última hora. Ela passou o domingo na rua, cumprimentando eleitores em diversos pontos da cidade. Percorreu mais de 200 quilômetros, desde que saiu da seção instalada em uma escola próxima ao morro Chapéu Mangueira, onde a governadora cresceu. No decorrer do dia, Benedita emocionou-se com o carinho dos eleitores na Zona Sul e com os aplausos dos eleitores.

O PT se destacou também na briga estadual pelo Senado. Deve eleger dez senadores. Alguns deles não apareciam nem com chances de vitória. Em Rondônia, Fátima Cleide (PT) acabou terminando em primeiro lugar apesar de ter ocupado apenas a terceira colocação nas pesquisas.

Mas em alguns estados onde o PT parecia ter uma situação confortável, como é o caso do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso do Sul, as coisas se complicaram. O governador sulmatogrossense, Zeca do PT, era favorito para vencer neste domingo. No entanto, terá de enfrentar um segundo turno com Marisa Serrano (PSDB). No Rio Grande do Sul, governado pelo petista Olívio Dutra, a grande surpresa acabou sendo o candidato Germano Rigotto, do PMDB. No começo da campanha, ele contava apenas com 4% das intenções de voto. Acabou chegando em primeiro lugar e vai enfrentar Tarso Genro (PT) no segundo turno, com grandes chances de ser o próximo ocupante do Palácio Piratini.


Segundo turno injeta otimismo no mercado
Previsão de analistas é que Bolsa de Valores suba e cotação do dólar caia diante da perspectiva de mais três semanas de disputa presidencial

A indicação de segundo turno nas eleições presidenciais deu novo ânimo ao mercado financeiro. A passagem do governista José Serra (PSDB) para a nova etapa da disputa pelo Palácio do Planalto deverá jogar os preços do dólar para baixo e provocar boa recuperação da Bolsa de Valores de São Paulo. ‘‘Pelo menos no curto prazo, teremos um clima de euforia no mercado. Até sexta-feira, havia quase uma certeza na vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno’’, disse, de Nova York, o chefe do Departamento de Pesquisa Econômica da Consultoria IdeaGlobal, Ricardo Amorim. Ele trocou informações com analistas e investidores de Wall Street durante todo o domingo.

Amorim afirmou, no entanto, que, se ficar comprovada a incapacidade de Serra de ultrapassar Lula na disputa, o quadro se inverterá rapidamente, causando estragos ainda maiores na economia nacional. ‘‘O dólar passará facilmente dos R$ 4 e o mercado de ações despencará, inclusive em países como a Espanha, cujos bancos e empresas têm grandes investimentos no Brasil’’, disse. O economista ressaltou, ainda que fez uma ampla pesquisa sobre o processo eleitoral.

Das 30 disputas para governador levadas para o segundo turno em 1994 e 1998, em apenas 11 os candidatos que estavam em segundo lugar na votação conseguiram reverter o jogo e sair vitoriosos. A maior reversão foi de 21 pontos, na disputa entre Eduardo Azeredo e Hélio Costa, em 94, pelo governo de Minas Gerais. ‘‘Essa pesquisa nos mostra o quanto será difícil para Serra virar o jogo contra Lula. E o mercado estará de olho nisso’’, ressaltou Amorim.

Na avaliação do presidente da Associação Brasileira das Empresas de Capital Aberto (Abrasca), Alfried Plöger, mais importante do que projetar a alta ou a baixa do dólar durante as próximas três semanas da disputa presidencial, é a oportunidade que o país terá para analisar melhor as propostas dos dois candidatos escolhidos. ‘‘Embora tenhamos um período maior de angústia, temos que olhar para os resultados de longo prazo se fizermos a escolha certa’’, afirmou.

Essa opinião é compartilhada pelo vice-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Roberto Jeha. ‘‘Teremos um prazo maior para debatermos idéias e propostas e consolidarmos nossa democracia’’, disse. ‘‘Os especuladores, no entanto, vão fazer de tudo para tirar proveito nessas três semanas e, quem sabe, fazer valer a ditadura do mercado que, se pudesse, nomearia o novo governo de acordo com os interesses de Wall Street’’, ironizou. Segundo Felipe Ohana, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ‘‘o custo do segundo turno é baixo diante da grandeza do processo democrático’’.

Para o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, o segundo turno agravará as incertezas em relação ao Brasil, que fazem o dólar disparar e a inflação voltar a dar sinal de vida. ‘‘Para um mercado nervoso desde março, prorrogar o período eleitoral é deixar as dúvidas pairando no ar’’, afirmou. Ele destacou, ainda, que o jogo natural das articulações políticas e dos boatos que cercam a s alianças para o segundo turno tendem a acentuar os altos e baixos do mercado financeiro.

Nem mesmo a possibilidade de eleição de José Serra amenizará a tensão dos investidores, disse Thadeu. Para Alexandre Fischer, sócio-diretor da RC Consultores — que mede o risco de se investir em empresas e bancos —, a tendência do dólar é se acomodar em torno de R$ 3 depois da escolha do novo presidente. Até lá, diz ele, a moeda americana deverá continuar a oscilar num valor próximo a R$ 4. ‘‘Os investidores estão ansiosos para conhecer as linhas gerais e a forma de trabalho do futuro governo’’, ressaltou Fischer.


Uma bagunça eleitoral
Grande quantidade de eleitores que votaram após as 17h deu margem à suspeita de irregularidade na eleição no Distrito Federal. Presidente do Tribunal Regional Eleitoral deu a ordem para reabertura dos portões nas diversas seções

A eleição no Distrito Federal foi a mais tumultuada da história da capital. Em dezenas de seções eleitorais, o brasiliense que quis manifestar o voto enfrentou longas filas. Em alguns locais, como Ceilândia, eleitores esperaram por mais de quatro horas para digitar os números dos candidatos nas urnas eletrônicas.

O atraso e a desorganização provocaram confusão nas portas de vários pontos de votação, principalmente escolas. Às 17h, quando deveria ser encerrada a votação, centenas de pessoas ainda estavam na fila. Em alguns locais, os portões foram fechados deixando do lado de foram muitos eleitores. O tumulto fez com que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) desse ordem para que os portões fossem reabertos.

A decisão do presidente do TRE, desembargador Lécio Resende, provocou ainda mais confusão. Segundo o artigo 153 do Código Eleitoral, após as 17h devem ser distribuídas senhas para os eleitores que ainda estão na fila, contanto que estejam no local até a essa hora e não depois. Como os portões foram reabertos depois das 17h, há a suspeita de que eleitores votaram de forma irregular após o horário previsto por lei.

O candidato do PT ao governo, Geraldo Magela, foi ontem à noite ao TRE denunciar que pessoas puderam votar sem senha até as 22h em locais que o governador Roriz poderia ser favorecido. O PT vai pedir a impugnação das urnas onde foi permitido o voto depois dos portões fechados. ‘‘Estamos em alerta absoluto por informações de que em alguns locais de votação juízes eleitorais autorizaram eleitores que chegaram depois das 17 horas a receber senhas e votar. E que pessoas votaram sem senha.’’

Magela teme que os votos fora do horário sejam de eleitores de Roriz. ‘‘Não há coincidência em política. As zonas eleitorais que tiveram problemas têm basicamente tendência de voto para o candidato oficial. Só não haverá segundo turno se houve roubo.’’, esbravejou.

Portões reabertos
Segundo o TRE, o problema ocorreu em Ceilândia, Candangolândia, Guará, Samambaia e Paranoá. O Tribunal não tinha ontem nem estimativa de quantos eleitores votaram depois da reabertura dos portões.

A decisão de permitir a entrada de eleitores fora dos portões que não tinham recebido senha após às 17h partiu diretamente do presidente do TRE, desembargador Lécio Resende. O Tribunal recebeu centenas de telefonemas de eleitores indignados reclamando que estavam sendo impedidos de votar.

No final da tarde, Lécio Resende convocou reunião no seu gabinete. Convocou a juíza Sandra de Santis; o corregedor do Tribunal, desembargador Níveo Gonçalves; o procurador eleitoral Franklin da Costa. O desembargador avaliou que os portões deveriam ser abertos. ‘‘Não podemos violar o direito das pessoas de votar’’, disse na reunião.

O procurador eleitoral foi consultado e concordou com a decisão do desembargador. ‘‘Irregularidade haveria se não fosse permitida as pessoas que já estavam ali há horas de votar porque se encontravam fora da escola por causa de um longa fila’’, afirmou o procurador Franklin da Costa.

Na reunião o desembargador Lécio Resende avaliou que os juízes eleitorais interpretaram equivocadamente a lei eleitoral. Resende acreditou que os juízes foram muito literais em relação ao horário de fechar a votação às 17h. Entre 18h e 18h15, o próprio desembargador ligou para os juízes eleitorais determinando a reabertura dos portões e que fosse entregue senha para todos que estivessem no local. A essa hora, no entanto, algumas filas já tinha sido desfeitas e não se poderia saber ao certo quem já estava ali antes das 17h. O problema foi levado novamente a Lécio Resende, que manteve a decisão de permitir a votação. ‘‘Na dúvida, é melhor manter o direito de todo mundo votar’’, concluiu.

‘‘No meu ponto de vista não houve irregularidade alguma’’, disse o procurador Franklin da Costa. Ele afirmou que conversou com todos os promotores ontem à noite para checar se houve algum problema com a reabertura dos portões. ‘‘Nenhum deles me relatou irregularidades. Disseram que não houve problemas’’, contou o procurador. Trabalharam ontem 68 promotores. Quatro por zona eleitoral para fiscalizar a eleição.

Impugnação
No entendimento de alguns membros do Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, o caso deve ser analisado cuidadosamente. O ministro Fernando Neves disse que, ‘‘em princípio, a eleição acontece num determinado horário. Ultrapassado esse horário, deve ser realizada a distribuição de senha e todas as pessoas que receberam as senhas devem votar. As que chegarem após a hora estabelecida não podem vota’’.

Neves, porém, não quis falar especificamente da decisão do TRE do Distrito Federal. Disse não conhecer a decisão. Outro ministro, consultado pelo Correio, que pediu para não ser identificado, afirmou que a hipótese de pessoas votarem após as 17h sem senha é motivo para impugnação das urnas. Ressaltou entretanto que a denúncia de supostas irregularidades deve ser feita imediatamente.

‘‘Na Justiça eleitoral, se as medidas não forem tomadas no ato, é muito difícil reverter a situação mais adiante’’, explicou o ministro. Para ele, os fiscais dos partidos presentes no local deveriam ter comunicado o episódio às assessorias jurídicas de seus partidos ou aos fiscais do TRE no ato da entrada dos eleitores sem senha.

Paulo Goyas, advogado de coligação de Roriz, contou que também recebeu informações de problemas em São Sebastião, Paranoá, Taguatinga e Samambaia. Segundo ele, eleitores que ficaram fora das seções conseguiram votar. Mas, para o advogado, não há irregularidade nisso já que os eleitores estariam nas filas e só não entraram porque o espaço físico das seções não comportaria todos. ‘‘Se houve gente que estava fora e acabou entrando, é uma quantidade muito pequena. Isso é mais uma tentativa do PT de mostrar que houve fraude nas eleições.’’

Segundo a comissão apuradora do TRE, seis zonas eleitorais do Distrito Federal mantinham votação até 1h de hoje.


Próximos do Senado
Cristovam Buarque (PT) e Paulo Octávio (PFL) tiveram um dia tranqüilo. Resultados parciais do TRE confirmaram pesquisas de intenção de voto, que indicavam que eles seriam eleitos para ocupar as duas vagas do Senado

Eles passaram um dia sem sustos. Às 23h30, com aproximadamente metade das urnas do Distrito Federal apuradas, o ex-governador Cristovam Buarque (PT) e o deputado federal Paulo Octávio (PFL) já se consideravam eleitos para as duas vagas do DF no Senado.

Cristovam deixou o apartamento onde mora, na 215 Norte, às 9h55, em companhia da mu-lher Gladys e de alguns assessores. As filha Paula, 25, e Júlia, 27, saíram em outro carro para votar. A comitiva do PT seguiu em uma van branca para a casa de Magela, no Lago Norte. De lá, os dois candidatos saíram para votar.

Depois de quase meia hora de corpo-a-corpo com o ele itorado, Cristovam se dirigiu ao Centro Educacional Leonardo da Vinci, da 914 Norte, onde vota junto com a esposa. Chegando lá, distribuiu mais abraços e apertos de mão. Às 11h40, entrou na fila para votar. E sofreu como qualquer outro eleitor. Enfrentou cinqüenta e cinco minutos de espera. Contra a vontade dos fiscais da Frente Brasília Solidária, que apoiavam o governador Joaquim Roriz (PMDB). ‘‘Ele não precisa enfrentar fila’’, reclamou Renato Custódio, um dos fiscais de Roriz. ‘‘Ficando aqui ele só vai criar aglomeração.’’

Cristovam votou para presidente, governador, senadores e deputados em menos de 30 segundos. Quando já estava deixando a cabine, um mesário avisou: ‘‘Faltou confirmar o voto, professor’’. Cristovam, encabulado, deu meia volta e tratou de apertar o botão verde pela última vez. Foi aplaudido por eleitores que assistiam a cena pela janela da seção 38.

Na hora H, Paulo Octávio (PFL), de 52 anos, também quase perde a votação. Ele só apertou a tecla verde que confirmava os votos depois de ser avisado por um mesário da seção. ‘‘Até eu esqueci’’, disse, ao lado de André, o filho mais novo.

Com o número 255 estampado na camiseta azul, calça bege e botas, Paulo Octávio chegou às 10h47 na Escola Classe de 216 Sul dirigindo sua Ford Explorer. Embora estivesse disposto a enfrentar fila, a TV Globo, com pressa de filmá-lo, pediu para ele usar seu privilégio de candidato e entrar na seção 538 sem demora.

No entanto, eleitores à frente na fila não quiseram ceder seus lugares ao político. ‘‘Ele é igual a nós, de carne e osso. Se quer ir ao Congresso, tem que dar o exemplo, não pode furar fila’’, reclamou um rapaz que vestia camiseta vermelha.

Tranqüilo, evitando bate-boca, Paulo Octávio foi para o final da fila e esperou uma hora. Conversou com os eleitores, distribuiu autógrafos às crianças e agradeceu àqueles que se aproximaram para contar o voto favorável. ‘‘Que honra’’, respondia.

Acompanhado dos quatro filhos e a mulher, Ana Cristina Kubitschek, ele passou a manhã e a tarde visitando locais de votação e conversando com eleitores na Asa Sul e Lago Sul. Havia muitos cabos eleitores nessas regiões da cidade.

Depois das 17h, voltou para casa para tomar banho e passar na igreja Sara Nossa Terra, do Sudoeste, antes de acompanhar a apuração no comitê com a família, amigos e assessores.

‘‘Trabalhei demais’’, foi o resumo da campanha. Nos últimos 90 dias, Paulo Octávio dormiu uma média de três horas por noite e emagreceu três quilos.

Derrotado para o Senado, segundo relatório parcial do Tribunal regional Eleitoral (TRE) divulgado às 23h30, Jofran Frejat (PPB) acordou por volta das 6h ontem. Depois de ler os principais jornais, dirigiu-se ao colégio Inei do Lago Sul, onde fica sua seção eleitoral. Terceiro colocado na disputa pelas duas vagas do Distrito Federal ao Senado, Frejat disse que sua campanha foi prejudicada pela briga entre Paulo Octávio e Luiz Estevão.

‘‘O PTN, que é da nossa coligação, escolheu um candidato temporário enquanto tentava recolocar o Luiz Estevão na disputa. O tempo destinado a ele, porém, serviu só para atacar o Paulo Octávio, que conseguiu vários direitos de resposta no nosso programa. O resultado é que eu praticamente não tive tempo para falar sobre minhas realizações em três anos na Secretaria de Saúde’’, lamentou.


Artigos

As eleições pendentes
Rubem Azevedo Lima

Previa-se que Lula fosse o presidenciável mais votado nas eleições de agora. Admitia-se a sua vitória em primeiro turno, mas este repórter, diante de um pleito maculado por denúncias anônimas no horário eleitoral e por incríveis decisões da Justiça, prefere falar da eleição que ficaria pendente, fosse qual fosse o resultado. É a de Brasília, sob a lama exposta por gravações autorizadas pelo Judiciário, de conversas telefônicas do governador Roriz e alguns correligionários com grileiros de terras públicas no Distrito Federal.

A rogo de Roriz — que, aliás, usou parte das gravações contra terceiros —, impediu-se a imprensa de divulgá-las, o que a Constituição proíbe. Lesou-se, pois, o direito dos eleitores à informação, com conseqüências políticas talvez irreparáveis. Há, nesse material, provas que os especialistas julgam suficientes para pôr em xeque, em tribunais superiores, a proclamação da eventual vitória de Roriz, candidato à reeleição, e de alguns aliados, que concorreram a postos legislativos.

A decisão judicial definitiva, no caso, pode frustrar milhares de eleitores desses políticos, que votaram sem suspeitar que seus votos envolviam escolhas de risco, passíveis de anulação, extensiva, inclusive, aos suplentes de eleitos, beneficiários indiretos da grilagem e de outros crimes implícitos nesse ato.

A vitória de um candidato — palavra que veio da pureza da brancura — não implica a absolvição dos delitos que lhe foram atribuídos, por grilagem das terras de Brasília. Da mesma forma, a rejeição eleitoral de qualquer deles — que, por isso, não se elegeu —, também não importa, necessariamente, sua condenação.

Cabe à Justiça decidir, em função das provas, sobre os envolvidos na grilagem, tenham eles sido vencedores ou vencidos. E espera-se que o faça o mais cedo possível, ao contrário do que ocorria no passado, quando os autores de crimes eleitorais graves exerciam o mandato, como se inocentes fossem, ou pairassem acima do bem e do mal, e pudessem, portanto, praticar novas violências e falcatruas.

O desejável, no episódio, é que ele eleve eticamente os três poderes da democracia, punindo os culpados com o rigor da lei. Ao silenciarem a imprensa, puniram-na e puniram-se quantos a ela recorrem para informar-se. Punam-se, agora, os que, além do assalto às terras públicas, ilaquearam a boa-fé dos eleitores e viciaram inexoravelmente seus votos, tornando-se indignos de representá-los. O inadmissível é Brasília, como o Rio — por efeito de conivências e razões escusas, que consagram a impunidade oficial —, vir a ser uma nova Chicago de outros Al Capones.


Editorial

O TESTE DAS URNAS

O Brasil realizou a maior eleição de seus 502 anos de história. Cerca de 116 milhões de brasileiros estavam habilitados a votar para escolha do presidente da República, governador, representantes de dois terços do Senado e da totalidade dos deputados federais e locais.

Talvez em nenhum pleito anterior tenha havido tanto interesse da população, espalhada nos 5.658 municípios. A cobertura jornalística da campanha, que mereceu destaque sem precedente na mídia eletrônica, colaborou para tornar mais acirrada a disputa travada nas últimas semanas entre os principais candidatos à Presidência da República e aos governos dos estados.

O grande teste foi, sem dúvida, o das urnas eletrônicas. Introduzido no pleito de 1996, o sistema digital de voto teve o uso gradativamente ampliado até chegar à universalização em 2002. Utilizando tecnologia especialmente produzida no país, a novidade põe o Brasil na vanguarda dos países que contam com eficiente método para o escrútinio e aferição da vontade popular.

O resultado ensina algumas lições. Em boa parte das 334.871 seções eleitorais, formaram-se longas filas. Houve casos em que o eleitor precisou esperar mais de quatro horas para conseguir manifestar sua vontade. Não terão sido poucas as desistências ditadas pela irritação, pelo cansaço, pela fome.

Os transtornos se devem a vários fatores. Um deles, o planejamento do pleito. Em algumas seções, as urnas revelaram-se insuficientes, sobretudo porque alguns eleitores necessitaram de mais tempo do que o previsto pelo TSE. Várias urnas apresentaram defeito. Consertá-las ou substituí-las obedecia a processo demorado.

Mais: a preparação dos mesários não acompanhou o desenvolvimento tecnológico do sistema de votação. Os pontos de estrangulamento se verificavam, não raras vezes, no burocrático controle adotado para chegar a documentação, o que revela inconsistência da solução eletrônica com a manual.

O problema mais sério foi, sem dúvida, o analfabetismo digital. A sofisticação do método expôs com mais crueza o hiato entre os dois Brasis. Eleitores familiarizados com controles remotos, computador e internet marcaram os números dos candidatos com facilidade. Não levaram mais de três minutos para votar e verificar o voto. Já os marginalizados do avanço tecnológico precisaram de muitos minutos para registrar a opção.

Em suma: a solução digital demonstra situação de vanguarda do Brasil em relação aos países do Primeiro Mundo. É claramente a mais adequada para facilitar o processo eleitoral e dificultar fraudes. Mas requer aperfeiçoamentos em sua administração. Os custos da eleição são altos. Beiram os R$ 350 milhões. Não justificam mais um sacrifício imposto à população brasileira. Que 2002 sirva de lição para 2004.


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10/07/2002


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